Democracia à moda da casa


Em Minas, expansão do foro privilegiado mostra como a razão pode andar na contramão do bom senso

Por Vera Alice Cardoso Silva

A Assembléia Legislativa de Minas acaba de promulgar lei que expande o foro privilegiado para julgamento de denúncias de comportamento incompatível com o decoro público. Passam a gozar dessa prerrogativa todos os membros do Poder Legislativo e boa parte dos que ocupam cargos de confiança no Executivo. A aprovação da lei se deu após derrota do veto do governador Aécio Neves. O episódio desencadeou debate sobre o significado político e ético tanto da lei quanto do veto derrotado. Quanto ao conteúdo da lei, vários analistas da vida pública nacional apontaram seu caráter politicamente incorreto, dado que vai contra a opinião hoje em dia dominante no País segundo a qual o desejável e urgente é o aperfeiçoamento de mecanismos de controle do uso indevido de cargos públicos e a garantia de punição dos que desonram o mandato por praticar atos de corrupção. Quanto ao veto do governador, foi interpretado como demonstração de esperteza política, resultado de suposta negociação de bastidores, segundo a qual aquela autoridade ganharia prestígio junto à opinião pública, mas não forçaria sua base de apoio no Legislativo a votar contra um forte interesse corporativo. Essa suposta combinação de astúcia e cálculo político teve como resultado a primeira derrota do governador Aécio na Assembléia. Suspeita logo levantada: a derrota foi negociada. Só a bancada do PT quis beneficiar-se do apoio ao veto visando a obter o mesmo resultado, isto é, ser vista do lado aprovado pela opinião pública sensível aos aspectos éticos das instituições políticas. As interpretações do episódio chamam atenção para o modo como funciona a política na democracia brasileira. Por um lado, os que focalizam a suposta esperteza dos políticos mineiros, manifestada na habilidade de chegar a acordos conservadores em confrontos polêmicos (no caso em tela, a defesa da moralidade pública contraposta à defesa de interesses corporativos), ressaltam a visão da política como esfera de conluios, arranjos entre compadres, arte na qual os políticos mineiros seriam imbatíveis. Por outro lado, os que condenam a aprovação da lei expõem a vulnerabilidade de um sistema político mal preparado para combater formas negativas de corporativismo e a apropriação indébita do cargo público para benefício privado. No entanto, convém explorar melhor as dimensões políticas do episódio a fim de entendê-lo no que tem de mais revelador sobre os problemas éticos da democracia liberal em geral e os que são próprios desse regime no Brasil. Os protagonistas do episódio - governador e deputados estaduais - chegam a esses cargos por meio de eleições competitivas e dependem do eleitorado para continuar na carreira política. Tal condição, própria de todas as democracias, levaria a concluir que todo político interessado na reeleição estivesse sempre atento às correntes dominantes da opinião pública e buscasse representá-las como estratégia para manter-se como opção atraente para o eleitor. No episódio mineiro, o governador ficou do lado da opinião pública dominante. Já os deputados votaram contra ela. Seria tal decisão uma forma de suicídio político, a ser consumado no momento da reeleição? Não no Brasil, país de eleitorado sabidamente pouco informado sobre grandes debates políticos. Pesquisas mostram que a maioria dos deputados tem eleitorado concentrado territorialmente ou identificado por interesses temáticos. Trata-se de massa pouco ligada a debates sobre a forma das instituições ou regras de controle do exercício do mandato e do cargo público. Em tal contexto, quando os deputados propuseram e aprovaram uma lei que aumenta o âmbito de imunidade parlamentar e a possibilidade de impunidade em caso de processos por prevaricação, puderam, tranqüilamente, passar por cima do temor de retaliação do eleitor. O eleitor comum nem deve ter tomado conhecimento da lei, menos ainda do debate a que deu origem na imprensa. Por sua vez, o eleitor mais bem informado pode ter compreendido que o veto do governador só lhe traria benefício político e nenhuma perda de outra natureza. Na democracia liberal, o governante só perde em embates com o Legislativo quando está em jogo a votação de leis cruciais para o andamento do governo. Entre estas estão, por exemplo, as leis orçamentárias e as que autorizam a criação de impostos, de cargos públicos, de emissão de títulos da dívida pública, de reformas administrativas. São autorizações do Legislativo sem as quais o governo não tem como andar. Nesses casos, o governador não pode perder e mobiliza sua bancada para conduzir a votação. Em tais contextos, Aécio nunca perdeu. O episódio em tela sugere que o comportamento do governador, quando vetou a lei, e o dos