Em um mundo de ídolos feitos para consumo imediato, de artistas fabricados pelo marketing, dóceis e sem radicalidade, Amy estabeleceu a diferença. Nunca virou passarinho de gaiola. Resistiu à cartilha do show biz. Esse é certamente o seu maior legado, o de ter se tornado um corpo estranho dentro de uma fábrica de corpos iguais, vozes iguais.
Sua voz parecia condensar diversas vozes radicais como a sua: a doce sujeira do canto de Billie Holiday, o discurso libertário de Nina Simone, o amor trágico de Etta James, a potência orgulhosa de Aretha Franklin. O jeito de quem parecia que ia se desmanchar no palco, o olhar perdido no vazio enquanto empunhava os versos de convocação feminina, tudo isso dava a Amy um lugar não-descartável na história do pop.
Fez a delícia dos tabloides com seus passeios amnésicos pela noite, os barracos, os seios fartos escapando para a delícia dos paparazzi. E nisso não havia grandeza, apenas falta de jeito e de limite. Curioso é que essa vontade de se espatifar em público, que ela transformou em letra e performance, era também seu trunfo.
Tinha uma curiosa ascendência de band leader sobre seu grupo. Eles a admiravam com firmeza e aguardavam que tivesse os momentos sóbrios com paciência. A alternância de soul, funk, reggae e black music setentista só funcionava quando Amy, por ironia, se tornava o elemento de equilíbrio. No Brasil, em janeiro, em 1h12 de show ela não conseguiu estabelecer essa conversação; fracassou. Mas até no fracasso ela era grande. E, quando esteve em forma, foi absurda. Estabeleceu sua própria noção de eternidade.