É um verdadeiro alívio, pensando na cultura nacional, quando uma família decide tratar o espólio de um grande artista ou intelectual com o respeito que ele merece. Não é surpresa, porém, que os herdeiros de Antonio Candido (1918-2017) e Gilda de Mello e Souza (1919-2005) sejam exemplares neste sentido, dada a imensa erudição dos dois professores. O processo de trabalho de catalogação e difusão do acervo do casal é o tema de uma série de podcasts no canal Podcast do IEB, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
O processo foi coordenado pela mestre em história da Arte e pesquisadora Laura Escorel, também neta de Candido e Gilda, em parceria com a equipe do IEB (para quem Candido deixou o acervo em testamento) e com o Itaú Cultural. Em julho de 2017, foi apresentado ao Itaú Cultural o projeto de digitalização e catalogação. Segundo o primeiro episódio do podcast, houve harmonia completa entre a família, o IEB e a instituição privada.
O processo foi relativamente rápido: com acesso permitido à casa de Candido e Gilda, e com o aporte financeiro do Itaú Cultural, o projeto da família e do IEB chega agora à conclusão, e o podcast é uma forma poderosa de difundir o acervo, outro objetivo considerado central no projeto.
No podcast, sabemos que o acervo foi organizado seguindo a orientação de Antonio Candido, intelectual metódico, conhecido pela organização dos próprios documentos.
Neste primeiro episódio, a própria Laura Escorel explica um pouco do processo que começou ainda em 2017, e fala também sobre como a pandemia atrasou um pouco, naturalmente, o acesso possível ao acervo de forma presencial – que estará disponível quando a Universidade retomar atividades.
O podcast registra que o material do acervo ultrapassa o período da vida dos dois professores, com documentos e registros de antepassados remontando ao século 19, servindo também como valiosa fonte de pesquisa para investigação de costumes familiares e outros aspectos da história brasileira.
“A parceria entre a iniciativa privada e a universidade pública promoveu o acesso a um arquivo relevante em espaço de tempo relativamente curto”, diz Laura, no primeiro episódio. “A atuação da equipe interdisciplinar mostrou a força que a colaboração entre as diversas áreas do conhecimento gera”.
A série então começa com um episódio sobre os cadernos de Gilda de Mello e Souza por Juliana Franco (todos os apresentadores fazem parte da equipe do projeto); da atuação de Antonio Candido como professor (por Lucas Marcondes de Moura) e como ser político (por Max Luiz Gimenes e Marco A. Teixeira Junior) – é sempre muito interessante refletir sobre como Candido teve uma compreensão social poderosa do poder político, e em como ele levou isso para sua atividade intelectual bastante relacionada à cultura e às letras. Outros episódios falam sobre a correspondência dos intelectuais, da documentação iconográfica e de outras pesquisas.
O tom acadêmico do programa – transmitido como breves comunicações – abre espaço para pesquisadores refletirem sobre esse rico material – e sobre o que se pode fazer pela memória da nossa cultura.