deputados, que derrotaram o veto, são inteligíveis à luz do cálculo político que os motivaram. O governador não perdeu nada, no que se refere a sua capacidade de governar, ao optar pelo veto. Acrescentou pontos à imagem que já criou de político empenhado na defesa da moralidade pública e na eficácia como dirigente público. Os deputados, por sua vez, avaliaram que não hostilizavam suas bases eleitorais e valia a pena assegurar mais proteção jurídica, no atual contexto de multiplicação de denúncias de corrupção, que culminam em CPIs e em perda de privilégios. Sob o prisma do modo de funcionamento da política brasileira, portanto, os protagonistas do episódio agiram racionalmente, calculando ganhos e perdas referidos a sua carreira política. Mas não há como deixar de lado, na análise das implicações mais amplas da aprovação dessa lei, os aspectos éticos da política brasileira. A lei votada em Minas e a seqüência de CPIs e de julgamentos de deputados e senadores por quebra de decoro parlamentar que marca a história política recente do País demonstram a urgência de se pôr em discussão a moralidade das instituições da democracia no Brasil. As sociedades modernas tornam-se mais justas e mais coesas quando as leis são respeitadas por todos e os políticos profissionais têm comportamento público ilibado. Em nosso país, muito se tem dito sobre a necessidade de reformas na organização da política e do Judiciário, de modo a tornar a representação política mais verdadeira, o governo rotineiro mais eficiente e honesto, os processos de julgamento e de punição efetiva de criminosos de colarinho branco mais rápidos e livres de casuísmo. Sob esse prisma, qualquer que tenha sido a motivação pessoal do governador Aécio, seu veto aponta para a direção desejada para a democracia brasileira. Mas sua derrota aponta, também, para a complexidade de se criar boas leis e boas instituições em democracias nas quais a própria autonomia do Legislativo, associada à cultura política pouco cívica do eleitorado, pode dificultar o consenso em torno de mudanças que favoreçam o governo dirigido para o bem coletivo e não para a continuidade de uma sociedade de desiguais. SEGUNDA, 13 DE AGOSTO Privilegiado, mas ilegal O chefe do Ministério Público de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, defende ação de inconstitucionalidade para derrubar lei que ampliou o foro privilegiado no Estado. Vetada pelo governador Aécio Neves, a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa.

A Assembléia Legislativa de Minas acaba de promulgar lei que expande o foro privilegiado para julgamento de denúncias de comportamento incompatível com o decoro público. Passam a gozar dessa prerrogativa todos os membros do Poder Legislativo e boa parte dos que ocupam cargos de confiança no Executivo. A aprovação da lei se deu após derrota do veto do governador Aécio Neves. O episódio desencadeou debate sobre o significado político e ético tanto da lei quanto do veto derrotado. Quanto ao conteúdo da lei, vários analistas da vida pública nacional apontaram seu caráter politicamente incorreto, dado que vai contra a opinião hoje em dia dominante no País segundo a qual o desejável e urgente é o aperfeiçoamento de mecanismos de controle do uso indevido de cargos públicos e a garantia de punição dos que desonram o mandato por praticar atos de corrupção. Quanto ao veto do governador, foi interpretado como demonstração de esperteza política, resultado de suposta negociação de bastidores, segundo a qual aquela autoridade ganharia prestígio junto à opinião pública, mas não forçaria sua base de apoio no Legislativo a votar contra um forte interesse corporativo. Essa suposta combinação de astúcia e cálculo político teve como resultado a primeira derrota do governador Aécio na Assembléia. Suspeita logo levantada: a derrota foi negociada. Só a bancada do PT quis beneficiar-se do apoio ao veto visando a obter o mesmo resultado, isto é, ser vista do lado aprovado pela opinião pública sensível aos aspectos éticos das instituições políticas. As interpretações do episódio chamam atenção para o modo como funciona a política na democracia brasileira. Por um lado, os que focalizam a suposta esperteza dos políticos mineiros, manifestada na habilidade de chegar a acordos conservadores em confrontos polêmicos (no caso em tela, a defesa da moralidade pública contraposta à defesa de interesses corporativos), ressaltam a visão da política como esfera de conluios, arranjos entre compadres, arte na qual os políticos mineiros seriam imbatíveis. Por outro lado, os que condenam a aprovação da lei expõem a vulnerabilidade de um sistema político mal preparado para combater formas negativas de corporativismo e a apropriação indébita do cargo público para benefício privado. No entanto, convém explorar melhor as dimensões políticas do