Como a nova tradução de ‘A Revolução dos Bichos’ de George Orwell corrige distorções da ditadura


Tradução anterior foi feita por militar que foi secretário do ditador Ernesto Geisel e de Golbery do Couto e Silva, mente por trás do Serviço Nacional de Informações

Por André Cáceres
Atualização:

Com a entrada da obra do escritor inglês George Orwell (que, na verdade, nasceu na Índia com o nome de Eric Arthur Blair) em domínio público, em 2021, o mercado editorial brasileiro se movimentou para publicar novas edições e traduções de seus livros, além de uma nova biografia — Orwell: Um Homem do Nosso Tempo, de Richard Bradford, pela editora Tordesilhas — e uma adaptação em quadrinhos do clássico 1984, do ilustrador brasileiro Fido Nesti.

Cena da adaptação de 'A Fazenda dos Animais' para o cinema em 1954 Foto: Halas & Batchelor

No entanto, talvez o mais significativo lançamento orwelliano deste fim de 2020 seja a nova tradução de A Revolução dos Bichos. O autor chegou a escrever que esse foi o primeiro livro “em que tentei, com plena consciência do que fazia, amalgamar os propósitos político e artístico”. 

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A obra é uma fábula que se passa na Fazenda do Solar, onde animais falantes são sistematicamente oprimidos pelos seres humanos em um sistema totalitário analógico ao czarismo. Os bichos, liderados pelos inteligentes porcos, se rebelam contra o fazendeiro Jones e tomam controle daquele microcosmo com o intuito de fundar ali uma sociedade igualitária. 

Cada personagem tem uma dimensão alegórica. Há os porcos que tomam controle da fazenda (entre os quais figuram os avatares Major/Marx, Napoleão/Stalin, Bola de Neve/Trotski); o incansável e trabalhador cavalo Guerreiro, simbolizando o proletariado; os cães, como a polícia secreta do regime; e as ovelhas, “cujo balido em uníssono afoga a voz dos dissidentes ao repetirem o slogan oficial do momento”. A máxima repetida à exaustão na Fazenda dos Animais é “Quatro pernas, bom; duas pernas, mau”, uma simplificação grosseira dos ideais do falecido porco Major. “Aqui Orwell realmente mostra como os néscios e crédulos ajudam os ditadores a comandar a cena do sistema político. É uma falha que, para Orwell, pode estar no próprio DNA dos movimentos de massa”, explica em um prefácio revelador o crítico americano Morris Dickstein.

Os porcos começam a se aproveitar dos demais quadrúpedes, tomando pequenos privilégios para si que evoluem a passos largos para uma nova ditadura. Começa com uma divisão injusta de maçãs e leite, avança para a expulsão de Bola de Neve e evolui paulatinamente até desaguar em uma nova sociedade de castas, com os porcos cada vez mais parecidos com os antigos donos humanos (num espelhamento que reflete a repulsa de Orwell por Stalin, como se o igualasse aos antigos czares russos).

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A despeito da temática densa, na superfície a obra tem uma prosa simples e não nega as inspirações antropomórficas de Swift, Esopo, La Fontaine e até Walt Disney. “Quando os porcos dirigentes passam a adotar modos humanos — andar sobre duas pernas, beber, morar em casas, dormir em camas —, realmente sentimos que eles estão se degradando”, escreve Dickstein. Enquanto o distópico 1984 retrata uma sociedade totalitária monolítica, sem a menor esperança de transformação, essa fábula, “sua predecessora de tom mais leve, mostra como o idealismo inicial da revolução foi se degenerando gradualmente”.

Rebatizado de A Fazenda dos Animais, o lançamento foi recebido com certa hostilidade por alguns leitores, descontentes com a mudança de título, que se manifestaram nas redes sociais contra a troca. Paulo Henriques Brito não é, porém, o único tradutor a verter a fábula de Orwell. Em 2021, as versões de Rogerio Galindo (Antofágica), Denise Bottmann (L&PM), Luisa Geisler (Novo Século), Petê Rissatti (Globo) e Fabio Bonillo (Autêntica) também inundarão as prateleiras, dividindo-se entre o título mais próximo do original e o consagrado no Brasil. 

“As pessoas têm uma tendência a cristalizar um título e aquilo não tem mais como mudar”, reconhece o tradutor da nova edição de A Fazenda dos Animais, Paulo Henriques Brito, em entrevista por telefone ao Estadão. “Morro dos Ventos Uivantes, da Emily Bronte, por exemplo, não tem nada a ver com o título original, Wuthering Heights. Foi obra de algum tradutor ou editor criativo. Mas já ficou de tal modo associado que vai até causar dificuldade de reconhecer a obra. Entendo quem se queixa, mas nesse caso foi uma decisão certa, valeu a pena mudar. Sempre que possível, o ideal é manter o mais próximo possível do original.”

