Ela previu o coronavírus; o que ela tem a dizer sobre o pós-pandemia?


Para a jornalista Laurie Garrett, vencedora do Pulitzer e pesquisadora de Harvard, no melhor cenário possível ainda teremos 36 meses de crise

Por Frank Bruni
Atualização:

Eu disse a Laurie Garrett que ela poderia trocar o seu nome por Cassandra. De qualquer maneira, todos a chamam assim, agora. Eu e ela estávamos no Zoom (programa para videoconferência) – e ela pegou um livro de 2017, Finding Cassandras to Stop Catastrophes. A obra observa que Laurie, Prêmio Pulitzer de jornalismo, previu não apenas o impacto do HIV, como também o surgimento e a propagação em todo o globo de patógenos mais contagiosos.

A jornalista Laurie Garrett, uma das vozes que previu a pandemia Foto: Joshua Bright/The New York Times

“Eu sou duplamente Cassandra”, disse Laurie. Ela é mencionada com grande destaque também em um recente artigo da

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Vanity Fair,

de David Ewing Duncan, sobre “As Cassandras do coronavírus”.

Cassandra, como se sabe, era uma profetisa grega condenada a fazer previsões indesejadas. E o que Laurie previu mais diretamente – em seu best-seller de 1994,

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The Coming Plague

, e nos livros e discursos que se seguiram, inclusive em palestras – é uma pandemia como a atual.

Laurie pressentiu que estava próxima. Por isso, em grande parte, o que queria perguntar a ela era o que ela vê no futuro próximo. Mantenham-se firmes. Sua bola de cristal está escura.

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Apesar da queda da Bolsa em razão disso, o Remdesivir (medicamento antiviral) provavelmente não garantirá que possamos sair dessa, ela me disse. Ele não representa a cura, afirmou, e destacou que as conclusões mais importantes até o momento dizem respeito ao fato de que só encurtará a recuperação dos pacientes do covid-19. “Enquanto nós precisamos de uma cura ou de uma vacina”.

Mas ela não tem condições de prever uma vacina já no próximo ano, porque o covid-19 continuará sendo uma crise por muito mais tempo.

“Falo para todo mundo que minha previsão é de cerca de 36 meses e este é o melhor cenário possível,” afirmou.

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“Tenho certeza de que virá em ondas”, acrescentou. “Não será um tsunami varrendo os Estados Unidos de uma só vez, que se retirará. Acontecerá em micro ondas surgindo em Des Moines e depois em Nova Orleans, então em Houston, e assim por diante, e afetará a maneira das pessoas de refletir sobre todo tipo de coisas.”

Elas terão de reavaliar a importância da viagens. Terão de reavaliar o seu uso dos transportes de massa. Reverão a necessidade de encontros de negócios pessoalmente. Reavaliarão o envio dos filhos para estudar em uma universidade em outro estado.Então, perguntei, se a frase “de volta ao normal”, à qual todos se aferram, é uma fantasia?

“Essa é a história se desenrolando bem na nossa frente”, disse Laurie. “Acaso ‘voltamos ao normal’ depois do 11 de Setembro? Não. Criamos um normal totalmente novo. Nós nos transformamos em um Estado contra o terror. E isto afetou todas as coisas. A partir dali, não pudemos entrar em um edifício sem mostrar a identidade e passar por um detector de metais, e não pudemos mais entrar em um avião como sempre fizemos. É o que vai acontecer neste caso.”

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Não serão detectores de metais, mas uma mudança sísmica em relação às nossas expectativas, ao que suportamos, à maneira como nos adaptamos. Talvez também no engajamento político, apontou Laurie.

Se os EUA sofrerem a próxima onda de infecções por coronavírus “com os ricos que, no meio tempo, ficaram um pouco mais ricos graças à pandemia protegendo-se, vendendo a descoberto, fazendo todas as coisas repugnantes que costumam fazer, enquanto nós saímos das nossas tocas de coelhos e nos damos conta: ‘Oh, meu Deus, não só todos estão desempregados ou subempregados e não ganham o suficiente para se sustentar ou pagar o aluguel, como agora de repente estes cretinos que voavam de helicópteros particulares, voam em jatinhos particulares e são donos de uma ilha para onde costumam retirar-se, e não dão a mínima se as ruas são seguras ou não’, e acho que poderemos ter um gigantesco cataclismo político.” 

