Foram décadas de silêncio até que o produtor de cinema Harvey Weinstein fosse levado ao banco dos réus, acusado por inúmeras mulheres de assédio sexual e estupro. O figurão de Hollywood era a baleia branca de vários repórteres, que tentaram – sem sucesso – trazer a série de abusos cometidos por ele à tona. Esses casos só seriam revelados em 2017, em reportagens do The New York Times e da New Yorker. Mas por que a verdade demorou tanto a aparecer? Um dos repórteres responsáveis por expor Weinstein, o vencedor do prêmio Pulitzer Ronan Farrow, se dedica essa pergunta no livro Operação Abafa – Predadores Sexuais e a Indústria do Silêncio. E a resposta tem várias camadas.
Uma parte da explicação é digna de um thriller de espiões. Weinstein contratou uma empresa de inteligência israelense chamada Black Cube para investigar os jornalistas que estavam escavando seu passado – o que inclui Farrow e as repórteres do Times Jodi Kantor e Megan Twohey. Entre as táticas empregadas pela agência para obter informações sobre Farrow, estava o envio de mensagens spam para o celular do jornalista – alertas de previsão do tempo, por exemplo. Mais tarde, essas comunicações provariam ser parte de um esquema para roubar os dados do repórter.
A Black Cube também se valia de técnicas mais tradicionais. Farrow começou a reparar em um carro Nissan Pathfinder que sempre estacionava perto de seu prédio – eram os agentes contratados para segui-lo. O autor conta se sentir paranoico, a ponto de colocar os resultados da apuração sobre Weinstein em um cofre com o bilhete: “Caso algo aconteça comigo, faça essa história ser publicada”. A atriz Rose McGowan, que acusou Weinstein de estupro, foi outro alvo da Black Cube. Por meses, uma mulher chamada Diana Filip se aproximou dela e ganhou sua confiança. Depois, se descobriria que Diana, na verdade, se chamava Stella Pechanac, uma ex-soldado da Força Aérea Israelense treinada em operações psicológicas e contratada para descobrir os segredos da atriz.
Farrow sabe que tem uma história cinematográfica em mãos, e conduz a narrativa com ritmo preciso e algumas notas de bom humor. Aos poucos, ele pinta um quadro de “nós contra eles”, uma cena de batalha liderada por algumas mulheres e jornalistas corajosos contra um grande complô. Em sua própria versão de Todos Os Homens do Presidente, Farrow tem até seu próprio Garganta Profunda. É Sleeper, uma fonte anônima misteriosa, que trabalhava na Black Cube e resolveu vazar vários documentos da firma para o repórter. “Realmente acredito que Weinstein é um criminoso sexual e tenho vergonha, como mulher, de estar participando disso”, diz Sleeper no livro.
Mas a história por trás do silêncio que protegia Weinstein não é só sobre espionagem. O autor expõe ainda elementos de uma conspiração maior e mais nociva: a cultura de cumplicidade que envolvia setores da política, da mídia e da indústria do cinema americano. Farrow lembra ao longo do livro que alguns dos que se calaram a respeito dos abusos continuaram a ser celebrados sem grandes questionamentos. Hoje, o favorito a ganhar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, Brad Pitt, disse saber do assédio contra sua ex-noiva, Gwyneth Paltrow. O diretor de Era Uma Vez… Em Hollywood e indicado a receber a estatueta por Melhor Roteiro Original, Quentin Tarantino, confessou “saber o suficiente para fazer mais” do que fez.
Os dois não eram os únicos. Weinstein garantiu financiamento e premiações a uma boa parcela de Hollywood – e também trabalhou na arrecadação para campanhas democratas, como a de Hillary Clinton. Mas a lealdade ao produtor em setores considerados progressistas não se explica apenas com dinheiro e poder. O que Farrow dá a entender é que muitos dos que protegeram o predador sexual também tinham esqueletos no armário. O autor conta como sua investigação sobre Weinstein, feita em parceria com o produtor, Rich McHugh foi embarreirada por mais de um ano pela NBC – onde Farrow trabalhava antes de levar sua apuração para a New Yorker. A emissora tinha fechado seus próprios acordos de confidencialidade para abafar casos de abuso sexual cometidos por homens em seu alto escalão.
Um dos casos revelados no livro é o da ex-produtora da NBC Brooke Nevils, que disse ter sido estuprada por um dos principais nomes da casa, o apresentador Matt Lauer. O relato de Brooke é o mais contundente em Operação Abafa. Ela conta que, durante a cobertura da Olimpíada de Inverno de Sochi, em 2014, Lauer a forçou a fazer sexo anal quando ela estava bêbada. “Quando acordou, havia sangue por toda a parte, empapando a calcinha, empapando o lençol”. Ao menos outras dez ex-colegas de Lauer registraram conduta inapropriada do apresentador, que nega as acusações.
Como narrador dessas histórias, Farrow tem uma posição curiosa. Ao mesmo tempo que, como jornalista, tem um olhar de fora, ele é filho de duas importantes e controversas figuras do cinema: a atriz Mia Farrow e o diretor Woody Allen. A crônica da família é marcada por uma acusação de abuso sexual. A irmã adotiva de Ronan, Dylan, diz que Allen a molestou quando ela tinha 7 anos de idade. O cineasta nunca foi indiciado criminalmente e nega as acusações. No livro, Ronan expressa seu distanciamento do pai e argumenta que ele contratou um time de detetives particulares para atrapalhar as investigações do caso. Essa posição de defesa da irmã e da mãe tornou o jornalista uma figura mais confiável para algumas de suas fontes, como Rose McGowan. Antes de entrevistar a atriz, o repórter pediu conselhos a Dylan. “Diz pra ela que o negócio é segurar a barra. É igual arrancar um band-aid”.
O autor admite não ser um árbitro imparcial sobre a história de sua família. De qualquer forma, ele defende a importância de que relatos como o de Dylan sejam ouvidos. “Esse tipo de silêncio não é apenas injusto. Ele é perigoso.”