Ficção de Ursula K. Le Guin é analogia do genocídio indígena nas Américas


'Floresta é o Nome do Mundo' retrata a invasão do verdejante planeta Athshe pelos brutais colonizadores da Terra, que matam, estupram e escravizam os nativos daquele mundo

Por André Cáceres

Durante a corrida do ouro, a tribo Yahi, que vivia na atual Califórnia, foi vítima de um genocídio. Em 1908, a derradeira investida deixou apenas um sobrevivente, que passou três anos em solidão e então emergiu para a civilização como o “último nativo americano”. Seu nome ninguém nunca saberá: a tradição yahi dita que um indivíduo não pode se apresentar, a não ser por intermédio de alguém. Sem parentes vivos para introduzi-lo, ele foi chamado de Ishi, “homem” em sua língua, pelos antropólogos que o estudaram, Alfred e Theodora Kroeber. Esse choque de culturas moldou a literatura de Ursula K. Le Guin, filha do casal de pesquisadores e uma das maiores escritoras da história da ficção científica. O produto dessa experiência é o romance Floresta é o Nome do Mundo, de 1972, publicado agora pela editora Morro Branco no Brasil, onde é inédito e necessário.

A escritora Ursula K. Le Guin, autora de 'Floresta é o Nome do Mundo' Foto: Benjamin Reed/Aleph

O livro retrata a invasão do verdejante planeta Athshe pelos brutais colonizadores da Terra, distante 27 anos-luz. Lá, os terráqueos extraem madeira — um recurso extremamente escasso após a destruição de suas florestas — e matam, estupram e escravizam os nativos daquele mundo.

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Os ashtheanos, pejorativamente referidos como creechies, têm estatura pequena, como os pigmeus, e uma pele inteiramente coberta por pelagem esverdeada. Vivem em uma sociedade pacífica, livre de qualquer tipo de violência e semimatriarcal, na qual os homens anciãos têm a função de oráculos sonhadores, ou seja, eles transitam entre o “tempo do sonho” e o “tempo do mundo” para oferecer suas visões às mulheres, que usam esses sonhos para se orientar e tomar decisões. Um desses sábios antevê a destruição provocada pelos colonizadores: “Coro Mena sentiu que um medo irracional o afligia e caiu no sonho para descobrir a razão desse sentimento. No sonho, gigantes caminhavam, fortes e medonhos. Seus membros de escamas secas estavam envoltos por tecido, seus olhos eram pequenos e claros, como contas de lata. Atrás deles, se moviam enormes objetos feitos de ferro polido. À sua frente, árvores caíam”.

O sonho para os ashteanos estava para o nosso “como o Partenon estava para uma choupana de barro: era basicamente a mesma coisa, mas com a adição de complexidade, qualidade e controle”. Para esse povo, os terráqueos soam insanos, não apenas por “não saberem sonhar”, mas também por derrubarem as árvores. Seu idioma, expressão de seu ponto de vista, não tem palavra para “deserto”, então eles chamam as áreas desmatadas de “praias secas”, e a palavra “Ashthe” significa tanto “mundo” quanto “floresta”, equivalência de sentidos que está no núcleo de sua cultura — e no título do livro.

Assim como para os ashtheanos do romance de Le Guin, o sonho desempenha um papel central na cultura xavante e é, em grande medida, responsável pela sobrevivência desse povo, atualmente um dos mais numerosos do Brasil, com uma população de 18 mil pessoas. Diferente do que ocorre em outras tribos indígenas das Américas, para os xavantes “o sonho não é privilégio de pajés e xamãs, pois todos podem ter visões oníricas divinatórias”, explica o neurocientista Sidarta Ribeiro em seu livro O Oráculo da Noite. “As revelações oníricas não são eventos passivos para os xavantes. Ao contrário, é preciso muita concentração para trazê-las à vigília.” O escritor Kaka Werá Jecupé explica em A Terra dos Mil Povos que, para os xavantes, “o sonho é o momento sagrado em que o espírito está livre” e que foi a partir do sonho que se deu a “história do amansamento do branco”. Quando bandeirantes, garimpeiros e missionários invadiram as terras originárias dos xavantes, no atual estado de Goiás, durante o ciclo do ouro, foi um sonho que orientou os índios a escapar do homem branco. Uma larga porção da população xavantes migrou para onde hoje é o Mato Grosso e conseguiu se manter a salvo do contato com os colonizadores por cerca de um século. Foi apenas na era Vargas que as fronteiras da tribo voltaram a ser ameaçadas e, nos anos 1940, o cacique Apoena (“aquele que enxerga longe”) executou uma estratégia traçada em sonhos de seu avô, aceitando a reaproximação dos brancos e recebendo o sertanista Francisco Meireles em sua aldeia.