“Assim que sairmos das nossas tocas e virmos como é uma população de 25% de desempregados”, completou, “talvez vejamos também como é o ódio coletivo.”

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Laurie Garrett tem estado no meu radar desde o início dos anos 1990, quando ela trabalhava para a Newsday e fez algumas das melhores reportagens em todo canto sobre a aids. O Pulitzer lhe foi conferido em 1996 pela cobertura do ebola no Zaire. Ela é pesquisadora na Escola de Saúde Pública de Harvard, foi membro do Conselho de Relações Exteriores e foi consultora no filme Contágio.

Em outras palavras, a sua experiência e capacidade vêm sendo solicitadas há muito tempo. Mas nunca como agora.

Todas as manhãs, ela abre o seu e-mail e “lá estão solicitações da Argentina, de Hong Kong, Taiwan, África do Sul, Marrocos, Turquia”, contou. “Sem falar em todas as solicitações americanas.” Foi aí que fiquei mal por estar tirando mais de uma hora de seu tempo, no dia 27 de abril. Mesmo assim, pedi mais 30 minutos para o dia 30 de abril.

Ela disse que não estava surpresa pelo fato de o coronavírus ter provocado tamanha devastação, que a China minimizou o que estava ocorrendo ou que a reação em vários países foi descuidada e lenta. Afinal, ela é Cassandra.

Mas há uma parte da história que ela não poderia prever: que o termo de comparação no que se referiu a descuido e a lentidão seriam os Estados Unidos.

“Nunca poderia imaginar isto”, afirmou. “Jamais”.

Entre os destaques, em sentido negativo, está a aceitação inicial do presidente Donald Trump das garantias feitas pelo presidente Xi Jinping de que tudo se resolveria bem; sua escandalosa complacência, do final de janeiro até meados de março; sua defesa de tratamentos não comprovados; suas reflexões sobre curas absurdas; sua abdicação da sólida orientação federal aos estados; e o fato de ele se furtar, mesmo neste momento, a apresentar uma ampla e detalhada estratégia para conter o coronavírus.

Como acompanho há muito tempo o trabalho de Laurie Garrett, posso atestar que ela não está ligada a partidarismos. Por exemplo, ela elogiou George W. Bush pelo seu combate ao HIV na África.

No entanto, ela disse que Trump “é o bufão mais incompetente e temerário que se possa imaginar”.

E está chocada pelo fato de os EUA não terem condições de liderar uma resposta global a esta crise, em parte também porque a ciência e os cientistas são tão degradados por Trump.

Referindo-se aos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta e a seus análogos no exterior, contou: “Ouvi depoimentos de todos os CDC do mundo – o CDC europeu, o CDC africano, o da China – e eles afirmam: ‘Em geral, nós sempre recorremos em primeiro lugar a Atlanta, mas não ouvimos nenhuma resposta’. Nada acontece ali. Eles o destruíram, o amordaçaram. Não consigo quaisquer respostas de lá. Ninguém ali está se sente seguro para falar. Já viu alguma coisa importante e vital sair do CDC?”

O problema, segundo ela, é maior do que Trump e mais antigo do que a sua presidência. Os EUA nunca investiram suficientemente em saúde pública. Os ricos e famosos costumam procurar os médicos que encontram maneiras novas e melhores para tratar as doenças cardíacas, o câncer etc. O grande debate político é sobre o acesso dos indivíduos ao sistema de saúde.

E aquilo de que os EUA precisam mais neste momento, apontou, não é esse estardalhaço a respeito de testes, testes, testes, porque nunca haverá testes super rápidos, super confiáveis para determinar na hora quem pode entrar com segurança em um ambiente de trabalho lotado ou em qualquer outro ambiente, aliás, o cenário que algumas pessoas têm em mente. 

Os EUA precisam de informações confiáveis, de inúmeros estudos rigorosamente estruturados sobre o predomínio e a letalidade das infecções do coronavírus em determinados subgrupos de pessoas, de modo que governadores e prefeitos possam elaborar leis para o distanciamento social e reaberturas sensíveis, sustentáveis de acordo com a situação de cada lugar.

