Contos do escritor russo Anton Tchekhov são relançados no Brasil


Autor foi um dos responsáveis pelo conto moderno e influenciou de Machado a Borges

Por Alberto Bombig

Entre os pilares do que denominamos conto moderno certamente está a obra do russo Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904). Assim como a produção em prosa curta do americano Edgar Allan Poe (1809-1849), ela estabeleceu paradigmas técnicos e estilísticos que mais tarde iriam consagrar uma leva de escritores e se tornar porta de entrada do universo literário para milhões de leitores. Se Poe praticamente criou o efeito singular do gênero, sempre escorado num final surpreendente ou mesmo trágico, Tchekhov firmou a indelével marca do conto contemporâneo: o recorte preciso no tempo (muitas vezes condensado em uma única cena) e os finais menos dramáticos, mais abertos.

+++Contos de Edgar Allan Poe são reeditados no Brasil

O escritor russo Anton Tchekhov Foto: Editora Nova Fronteira
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No Brasil, críticos enxergam similaridades nas poéticas de Tchekhov e de Machado de Assis (1839-1908). Em um ensaio de 1996, o escritor Hélio Pólvora chega a especular se o Bruxo do Cosme Velho teria lido o colega russo para escrever contos como Uns Braços, por exemplo. A explicação para a influência talvez resida no que Poe atribuiu ao “espírito do tempo”. E qual era o “Zeitgeist” do século 19 para produzir três monstros sagrados do conto como Poe, Tchekhov e Machado? Em linhas gerais, a sensação de “brevidade” de um período marcado por avanços científicos e tecnológicos, declínio e ascensão de impérios, guerras, isolamentos e tensões sociais.

+++Arquitetura é elemento do terror na literatura de Shirley Jackson

Nos contos de Tchekhov, tudo isso foi captado e descrito por um perspicaz observador da miserável condição humana. É justamente esse aspecto contemporâneo, atemporal e universal da obra tchekhoviana que torna relevante o recente lançamento de mais uma antologia do autor. Contos, na coleção Clássicos de Ouro da editora Nova Fronteira, tem tradução diretamente do russo de Tatiana Belinky (1919-2013) e reúne obras-primas da prosa curta, entre elas Senhora do Cachorrinho (A Dama do Cachorrinho), O Bilhete de Loteria, A Morte do Funcionário e Angústia. Alguns, especialmente os de sua primeira fase como escritor, são carregados de sarcasmo e se assemelham a pequenas esquetes de humor.

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Em O Bilhete de Loteria, por exemplo, o mestre russo mostra os sonhos e as desavenças de um casal em torno de um prêmio milionário que sequer foi sorteado. Outros, como Angústia (um texto bem curto) são carregados de tristeza, de miséria. Mas o ponto alto da seleção é mesmo A Senhora com o Cachorrinho, que conta um caso de infidelidade entre um banqueiro moscovita, Dmitri, e uma bela dama, Anna, que tinha por hábito passear com seu animalzinho de estimação no balneário de Yalta (Ialta, na Crimeia). A narrativa mostra pouco a pouco a demolição das convicções de Dmitri sobre as mulheres e o amor, além de envolver o leitor e puxá-lo para o epicentro do affair proibido. O final é o mais puro e belo Tchekhov em ação, pois trabalha apenas com as possibilidades, jogando para frente a resolução da trama. 

As primeiras publicações de Tchekhov no Brasil começaram no final da primeira metade do século 20, por volta de 1945. Desde então, seu prestígio não parou de crescer entre os escritores, artistas e intelectuais do País. Em 1999, a Editora 34, com organização e tradução diretamente do russo de Boris Schnaiderman, lançou um volume com 36 contos de Tchekhov e, posteriormente, outros quatro volumes com textos do autor.

Belinky, que nasceu na Rússia e viveu no Brasil, sempre foi considerada uma pioneira em traduções de Tchekhov. Esta é a quarta edição da seleção de contos traduzidos por ela, igual à terceira edição da obra, que traz mais contos do que as duas primeiras.  Tchekhov talvez seja mais conhecido no Brasil por sua obra teatral. Ela inclui textos montados e remontados através da história, como Tio Vânia, A Gaivota e As Três Irmãs, sempre presentes nos melhores palcos do mundo – inclusive, claro, os brasileiros. Médico de formação, ele chegou dizer que a medicina era sua mulher legítima e a literatura, sua amante.