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Apesar da demarcação do Parque do Xingu, na década de 1960, Apoena viu sua etnia decrescer e decidiu, novamente orientado por sonhos, enviar oito de seus netos para viver em Ribeirão Preto, apadrinhados por um fazendeiro simpático à causa indígena em plena ditadura militar. Apoena morreu em 1978, mas seus netos são fundamentais para a relação dos xavantes com o mundo exterior, e continuam a proteger os interesses de seu povo, ainda orientados pelos sonhos.

O contato entre culturas distintas — e as tensões resultantes desses conflitos — é o motor narrativo da série de sete romances e diversos contos conhecida como Ciclo Hainish, lançados por Le Guin entre 1966 e 2002. Entre suas obras publicadas no Brasil destacam-se A Mão Esquerda da Escuridão, em que a autora imagina uma raça de humanóides com gênero fluido para discutir sexismo, e Os Despossuídos, que traça uma analogia da guerra fria por meio de dois planetas com sistemas econômicos distintos que orbitam um ao outro. Já Floresta é o Nome do Mundo remete à longa linhagem de obras de ficção científica que comentam o colonialismo, como Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, e As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury.

Le Guin, no entanto, sabe que o contato entre culturas distintas nunca pode ser desfeito. Um dos protagonistas de Floresta é o Nome do Mundo, o terráqueo Raj Lyubov é um antropólogo como os pais da autora, que tenta trocar o máximo de conhecimento com os nativos e salva um deles, Selver, da morte, tornando-se seu amigo e confidente. Lyubov lamenta as intransponíveis barreiras à convivência serena entre civilizações radicalmente distintas, mas sua ação acaba por desencadear uma mudança no comportamento de Selver, que estimula os outros de seu povo a reagir.

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O romance retrata a transformação de um povo pacífico, incapaz de matar, em uma espécie violenta que passa a resistir à invasão terráquea com o uso da força. Essa transição é capitaneada por Selver, um ashtheano que se torna, para os nativos, um “deus” — palavra que no idioma deles também significa “tradutor”.

Ao “traduzir” o comportamento homicida dos terráqueos para os ashtheanos, Selver conquista a liberdade de seu povo, mas sob o preço da violência. Mesmo depois que os terráqueos decidem demarcar o planeta de Ashthe como uma reserva para o povo nativo, o contato entre as espécies alterou profunda e definitivamente aquela cultura, de modo irreversível — como em diversos aspectos ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos com os povos indígenas.

“Às vezes um deus vem”, explica Selver. “Ele traz uma maneira nova de fazer alguma coisa, ou algo novo a ser feito. Um novo tipo de canto ou um novo tipo de morte. Ele traz essa coisa atravessando a ponte entre o tempo dos sonhos e o tempo do mundo. Quando faz isso, está feito. Não se pode pegar as coisas que existem no mundo e tentar levá-las de volta para o sonho, retê-las ali dentro com muros e fingimentos. Isso é loucura. O que é, é. Não adianta, agora, fingir que não sabemos como matar uns aos outros.”