Os EUA precisam de um governo federal que promova afirmativamente e ajude a coordenar esta estratégia, não um governo em que especialistas como Tony Fauci e Deborah Birx pisam em ovos ao redor do ego paternal do presidente. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Eu disse a Laurie Garrett que ela poderia trocar o seu nome por Cassandra. De qualquer maneira, todos a chamam assim, agora. Eu e ela estávamos no Zoom (programa para videoconferência) – e ela pegou um livro de 2017, Finding Cassandras to Stop Catastrophes. A obra observa que Laurie, Prêmio Pulitzer de jornalismo, previu não apenas o impacto do HIV, como também o surgimento e a propagação em todo o globo de patógenos mais contagiosos.

A jornalista Laurie Garrett, uma das vozes que previu a pandemia Foto: Joshua Bright/The New York Times

“Eu sou duplamente Cassandra”, disse Laurie. Ela é mencionada com grande destaque também em um recente artigo da

Vanity Fair,

de David Ewing Duncan, sobre “As Cassandras do coronavírus”.

Cassandra, como se sabe, era uma profetisa grega condenada a fazer previsões indesejadas. E o que Laurie previu mais diretamente – em seu best-seller de 1994,

The Coming Plague

, e nos livros e discursos que se seguiram, inclusive em palestras – é uma pandemia como a atual.

Laurie pressentiu que estava próxima. Por isso, em grande parte, o que queria perguntar a ela era o que ela vê no futuro próximo. Mantenham-se firmes. Sua bola de cristal está escura.

Apesar da queda da Bolsa em razão disso, o Remdesivir (medicamento antiviral) provavelmente não garantirá que possamos sair dessa, ela me disse. Ele não representa a cura, afirmou, e destacou que as conclusões mais importantes até o momento dizem respeito ao fato de que só encurtará a recuperação dos pacientes do covid-19. “Enquanto nós precisamos de uma cura ou de uma vacina”.

Mas ela não tem condições de prever uma vacina já no próximo ano, porque o covid-19 continuará sendo uma crise por muito mais tempo.

“Falo para todo mundo que minha previsão é de cerca de 36 meses e este é o melhor cenário possível,” afirmou.

“Tenho certeza de que virá em ondas”, acrescentou. “Não será um tsunami varrendo os Estados Unidos de uma só vez, que se retirará. Acontecerá em micro ondas surgindo em Des Moines e depois em Nova Orleans, então em Houston, e assim por diante, e afetará a maneira das pessoas de refletir sobre todo tipo de coisas.”

Elas terão de reavaliar a importância da viagens. Terão de reavaliar o seu uso dos transportes de massa. Reverão a necessidade de encontros de negócios pessoalmente. Reavaliarão o envio dos filhos para estudar em uma universidade em outro estado.Então, perguntei, se a frase “de volta ao normal”, à qual todos se aferram, é uma fantasia?

“Essa é a história se desenrolando bem na nossa frente”, disse Laurie. “Acaso ‘voltamos ao normal’ depois do 11 de Setembro? Não. Criamos um normal totalmente novo. Nós nos transformamos em um Estado contra o terror. E isto afetou todas as coisas. A partir dali, não pudemos entrar em um edifício sem mostrar a identidade e passar por um detector de metais, e não pudemos mais entrar em um avião como sempre fizemos. É o que vai acontecer neste caso.”

Não serão detectores de metais, mas uma mudança sísmica em relação às nossas expectativas, ao que suportamos, à maneira como nos adaptamos. Talvez também no engajamento político, apontou Laurie.

Se os EUA sofrerem a próxima onda de infecções por coronavírus “com os ricos que, no meio tempo, ficaram um pouco mais ricos graças à pandemia protegendo-se, vendendo a descoberto, fazendo todas as coisas repugnantes que costumam fazer, enquanto nós saímos das nossas tocas de coelhos e nos damos conta: ‘Oh, meu Deus, não só todos estão desempregados ou subempregados e não ganham o suficiente para se sustentar ou pagar o aluguel, como agora de repente estes cretinos que voavam de helicópteros particulares, voam em jatinhos particulares e são donos de uma ilha para onde costumam retirar-se, e não dão a mínima se as ruas são seguras ou não’, e acho que poderemos ter um gigantesco cataclismo político.” 