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Após ter alcançado certo sucesso, ele abandona a prática da medicina, porém sem deixar de lado o olhar do médico para as mazelas da sociedade, para os desvalidos e as dores da alma. Em 1898, Tchekhov se muda para Ialta, onde atinge o ápice de sua produção (e escreve A Senhora com o Cachorrinho). Tchekhov morreu no 15 de julho de 1904, conforme seus biógrafos, em Badenweiler, na Alemanha, vítima da tuberculose.

No século que então se iniciava, escritores como o americano Ernest Hemingway e os argentinos Julio Cortázar e Jorge Luís Borges iriam refinar ainda mais suas experiências estilísticas e conceituais para fundar o “conto contemporâneo” como o conhecemos atualmente. 

Portanto, a leitura da obra tchekhoviana permanece não apenas obrigatória para aspirantes a escritores e leitores atentos, mas também uma chave para entendermos os descaminhos que nos trouxeram até a pós-modernidade e à formação do homem contemporâneo Se Tolstoi pintou os grandes painéis sociais da Rússia, Tchekhov fez reveladores instantâneos de seu povo e do que há de mais universal e atemporal nele. Assim, treinou os olhos do mundo para enxergar não apenas aquilo que se mostra na superfície, mas o que está escondido sob as imagens e palavras. 

Entre os pilares do que denominamos conto moderno certamente está a obra do russo Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904). Assim como a produção em prosa curta do americano Edgar Allan Poe (1809-1849), ela estabeleceu paradigmas técnicos e estilísticos que mais tarde iriam consagrar uma leva de escritores e se tornar porta de entrada do universo literário para milhões de leitores. Se Poe praticamente criou o efeito singular do gênero, sempre escorado num final surpreendente ou mesmo trágico, Tchekhov firmou a indelével marca do conto contemporâneo: o recorte preciso no tempo (muitas vezes condensado em uma única cena) e os finais menos dramáticos, mais abertos.

+++Contos de Edgar Allan Poe são reeditados no Brasil

O escritor russo Anton Tchekhov Foto: Editora Nova Fronteira

No Brasil, críticos enxergam similaridades nas poéticas de Tchekhov e de Machado de Assis (1839-1908). Em um ensaio de 1996, o escritor Hélio Pólvora chega a especular se o Bruxo do Cosme Velho teria lido o colega russo para escrever contos como Uns Braços, por exemplo. A explicação para a influência talvez resida no que Poe atribuiu ao “espírito do tempo”. E qual era o “Zeitgeist” do século 19 para produzir três monstros sagrados do conto como Poe, Tchekhov e Machado? Em linhas gerais, a sensação de “brevidade” de um período marcado por avanços científicos e tecnológicos, declínio e ascensão de impérios, guerras, isolamentos e tensões sociais.

+++Arquitetura é elemento do terror na literatura de Shirley Jackson

Nos contos de Tchekhov, tudo isso foi captado e descrito por um perspicaz observador da miserável condição humana. É justamente esse aspecto contemporâneo, atemporal e universal da obra tchekhoviana que torna relevante o recente lançamento de mais uma antologia do autor. Contos, na coleção Clássicos de Ouro da editora Nova Fronteira, tem tradução diretamente do russo de Tatiana Belinky (1919-2013) e reúne obras-primas da prosa curta, entre elas Senhora do Cachorrinho (A Dama do Cachorrinho), O Bilhete de Loteria, A Morte do Funcionário e Angústia. Alguns, especialmente os de sua primeira fase como escritor, são carregados de sarcasmo e se assemelham a pequenas esquetes de humor.

Em O Bilhete de Loteria, por exemplo, o mestre russo mostra os sonhos e as desavenças de um casal em torno de um prêmio milionário que sequer foi sorteado. Outros, como Angústia (um texto bem curto) são carregados de tristeza, de miséria. Mas o ponto alto da seleção é mesmo A Senhora com o Cachorrinho, que conta um caso de infidelidade entre um banqueiro moscovita, Dmitri, e uma bela dama, Anna, que tinha por hábito passear com seu animalzinho de estimação no balneário de Yalta (Ialta, na Crimeia). A narrativa mostra pouco a pouco a demolição das convicções de Dmitri sobre as mulheres e o amor, além de envolver o leitor e puxá-lo para o epicentro do affair proibido. O final é o mais puro e belo Tchekhov em ação, pois trabalha apenas com as possibilidades, jogando para frente a resolução da trama. 