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Talvez os fãs descontentes não ignorem que o título original da obra, Animal Farm, soe muito mais próximo de A Fazenda dos Animais, mas é possível que eles não saibam — e o próprio Brito confessa que não sabia até recentemente — que a tradução anterior, A Revolução dos Bichos, tem uma história até que bastante orwelliana ligada à guerra fria, ao anticomunismo norte-americano e à ditadura militar brasileira.

No livro Guerra Fria e Política Editorial, publicado em 2015, a historiadora Laura de Oliveira, professora da UFBA, revela o estímulo financeiro que os Estados Unidos, por meio de programas de incentivo cultural, financiou a publicação de mais de 3 mil livros no Brasil entre 1953 e 1973. Essas obras eram bancadas por entidades como o Instituto de Pesquisa Social (Ipês) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Em 2017, o editor Gumercindo Rocha Dorea admitiu ao Estadão a participação de sua casa editorial, a GRD, nesse convênio: “Eu tirava mil exemplares e a embaixada comprava 500. Qual é o demérito que existe nisso? Eu fiz uma transação comercial.”

Em 1964, ano do golpe militar que depôs o então presidente João Goulart e da primeira publicação de A Revolução dos Bichos no Brasil, 58% da literatura estrangeira publicada no Brasil vinha dos EUA, e uma larga parcela dessas publicações foram pagas por meio desses convênios entre a embaixada americana e as editoras brasileiras. As distopias clássicas do século 20, escritas por George Orwell, Aldous Huxley, Ray Bradbury e Ievgueni Zamiatin, formaram um conjunto relevante entre as obras lançadas no Brasil como propaganda anticomunista. 

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 “Os estados totalitários de Huxley, Orwell e Zamiátin emergiram do desejo de fundar uma sociedade ideal”, escreve Oliveira em seu estudo. “A utopia se firmou, durante a Guerra Fria (e, no leste europeu, depois dela), como um conceito negativo, vinculado às doutrinas que embasaram regimes totalitários, marcadamente o stalinismo.”

É nesse contexto que se deu a primeira publicação de A Fazenda dos Animais/A Revolução dos Bichos no Brasil. Seu tradutor foi o então tenente Heitor Aquino Ferreira, secretário de Golbery do Couto e Silva, mente por trás do Serviço Nacional de Informações (SNI), e, nos anos seguintes, do ditador Ernesto Geisel.

“Dei uma olhada na tradução antiga, mas não fiquei cotejando”, conta Brito. Diferente de sua versão, a de Ferreira traduziu o termo “rebellion” para “revolução”, palavra que não consta no texto original. Usá-la deliberadamente no título e no texto acaba por dar a conotação de que toda e qualquer revolução estaria fadada ao fracasso e à deturpação de seus valores originais, como ocorre na fábula de Orwell, em vez da noção de que aquele levante — inspirado nos eventos da Revolução Russa — foi malfadado por questões específicas a ele. O novo tradutor concorda: “A vida inteira Orwell foi um homem de esquerda. Ele não quis estigmatizar a ideia de revolução, mas na tradução anterior a palavra dá uma ideia mais genérica, de que qualquer revolução seja assim”.

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O próprio Orwell já escreveu que “nada contribuiu tanto para a corrupção da ideia de socialismo quanto a crença de que a Rússia é um país socialista”, o que é compatível com a visão que ele transmite em sua fábula, longe de ser um panfleto anticomunista. Aliás, é interessante notar as diferenças entre os pensamentos de esquerda e direita por meio de uma carta do poeta e editor T.S. Eliot, que rejeitou publicar a obra e era conservador, para Orwell: “Seus porcos são muito mais inteligentes que os outros animais e, portanto, os mais qualificados para dirigir a fazenda (...) o necessário (pode-se argumentar) não era um maior comunismo, e sim mais porcos com espírito público”.

Os dois principais livros da ficção orwelliana, 1984 e A Fazenda dos Animais, demonstram como valores e princípios podem ser distorcidos. Em 1984, o Ministério da Verdade se ocupa de promover a mentira, o Ministério da Paz faz guerra e assim por diante, sem falar da novilíngua, o controle totalitário por meio da linguagem. Em A Fazenda dos Animais, os “mandamentos” de igualdade criados pelos bichos são trocados na calada da noite, e assim “Todos os animais são iguais” vira o genial slogan “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. 

Esse fenômeno se reproduziu metalinguisticamente com as obras de Orwell. Gestados como uma defesa do verdadeiro socialismo em detrimento do regime soviético, que ele condenava, seus livros foram lidos e publicados, inclusive no Brasil, como propaganda anticomunista. Sua obra, seja ficcional, jornalística ou ensaística, se dedicou a produzir uma anatomia da tirania que, por sua potência, foi apropriada por essa mesma tirania. Independente do viés de suas traduções, seus escritos ainda se provam perturbadoramente atuais em tempos de recrudescimento do autoritarismo.

