Com quem fala o eleitor


‘Somos obrigados a conviver aqui por um tempo. Vamos tentar achar um jeito’

Por Leandro Karnal
Atualização:

Há livros que mudam nossa maneira de pensar. Para mim, foi o caso claro da obra de Jonathan Haidt: A Mente Moralista (Rio de Janeiro, Alta Cult, 2020). Quais as ideias?

No campo da política, você já deve ter pensado: por que tal pessoa vota naquele candidato? Como é possível que não leia sobre ele? Como é possível que não veja os problemas dele?

A pergunta que eu já me fiz e que você, consciente leitora e crítico leitor, já encarou contém um equívoco: a redução das escolhas à racionalidade.

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O autor busca a psicologia moral e tenta entender mais do que julgar. Discute ideias clássicas como a do filósofo Hume, que defendia “ser a razão escrava das paixões”. Há culturas, esse filósofo considera, mais centradas na moral individual; outras (culturas) que buscam referências sociocêntricas. Hume é um soco na ideia platônica de que a razão deve ser soberana.

Além dele, há a posição de Thomas Jefferson escrita em uma carta: razão e sentimentos seriam cogovernantes das nossas vidas.

Até aqui, a leitura do livro A Mente Moralista parecia ser um bom “estado da arte” sobre questões importantes como inatismo, empirismo, racionalismo. Há mais.

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Para o psicólogo norte-americano e escritor, você e eu temos um elefante na nossa mente. Ele representa processos automáticos e intuições. Os processos controlados e mais ligados ao raciocínio são representados, pelo autor, como um ginete, maneira elegante para falar de um cavalo, um equino domado. O elefante comanda, e o ginete evoluiu para ser o relações-públicas. Primeiro surge o elefante; depois, para justificar ao mundo e a si, o ginete elabora raciocínios.

Como uma espécie de porta-voz oficial, cabe ao ginete apenas defender. Mesmo que pareça racional e argumentativo, ele serve ao elefante apenas. O ginete é advogado; não é um cientista. Em outras palavras: ele não busca a verdade, mas a defesa do cliente. O que nos permitiu sobreviver tem relação com a reputação, não com a sinceridade. As pessoas, para o autor, procuram mais parecerem estar certas do que estarem certas (p. 81). Autoestima é menos importante do que a aceitação alheia. Mesmo quando o ginete busca no Google, ele seleciona só os dados que confirmam a intuição do elefante. Assim, contra-argumentos não serão produzidos por alguém que discorda de mim.

Como metáfora, nossos códigos morais são como uma língua e sua capacidade de sentir sabores. O paladar moral da esquerda (o autor usa o termo mais americano: liberal) dialoga com o gosto do cuidado e da justiça. O paladar da direita inclui lealdade, autoridade e santidade. A moralidade, diz Hardt, agrega e cega. É um esforço inútil querer enfrentar, com argumentos racionais, o elefante. Ele se move pela intuição e pelos sabores morais que pode identificar. Se eu contrapuser argumentos tão fortes e claros que inutilizem o elefante, ele vai encarregar o cavalo de buscar uma saída que preserve sua segurança independentemente do valor da argumentação.

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Dessa forma, se você enfrentar o elefante, ele sempre sairá vitorioso, independentemente dos dados apresentados. Conseguir a simpatia do elefante que domina cada eleitor é mais importante do que argumentar. O eleitor não busca confiar em quem apresenta os dados mais sólidos ou a carreira mais imaculada. A escolha do elefante diz respeito a valores um pouco mais subjetivos, muito mais emocionais, pouco verificáveis.

A moral, em Durkheim, é uma fonte de solidariedade; leva cada homem a sair do seu estrito campo de egoísmo. Ela inclui, pensa Hardt, muitas “alucinações consensuais” que fazem parte do nosso cotidiano. O que seria moral fora da ideia de Durkheim? Como conceito, ela “não se sustenta sozinha como uma definição normativa” (p. 290). Em outras palavras, não bastam boas regras e leis.

Para maximizar o bem coletivo, precisamos entender como cada ser, com seus elefantes, se apropria do universo moral. Religião e política são poderosos instrumentos de conexão com grupos maiores. O vínculo a tais grupos maiores traz bem-estar profundo. O pertencimento deve ser incluído na análise do pensamento do eleitor.