Durante a corrida do ouro, a tribo Yahi, que vivia na atual Califórnia, foi vítima de um genocídio. Em 1908, a derradeira investida deixou apenas um sobrevivente, que passou três anos em solidão e então emergiu para a civilização como o “último nativo americano”. Seu nome ninguém nunca saberá: a tradição yahi dita que um indivíduo não pode se apresentar, a não ser por intermédio de alguém. Sem parentes vivos para introduzi-lo, ele foi chamado de Ishi, “homem” em sua língua, pelos antropólogos que o estudaram, Alfred e Theodora Kroeber. Esse choque de culturas moldou a literatura de Ursula K. Le Guin, filha do casal de pesquisadores e uma das maiores escritoras da história da ficção científica. O produto dessa experiência é o romance Floresta é o Nome do Mundo, de 1972, publicado agora pela editora Morro Branco no Brasil, onde é inédito e necessário.

A escritora Ursula K. Le Guin, autora de 'Floresta é o Nome do Mundo' Foto: Benjamin Reed/Aleph

O livro retrata a invasão do verdejante planeta Athshe pelos brutais colonizadores da Terra, distante 27 anos-luz. Lá, os terráqueos extraem madeira — um recurso extremamente escasso após a destruição de suas florestas — e matam, estupram e escravizam os nativos daquele mundo.

Os ashtheanos, pejorativamente referidos como creechies, têm estatura pequena, como os pigmeus, e uma pele inteiramente coberta por pelagem esverdeada. Vivem em uma sociedade pacífica, livre de qualquer tipo de violência e semimatriarcal, na qual os homens anciãos têm a função de oráculos sonhadores, ou seja, eles transitam entre o “tempo do sonho” e o “tempo do mundo” para oferecer suas visões às mulheres, que usam esses sonhos para se orientar e tomar decisões. Um desses sábios antevê a destruição provocada pelos colonizadores: “Coro Mena sentiu que um medo irracional o afligia e caiu no sonho para descobrir a razão desse sentimento. No sonho, gigantes caminhavam, fortes e medonhos. Seus membros de escamas secas estavam envoltos por tecido, seus olhos eram pequenos e claros, como contas de lata. Atrás deles, se moviam enormes objetos feitos de ferro polido. À sua frente, árvores caíam”.

O sonho para os ashteanos estava para o nosso “como o Partenon estava para uma choupana de barro: era basicamente a mesma coisa, mas com a adição de complexidade, qualidade e controle”. Para esse povo, os terráqueos soam insanos, não apenas por “não saberem sonhar”, mas também por derrubarem as árvores. Seu idioma, expressão de seu ponto de vista, não tem palavra para “deserto”, então eles chamam as áreas desmatadas de “praias secas”, e a palavra “Ashthe” significa tanto “mundo” quanto “floresta”, equivalência de sentidos que está no núcleo de sua cultura — e no título do livro.

Assim como para os ashtheanos do romance de Le Guin, o sonho desempenha um papel central na cultura xavante e é, em grande medida, responsável pela sobrevivência desse povo, atualmente um dos mais numerosos do Brasil, com uma população de 18 mil pessoas. Diferente do que ocorre em outras tribos indígenas das Américas, para os xavantes “o sonho não é privilégio de pajés e xamãs, pois todos podem ter visões oníricas divinatórias”, explica o neurocientista Sidarta Ribeiro em seu livro O Oráculo da Noite. “As revelações oníricas não são eventos passivos para os xavantes. Ao contrário, é preciso muita concentração para trazê-las à vigília.” O escritor Kaka Werá Jecupé explica em A Terra dos Mil Povos que, para os xavantes, “o sonho é o momento sagrado em que o espírito está livre” e que foi a partir do sonho que se deu a “história do amansamento do branco”. Quando bandeirantes, garimpeiros e missionários invadiram as terras originárias dos xavantes, no atual estado de Goiás, durante o ciclo do ouro, foi um sonho que orientou os índios a escapar do homem branco. Uma larga porção da população xavantes migrou para onde hoje é o Mato Grosso e conseguiu se manter a salvo do contato com os colonizadores por cerca de um século. Foi apenas na era Vargas que as fronteiras da tribo voltaram a ser ameaçadas e, nos anos 1940, o cacique Apoena (“aquele que enxerga longe”) executou uma estratégia traçada em sonhos de seu avô, aceitando a reaproximação dos brancos e recebendo o sertanista Francisco Meireles em sua aldeia.