As primeiras publicações de Tchekhov no Brasil começaram no final da primeira metade do século 20, por volta de 1945. Desde então, seu prestígio não parou de crescer entre os escritores, artistas e intelectuais do País. Em 1999, a Editora 34, com organização e tradução diretamente do russo de Boris Schnaiderman, lançou um volume com 36 contos de Tchekhov e, posteriormente, outros quatro volumes com textos do autor.

Belinky, que nasceu na Rússia e viveu no Brasil, sempre foi considerada uma pioneira em traduções de Tchekhov. Esta é a quarta edição da seleção de contos traduzidos por ela, igual à terceira edição da obra, que traz mais contos do que as duas primeiras.  Tchekhov talvez seja mais conhecido no Brasil por sua obra teatral. Ela inclui textos montados e remontados através da história, como Tio Vânia, A Gaivota e As Três Irmãs, sempre presentes nos melhores palcos do mundo – inclusive, claro, os brasileiros. Médico de formação, ele chegou dizer que a medicina era sua mulher legítima e a literatura, sua amante.

Após ter alcançado certo sucesso, ele abandona a prática da medicina, porém sem deixar de lado o olhar do médico para as mazelas da sociedade, para os desvalidos e as dores da alma. Em 1898, Tchekhov se muda para Ialta, onde atinge o ápice de sua produção (e escreve A Senhora com o Cachorrinho). Tchekhov morreu no 15 de julho de 1904, conforme seus biógrafos, em Badenweiler, na Alemanha, vítima da tuberculose.

No século que então se iniciava, escritores como o americano Ernest Hemingway e os argentinos Julio Cortázar e Jorge Luís Borges iriam refinar ainda mais suas experiências estilísticas e conceituais para fundar o “conto contemporâneo” como o conhecemos atualmente. 

Portanto, a leitura da obra tchekhoviana permanece não apenas obrigatória para aspirantes a escritores e leitores atentos, mas também uma chave para entendermos os descaminhos que nos trouxeram até a pós-modernidade e à formação do homem contemporâneo Se Tolstoi pintou os grandes painéis sociais da Rússia, Tchekhov fez reveladores instantâneos de seu povo e do que há de mais universal e atemporal nele. Assim, treinou os olhos do mundo para enxergar não apenas aquilo que se mostra na superfície, mas o que está escondido sob as imagens e palavras. 

Entre os pilares do que denominamos conto moderno certamente está a obra do russo Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904). Assim como a produção em prosa curta do americano Edgar Allan Poe (1809-1849), ela estabeleceu paradigmas técnicos e estilísticos que mais tarde iriam consagrar uma leva de escritores e se tornar porta de entrada do universo literário para milhões de leitores. Se Poe praticamente criou o efeito singular do gênero, sempre escorado num final surpreendente ou mesmo trágico, Tchekhov firmou a indelével marca do conto contemporâneo: o recorte preciso no tempo (muitas vezes condensado em uma única cena) e os finais menos dramáticos, mais abertos.

+++Contos de Edgar Allan Poe são reeditados no Brasil

O escritor russo Anton Tchekhov Foto: Editora Nova Fronteira

No Brasil, críticos enxergam similaridades nas poéticas de Tchekhov e de Machado de Assis (1839-1908). Em um ensaio de 1996, o escritor Hélio Pólvora chega a especular se o Bruxo do Cosme Velho teria lido o colega russo para escrever contos como Uns Braços, por exemplo. A explicação para a influência talvez resida no que Poe atribuiu ao “espírito do tempo”. E qual era o “Zeitgeist” do século 19 para produzir três monstros sagrados do conto como Poe, Tchekhov e Machado? Em linhas gerais, a sensação de “brevidade” de um período marcado por avanços científicos e tecnológicos, declínio e ascensão de impérios, guerras, isolamentos e tensões sociais.

+++Arquitetura é elemento do terror na literatura de Shirley Jackson

Nos contos de Tchekhov, tudo isso foi captado e descrito por um perspicaz observador da miserável condição humana. É justamente esse aspecto contemporâneo, atemporal e universal da obra tchekhoviana que torna relevante o recente lançamento de mais uma antologia do autor. Contos, na coleção Clássicos de Ouro da editora Nova Fronteira, tem tradução diretamente do russo de Tatiana Belinky (1919-2013) e reúne obras-primas da prosa curta, entre elas Senhora do Cachorrinho (A Dama do Cachorrinho), O Bilhete de Loteria, A Morte do Funcionário e Angústia. Alguns, especialmente os de sua primeira fase como escritor, são carregados de sarcasmo e se assemelham a pequenas esquetes de humor.