episódio a fim de entendê-lo no que tem de mais revelador sobre os problemas éticos da democracia liberal em geral e os que são próprios desse regime no Brasil. Os protagonistas do episódio - governador e deputados estaduais - chegam a esses cargos por meio de eleições competitivas e dependem do eleitorado para continuar na carreira política. Tal condição, própria de todas as democracias, levaria a concluir que todo político interessado na reeleição estivesse sempre atento às correntes dominantes da opinião pública e buscasse representá-las como estratégia para manter-se como opção atraente para o eleitor. No episódio mineiro, o governador ficou do lado da opinião pública dominante. Já os deputados votaram contra ela. Seria tal decisão uma forma de suicídio político, a ser consumado no momento da reeleição? Não no Brasil, país de eleitorado sabidamente pouco informado sobre grandes debates políticos. Pesquisas mostram que a maioria dos deputados tem eleitorado concentrado territorialmente ou identificado por interesses temáticos. Trata-se de massa pouco ligada a debates sobre a forma das instituições ou regras de controle do exercício do mandato e do cargo público. Em tal contexto, quando os deputados propuseram e aprovaram uma lei que aumenta o âmbito de imunidade parlamentar e a possibilidade de impunidade em caso de processos por prevaricação, puderam, tranqüilamente, passar por cima do temor de retaliação do eleitor. O eleitor comum nem deve ter tomado conhecimento da lei, menos ainda do debate a que deu origem na imprensa. Por sua vez, o eleitor mais bem informado pode ter compreendido que o veto do governador só lhe traria benefício político e nenhuma perda de outra natureza. Na democracia liberal, o governante só perde em embates com o Legislativo quando está em jogo a votação de leis cruciais para o andamento do governo. Entre estas estão, por exemplo, as leis orçamentárias e as que autorizam a criação de impostos, de cargos públicos, de emissão de títulos da dívida pública, de reformas administrativas. São autorizações do Legislativo sem as quais o governo não tem como andar. Nesses casos, o governador não pode perder e mobiliza sua bancada para conduzir a votação. Em tais contextos, Aécio nunca perdeu. O episódio em tela sugere que o comportamento do governador, quando vetou a lei, e o dos deputados, que derrotaram o veto, são inteligíveis à luz do cálculo político que os motivaram. O governador não perdeu nada, no que se refere a sua capacidade de governar, ao optar pelo veto. Acrescentou pontos à imagem que já criou de político empenhado na defesa da moralidade pública e na eficácia como dirigente público. Os deputados, por sua vez, avaliaram que não hostilizavam suas bases eleitorais e valia a pena assegurar mais proteção jurídica, no atual contexto de multiplicação de denúncias de corrupção, que culminam em CPIs e em perda de privilégios. Sob o prisma do modo de funcionamento da política brasileira, portanto, os protagonistas do episódio agiram racionalmente, calculando ganhos e perdas referidos a sua carreira política. Mas não há como deixar de lado, na análise das implicações mais amplas da aprovação dessa lei, os aspectos éticos da política brasileira. A lei votada em Minas e a seqüência de CPIs e de julgamentos de deputados e senadores por quebra de decoro parlamentar que marca a história política recente do País demonstram a urgência de se pôr em discussão a moralidade das instituições da democracia no Brasil. As sociedades modernas tornam-se mais justas e mais coesas quando as leis são respeitadas por todos e os políticos profissionais têm comportamento público ilibado. Em nosso país, muito se tem dito sobre a necessidade de reformas na organização da política e do Judiciário, de modo a tornar a representação política mais verdadeira, o governo rotineiro mais eficiente e honesto, os processos de julgamento e de punição efetiva de criminosos de colarinho branco mais rápidos e livres de casuísmo. Sob esse prisma, qualquer que tenha sido a motivação pessoal do governador Aécio, seu veto aponta para a direção desejada para a democracia brasileira. Mas sua derrota aponta, também, para a complexidade de se criar boas leis e boas instituições em democracias nas quais a própria autonomia do Legislativo, associada à cultura política pouco cívica do eleitorado, pode dificultar o consenso em torno de mudanças que favoreçam o governo dirigido para o bem coletivo e não para a continuidade de uma sociedade de desiguais. SEGUNDA, 13 DE AGOSTO Privilegiado, mas ilegal O chefe do Ministério Público de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, defende ação de inconstitucionalidade para derrubar lei que ampliou o foro privilegiado no Estado. Vetada pelo governador Aécio Neves, a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa.