“Assim que sairmos das nossas tocas e virmos como é uma população de 25% de desempregados”, completou, “talvez vejamos também como é o ódio coletivo.”

Laurie Garrett tem estado no meu radar desde o início dos anos 1990, quando ela trabalhava para a Newsday e fez algumas das melhores reportagens em todo canto sobre a aids. O Pulitzer lhe foi conferido em 1996 pela cobertura do ebola no Zaire. Ela é pesquisadora na Escola de Saúde Pública de Harvard, foi membro do Conselho de Relações Exteriores e foi consultora no filme Contágio.

Em outras palavras, a sua experiência e capacidade vêm sendo solicitadas há muito tempo. Mas nunca como agora.

Todas as manhãs, ela abre o seu e-mail e “lá estão solicitações da Argentina, de Hong Kong, Taiwan, África do Sul, Marrocos, Turquia”, contou. “Sem falar em todas as solicitações americanas.” Foi aí que fiquei mal por estar tirando mais de uma hora de seu tempo, no dia 27 de abril. Mesmo assim, pedi mais 30 minutos para o dia 30 de abril.

Ela disse que não estava surpresa pelo fato de o coronavírus ter provocado tamanha devastação, que a China minimizou o que estava ocorrendo ou que a reação em vários países foi descuidada e lenta. Afinal, ela é Cassandra.

Mas há uma parte da história que ela não poderia prever: que o termo de comparação no que se referiu a descuido e a lentidão seriam os Estados Unidos.

“Nunca poderia imaginar isto”, afirmou. “Jamais”.

Entre os destaques, em sentido negativo, está a aceitação inicial do presidente Donald Trump das garantias feitas pelo presidente Xi Jinping de que tudo se resolveria bem; sua escandalosa complacência, do final de janeiro até meados de março; sua defesa de tratamentos não comprovados; suas reflexões sobre curas absurdas; sua abdicação da sólida orientação federal aos estados; e o fato de ele se furtar, mesmo neste momento, a apresentar uma ampla e detalhada estratégia para conter o coronavírus.

Como acompanho há muito tempo o trabalho de Laurie Garrett, posso atestar que ela não está ligada a partidarismos. Por exemplo, ela elogiou George W. Bush pelo seu combate ao HIV na África.

No entanto, ela disse que Trump “é o bufão mais incompetente e temerário que se possa imaginar”.

E está chocada pelo fato de os EUA não terem condições de liderar uma resposta global a esta crise, em parte também porque a ciência e os cientistas são tão degradados por Trump.

Referindo-se aos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta e a seus análogos no exterior, contou: “Ouvi depoimentos de todos os CDC do mundo – o CDC europeu, o CDC africano, o da China – e eles afirmam: ‘Em geral, nós sempre recorremos em primeiro lugar a Atlanta, mas não ouvimos nenhuma resposta’. Nada acontece ali. Eles o destruíram, o amordaçaram. Não consigo quaisquer respostas de lá. Ninguém ali está se sente seguro para falar. Já viu alguma coisa importante e vital sair do CDC?”

O problema, segundo ela, é maior do que Trump e mais antigo do que a sua presidência. Os EUA nunca investiram suficientemente em saúde pública. Os ricos e famosos costumam procurar os médicos que encontram maneiras novas e melhores para tratar as doenças cardíacas, o câncer etc. O grande debate político é sobre o acesso dos indivíduos ao sistema de saúde.

E aquilo de que os EUA precisam mais neste momento, apontou, não é esse estardalhaço a respeito de testes, testes, testes, porque nunca haverá testes super rápidos, super confiáveis para determinar na hora quem pode entrar com segurança em um ambiente de trabalho lotado ou em qualquer outro ambiente, aliás, o cenário que algumas pessoas têm em mente. 

Os EUA precisam de informações confiáveis, de inúmeros estudos rigorosamente estruturados sobre o predomínio e a letalidade das infecções do coronavírus em determinados subgrupos de pessoas, de modo que governadores e prefeitos possam elaborar leis para o distanciamento social e reaberturas sensíveis, sustentáveis de acordo com a situação de cada lugar.