Em O Bilhete de Loteria, por exemplo, o mestre russo mostra os sonhos e as desavenças de um casal em torno de um prêmio milionário que sequer foi sorteado. Outros, como Angústia (um texto bem curto) são carregados de tristeza, de miséria. Mas o ponto alto da seleção é mesmo A Senhora com o Cachorrinho, que conta um caso de infidelidade entre um banqueiro moscovita, Dmitri, e uma bela dama, Anna, que tinha por hábito passear com seu animalzinho de estimação no balneário de Yalta (Ialta, na Crimeia). A narrativa mostra pouco a pouco a demolição das convicções de Dmitri sobre as mulheres e o amor, além de envolver o leitor e puxá-lo para o epicentro do affair proibido. O final é o mais puro e belo Tchekhov em ação, pois trabalha apenas com as possibilidades, jogando para frente a resolução da trama. 

As primeiras publicações de Tchekhov no Brasil começaram no final da primeira metade do século 20, por volta de 1945. Desde então, seu prestígio não parou de crescer entre os escritores, artistas e intelectuais do País. Em 1999, a Editora 34, com organização e tradução diretamente do russo de Boris Schnaiderman, lançou um volume com 36 contos de Tchekhov e, posteriormente, outros quatro volumes com textos do autor.

Belinky, que nasceu na Rússia e viveu no Brasil, sempre foi considerada uma pioneira em traduções de Tchekhov. Esta é a quarta edição da seleção de contos traduzidos por ela, igual à terceira edição da obra, que traz mais contos do que as duas primeiras.  Tchekhov talvez seja mais conhecido no Brasil por sua obra teatral. Ela inclui textos montados e remontados através da história, como Tio Vânia, A Gaivota e As Três Irmãs, sempre presentes nos melhores palcos do mundo – inclusive, claro, os brasileiros. Médico de formação, ele chegou dizer que a medicina era sua mulher legítima e a literatura, sua amante.

Após ter alcançado certo sucesso, ele abandona a prática da medicina, porém sem deixar de lado o olhar do médico para as mazelas da sociedade, para os desvalidos e as dores da alma. Em 1898, Tchekhov se muda para Ialta, onde atinge o ápice de sua produção (e escreve A Senhora com o Cachorrinho). Tchekhov morreu no 15 de julho de 1904, conforme seus biógrafos, em Badenweiler, na Alemanha, vítima da tuberculose.

No século que então se iniciava, escritores como o americano Ernest Hemingway e os argentinos Julio Cortázar e Jorge Luís Borges iriam refinar ainda mais suas experiências estilísticas e conceituais para fundar o “conto contemporâneo” como o conhecemos atualmente. 

Portanto, a leitura da obra tchekhoviana permanece não apenas obrigatória para aspirantes a escritores e leitores atentos, mas também uma chave para entendermos os descaminhos que nos trouxeram até a pós-modernidade e à formação do homem contemporâneo Se Tolstoi pintou os grandes painéis sociais da Rússia, Tchekhov fez reveladores instantâneos de seu povo e do que há de mais universal e atemporal nele. Assim, treinou os olhos do mundo para enxergar não apenas aquilo que se mostra na superfície, mas o que está escondido sob as imagens e palavras. 

Entre os pilares do que denominamos conto moderno certamente está a obra do russo Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904). Assim como a produção em prosa curta do americano Edgar Allan Poe (1809-1849), ela estabeleceu paradigmas técnicos e estilísticos que mais tarde iriam consagrar uma leva de escritores e se tornar porta de entrada do universo literário para milhões de leitores. Se Poe praticamente criou o efeito singular do gênero, sempre escorado num final surpreendente ou mesmo trágico, Tchekhov firmou a indelével marca do conto contemporâneo: o recorte preciso no tempo (muitas vezes condensado em uma única cena) e os finais menos dramáticos, mais abertos.

+++Contos de Edgar Allan Poe são reeditados no Brasil

O escritor russo Anton Tchekhov Foto: Editora Nova Fronteira

No Brasil, críticos enxergam similaridades nas poéticas de Tchekhov e de Machado de Assis (1839-1908). Em um ensaio de 1996, o escritor Hélio Pólvora chega a especular se o Bruxo do Cosme Velho teria lido o colega russo para escrever contos como Uns Braços, por exemplo. A explicação para a influência talvez resida no que Poe atribuiu ao “espírito do tempo”. E qual era o “Zeitgeist” do século 19 para produzir três monstros sagrados do conto como Poe, Tchekhov e Machado? Em linhas gerais, a sensação de “brevidade” de um período marcado por avanços científicos e tecnológicos, declínio e ascensão de impérios, guerras, isolamentos e tensões sociais.