Com a entrada da obra do escritor inglês George Orwell (que, na verdade, nasceu na Índia com o nome de Eric Arthur Blair) em domínio público, em 2021, o mercado editorial brasileiro se movimentou para publicar novas edições e traduções de seus livros, além de uma nova biografia — Orwell: Um Homem do Nosso Tempo, de Richard Bradford, pela editora Tordesilhas — e uma adaptação em quadrinhos do clássico 1984, do ilustrador brasileiro Fido Nesti.

Cena da adaptação de 'A Fazenda dos Animais' para o cinema em 1954 Foto: Halas & Batchelor

No entanto, talvez o mais significativo lançamento orwelliano deste fim de 2020 seja a nova tradução de A Revolução dos Bichos. O autor chegou a escrever que esse foi o primeiro livro “em que tentei, com plena consciência do que fazia, amalgamar os propósitos político e artístico”. 

A obra é uma fábula que se passa na Fazenda do Solar, onde animais falantes são sistematicamente oprimidos pelos seres humanos em um sistema totalitário analógico ao czarismo. Os bichos, liderados pelos inteligentes porcos, se rebelam contra o fazendeiro Jones e tomam controle daquele microcosmo com o intuito de fundar ali uma sociedade igualitária. 

Cada personagem tem uma dimensão alegórica. Há os porcos que tomam controle da fazenda (entre os quais figuram os avatares Major/Marx, Napoleão/Stalin, Bola de Neve/Trotski); o incansável e trabalhador cavalo Guerreiro, simbolizando o proletariado; os cães, como a polícia secreta do regime; e as ovelhas, “cujo balido em uníssono afoga a voz dos dissidentes ao repetirem o slogan oficial do momento”. A máxima repetida à exaustão na Fazenda dos Animais é “Quatro pernas, bom; duas pernas, mau”, uma simplificação grosseira dos ideais do falecido porco Major. “Aqui Orwell realmente mostra como os néscios e crédulos ajudam os ditadores a comandar a cena do sistema político. É uma falha que, para Orwell, pode estar no próprio DNA dos movimentos de massa”, explica em um prefácio revelador o crítico americano Morris Dickstein.

Os porcos começam a se aproveitar dos demais quadrúpedes, tomando pequenos privilégios para si que evoluem a passos largos para uma nova ditadura. Começa com uma divisão injusta de maçãs e leite, avança para a expulsão de Bola de Neve e evolui paulatinamente até desaguar em uma nova sociedade de castas, com os porcos cada vez mais parecidos com os antigos donos humanos (num espelhamento que reflete a repulsa de Orwell por Stalin, como se o igualasse aos antigos czares russos).

A despeito da temática densa, na superfície a obra tem uma prosa simples e não nega as inspirações antropomórficas de Swift, Esopo, La Fontaine e até Walt Disney. “Quando os porcos dirigentes passam a adotar modos humanos — andar sobre duas pernas, beber, morar em casas, dormir em camas —, realmente sentimos que eles estão se degradando”, escreve Dickstein. Enquanto o distópico 1984 retrata uma sociedade totalitária monolítica, sem a menor esperança de transformação, essa fábula, “sua predecessora de tom mais leve, mostra como o idealismo inicial da revolução foi se degenerando gradualmente”.

Rebatizado de A Fazenda dos Animais, o lançamento foi recebido com certa hostilidade por alguns leitores, descontentes com a mudança de título, que se manifestaram nas redes sociais contra a troca. Paulo Henriques Brito não é, porém, o único tradutor a verter a fábula de Orwell. Em 2021, as versões de Rogerio Galindo (Antofágica), Denise Bottmann (L&PM), Luisa Geisler (Novo Século), Petê Rissatti (Globo) e Fabio Bonillo (Autêntica) também inundarão as prateleiras, dividindo-se entre o título mais próximo do original e o consagrado no Brasil. 

“As pessoas têm uma tendência a cristalizar um título e aquilo não tem mais como mudar”, reconhece o tradutor da nova edição de A Fazenda dos Animais, Paulo Henriques Brito, em entrevista por telefone ao Estadão. “Morro dos Ventos Uivantes, da Emily Bronte, por exemplo, não tem nada a ver com o título original, Wuthering Heights. Foi obra de algum tradutor ou editor criativo. Mas já ficou de tal modo associado que vai até causar dificuldade de reconhecer a obra. Entendo quem se queixa, mas nesse caso foi uma decisão certa, valeu a pena mudar. Sempre que possível, o ideal é manter o mais próximo possível do original.”