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O texto provoca muitas reflexões. Um diálogo do autor é com as ideias de desconfiança traduzidas por Antônio Damásio (O Erro de Descartes); outro, curiosamente, é com a desconfiança do caráter muito racional das urnas do conservador Alexis de Tocqueville (A Democracia na América). A obra merece sua leitura. Nosso ano eleitoral surpreendeu muita gente. Como sempre, somos convencidos de que a sabedoria está nas minhas escolhas; a ignorância, nas alheias. Em conselho final, A Mente Moralista recomenda que você, ao debater com alguém, encontre pontos em comum, faça elogios e demonstre interesse sincero.

A frase de encerramento do livro é o grande desafio que ainda está além da maioria de nós: “Somos obrigados a conviver aqui por um tempo. Vamos tentar encontrar um jeito” (p.340).

Minha esperança sempre foi a de que os elefantes entendam – vivem em grupo e (todos) gostam muito de água.

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* LEANDRO KARNAL É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E AUTOR DE ‘A CORAGEM DA ESPERANÇA’, ENTRE OUTRO

Há livros que mudam nossa maneira de pensar. Para mim, foi o caso claro da obra de Jonathan Haidt: A Mente Moralista (Rio de Janeiro, Alta Cult, 2020). Quais as ideias?

No campo da política, você já deve ter pensado: por que tal pessoa vota naquele candidato? Como é possível que não leia sobre ele? Como é possível que não veja os problemas dele?

A pergunta que eu já me fiz e que você, consciente leitora e crítico leitor, já encarou contém um equívoco: a redução das escolhas à racionalidade.

O autor busca a psicologia moral e tenta entender mais do que julgar. Discute ideias clássicas como a do filósofo Hume, que defendia “ser a razão escrava das paixões”. Há culturas, esse filósofo considera, mais centradas na moral individual; outras (culturas) que buscam referências sociocêntricas. Hume é um soco na ideia platônica de que a razão deve ser soberana.

Além dele, há a posição de Thomas Jefferson escrita em uma carta: razão e sentimentos seriam cogovernantes das nossas vidas.

Até aqui, a leitura do livro A Mente Moralista parecia ser um bom “estado da arte” sobre questões importantes como inatismo, empirismo, racionalismo. Há mais.

Para o psicólogo norte-americano e escritor, você e eu temos um elefante na nossa mente. Ele representa processos automáticos e intuições. Os processos controlados e mais ligados ao raciocínio são representados, pelo autor, como um ginete, maneira elegante para falar de um cavalo, um equino domado. O elefante comanda, e o ginete evoluiu para ser o relações-públicas. Primeiro surge o elefante; depois, para justificar ao mundo e a si, o ginete elabora raciocínios.

Como uma espécie de porta-voz oficial, cabe ao ginete apenas defender. Mesmo que pareça racional e argumentativo, ele serve ao elefante apenas. O ginete é advogado; não é um cientista. Em outras palavras: ele não busca a verdade, mas a defesa do cliente. O que nos permitiu sobreviver tem relação com a reputação, não com a sinceridade. As pessoas, para o autor, procuram mais parecerem estar certas do que estarem certas (p. 81). Autoestima é menos importante do que a aceitação alheia. Mesmo quando o ginete busca no Google, ele seleciona só os dados que confirmam a intuição do elefante. Assim, contra-argumentos não serão produzidos por alguém que discorda de mim.

Como metáfora, nossos códigos morais são como uma língua e sua capacidade de sentir sabores. O paladar moral da esquerda (o autor usa o termo mais americano: liberal) dialoga com o gosto do cuidado e da justiça. O paladar da direita inclui lealdade, autoridade e santidade. A moralidade, diz Hardt, agrega e cega. É um esforço inútil querer enfrentar, com argumentos racionais, o elefante. Ele se move pela intuição e pelos sabores morais que pode identificar. Se eu contrapuser argumentos tão fortes e claros que inutilizem o elefante, ele vai encarregar o cavalo de buscar uma saída que preserve sua segurança independentemente do valor da argumentação.

Dessa forma, se você enfrentar o elefante, ele sempre sairá vitorioso, independentemente dos dados apresentados. Conseguir a simpatia do elefante que domina cada eleitor é mais importante do que argumentar. O eleitor não busca confiar em quem apresenta os dados mais sólidos ou a carreira mais imaculada. A escolha do elefante diz respeito a valores um pouco mais subjetivos, muito mais emocionais, pouco verificáveis.