Apesar da demarcação do Parque do Xingu, na década de 1960, Apoena viu sua etnia decrescer e decidiu, novamente orientado por sonhos, enviar oito de seus netos para viver em Ribeirão Preto, apadrinhados por um fazendeiro simpático à causa indígena em plena ditadura militar. Apoena morreu em 1978, mas seus netos são fundamentais para a relação dos xavantes com o mundo exterior, e continuam a proteger os interesses de seu povo, ainda orientados pelos sonhos.

O contato entre culturas distintas — e as tensões resultantes desses conflitos — é o motor narrativo da série de sete romances e diversos contos conhecida como Ciclo Hainish, lançados por Le Guin entre 1966 e 2002. Entre suas obras publicadas no Brasil destacam-se A Mão Esquerda da Escuridão, em que a autora imagina uma raça de humanóides com gênero fluido para discutir sexismo, e Os Despossuídos, que traça uma analogia da guerra fria por meio de dois planetas com sistemas econômicos distintos que orbitam um ao outro. Já Floresta é o Nome do Mundo remete à longa linhagem de obras de ficção científica que comentam o colonialismo, como Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, e As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury.

Le Guin, no entanto, sabe que o contato entre culturas distintas nunca pode ser desfeito. Um dos protagonistas de Floresta é o Nome do Mundo, o terráqueo Raj Lyubov é um antropólogo como os pais da autora, que tenta trocar o máximo de conhecimento com os nativos e salva um deles, Selver, da morte, tornando-se seu amigo e confidente. Lyubov lamenta as intransponíveis barreiras à convivência serena entre civilizações radicalmente distintas, mas sua ação acaba por desencadear uma mudança no comportamento de Selver, que estimula os outros de seu povo a reagir.

O romance retrata a transformação de um povo pacífico, incapaz de matar, em uma espécie violenta que passa a resistir à invasão terráquea com o uso da força. Essa transição é capitaneada por Selver, um ashtheano que se torna, para os nativos, um “deus” — palavra que no idioma deles também significa “tradutor”.

Ao “traduzir” o comportamento homicida dos terráqueos para os ashtheanos, Selver conquista a liberdade de seu povo, mas sob o preço da violência. Mesmo depois que os terráqueos decidem demarcar o planeta de Ashthe como uma reserva para o povo nativo, o contato entre as espécies alterou profunda e definitivamente aquela cultura, de modo irreversível — como em diversos aspectos ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos com os povos indígenas.

“Às vezes um deus vem”, explica Selver. “Ele traz uma maneira nova de fazer alguma coisa, ou algo novo a ser feito. Um novo tipo de canto ou um novo tipo de morte. Ele traz essa coisa atravessando a ponte entre o tempo dos sonhos e o tempo do mundo. Quando faz isso, está feito. Não se pode pegar as coisas que existem no mundo e tentar levá-las de volta para o sonho, retê-las ali dentro com muros e fingimentos. Isso é loucura. O que é, é. Não adianta, agora, fingir que não sabemos como matar uns aos outros.”

Durante a corrida do ouro, a tribo Yahi, que vivia na atual Califórnia, foi vítima de um genocídio. Em 1908, a derradeira investida deixou apenas um sobrevivente, que passou três anos em solidão e então emergiu para a civilização como o “último nativo americano”. Seu nome ninguém nunca saberá: a tradição yahi dita que um indivíduo não pode se apresentar, a não ser por intermédio de alguém. Sem parentes vivos para introduzi-lo, ele foi chamado de Ishi, “homem” em sua língua, pelos antropólogos que o estudaram, Alfred e Theodora Kroeber. Esse choque de culturas moldou a literatura de Ursula K. Le Guin, filha do casal de pesquisadores e uma das maiores escritoras da história da ficção científica. O produto dessa experiência é o romance Floresta é o Nome do Mundo, de 1972, publicado agora pela editora Morro Branco no Brasil, onde é inédito e necessário.

