A pandemia acertou em cheio diversas áreas da cultura, mas, no mercado editorial, a nova crise se sobrepôs à outra, anterior, bastante acentuada por problemas nas grandes livrarias. Dito isso, a parcela independente da cadeia de produção de livros traz o seu espírito inovador – inventar maneiras de produzir e vender, afinal, sempre foi uma necessidade para essas casas – também para o podcast.
Um dos programas criados neste período de isolamento é o Papo Tatuí, mais uma iniciativa do pessoal da Lote 42, editora e espécie de hub cultural no bairro da Santa Cecília, em São Paulo. Com a supressão dos contatos físicos dos eventos que a Lote promovia na Banca Tatuí, o novo podcast serve para discutir os diversos assuntos que rodeiam o universo do livro e do mercado independente, mas da maneira criativa que marcou a produção anterior da empresa. De sonhos à colocação das editoras menores no “futuro” do mercado do livro, o podcast recebe convidados para papos bastante conectados com o espírito do tempo.
Em um dos episódios, o mercado de livros amanhã, o editor da Lote 42, João Varella, conversa com o colega da Barbatana, Paulo Verano, sobre os possíveis caminhos da cadeia comercial do livro no futuro pós-pandemia. “Talvez a pandemia venha a ruir as grandes estruturas das redes de livrarias, que já estavam sofrendo chacoalhões antes do chacoalhão ser modinha”, diz Varella. Um palpite é que o mercado se fragmente, até se assemelhando ao cenário dos anos 1980, em que as lojas eram em grande parte negócios de família, mais simples.
Em outro episódio, a editora Cecília Arbolave conversa com a artista visual Sirlanney, autora do livro Magra de Ruim – como o isolamento social é algo com o qual a artista já estava acostumada mesmo antes da pandemia, ela consegue dar preciosas dicas para artistas e escritores que estão em situação parecida, mas que ainda não conseguiram colocar planos em prática.
Feito antes da pandemia, considerado um dos melhores podcasts de 2019, Sertões: Histórias de Canudos, da Rádio Batuta, é escrito e apresentado por Guilherme Freitas. O programa ganha atemporalidade não só pela retratação equilibrada da história que Euclides da Cunha contou em Os Sertões, atemporal por si só, mas também pelo zelo com a produção do podcast e o investimento criativo no formato do programa, outros diferenciais. Em cinco episódios de aproximadamente 30 minutos, a série mistura reportagem, história, entrevistas, debates e leituras do livro, e o podcast serve como um documentário sobre um dos livros mais lembrados da literatura brasileira.
É interessante notar como diversos podcasts de literatura trabalham para colocar o leitor em contato com o texto. A forma mais usada é a leitura por um ator ou uma atriz, como numa comovente participação de Antônio Pitanga num programa da revista Quatro Cinco Um, o 451 MHz, já citado neste espaço. Outras formas menos elaboradas, porém – como o podcast Presidente da Semana fez em 2018, colocando colegas jornalistas para “interpretar” as figuras históricas. Esse é um exemplo de como os produtores de podcasts de literatura podem buscar novos formatos para atrair mais ouvintes e, claro, mais leitores.