A moral, em Durkheim, é uma fonte de solidariedade; leva cada homem a sair do seu estrito campo de egoísmo. Ela inclui, pensa Hardt, muitas “alucinações consensuais” que fazem parte do nosso cotidiano. O que seria moral fora da ideia de Durkheim? Como conceito, ela “não se sustenta sozinha como uma definição normativa” (p. 290). Em outras palavras, não bastam boas regras e leis.

Para maximizar o bem coletivo, precisamos entender como cada ser, com seus elefantes, se apropria do universo moral. Religião e política são poderosos instrumentos de conexão com grupos maiores. O vínculo a tais grupos maiores traz bem-estar profundo. O pertencimento deve ser incluído na análise do pensamento do eleitor.

O texto provoca muitas reflexões. Um diálogo do autor é com as ideias de desconfiança traduzidas por Antônio Damásio (O Erro de Descartes); outro, curiosamente, é com a desconfiança do caráter muito racional das urnas do conservador Alexis de Tocqueville (A Democracia na América). A obra merece sua leitura. Nosso ano eleitoral surpreendeu muita gente. Como sempre, somos convencidos de que a sabedoria está nas minhas escolhas; a ignorância, nas alheias. Em conselho final, A Mente Moralista recomenda que você, ao debater com alguém, encontre pontos em comum, faça elogios e demonstre interesse sincero.

A frase de encerramento do livro é o grande desafio que ainda está além da maioria de nós: “Somos obrigados a conviver aqui por um tempo. Vamos tentar encontrar um jeito” (p.340).

Minha esperança sempre foi a de que os elefantes entendam – vivem em grupo e (todos) gostam muito de água.

* LEANDRO KARNAL É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E AUTOR DE ‘A CORAGEM DA ESPERANÇA’, ENTRE OUTRO

Há livros que mudam nossa maneira de pensar. Para mim, foi o caso claro da obra de Jonathan Haidt: A Mente Moralista (Rio de Janeiro, Alta Cult, 2020). Quais as ideias?

No campo da política, você já deve ter pensado: por que tal pessoa vota naquele candidato? Como é possível que não leia sobre ele? Como é possível que não veja os problemas dele?

A pergunta que eu já me fiz e que você, consciente leitora e crítico leitor, já encarou contém um equívoco: a redução das escolhas à racionalidade.

O autor busca a psicologia moral e tenta entender mais do que julgar. Discute ideias clássicas como a do filósofo Hume, que defendia “ser a razão escrava das paixões”. Há culturas, esse filósofo considera, mais centradas na moral individual; outras (culturas) que buscam referências sociocêntricas. Hume é um soco na ideia platônica de que a razão deve ser soberana.

Além dele, há a posição de Thomas Jefferson escrita em uma carta: razão e sentimentos seriam cogovernantes das nossas vidas.

Até aqui, a leitura do livro A Mente Moralista parecia ser um bom “estado da arte” sobre questões importantes como inatismo, empirismo, racionalismo. Há mais.

Para o psicólogo norte-americano e escritor, você e eu temos um elefante na nossa mente. Ele representa processos automáticos e intuições. Os processos controlados e mais ligados ao raciocínio são representados, pelo autor, como um ginete, maneira elegante para falar de um cavalo, um equino domado. O elefante comanda, e o ginete evoluiu para ser o relações-públicas. Primeiro surge o elefante; depois, para justificar ao mundo e a si, o ginete elabora raciocínios.

Como uma espécie de porta-voz oficial, cabe ao ginete apenas defender. Mesmo que pareça racional e argumentativo, ele serve ao elefante apenas. O ginete é advogado; não é um cientista. Em outras palavras: ele não busca a verdade, mas a defesa do cliente. O que nos permitiu sobreviver tem relação com a reputação, não com a sinceridade. As pessoas, para o autor, procuram mais parecerem estar certas do que estarem certas (p. 81). Autoestima é menos importante do que a aceitação alheia. Mesmo quando o ginete busca no Google, ele seleciona só os dados que confirmam a intuição do elefante. Assim, contra-argumentos não serão produzidos por alguém que discorda de mim.