A escritora Ursula K. Le Guin, autora de 'Floresta é o Nome do Mundo' Foto: Benjamin Reed/Aleph

O livro retrata a invasão do verdejante planeta Athshe pelos brutais colonizadores da Terra, distante 27 anos-luz. Lá, os terráqueos extraem madeira — um recurso extremamente escasso após a destruição de suas florestas — e matam, estupram e escravizam os nativos daquele mundo.

Os ashtheanos, pejorativamente referidos como creechies, têm estatura pequena, como os pigmeus, e uma pele inteiramente coberta por pelagem esverdeada. Vivem em uma sociedade pacífica, livre de qualquer tipo de violência e semimatriarcal, na qual os homens anciãos têm a função de oráculos sonhadores, ou seja, eles transitam entre o “tempo do sonho” e o “tempo do mundo” para oferecer suas visões às mulheres, que usam esses sonhos para se orientar e tomar decisões. Um desses sábios antevê a destruição provocada pelos colonizadores: “Coro Mena sentiu que um medo irracional o afligia e caiu no sonho para descobrir a razão desse sentimento. No sonho, gigantes caminhavam, fortes e medonhos. Seus membros de escamas secas estavam envoltos por tecido, seus olhos eram pequenos e claros, como contas de lata. Atrás deles, se moviam enormes objetos feitos de ferro polido. À sua frente, árvores caíam”.

O sonho para os ashteanos estava para o nosso “como o Partenon estava para uma choupana de barro: era basicamente a mesma coisa, mas com a adição de complexidade, qualidade e controle”. Para esse povo, os terráqueos soam insanos, não apenas por “não saberem sonhar”, mas também por derrubarem as árvores. Seu idioma, expressão de seu ponto de vista, não tem palavra para “deserto”, então eles chamam as áreas desmatadas de “praias secas”, e a palavra “Ashthe” significa tanto “mundo” quanto “floresta”, equivalência de sentidos que está no núcleo de sua cultura — e no título do livro.

Assim como para os ashtheanos do romance de Le Guin, o sonho desempenha um papel central na cultura xavante e é, em grande medida, responsável pela sobrevivência desse povo, atualmente um dos mais numerosos do Brasil, com uma população de 18 mil pessoas. Diferente do que ocorre em outras tribos indígenas das Américas, para os xavantes “o sonho não é privilégio de pajés e xamãs, pois todos podem ter visões oníricas divinatórias”, explica o neurocientista Sidarta Ribeiro em seu livro O Oráculo da Noite. “As revelações oníricas não são eventos passivos para os xavantes. Ao contrário, é preciso muita concentração para trazê-las à vigília.” O escritor Kaka Werá Jecupé explica em A Terra dos Mil Povos que, para os xavantes, “o sonho é o momento sagrado em que o espírito está livre” e que foi a partir do sonho que se deu a “história do amansamento do branco”. Quando bandeirantes, garimpeiros e missionários invadiram as terras originárias dos xavantes, no atual estado de Goiás, durante o ciclo do ouro, foi um sonho que orientou os índios a escapar do homem branco. Uma larga porção da população xavantes migrou para onde hoje é o Mato Grosso e conseguiu se manter a salvo do contato com os colonizadores por cerca de um século. Foi apenas na era Vargas que as fronteiras da tribo voltaram a ser ameaçadas e, nos anos 1940, o cacique Apoena (“aquele que enxerga longe”) executou uma estratégia traçada em sonhos de seu avô, aceitando a reaproximação dos brancos e recebendo o sertanista Francisco Meireles em sua aldeia.

Apesar da demarcação do Parque do Xingu, na década de 1960, Apoena viu sua etnia decrescer e decidiu, novamente orientado por sonhos, enviar oito de seus netos para viver em Ribeirão Preto, apadrinhados por um fazendeiro simpático à causa indígena em plena ditadura militar. Apoena morreu em 1978, mas seus netos são fundamentais para a relação dos xavantes com o mundo exterior, e continuam a proteger os interesses de seu povo, ainda orientados pelos sonhos.