Talvez os fãs descontentes não ignorem que o título original da obra, Animal Farm, soe muito mais próximo de A Fazenda dos Animais, mas é possível que eles não saibam — e o próprio Brito confessa que não sabia até recentemente — que a tradução anterior, A Revolução dos Bichos, tem uma história até que bastante orwelliana ligada à guerra fria, ao anticomunismo norte-americano e à ditadura militar brasileira.

No livro Guerra Fria e Política Editorial, publicado em 2015, a historiadora Laura de Oliveira, professora da UFBA, revela o estímulo financeiro que os Estados Unidos, por meio de programas de incentivo cultural, financiou a publicação de mais de 3 mil livros no Brasil entre 1953 e 1973. Essas obras eram bancadas por entidades como o Instituto de Pesquisa Social (Ipês) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Em 2017, o editor Gumercindo Rocha Dorea admitiu ao Estadão a participação de sua casa editorial, a GRD, nesse convênio: “Eu tirava mil exemplares e a embaixada comprava 500. Qual é o demérito que existe nisso? Eu fiz uma transação comercial.”

Em 1964, ano do golpe militar que depôs o então presidente João Goulart e da primeira publicação de A Revolução dos Bichos no Brasil, 58% da literatura estrangeira publicada no Brasil vinha dos EUA, e uma larga parcela dessas publicações foram pagas por meio desses convênios entre a embaixada americana e as editoras brasileiras. As distopias clássicas do século 20, escritas por George Orwell, Aldous Huxley, Ray Bradbury e Ievgueni Zamiatin, formaram um conjunto relevante entre as obras lançadas no Brasil como propaganda anticomunista. 

 “Os estados totalitários de Huxley, Orwell e Zamiátin emergiram do desejo de fundar uma sociedade ideal”, escreve Oliveira em seu estudo. “A utopia se firmou, durante a Guerra Fria (e, no leste europeu, depois dela), como um conceito negativo, vinculado às doutrinas que embasaram regimes totalitários, marcadamente o stalinismo.”

É nesse contexto que se deu a primeira publicação de A Fazenda dos Animais/A Revolução dos Bichos no Brasil. Seu tradutor foi o então tenente Heitor Aquino Ferreira, secretário de Golbery do Couto e Silva, mente por trás do Serviço Nacional de Informações (SNI), e, nos anos seguintes, do ditador Ernesto Geisel.

“Dei uma olhada na tradução antiga, mas não fiquei cotejando”, conta Brito. Diferente de sua versão, a de Ferreira traduziu o termo “rebellion” para “revolução”, palavra que não consta no texto original. Usá-la deliberadamente no título e no texto acaba por dar a conotação de que toda e qualquer revolução estaria fadada ao fracasso e à deturpação de seus valores originais, como ocorre na fábula de Orwell, em vez da noção de que aquele levante — inspirado nos eventos da Revolução Russa — foi malfadado por questões específicas a ele. O novo tradutor concorda: “A vida inteira Orwell foi um homem de esquerda. Ele não quis estigmatizar a ideia de revolução, mas na tradução anterior a palavra dá uma ideia mais genérica, de que qualquer revolução seja assim”.

O próprio Orwell já escreveu que “nada contribuiu tanto para a corrupção da ideia de socialismo quanto a crença de que a Rússia é um país socialista”, o que é compatível com a visão que ele transmite em sua fábula, longe de ser um panfleto anticomunista. Aliás, é interessante notar as diferenças entre os pensamentos de esquerda e direita por meio de uma carta do poeta e editor T.S. Eliot, que rejeitou publicar a obra e era conservador, para Orwell: “Seus porcos são muito mais inteligentes que os outros animais e, portanto, os mais qualificados para dirigir a fazenda (...) o necessário (pode-se argumentar) não era um maior comunismo, e sim mais porcos com espírito público”.

Os dois principais livros da ficção orwelliana, 1984 e A Fazenda dos Animais, demonstram como valores e princípios podem ser distorcidos. Em 1984, o Ministério da Verdade se ocupa de promover a mentira, o Ministério da Paz faz guerra e assim por diante, sem falar da novilíngua, o controle totalitário por meio da linguagem. Em A Fazenda dos Animais, os “mandamentos” de igualdade criados pelos bichos são trocados na calada da noite, e assim “Todos os animais são iguais” vira o genial slogan “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. 

Esse fenômeno se reproduziu metalinguisticamente com as obras de Orwell. Gestados como uma defesa do verdadeiro socialismo em detrimento do regime soviético, que ele condenava, seus livros foram lidos e publicados, inclusive no Brasil, como propaganda anticomunista. Sua obra, seja ficcional, jornalística ou ensaística, se dedicou a produzir uma anatomia da tirania que, por sua potência, foi apropriada por essa mesma tirania. Independente do viés de suas traduções, seus escritos ainda se provam perturbadoramente atuais em tempos de recrudescimento do autoritarismo.