Como metáfora, nossos códigos morais são como uma língua e sua capacidade de sentir sabores. O paladar moral da esquerda (o autor usa o termo mais americano: liberal) dialoga com o gosto do cuidado e da justiça. O paladar da direita inclui lealdade, autoridade e santidade. A moralidade, diz Hardt, agrega e cega. É um esforço inútil querer enfrentar, com argumentos racionais, o elefante. Ele se move pela intuição e pelos sabores morais que pode identificar. Se eu contrapuser argumentos tão fortes e claros que inutilizem o elefante, ele vai encarregar o cavalo de buscar uma saída que preserve sua segurança independentemente do valor da argumentação.

Dessa forma, se você enfrentar o elefante, ele sempre sairá vitorioso, independentemente dos dados apresentados. Conseguir a simpatia do elefante que domina cada eleitor é mais importante do que argumentar. O eleitor não busca confiar em quem apresenta os dados mais sólidos ou a carreira mais imaculada. A escolha do elefante diz respeito a valores um pouco mais subjetivos, muito mais emocionais, pouco verificáveis.

A moral, em Durkheim, é uma fonte de solidariedade; leva cada homem a sair do seu estrito campo de egoísmo. Ela inclui, pensa Hardt, muitas “alucinações consensuais” que fazem parte do nosso cotidiano. O que seria moral fora da ideia de Durkheim? Como conceito, ela “não se sustenta sozinha como uma definição normativa” (p. 290). Em outras palavras, não bastam boas regras e leis.

Para maximizar o bem coletivo, precisamos entender como cada ser, com seus elefantes, se apropria do universo moral. Religião e política são poderosos instrumentos de conexão com grupos maiores. O vínculo a tais grupos maiores traz bem-estar profundo. O pertencimento deve ser incluído na análise do pensamento do eleitor.

O texto provoca muitas reflexões. Um diálogo do autor é com as ideias de desconfiança traduzidas por Antônio Damásio (O Erro de Descartes); outro, curiosamente, é com a desconfiança do caráter muito racional das urnas do conservador Alexis de Tocqueville (A Democracia na América). A obra merece sua leitura. Nosso ano eleitoral surpreendeu muita gente. Como sempre, somos convencidos de que a sabedoria está nas minhas escolhas; a ignorância, nas alheias. Em conselho final, A Mente Moralista recomenda que você, ao debater com alguém, encontre pontos em comum, faça elogios e demonstre interesse sincero.

A frase de encerramento do livro é o grande desafio que ainda está além da maioria de nós: “Somos obrigados a conviver aqui por um tempo. Vamos tentar encontrar um jeito” (p.340).

Minha esperança sempre foi a de que os elefantes entendam – vivem em grupo e (todos) gostam muito de água.

* LEANDRO KARNAL É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E AUTOR DE ‘A CORAGEM DA ESPERANÇA’, ENTRE OUTRO

Há livros que mudam nossa maneira de pensar. Para mim, foi o caso claro da obra de Jonathan Haidt: A Mente Moralista (Rio de Janeiro, Alta Cult, 2020). Quais as ideias?

No campo da política, você já deve ter pensado: por que tal pessoa vota naquele candidato? Como é possível que não leia sobre ele? Como é possível que não veja os problemas dele?

A pergunta que eu já me fiz e que você, consciente leitora e crítico leitor, já encarou contém um equívoco: a redução das escolhas à racionalidade.

O autor busca a psicologia moral e tenta entender mais do que julgar. Discute ideias clássicas como a do filósofo Hume, que defendia “ser a razão escrava das paixões”. Há culturas, esse filósofo considera, mais centradas na moral individual; outras (culturas) que buscam referências sociocêntricas. Hume é um soco na ideia platônica de que a razão deve ser soberana.

Além dele, há a posição de Thomas Jefferson escrita em uma carta: razão e sentimentos seriam cogovernantes das nossas vidas.

Até aqui, a leitura do livro A Mente Moralista parecia ser um bom “estado da arte” sobre questões importantes como inatismo, empirismo, racionalismo. Há mais.

Para o psicólogo norte-americano e escritor, você e eu temos um elefante na nossa mente. Ele representa processos automáticos e intuições. Os processos controlados e mais ligados ao raciocínio são representados, pelo autor, como um ginete, maneira elegante para falar de um cavalo, um equino domado. O elefante comanda, e o ginete evoluiu para ser o relações-públicas. Primeiro surge o elefante; depois, para justificar ao mundo e a si, o ginete elabora raciocínios.