O contato entre culturas distintas — e as tensões resultantes desses conflitos — é o motor narrativo da série de sete romances e diversos contos conhecida como Ciclo Hainish, lançados por Le Guin entre 1966 e 2002. Entre suas obras publicadas no Brasil destacam-se A Mão Esquerda da Escuridão, em que a autora imagina uma raça de humanóides com gênero fluido para discutir sexismo, e Os Despossuídos, que traça uma analogia da guerra fria por meio de dois planetas com sistemas econômicos distintos que orbitam um ao outro. Já Floresta é o Nome do Mundo remete à longa linhagem de obras de ficção científica que comentam o colonialismo, como Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, e As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury.

Le Guin, no entanto, sabe que o contato entre culturas distintas nunca pode ser desfeito. Um dos protagonistas de Floresta é o Nome do Mundo, o terráqueo Raj Lyubov é um antropólogo como os pais da autora, que tenta trocar o máximo de conhecimento com os nativos e salva um deles, Selver, da morte, tornando-se seu amigo e confidente. Lyubov lamenta as intransponíveis barreiras à convivência serena entre civilizações radicalmente distintas, mas sua ação acaba por desencadear uma mudança no comportamento de Selver, que estimula os outros de seu povo a reagir.

O romance retrata a transformação de um povo pacífico, incapaz de matar, em uma espécie violenta que passa a resistir à invasão terráquea com o uso da força. Essa transição é capitaneada por Selver, um ashtheano que se torna, para os nativos, um “deus” — palavra que no idioma deles também significa “tradutor”.

Ao “traduzir” o comportamento homicida dos terráqueos para os ashtheanos, Selver conquista a liberdade de seu povo, mas sob o preço da violência. Mesmo depois que os terráqueos decidem demarcar o planeta de Ashthe como uma reserva para o povo nativo, o contato entre as espécies alterou profunda e definitivamente aquela cultura, de modo irreversível — como em diversos aspectos ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos com os povos indígenas.

“Às vezes um deus vem”, explica Selver. “Ele traz uma maneira nova de fazer alguma coisa, ou algo novo a ser feito. Um novo tipo de canto ou um novo tipo de morte. Ele traz essa coisa atravessando a ponte entre o tempo dos sonhos e o tempo do mundo. Quando faz isso, está feito. Não se pode pegar as coisas que existem no mundo e tentar levá-las de volta para o sonho, retê-las ali dentro com muros e fingimentos. Isso é loucura. O que é, é. Não adianta, agora, fingir que não sabemos como matar uns aos outros.”

Durante a corrida do ouro, a tribo Yahi, que vivia na atual Califórnia, foi vítima de um genocídio. Em 1908, a derradeira investida deixou apenas um sobrevivente, que passou três anos em solidão e então emergiu para a civilização como o “último nativo americano”. Seu nome ninguém nunca saberá: a tradição yahi dita que um indivíduo não pode se apresentar, a não ser por intermédio de alguém. Sem parentes vivos para introduzi-lo, ele foi chamado de Ishi, “homem” em sua língua, pelos antropólogos que o estudaram, Alfred e Theodora Kroeber. Esse choque de culturas moldou a literatura de Ursula K. Le Guin, filha do casal de pesquisadores e uma das maiores escritoras da história da ficção científica. O produto dessa experiência é o romance Floresta é o Nome do Mundo, de 1972, publicado agora pela editora Morro Branco no Brasil, onde é inédito e necessário.

A escritora Ursula K. Le Guin, autora de 'Floresta é o Nome do Mundo' Foto: Benjamin Reed/Aleph

O livro retrata a invasão do verdejante planeta Athshe pelos brutais colonizadores da Terra, distante 27 anos-luz. Lá, os terráqueos extraem madeira — um recurso extremamente escasso após a destruição de suas florestas — e matam, estupram e escravizam os nativos daquele mundo.