+++Arquitetura é elemento do terror na literatura de Shirley Jackson

Nos contos de Tchekhov, tudo isso foi captado e descrito por um perspicaz observador da miserável condição humana. É justamente esse aspecto contemporâneo, atemporal e universal da obra tchekhoviana que torna relevante o recente lançamento de mais uma antologia do autor. Contos, na coleção Clássicos de Ouro da editora Nova Fronteira, tem tradução diretamente do russo de Tatiana Belinky (1919-2013) e reúne obras-primas da prosa curta, entre elas Senhora do Cachorrinho (A Dama do Cachorrinho), O Bilhete de Loteria, A Morte do Funcionário e Angústia. Alguns, especialmente os de sua primeira fase como escritor, são carregados de sarcasmo e se assemelham a pequenas esquetes de humor.

Em O Bilhete de Loteria, por exemplo, o mestre russo mostra os sonhos e as desavenças de um casal em torno de um prêmio milionário que sequer foi sorteado. Outros, como Angústia (um texto bem curto) são carregados de tristeza, de miséria. Mas o ponto alto da seleção é mesmo A Senhora com o Cachorrinho, que conta um caso de infidelidade entre um banqueiro moscovita, Dmitri, e uma bela dama, Anna, que tinha por hábito passear com seu animalzinho de estimação no balneário de Yalta (Ialta, na Crimeia). A narrativa mostra pouco a pouco a demolição das convicções de Dmitri sobre as mulheres e o amor, além de envolver o leitor e puxá-lo para o epicentro do affair proibido. O final é o mais puro e belo Tchekhov em ação, pois trabalha apenas com as possibilidades, jogando para frente a resolução da trama. 

As primeiras publicações de Tchekhov no Brasil começaram no final da primeira metade do século 20, por volta de 1945. Desde então, seu prestígio não parou de crescer entre os escritores, artistas e intelectuais do País. Em 1999, a Editora 34, com organização e tradução diretamente do russo de Boris Schnaiderman, lançou um volume com 36 contos de Tchekhov e, posteriormente, outros quatro volumes com textos do autor.

Belinky, que nasceu na Rússia e viveu no Brasil, sempre foi considerada uma pioneira em traduções de Tchekhov. Esta é a quarta edição da seleção de contos traduzidos por ela, igual à terceira edição da obra, que traz mais contos do que as duas primeiras.  Tchekhov talvez seja mais conhecido no Brasil por sua obra teatral. Ela inclui textos montados e remontados através da história, como Tio Vânia, A Gaivota e As Três Irmãs, sempre presentes nos melhores palcos do mundo – inclusive, claro, os brasileiros. Médico de formação, ele chegou dizer que a medicina era sua mulher legítima e a literatura, sua amante.

Após ter alcançado certo sucesso, ele abandona a prática da medicina, porém sem deixar de lado o olhar do médico para as mazelas da sociedade, para os desvalidos e as dores da alma. Em 1898, Tchekhov se muda para Ialta, onde atinge o ápice de sua produção (e escreve A Senhora com o Cachorrinho). Tchekhov morreu no 15 de julho de 1904, conforme seus biógrafos, em Badenweiler, na Alemanha, vítima da tuberculose.

No século que então se iniciava, escritores como o americano Ernest Hemingway e os argentinos Julio Cortázar e Jorge Luís Borges iriam refinar ainda mais suas experiências estilísticas e conceituais para fundar o “conto contemporâneo” como o conhecemos atualmente. 

Portanto, a leitura da obra tchekhoviana permanece não apenas obrigatória para aspirantes a escritores e leitores atentos, mas também uma chave para entendermos os descaminhos que nos trouxeram até a pós-modernidade e à formação do homem contemporâneo Se Tolstoi pintou os grandes painéis sociais da Rússia, Tchekhov fez reveladores instantâneos de seu povo e do que há de mais universal e atemporal nele. Assim, treinou os olhos do mundo para enxergar não apenas aquilo que se mostra na superfície, mas o que está escondido sob as imagens e palavras. 

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