"Você mente! Eu sou Carlos Manga, eu sou do Brasil, meu amor, ninguém pode me repreender!"
Esse foi o telefonema que recebi do Manga, numa tarde de quarta-feira, meio de semana. Era 29 de outubro de 1997. Diretor do Domingão do Faustão na época, ele era também responsável pelo sushi erótico, episódio ocorrido no domingo anterior e que veio a se tornar uma referência do que não deveria jamais voltar a acontecer na guerra de audiência. Entrou para a história como o maior escândalo do programa. Deu-se que no meio da tarde de domingo, botaram lá uma moça deitada numa mesa, moça bonita, coberta só por sushis, sashimis e afins, enquanto Marcio Garcia, Oscar Magrini e Matheus Rocha, um jovem ator, degustavam das iguarias, "descobrindo" o corpo da modelo e tecendo comentários de ruborizar os espectadores das chanchadas da Atlântida.
A repercussão foi a pior possível. Eram tempos de concorrência desmedida, irracional. Gugu tinha a tal da banheira, com boazudas metidas em biquínis mínimos,que eram bolinadas à vontade por convidados que disputavam sabonetes debaixo d'água com elas. Globo e SBT se estapeavam por pontos no Ibope, trocavam ameaças na indústria fonográfica - artista que ia a um programa estava vetado no outro, etc.
No oba-oba da concorrência, veio a ideia do sushi, cena que, na tela da Globo, chocou a audiência habituada ao padrão de qualidade.
Boni, ainda big boss, chamou Manga às falas e eu publiquei uma nota sobre o encontro, na Folha de S.Paulo, onde trabalhava, na época.
Eis a nota:
"Diretor de Faustão é repreendido pela Globo
A direção da Globo avaliou o circo que se montou em sua tela no último "Domingão do Faustão" como uma desobediência de Carlos Manga, diretor de núcleo do programa, ao padrão de qualidade estabelecido pela emissora.Embora o diretor tenha sido repreendido -até pelos tantos telefonemas de telespectadores chocados com o tal "sushi erótico"-, a cúpula da Globo decidiu mantê-lo à frente do "Domingão".Contribuiu, para tanto, o fato de o próprio Manga reconhecer que extrapolou os limites do bom gosto. A empresa voltou a endossar que prefere perder no Ibope, a apelar para cenas como as do último domingo."
Manga me ligou abalado, chateado, revoltado, dizendo que eu era uma mentirosa.
Seria sua primeira e última manifestação sobre o caso. Publicamos a conversa no dia seguinte, sem poupar o desdém dele à minha informação. Disse ele que o Boni o chamou para almoçar, com um "vinho maravilhoso", e não houve nada daquilo.
Eu desliguei o telefone, satisfeita com o retorno dele. Afinal, tínhamos uma palavra de quem deveria falar e até então não havia se manifestado. Dizer que eu era mentirosa só reforçava a crise gerada pelo sushi.
Avisei meu editor, na época Sérgio Dávila, que abriu espaço de urgência no caderno Cotidiano, para publicarmos a conversa. Foi um sucesso.
Manga passa para a história com mil feitos geniais, é bom enfatizar, o que justifica sua ira com o escorregão da vez. Todo mundo erra, até o "Carlos Manga do Brasil".
Pra mim, de verdade, foi uma honra receber um telefonema seu, ainda que fosse para me desmentir numa história verdadeira.
Pouco tempo depois, o Manga deixou o comando do Domingão.