Os ashtheanos, pejorativamente referidos como creechies, têm estatura pequena, como os pigmeus, e uma pele inteiramente coberta por pelagem esverdeada. Vivem em uma sociedade pacífica, livre de qualquer tipo de violência e semimatriarcal, na qual os homens anciãos têm a função de oráculos sonhadores, ou seja, eles transitam entre o “tempo do sonho” e o “tempo do mundo” para oferecer suas visões às mulheres, que usam esses sonhos para se orientar e tomar decisões. Um desses sábios antevê a destruição provocada pelos colonizadores: “Coro Mena sentiu que um medo irracional o afligia e caiu no sonho para descobrir a razão desse sentimento. No sonho, gigantes caminhavam, fortes e medonhos. Seus membros de escamas secas estavam envoltos por tecido, seus olhos eram pequenos e claros, como contas de lata. Atrás deles, se moviam enormes objetos feitos de ferro polido. À sua frente, árvores caíam”.

O sonho para os ashteanos estava para o nosso “como o Partenon estava para uma choupana de barro: era basicamente a mesma coisa, mas com a adição de complexidade, qualidade e controle”. Para esse povo, os terráqueos soam insanos, não apenas por “não saberem sonhar”, mas também por derrubarem as árvores. Seu idioma, expressão de seu ponto de vista, não tem palavra para “deserto”, então eles chamam as áreas desmatadas de “praias secas”, e a palavra “Ashthe” significa tanto “mundo” quanto “floresta”, equivalência de sentidos que está no núcleo de sua cultura — e no título do livro.

Assim como para os ashtheanos do romance de Le Guin, o sonho desempenha um papel central na cultura xavante e é, em grande medida, responsável pela sobrevivência desse povo, atualmente um dos mais numerosos do Brasil, com uma população de 18 mil pessoas. Diferente do que ocorre em outras tribos indígenas das Américas, para os xavantes “o sonho não é privilégio de pajés e xamãs, pois todos podem ter visões oníricas divinatórias”, explica o neurocientista Sidarta Ribeiro em seu livro O Oráculo da Noite. “As revelações oníricas não são eventos passivos para os xavantes. Ao contrário, é preciso muita concentração para trazê-las à vigília.” O escritor Kaka Werá Jecupé explica em A Terra dos Mil Povos que, para os xavantes, “o sonho é o momento sagrado em que o espírito está livre” e que foi a partir do sonho que se deu a “história do amansamento do branco”. Quando bandeirantes, garimpeiros e missionários invadiram as terras originárias dos xavantes, no atual estado de Goiás, durante o ciclo do ouro, foi um sonho que orientou os índios a escapar do homem branco. Uma larga porção da população xavantes migrou para onde hoje é o Mato Grosso e conseguiu se manter a salvo do contato com os colonizadores por cerca de um século. Foi apenas na era Vargas que as fronteiras da tribo voltaram a ser ameaçadas e, nos anos 1940, o cacique Apoena (“aquele que enxerga longe”) executou uma estratégia traçada em sonhos de seu avô, aceitando a reaproximação dos brancos e recebendo o sertanista Francisco Meireles em sua aldeia.

Apesar da demarcação do Parque do Xingu, na década de 1960, Apoena viu sua etnia decrescer e decidiu, novamente orientado por sonhos, enviar oito de seus netos para viver em Ribeirão Preto, apadrinhados por um fazendeiro simpático à causa indígena em plena ditadura militar. Apoena morreu em 1978, mas seus netos são fundamentais para a relação dos xavantes com o mundo exterior, e continuam a proteger os interesses de seu povo, ainda orientados pelos sonhos.

O contato entre culturas distintas — e as tensões resultantes desses conflitos — é o motor narrativo da série de sete romances e diversos contos conhecida como Ciclo Hainish, lançados por Le Guin entre 1966 e 2002. Entre suas obras publicadas no Brasil destacam-se A Mão Esquerda da Escuridão, em que a autora imagina uma raça de humanóides com gênero fluido para discutir sexismo, e Os Despossuídos, que traça uma analogia da guerra fria por meio de dois planetas com sistemas econômicos distintos que orbitam um ao outro. Já Floresta é o Nome do Mundo remete à longa linhagem de obras de ficção científica que comentam o colonialismo, como Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, e As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury.