A Assembléia Legislativa de Minas acaba de promulgar lei que expande o foro privilegiado para julgamento de denúncias de comportamento incompatível com o decoro público. Passam a gozar dessa prerrogativa todos os membros do Poder Legislativo e boa parte dos que ocupam cargos de confiança no Executivo. A aprovação da lei se deu após derrota do veto do governador Aécio Neves. O episódio desencadeou debate sobre o significado político e ético tanto da lei quanto do veto derrotado. Quanto ao conteúdo da lei, vários analistas da vida pública nacional apontaram seu caráter politicamente incorreto, dado que vai contra a opinião hoje em dia dominante no País segundo a qual o desejável e urgente é o aperfeiçoamento de mecanismos de controle do uso indevido de cargos públicos e a garantia de punição dos que desonram o mandato por praticar atos de corrupção. Quanto ao veto do governador, foi interpretado como demonstração de esperteza política, resultado de suposta negociação de bastidores, segundo a qual aquela autoridade ganharia prestígio junto à opinião pública, mas não forçaria sua base de apoio no Legislativo a votar contra um forte interesse corporativo. Essa suposta combinação de astúcia e cálculo político teve como resultado a primeira derrota do governador Aécio na Assembléia. Suspeita logo levantada: a derrota foi negociada. Só a bancada do PT quis beneficiar-se do apoio ao veto visando a obter o mesmo resultado, isto é, ser vista do lado aprovado pela opinião pública sensível aos aspectos éticos das instituições políticas. As interpretações do episódio chamam atenção para o modo como funciona a política na democracia brasileira. Por um lado, os que focalizam a suposta esperteza dos políticos mineiros, manifestada na habilidade de chegar a acordos conservadores em confrontos polêmicos (no caso em tela, a defesa da moralidade pública contraposta à defesa de interesses corporativos), ressaltam a visão da política como esfera de conluios, arranjos entre compadres, arte na qual os políticos mineiros seriam imbatíveis. Por outro lado, os que condenam a aprovação da lei expõem a vulnerabilidade de um sistema político mal preparado para combater formas negativas de corporativismo e a apropriação indébita do cargo público para benefício privado. No entanto, convém explorar melhor as dimensões políticas do episódio a fim de entendê-lo no que tem de mais revelador sobre os problemas éticos da democracia liberal em geral e os que são próprios desse regime no Brasil. Os protagonistas do episódio - governador e deputados estaduais - chegam a esses cargos por meio de eleições competitivas e dependem do eleitorado para continuar na carreira política. Tal condição, própria de todas as democracias, levaria a concluir que todo político interessado na reeleição estivesse sempre atento às correntes dominantes da opinião pública e buscasse representá-las como estratégia para manter-se como opção atraente para o eleitor. No episódio mineiro, o governador ficou do lado da opinião pública dominante. Já os deputados votaram contra ela. Seria tal decisão uma forma de suicídio político, a ser consumado no momento da reeleição? Não no Brasil, país de eleitorado sabidamente pouco informado sobre grandes debates políticos. Pesquisas mostram que a maioria dos deputados tem eleitorado concentrado territorialmente ou identificado por interesses temáticos. Trata-se de massa pouco ligada a debates sobre a forma das instituições ou regras de controle do exercício do mandato e do cargo público. Em tal contexto, quando os deputados propuseram e aprovaram uma lei que aumenta o âmbito de imunidade parlamentar e a possibilidade de impunidade em caso de processos por prevaricação, puderam, tranqüilamente, passar por cima do temor de retaliação do eleitor. O eleitor comum nem deve ter tomado conhecimento da lei, menos ainda do debate a que deu origem na imprensa. Por sua vez, o eleitor mais bem informado pode ter compreendido que o veto do governador só lhe traria benefício político e nenhuma perda de outra natureza. Na democracia liberal, o governante só perde em embates com o Legislativo quando está em jogo a votação de leis cruciais para o andamento do governo. Entre estas estão, por exemplo, as leis orçamentárias e as que autorizam a criação de impostos, de cargos públicos, de emissão de títulos da dívida pública, de reformas administrativas. São autorizações do Legislativo sem as quais o governo não tem como andar. Nesses casos, o governador não pode perder e mobiliza sua bancada para conduzir a votação. Em tais contextos, Aécio nunca perdeu. O episódio em tela sugere que o comportamento do governador, quando vetou a lei, e o dos deputados, que derrotaram o veto, são inteligíveis à luz do cálculo político que os motivaram. O governador não perdeu