Com a entrada da obra do escritor inglês George Orwell (que, na verdade, nasceu na Índia com o nome de Eric Arthur Blair) em domínio público, em 2021, o mercado editorial brasileiro se movimentou para publicar novas edições e traduções de seus livros, além de uma nova biografia — Orwell: Um Homem do Nosso Tempo, de Richard Bradford, pela editora Tordesilhas — e uma adaptação em quadrinhos do clássico 1984, do ilustrador brasileiro Fido Nesti.

Cena da adaptação de 'A Fazenda dos Animais' para o cinema em 1954 Foto: Halas & Batchelor

No entanto, talvez o mais significativo lançamento orwelliano deste fim de 2020 seja a nova tradução de A Revolução dos Bichos. O autor chegou a escrever que esse foi o primeiro livro “em que tentei, com plena consciência do que fazia, amalgamar os propósitos político e artístico”. 

A obra é uma fábula que se passa na Fazenda do Solar, onde animais falantes são sistematicamente oprimidos pelos seres humanos em um sistema totalitário analógico ao czarismo. Os bichos, liderados pelos inteligentes porcos, se rebelam contra o fazendeiro Jones e tomam controle daquele microcosmo com o intuito de fundar ali uma sociedade igualitária. 

Cada personagem tem uma dimensão alegórica. Há os porcos que tomam controle da fazenda (entre os quais figuram os avatares Major/Marx, Napoleão/Stalin, Bola de Neve/Trotski); o incansável e trabalhador cavalo Guerreiro, simbolizando o proletariado; os cães, como a polícia secreta do regime; e as ovelhas, “cujo balido em uníssono afoga a voz dos dissidentes ao repetirem o slogan oficial do momento”. A máxima repetida à exaustão na Fazenda dos Animais é “Quatro pernas, bom; duas pernas, mau”, uma simplificação grosseira dos ideais do falecido porco Major. “Aqui Orwell realmente mostra como os néscios e crédulos ajudam os ditadores a comandar a cena do sistema político. É uma falha que, para Orwell, pode estar no próprio DNA dos movimentos de massa”, explica em um prefácio revelador o crítico americano Morris Dickstein.

Os porcos começam a se aproveitar dos demais quadrúpedes, tomando pequenos privilégios para si que evoluem a passos largos para uma nova ditadura. Começa com uma divisão injusta de maçãs e leite, avança para a expulsão de Bola de Neve e evolui paulatinamente até desaguar em uma nova sociedade de castas, com os porcos cada vez mais parecidos com os antigos donos humanos (num espelhamento que reflete a repulsa de Orwell por Stalin, como se o igualasse aos antigos czares russos).

A despeito da temática densa, na superfície a obra tem uma prosa simples e não nega as inspirações antropomórficas de Swift, Esopo, La Fontaine e até Walt Disney. “Quando os porcos dirigentes passam a adotar modos humanos — andar sobre duas pernas, beber, morar em casas, dormir em camas —, realmente sentimos que eles estão se degradando”, escreve Dickstein. Enquanto o distópico 1984 retrata uma sociedade totalitária monolítica, sem a menor esperança de transformação, essa fábula, “sua predecessora de tom mais leve, mostra como o idealismo inicial da revolução foi se degenerando gradualmente”.

Rebatizado de A Fazenda dos Animais, o lançamento foi recebido com certa hostilidade por alguns leitores, descontentes com a mudança de título, que se manifestaram nas redes sociais contra a troca. Paulo Henriques Brito não é, porém, o único tradutor a verter a fábula de Orwell. Em 2021, as versões de Rogerio Galindo (Antofágica), Denise Bottmann (L&PM), Luisa Geisler (Novo Século), Petê Rissatti (Globo) e Fabio Bonillo (Autêntica) também inundarão as prateleiras, dividindo-se entre o título mais próximo do original e o consagrado no Brasil. 

“As pessoas têm uma tendência a cristalizar um título e aquilo não tem mais como mudar”, reconhece o tradutor da nova edição de A Fazenda dos Animais, Paulo Henriques Brito, em entrevista por telefone ao Estadão. “Morro dos Ventos Uivantes, da Emily Bronte, por exemplo, não tem nada a ver com o título original, Wuthering Heights. Foi obra de algum tradutor ou editor criativo. Mas já ficou de tal modo associado que vai até causar dificuldade de reconhecer a obra. Entendo quem se queixa, mas nesse caso foi uma decisão certa, valeu a pena mudar. Sempre que possível, o ideal é manter o mais próximo possível do original.”