Os EUA precisam de um governo federal que promova afirmativamente e ajude a coordenar esta estratégia, não um governo em que especialistas como Tony Fauci e Deborah Birx pisam em ovos ao redor do ego paternal do presidente. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Eu disse a Laurie Garrett que ela poderia trocar o seu nome por Cassandra. De qualquer maneira, todos a chamam assim, agora. Eu e ela estávamos no Zoom (programa para videoconferência) – e ela pegou um livro de 2017, Finding Cassandras to Stop Catastrophes. A obra observa que Laurie, Prêmio Pulitzer de jornalismo, previu não apenas o impacto do HIV, como também o surgimento e a propagação em todo o globo de patógenos mais contagiosos.

A jornalista Laurie Garrett, uma das vozes que previu a pandemia Foto: Joshua Bright/The New York Times

“Eu sou duplamente Cassandra”, disse Laurie. Ela é mencionada com grande destaque também em um recente artigo da

Vanity Fair,

de David Ewing Duncan, sobre “As Cassandras do coronavírus”.

Cassandra, como se sabe, era uma profetisa grega condenada a fazer previsões indesejadas. E o que Laurie previu mais diretamente – em seu best-seller de 1994,

The Coming Plague

, e nos livros e discursos que se seguiram, inclusive em palestras – é uma pandemia como a atual.

Laurie pressentiu que estava próxima. Por isso, em grande parte, o que queria perguntar a ela era o que ela vê no futuro próximo. Mantenham-se firmes. Sua bola de cristal está escura.

Apesar da queda da Bolsa em razão disso, o Remdesivir (medicamento antiviral) provavelmente não garantirá que possamos sair dessa, ela me disse. Ele não representa a cura, afirmou, e destacou que as conclusões mais importantes até o momento dizem respeito ao fato de que só encurtará a recuperação dos pacientes do covid-19. “Enquanto nós precisamos de uma cura ou de uma vacina”.

Mas ela não tem condições de prever uma vacina já no próximo ano, porque o covid-19 continuará sendo uma crise por muito mais tempo.

“Falo para todo mundo que minha previsão é de cerca de 36 meses e este é o melhor cenário possível,” afirmou.

“Tenho certeza de que virá em ondas”, acrescentou. “Não será um tsunami varrendo os Estados Unidos de uma só vez, que se retirará. Acontecerá em micro ondas surgindo em Des Moines e depois em Nova Orleans, então em Houston, e assim por diante, e afetará a maneira das pessoas de refletir sobre todo tipo de coisas.”

Elas terão de reavaliar a importância da viagens. Terão de reavaliar o seu uso dos transportes de massa. Reverão a necessidade de encontros de negócios pessoalmente. Reavaliarão o envio dos filhos para estudar em uma universidade em outro estado.Então, perguntei, se a frase “de volta ao normal”, à qual todos se aferram, é uma fantasia?

“Essa é a história se desenrolando bem na nossa frente”, disse Laurie. “Acaso ‘voltamos ao normal’ depois do 11 de Setembro? Não. Criamos um normal totalmente novo. Nós nos transformamos em um Estado contra o terror. E isto afetou todas as coisas. A partir dali, não pudemos entrar em um edifício sem mostrar a identidade e passar por um detector de metais, e não pudemos mais entrar em um avião como sempre fizemos. É o que vai acontecer neste caso.”

Não serão detectores de metais, mas uma mudança sísmica em relação às nossas expectativas, ao que suportamos, à maneira como nos adaptamos. Talvez também no engajamento político, apontou Laurie.

Se os EUA sofrerem a próxima onda de infecções por coronavírus “com os ricos que, no meio tempo, ficaram um pouco mais ricos graças à pandemia protegendo-se, vendendo a descoberto, fazendo todas as coisas repugnantes que costumam fazer, enquanto nós saímos das nossas tocas de coelhos e nos damos conta: ‘Oh, meu Deus, não só todos estão desempregados ou subempregados e não ganham o suficiente para se sustentar ou pagar o aluguel, como agora de repente estes cretinos que voavam de helicópteros particulares, voam em jatinhos particulares e são donos de uma ilha para onde costumam retirar-se, e não dão a mínima se as ruas são seguras ou não’, e acho que poderemos ter um gigantesco cataclismo político.” 

“Assim que sairmos das nossas tocas e virmos como é uma população de 25% de desempregados”, completou, “talvez vejamos também como é o ódio coletivo.”