nada, no que se refere a sua capacidade de governar, ao optar pelo veto. Acrescentou pontos à imagem que já criou de político empenhado na defesa da moralidade pública e na eficácia como dirigente público. Os deputados, por sua vez, avaliaram que não hostilizavam suas bases eleitorais e valia a pena assegurar mais proteção jurídica, no atual contexto de multiplicação de denúncias de corrupção, que culminam em CPIs e em perda de privilégios. Sob o prisma do modo de funcionamento da política brasileira, portanto, os protagonistas do episódio agiram racionalmente, calculando ganhos e perdas referidos a sua carreira política. Mas não há como deixar de lado, na análise das implicações mais amplas da aprovação dessa lei, os aspectos éticos da política brasileira. A lei votada em Minas e a seqüência de CPIs e de julgamentos de deputados e senadores por quebra de decoro parlamentar que marca a história política recente do País demonstram a urgência de se pôr em discussão a moralidade das instituições da democracia no Brasil. As sociedades modernas tornam-se mais justas e mais coesas quando as leis são respeitadas por todos e os políticos profissionais têm comportamento público ilibado. Em nosso país, muito se tem dito sobre a necessidade de reformas na organização da política e do Judiciário, de modo a tornar a representação política mais verdadeira, o governo rotineiro mais eficiente e honesto, os processos de julgamento e de punição efetiva de criminosos de colarinho branco mais rápidos e livres de casuísmo. Sob esse prisma, qualquer que tenha sido a motivação pessoal do governador Aécio, seu veto aponta para a direção desejada para a democracia brasileira. Mas sua derrota aponta, também, para a complexidade de se criar boas leis e boas instituições em democracias nas quais a própria autonomia do Legislativo, associada à cultura política pouco cívica do eleitorado, pode dificultar o consenso em torno de mudanças que favoreçam o governo dirigido para o bem coletivo e não para a continuidade de uma sociedade de desiguais. SEGUNDA, 13 DE AGOSTO Privilegiado, mas ilegal O chefe do Ministério Público de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, defende ação de inconstitucionalidade para derrubar lei que ampliou o foro privilegiado no Estado. Vetada pelo governador Aécio Neves, a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa.

A Assembléia Legislativa de Minas acaba de promulgar lei que expande o foro privilegiado para julgamento de denúncias de comportamento incompatível com o decoro público. Passam a gozar dessa prerrogativa todos os membros do Poder Legislativo e boa parte dos que ocupam cargos de confiança no Executivo. A aprovação da lei se deu após derrota do veto do governador Aécio Neves. O episódio desencadeou debate sobre o significado político e ético tanto da lei quanto do veto derrotado. Quanto ao conteúdo da lei, vários analistas da vida pública nacional apontaram seu caráter politicamente incorreto, dado que vai contra a opinião hoje em dia dominante no País segundo a qual o desejável e urgente é o aperfeiçoamento de mecanismos de controle do uso indevido de cargos públicos e a garantia de punição dos que desonram o mandato por praticar atos de corrupção. Quanto ao veto do governador, foi interpretado como demonstração de esperteza política, resultado de suposta negociação de bastidores, segundo a qual aquela autoridade ganharia prestígio junto à opinião pública, mas não forçaria sua base de apoio no Legislativo a votar contra um forte interesse corporativo. Essa suposta combinação de astúcia e cálculo político teve como resultado a primeira derrota do governador Aécio na Assembléia. Suspeita logo levantada: a derrota foi negociada. Só a bancada do PT quis beneficiar-se do apoio ao veto visando a obter o mesmo resultado, isto é, ser vista do lado aprovado pela opinião pública sensível aos aspectos éticos das instituições políticas. As interpretações do episódio chamam atenção para o modo como funciona a política na democracia brasileira. Por um lado, os que focalizam a suposta esperteza dos políticos mineiros, manifestada na habilidade de chegar a acordos conservadores em confrontos polêmicos (no caso em tela, a defesa da moralidade pública contraposta à defesa de interesses corporativos), ressaltam a visão da política como esfera de conluios, arranjos entre compadres, arte na qual os políticos mineiros seriam imbatíveis. Por outro lado, os que condenam a aprovação da lei expõem a vulnerabilidade de um sistema político mal preparado para combater formas negativas de corporativismo e a apropriação indébita do cargo público para benefício privado. No entanto, convém explorar melhor as dimensões políticas do episódio a fim de entendê-lo no que tem de mais revelador sobre os problemas éticos da