Talvez os fãs descontentes não ignorem que o título original da obra, Animal Farm, soe muito mais próximo de A Fazenda dos Animais, mas é possível que eles não saibam — e o próprio Brito confessa que não sabia até recentemente — que a tradução anterior, A Revolução dos Bichos, tem uma história até que bastante orwelliana ligada à guerra fria, ao anticomunismo norte-americano e à ditadura militar brasileira.

No livro Guerra Fria e Política Editorial, publicado em 2015, a historiadora Laura de Oliveira, professora da UFBA, revela o estímulo financeiro que os Estados Unidos, por meio de programas de incentivo cultural, financiou a publicação de mais de 3 mil livros no Brasil entre 1953 e 1973. Essas obras eram bancadas por entidades como o Instituto de Pesquisa Social (Ipês) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Em 2017, o editor Gumercindo Rocha Dorea admitiu ao Estadão a participação de sua casa editorial, a GRD, nesse convênio: “Eu tirava mil exemplares e a embaixada comprava 500. Qual é o demérito que existe nisso? Eu fiz uma transação comercial.”

Em 1964, ano do golpe militar que depôs o então presidente João Goulart e da primeira publicação de A Revolução dos Bichos no Brasil, 58% da literatura estrangeira publicada no Brasil vinha dos EUA, e uma larga parcela dessas publicações foram pagas por meio desses convênios entre a embaixada americana e as editoras brasileiras. As distopias clássicas do século 20, escritas por George Orwell, Aldous Huxley, Ray Bradbury e Ievgueni Zamiatin, formaram um conjunto relevante entre as obras lançadas no Brasil como propaganda anticomunista. 

 “Os estados totalitários de Huxley, Orwell e Zamiátin emergiram do desejo de fundar uma sociedade ideal”, escreve Oliveira em seu estudo. “A utopia se firmou, durante a Guerra Fria (e, no leste europeu, depois dela), como um conceito negativo, vinculado às doutrinas que embasaram regimes totalitários, marcadamente o stalinismo.”

É nesse contexto que se deu a primeira publicação de A Fazenda dos Animais/A Revolução dos Bichos no Brasil. Seu tradutor foi o então tenente Heitor Aquino Ferreira, secretário de Golbery do Couto e Silva, mente por trás do Serviço Nacional de Informações (SNI), e, nos anos seguintes, do ditador Ernesto Geisel.

“Dei uma olhada na tradução antiga, mas não fiquei cotejando”, conta Brito. Diferente de sua versão, a de Ferreira traduziu o termo “rebellion” para “revolução”, palavra que não consta no texto original. Usá-la deliberadamente no título e no texto acaba por dar a conotação de que toda e qualquer revolução estaria fadada ao fracasso e à deturpação de seus valores originais, como ocorre na fábula de Orwell, em vez da noção de que aquele levante — inspirado nos eventos da Revolução Russa — foi malfadado por questões específicas a ele. O novo tradutor concorda: “A vida inteira Orwell foi um homem de esquerda. Ele não quis estigmatizar a ideia de revolução, mas na tradução anterior a palavra dá uma ideia mais genérica, de que qualquer revolução seja assim”.

O próprio Orwell já escreveu que “nada contribuiu tanto para a corrupção da ideia de socialismo quanto a crença de que a Rússia é um país socialista”, o que é compatível com a visão que ele transmite em sua fábula, longe de ser um panfleto anticomunista. Aliás, é interessante notar as diferenças entre os pensamentos de esquerda e direita por meio de uma carta do poeta e editor T.S. Eliot, que rejeitou publicar a obra e era conservador, para Orwell: “Seus porcos são muito mais inteligentes que os outros animais e, portanto, os mais qualificados para dirigir a fazenda (...) o necessário (pode-se argumentar) não era um maior comunismo, e sim mais porcos com espírito público”.

Os dois principais livros da ficção orwelliana, 1984 e A Fazenda dos Animais, demonstram como valores e princípios podem ser distorcidos. Em 1984, o Ministério da Verdade se ocupa de promover a mentira, o Ministério da Paz faz guerra e assim por diante, sem falar da novilíngua, o controle totalitário por meio da linguagem. Em A Fazenda dos Animais, os “mandamentos” de igualdade criados pelos bichos são trocados na calada da noite, e assim “Todos os animais são iguais” vira o genial slogan “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. 

Esse fenômeno se reproduziu metalinguisticamente com as obras de Orwell. Gestados como uma defesa do verdadeiro socialismo em detrimento do regime soviético, que ele condenava, seus livros foram lidos e publicados, inclusive no Brasil, como propaganda anticomunista. Sua obra, seja ficcional, jornalística ou ensaística, se dedicou a produzir uma anatomia da tirania que, por sua potência, foi apropriada por essa mesma tirania. Independente do viés de suas traduções, seus escritos ainda se provam perturbadoramente atuais em tempos de recrudescimento do autoritarismo.