Laurie Garrett tem estado no meu radar desde o início dos anos 1990, quando ela trabalhava para a Newsday e fez algumas das melhores reportagens em todo canto sobre a aids. O Pulitzer lhe foi conferido em 1996 pela cobertura do ebola no Zaire. Ela é pesquisadora na Escola de Saúde Pública de Harvard, foi membro do Conselho de Relações Exteriores e foi consultora no filme Contágio.

Em outras palavras, a sua experiência e capacidade vêm sendo solicitadas há muito tempo. Mas nunca como agora.

Todas as manhãs, ela abre o seu e-mail e “lá estão solicitações da Argentina, de Hong Kong, Taiwan, África do Sul, Marrocos, Turquia”, contou. “Sem falar em todas as solicitações americanas.” Foi aí que fiquei mal por estar tirando mais de uma hora de seu tempo, no dia 27 de abril. Mesmo assim, pedi mais 30 minutos para o dia 30 de abril.

Ela disse que não estava surpresa pelo fato de o coronavírus ter provocado tamanha devastação, que a China minimizou o que estava ocorrendo ou que a reação em vários países foi descuidada e lenta. Afinal, ela é Cassandra.

Mas há uma parte da história que ela não poderia prever: que o termo de comparação no que se referiu a descuido e a lentidão seriam os Estados Unidos.

“Nunca poderia imaginar isto”, afirmou. “Jamais”.

Entre os destaques, em sentido negativo, está a aceitação inicial do presidente Donald Trump das garantias feitas pelo presidente Xi Jinping de que tudo se resolveria bem; sua escandalosa complacência, do final de janeiro até meados de março; sua defesa de tratamentos não comprovados; suas reflexões sobre curas absurdas; sua abdicação da sólida orientação federal aos estados; e o fato de ele se furtar, mesmo neste momento, a apresentar uma ampla e detalhada estratégia para conter o coronavírus.

Como acompanho há muito tempo o trabalho de Laurie Garrett, posso atestar que ela não está ligada a partidarismos. Por exemplo, ela elogiou George W. Bush pelo seu combate ao HIV na África.

No entanto, ela disse que Trump “é o bufão mais incompetente e temerário que se possa imaginar”.

E está chocada pelo fato de os EUA não terem condições de liderar uma resposta global a esta crise, em parte também porque a ciência e os cientistas são tão degradados por Trump.

Referindo-se aos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta e a seus análogos no exterior, contou: “Ouvi depoimentos de todos os CDC do mundo – o CDC europeu, o CDC africano, o da China – e eles afirmam: ‘Em geral, nós sempre recorremos em primeiro lugar a Atlanta, mas não ouvimos nenhuma resposta’. Nada acontece ali. Eles o destruíram, o amordaçaram. Não consigo quaisquer respostas de lá. Ninguém ali está se sente seguro para falar. Já viu alguma coisa importante e vital sair do CDC?”

O problema, segundo ela, é maior do que Trump e mais antigo do que a sua presidência. Os EUA nunca investiram suficientemente em saúde pública. Os ricos e famosos costumam procurar os médicos que encontram maneiras novas e melhores para tratar as doenças cardíacas, o câncer etc. O grande debate político é sobre o acesso dos indivíduos ao sistema de saúde.

E aquilo de que os EUA precisam mais neste momento, apontou, não é esse estardalhaço a respeito de testes, testes, testes, porque nunca haverá testes super rápidos, super confiáveis para determinar na hora quem pode entrar com segurança em um ambiente de trabalho lotado ou em qualquer outro ambiente, aliás, o cenário que algumas pessoas têm em mente. 

Os EUA precisam de informações confiáveis, de inúmeros estudos rigorosamente estruturados sobre o predomínio e a letalidade das infecções do coronavírus em determinados subgrupos de pessoas, de modo que governadores e prefeitos possam elaborar leis para o distanciamento social e reaberturas sensíveis, sustentáveis de acordo com a situação de cada lugar.

Os EUA precisam de um governo federal que promova afirmativamente e ajude a coordenar esta estratégia, não um governo em que especialistas como Tony Fauci e Deborah Birx pisam em ovos ao redor do ego paternal do presidente. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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