democracia liberal em geral e os que são próprios desse regime no Brasil. Os protagonistas do episódio - governador e deputados estaduais - chegam a esses cargos por meio de eleições competitivas e dependem do eleitorado para continuar na carreira política. Tal condição, própria de todas as democracias, levaria a concluir que todo político interessado na reeleição estivesse sempre atento às correntes dominantes da opinião pública e buscasse representá-las como estratégia para manter-se como opção atraente para o eleitor. No episódio mineiro, o governador ficou do lado da opinião pública dominante. Já os deputados votaram contra ela. Seria tal decisão uma forma de suicídio político, a ser consumado no momento da reeleição? Não no Brasil, país de eleitorado sabidamente pouco informado sobre grandes debates políticos. Pesquisas mostram que a maioria dos deputados tem eleitorado concentrado territorialmente ou identificado por interesses temáticos. Trata-se de massa pouco ligada a debates sobre a forma das instituições ou regras de controle do exercício do mandato e do cargo público. Em tal contexto, quando os deputados propuseram e aprovaram uma lei que aumenta o âmbito de imunidade parlamentar e a possibilidade de impunidade em caso de processos por prevaricação, puderam, tranqüilamente, passar por cima do temor de retaliação do eleitor. O eleitor comum nem deve ter tomado conhecimento da lei, menos ainda do debate a que deu origem na imprensa. Por sua vez, o eleitor mais bem informado pode ter compreendido que o veto do governador só lhe traria benefício político e nenhuma perda de outra natureza. Na democracia liberal, o governante só perde em embates com o Legislativo quando está em jogo a votação de leis cruciais para o andamento do governo. Entre estas estão, por exemplo, as leis orçamentárias e as que autorizam a criação de impostos, de cargos públicos, de emissão de títulos da dívida pública, de reformas administrativas. São autorizações do Legislativo sem as quais o governo não tem como andar. Nesses casos, o governador não pode perder e mobiliza sua bancada para conduzir a votação. Em tais contextos, Aécio nunca perdeu. O episódio em tela sugere que o comportamento do governador, quando vetou a lei, e o dos deputados, que derrotaram o veto, são inteligíveis à luz do cálculo político que os motivaram. O governador não perdeu nada, no que se refere a sua capacidade de governar, ao optar pelo veto. Acrescentou pontos à imagem que já criou de político empenhado na defesa da moralidade pública e na eficácia como dirigente público. Os deputados, por sua vez, avaliaram que não hostilizavam suas bases eleitorais e valia a pena assegurar mais proteção jurídica, no atual contexto de multiplicação de denúncias de corrupção, que culminam em CPIs e em perda de privilégios. Sob o prisma do modo de funcionamento da política brasileira, portanto, os protagonistas do episódio agiram racionalmente, calculando ganhos e perdas referidos a sua carreira política. Mas não há como deixar de lado, na análise das implicações mais amplas da aprovação dessa lei, os aspectos éticos da política brasileira. A lei votada em Minas e a seqüência de CPIs e de julgamentos de deputados e senadores por quebra de decoro parlamentar que marca a história política recente do País demonstram a urgência de se pôr em discussão a moralidade das instituições da democracia no Brasil. As sociedades modernas tornam-se mais justas e mais coesas quando as leis são respeitadas por todos e os políticos profissionais têm comportamento público ilibado. Em nosso país, muito se tem dito sobre a necessidade de reformas na organização da política e do Judiciário, de modo a tornar a representação política mais verdadeira, o governo rotineiro mais eficiente e honesto, os processos de julgamento e de punição efetiva de criminosos de colarinho branco mais rápidos e livres de casuísmo. Sob esse prisma, qualquer que tenha sido a motivação pessoal do governador Aécio, seu veto aponta para a direção desejada para a democracia brasileira. Mas sua derrota aponta, também, para a complexidade de se criar boas leis e boas instituições em democracias nas quais a própria autonomia do Legislativo, associada à cultura política pouco cívica do eleitorado, pode dificultar o consenso em torno de mudanças que favoreçam o governo dirigido para o bem coletivo e não para a continuidade de uma sociedade de desiguais. SEGUNDA, 13 DE AGOSTO Privilegiado, mas ilegal O chefe do Ministério Público de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, defende ação de inconstitucionalidade para derrubar lei que ampliou o foro privilegiado no Estado. Vetada pelo governador Aécio Neves, a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa.

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