Com a entrada da obra do escritor inglês George Orwell (que, na verdade, nasceu na Índia com o nome de Eric Arthur Blair) em domínio público, em 2021, o mercado editorial brasileiro se movimentou para publicar novas edições e traduções de seus livros, além de uma nova biografia — Orwell: Um Homem do Nosso Tempo, de Richard Bradford, pela editora Tordesilhas — e uma adaptação em quadrinhos do clássico 1984, do ilustrador brasileiro Fido Nesti.

Cena da adaptação de 'A Fazenda dos Animais' para o cinema em 1954 Foto: Halas & Batchelor

No entanto, talvez o mais significativo lançamento orwelliano deste fim de 2020 seja a nova tradução de A Revolução dos Bichos. O autor chegou a escrever que esse foi o primeiro livro “em que tentei, com plena consciência do que fazia, amalgamar os propósitos político e artístico”. 

A obra é uma fábula que se passa na Fazenda do Solar, onde animais falantes são sistematicamente oprimidos pelos seres humanos em um sistema totalitário analógico ao czarismo. Os bichos, liderados pelos inteligentes porcos, se rebelam contra o fazendeiro Jones e tomam controle daquele microcosmo com o intuito de fundar ali uma sociedade igualitária. 

Cada personagem tem uma dimensão alegórica. Há os porcos que tomam controle da fazenda (entre os quais figuram os avatares Major/Marx, Napoleão/Stalin, Bola de Neve/Trotski); o incansável e trabalhador cavalo Guerreiro, simbolizando o proletariado; os cães, como a polícia secreta do regime; e as ovelhas, “cujo balido em uníssono afoga a voz dos dissidentes ao repetirem o slogan oficial do momento”. A máxima repetida à exaustão na Fazenda dos Animais é “Quatro pernas, bom; duas pernas, mau”, uma simplificação grosseira dos ideais do falecido porco Major. “Aqui Orwell realmente mostra como os néscios e crédulos ajudam os ditadores a comandar a cena do sistema político. É uma falha que, para Orwell, pode estar no próprio DNA dos movimentos de massa”, explica em um prefácio revelador o crítico americano Morris Dickstein.

Os porcos começam a se aproveitar dos demais quadrúpedes, tomando pequenos privilégios para si que evoluem a passos largos para uma nova ditadura. Começa com uma divisão injusta de maçãs e leite, avança para a expulsão de Bola de Neve e evolui paulatinamente até desaguar em uma nova sociedade de castas, com os porcos cada vez mais parecidos com os antigos donos humanos (num espelhamento que reflete a repulsa de Orwell por Stalin, como se o igualasse aos antigos czares russos).

A despeito da temática densa, na superfície a obra tem uma prosa simples e não nega as inspirações antropomórficas de Swift, Esopo, La Fontaine e até Walt Disney. “Quando os porcos dirigentes passam a adotar modos humanos — andar sobre duas pernas, beber, morar em casas, dormir em camas —, realmente sentimos que eles estão se degradando”, escreve Dickstein. Enquanto o distópico 1984 retrata uma sociedade totalitária monolítica, sem a menor esperança de transformação, essa fábula, “sua predecessora de tom mais leve, mostra como o idealismo inicial da revolução foi se degenerando gradualmente”.

Rebatizado de A Fazenda dos Animais, o lançamento foi recebido com certa hostilidade por alguns leitores, descontentes com a mudança de título, que se manifestaram nas redes sociais contra a troca. Paulo Henriques Brito não é, porém, o único tradutor a verter a fábula de Orwell. Em 2021, as versões de Rogerio Galindo (Antofágica), Denise Bottmann (L&PM), Luisa Geisler (Novo Século), Petê Rissatti (Globo) e Fabio Bonillo (Autêntica) também inundarão as prateleiras, dividindo-se entre o título mais próximo do original e o consagrado no Brasil. 

“As pessoas têm uma tendência a cristalizar um título e aquilo não tem mais como mudar”, reconhece o tradutor da nova edição de A Fazenda dos Animais, Paulo Henriques Brito, em entrevista por telefone ao Estadão. “Morro dos Ventos Uivantes, da Emily Bronte, por exemplo, não tem nada a ver com o título original, Wuthering Heights. Foi obra de algum tradutor ou editor criativo. Mas já ficou de tal modo associado que vai até causar dificuldade de reconhecer a obra. Entendo quem se queixa, mas nesse caso foi uma decisão certa, valeu a pena mudar. Sempre que possível, o ideal é manter o mais próximo possível do original.”