Como uma espécie de porta-voz oficial, cabe ao ginete apenas defender. Mesmo que pareça racional e argumentativo, ele serve ao elefante apenas. O ginete é advogado; não é um cientista. Em outras palavras: ele não busca a verdade, mas a defesa do cliente. O que nos permitiu sobreviver tem relação com a reputação, não com a sinceridade. As pessoas, para o autor, procuram mais parecerem estar certas do que estarem certas (p. 81). Autoestima é menos importante do que a aceitação alheia. Mesmo quando o ginete busca no Google, ele seleciona só os dados que confirmam a intuição do elefante. Assim, contra-argumentos não serão produzidos por alguém que discorda de mim.

Como metáfora, nossos códigos morais são como uma língua e sua capacidade de sentir sabores. O paladar moral da esquerda (o autor usa o termo mais americano: liberal) dialoga com o gosto do cuidado e da justiça. O paladar da direita inclui lealdade, autoridade e santidade. A moralidade, diz Hardt, agrega e cega. É um esforço inútil querer enfrentar, com argumentos racionais, o elefante. Ele se move pela intuição e pelos sabores morais que pode identificar. Se eu contrapuser argumentos tão fortes e claros que inutilizem o elefante, ele vai encarregar o cavalo de buscar uma saída que preserve sua segurança independentemente do valor da argumentação.

Dessa forma, se você enfrentar o elefante, ele sempre sairá vitorioso, independentemente dos dados apresentados. Conseguir a simpatia do elefante que domina cada eleitor é mais importante do que argumentar. O eleitor não busca confiar em quem apresenta os dados mais sólidos ou a carreira mais imaculada. A escolha do elefante diz respeito a valores um pouco mais subjetivos, muito mais emocionais, pouco verificáveis.

A moral, em Durkheim, é uma fonte de solidariedade; leva cada homem a sair do seu estrito campo de egoísmo. Ela inclui, pensa Hardt, muitas “alucinações consensuais” que fazem parte do nosso cotidiano. O que seria moral fora da ideia de Durkheim? Como conceito, ela “não se sustenta sozinha como uma definição normativa” (p. 290). Em outras palavras, não bastam boas regras e leis.

Para maximizar o bem coletivo, precisamos entender como cada ser, com seus elefantes, se apropria do universo moral. Religião e política são poderosos instrumentos de conexão com grupos maiores. O vínculo a tais grupos maiores traz bem-estar profundo. O pertencimento deve ser incluído na análise do pensamento do eleitor.

O texto provoca muitas reflexões. Um diálogo do autor é com as ideias de desconfiança traduzidas por Antônio Damásio (O Erro de Descartes); outro, curiosamente, é com a desconfiança do caráter muito racional das urnas do conservador Alexis de Tocqueville (A Democracia na América). A obra merece sua leitura. Nosso ano eleitoral surpreendeu muita gente. Como sempre, somos convencidos de que a sabedoria está nas minhas escolhas; a ignorância, nas alheias. Em conselho final, A Mente Moralista recomenda que você, ao debater com alguém, encontre pontos em comum, faça elogios e demonstre interesse sincero.

A frase de encerramento do livro é o grande desafio que ainda está além da maioria de nós: “Somos obrigados a conviver aqui por um tempo. Vamos tentar encontrar um jeito” (p.340).

Minha esperança sempre foi a de que os elefantes entendam – vivem em grupo e (todos) gostam muito de água.

* LEANDRO KARNAL É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E AUTOR DE ‘A CORAGEM DA ESPERANÇA’, ENTRE OUTRO

Há livros que mudam nossa maneira de pensar. Para mim, foi o caso claro da obra de Jonathan Haidt: A Mente Moralista (Rio de Janeiro, Alta Cult, 2020). Quais as ideias?

No campo da política, você já deve ter pensado: por que tal pessoa vota naquele candidato? Como é possível que não leia sobre ele? Como é possível que não veja os problemas dele?

A pergunta que eu já me fiz e que você, consciente leitora e crítico leitor, já encarou contém um equívoco: a redução das escolhas à racionalidade.

O autor busca a psicologia moral e tenta entender mais do que julgar. Discute ideias clássicas como a do filósofo Hume, que defendia “ser a razão escrava das paixões”. Há culturas, esse filósofo considera, mais centradas na moral individual; outras (culturas) que buscam referências sociocêntricas. Hume é um soco na ideia platônica de que a razão deve ser soberana.