Talvez os fãs descontentes não ignorem que o título original da obra, Animal Farm, soe muito mais próximo de A Fazenda dos Animais, mas é possível que eles não saibam — e o próprio Brito confessa que não sabia até recentemente — que a tradução anterior, A Revolução dos Bichos, tem uma história até que bastante orwelliana ligada à guerra fria, ao anticomunismo norte-americano e à ditadura militar brasileira.

No livro Guerra Fria e Política Editorial, publicado em 2015, a historiadora Laura de Oliveira, professora da UFBA, revela o estímulo financeiro que os Estados Unidos, por meio de programas de incentivo cultural, financiou a publicação de mais de 3 mil livros no Brasil entre 1953 e 1973. Essas obras eram bancadas por entidades como o Instituto de Pesquisa Social (Ipês) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Em 2017, o editor Gumercindo Rocha Dorea admitiu ao Estadão a participação de sua casa editorial, a GRD, nesse convênio: “Eu tirava mil exemplares e a embaixada comprava 500. Qual é o demérito que existe nisso? Eu fiz uma transação comercial.”

Em 1964, ano do golpe militar que depôs o então presidente João Goulart e da primeira publicação de A Revolução dos Bichos no Brasil, 58% da literatura estrangeira publicada no Brasil vinha dos EUA, e uma larga parcela dessas publicações foram pagas por meio desses convênios entre a embaixada americana e as editoras brasileiras. As distopias clássicas do século 20, escritas por George Orwell, Aldous Huxley, Ray Bradbury e Ievgueni Zamiatin, formaram um conjunto relevante entre as obras lançadas no Brasil como propaganda anticomunista. 

 “Os estados totalitários de Huxley, Orwell e Zamiátin emergiram do desejo de fundar uma sociedade ideal”, escreve Oliveira em seu estudo. “A utopia se firmou, durante a Guerra Fria (e, no leste europeu, depois dela), como um conceito negativo, vinculado às doutrinas que embasaram regimes totalitários, marcadamente o stalinismo.”

É nesse contexto que se deu a primeira publicação de A Fazenda dos Animais/A Revolução dos Bichos no Brasil. Seu tradutor foi o então tenente Heitor Aquino Ferreira, secretário de Golbery do Couto e Silva, mente por trás do Serviço Nacional de Informações (SNI), e, nos anos seguintes, do ditador Ernesto Geisel.

“Dei uma olhada na tradução antiga, mas não fiquei cotejando”, conta Brito. Diferente de sua versão, a de Ferreira traduziu o termo “rebellion” para “revolução”, palavra que não consta no texto original. Usá-la deliberadamente no título e no texto acaba por dar a conotação de que toda e qualquer revolução estaria fadada ao fracasso e à deturpação de seus valores originais, como ocorre na fábula de Orwell, em vez da noção de que aquele levante — inspirado nos eventos da Revolução Russa — foi malfadado por questões específicas a ele. O novo tradutor concorda: “A vida inteira Orwell foi um homem de esquerda. Ele não quis estigmatizar a ideia de revolução, mas na tradução anterior a palavra dá uma ideia mais genérica, de que qualquer revolução seja assim”.

O próprio Orwell já escreveu que “nada contribuiu tanto para a corrupção da ideia de socialismo quanto a crença de que a Rússia é um país socialista”, o que é compatível com a visão que ele transmite em sua fábula, longe de ser um panfleto anticomunista. Aliás, é interessante notar as diferenças entre os pensamentos de esquerda e direita por meio de uma carta do poeta e editor T.S. Eliot, que rejeitou publicar a obra e era conservador, para Orwell: “Seus porcos são muito mais inteligentes que os outros animais e, portanto, os mais qualificados para dirigir a fazenda (...) o necessário (pode-se argumentar) não era um maior comunismo, e sim mais porcos com espírito público”.

Os dois principais livros da ficção orwelliana, 1984 e A Fazenda dos Animais, demonstram como valores e princípios podem ser distorcidos. Em 1984, o Ministério da Verdade se ocupa de promover a mentira, o Ministério da Paz faz guerra e assim por diante, sem falar da novilíngua, o controle totalitário por meio da linguagem. Em A Fazenda dos Animais, os “mandamentos” de igualdade criados pelos bichos são trocados na calada da noite, e assim “Todos os animais são iguais” vira o genial slogan “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. 

Esse fenômeno se reproduziu metalinguisticamente com as obras de Orwell. Gestados como uma defesa do verdadeiro socialismo em detrimento do regime soviético, que ele condenava, seus livros foram lidos e publicados, inclusive no Brasil, como propaganda anticomunista. Sua obra, seja ficcional, jornalística ou ensaística, se dedicou a produzir uma anatomia da tirania que, por sua potência, foi apropriada por essa mesma tirania. Independente do viés de suas traduções, seus escritos ainda se provam perturbadoramente atuais em tempos de recrudescimento do autoritarismo.

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