Além dele, há a posição de Thomas Jefferson escrita em uma carta: razão e sentimentos seriam cogovernantes das nossas vidas.

Até aqui, a leitura do livro A Mente Moralista parecia ser um bom “estado da arte” sobre questões importantes como inatismo, empirismo, racionalismo. Há mais.

Para o psicólogo norte-americano e escritor, você e eu temos um elefante na nossa mente. Ele representa processos automáticos e intuições. Os processos controlados e mais ligados ao raciocínio são representados, pelo autor, como um ginete, maneira elegante para falar de um cavalo, um equino domado. O elefante comanda, e o ginete evoluiu para ser o relações-públicas. Primeiro surge o elefante; depois, para justificar ao mundo e a si, o ginete elabora raciocínios.

Como uma espécie de porta-voz oficial, cabe ao ginete apenas defender. Mesmo que pareça racional e argumentativo, ele serve ao elefante apenas. O ginete é advogado; não é um cientista. Em outras palavras: ele não busca a verdade, mas a defesa do cliente. O que nos permitiu sobreviver tem relação com a reputação, não com a sinceridade. As pessoas, para o autor, procuram mais parecerem estar certas do que estarem certas (p. 81). Autoestima é menos importante do que a aceitação alheia. Mesmo quando o ginete busca no Google, ele seleciona só os dados que confirmam a intuição do elefante. Assim, contra-argumentos não serão produzidos por alguém que discorda de mim.

Como metáfora, nossos códigos morais são como uma língua e sua capacidade de sentir sabores. O paladar moral da esquerda (o autor usa o termo mais americano: liberal) dialoga com o gosto do cuidado e da justiça. O paladar da direita inclui lealdade, autoridade e santidade. A moralidade, diz Hardt, agrega e cega. É um esforço inútil querer enfrentar, com argumentos racionais, o elefante. Ele se move pela intuição e pelos sabores morais que pode identificar. Se eu contrapuser argumentos tão fortes e claros que inutilizem o elefante, ele vai encarregar o cavalo de buscar uma saída que preserve sua segurança independentemente do valor da argumentação.

Dessa forma, se você enfrentar o elefante, ele sempre sairá vitorioso, independentemente dos dados apresentados. Conseguir a simpatia do elefante que domina cada eleitor é mais importante do que argumentar. O eleitor não busca confiar em quem apresenta os dados mais sólidos ou a carreira mais imaculada. A escolha do elefante diz respeito a valores um pouco mais subjetivos, muito mais emocionais, pouco verificáveis.

A moral, em Durkheim, é uma fonte de solidariedade; leva cada homem a sair do seu estrito campo de egoísmo. Ela inclui, pensa Hardt, muitas “alucinações consensuais” que fazem parte do nosso cotidiano. O que seria moral fora da ideia de Durkheim? Como conceito, ela “não se sustenta sozinha como uma definição normativa” (p. 290). Em outras palavras, não bastam boas regras e leis.

Para maximizar o bem coletivo, precisamos entender como cada ser, com seus elefantes, se apropria do universo moral. Religião e política são poderosos instrumentos de conexão com grupos maiores. O vínculo a tais grupos maiores traz bem-estar profundo. O pertencimento deve ser incluído na análise do pensamento do eleitor.

O texto provoca muitas reflexões. Um diálogo do autor é com as ideias de desconfiança traduzidas por Antônio Damásio (O Erro de Descartes); outro, curiosamente, é com a desconfiança do caráter muito racional das urnas do conservador Alexis de Tocqueville (A Democracia na América). A obra merece sua leitura. Nosso ano eleitoral surpreendeu muita gente. Como sempre, somos convencidos de que a sabedoria está nas minhas escolhas; a ignorância, nas alheias. Em conselho final, A Mente Moralista recomenda que você, ao debater com alguém, encontre pontos em comum, faça elogios e demonstre interesse sincero.

A frase de encerramento do livro é o grande desafio que ainda está além da maioria de nós: “Somos obrigados a conviver aqui por um tempo. Vamos tentar encontrar um jeito” (p.340).

Minha esperança sempre foi a de que os elefantes entendam – vivem em grupo e (todos) gostam muito de água.

* LEANDRO KARNAL É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E AUTOR DE ‘A CORAGEM DA ESPERANÇA’, ENTRE OUTRO

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