Le Guin, no entanto, sabe que o contato entre culturas distintas nunca pode ser desfeito. Um dos protagonistas de Floresta é o Nome do Mundo, o terráqueo Raj Lyubov é um antropólogo como os pais da autora, que tenta trocar o máximo de conhecimento com os nativos e salva um deles, Selver, da morte, tornando-se seu amigo e confidente. Lyubov lamenta as intransponíveis barreiras à convivência serena entre civilizações radicalmente distintas, mas sua ação acaba por desencadear uma mudança no comportamento de Selver, que estimula os outros de seu povo a reagir.

O romance retrata a transformação de um povo pacífico, incapaz de matar, em uma espécie violenta que passa a resistir à invasão terráquea com o uso da força. Essa transição é capitaneada por Selver, um ashtheano que se torna, para os nativos, um “deus” — palavra que no idioma deles também significa “tradutor”.

Ao “traduzir” o comportamento homicida dos terráqueos para os ashtheanos, Selver conquista a liberdade de seu povo, mas sob o preço da violência. Mesmo depois que os terráqueos decidem demarcar o planeta de Ashthe como uma reserva para o povo nativo, o contato entre as espécies alterou profunda e definitivamente aquela cultura, de modo irreversível — como em diversos aspectos ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos com os povos indígenas.

“Às vezes um deus vem”, explica Selver. “Ele traz uma maneira nova de fazer alguma coisa, ou algo novo a ser feito. Um novo tipo de canto ou um novo tipo de morte. Ele traz essa coisa atravessando a ponte entre o tempo dos sonhos e o tempo do mundo. Quando faz isso, está feito. Não se pode pegar as coisas que existem no mundo e tentar levá-las de volta para o sonho, retê-las ali dentro com muros e fingimentos. Isso é loucura. O que é, é. Não adianta, agora, fingir que não sabemos como matar uns aos outros.”

Durante a corrida do ouro, a tribo Yahi, que vivia na atual Califórnia, foi vítima de um genocídio. Em 1908, a derradeira investida deixou apenas um sobrevivente, que passou três anos em solidão e então emergiu para a civilização como o “último nativo americano”. Seu nome ninguém nunca saberá: a tradição yahi dita que um indivíduo não pode se apresentar, a não ser por intermédio de alguém. Sem parentes vivos para introduzi-lo, ele foi chamado de Ishi, “homem” em sua língua, pelos antropólogos que o estudaram, Alfred e Theodora Kroeber. Esse choque de culturas moldou a literatura de Ursula K. Le Guin, filha do casal de pesquisadores e uma das maiores escritoras da história da ficção científica. O produto dessa experiência é o romance Floresta é o Nome do Mundo, de 1972, publicado agora pela editora Morro Branco no Brasil, onde é inédito e necessário.

A escritora Ursula K. Le Guin, autora de 'Floresta é o Nome do Mundo' Foto: Benjamin Reed/Aleph

O livro retrata a invasão do verdejante planeta Athshe pelos brutais colonizadores da Terra, distante 27 anos-luz. Lá, os terráqueos extraem madeira — um recurso extremamente escasso após a destruição de suas florestas — e matam, estupram e escravizam os nativos daquele mundo.

Os ashtheanos, pejorativamente referidos como creechies, têm estatura pequena, como os pigmeus, e uma pele inteiramente coberta por pelagem esverdeada. Vivem em uma sociedade pacífica, livre de qualquer tipo de violência e semimatriarcal, na qual os homens anciãos têm a função de oráculos sonhadores, ou seja, eles transitam entre o “tempo do sonho” e o “tempo do mundo” para oferecer suas visões às mulheres, que usam esses sonhos para se orientar e tomar decisões. Um desses sábios antevê a destruição provocada pelos colonizadores: “Coro Mena sentiu que um medo irracional o afligia e caiu no sonho para descobrir a razão desse sentimento. No sonho, gigantes caminhavam, fortes e medonhos. Seus membros de escamas secas estavam envoltos por tecido, seus olhos eram pequenos e claros, como contas de lata. Atrás deles, se moviam enormes objetos feitos de ferro polido. À sua frente, árvores caíam”.

O sonho para os ashteanos estava para o nosso “como o Partenon estava para uma choupana de barro: era basicamente a mesma coisa, mas com a adição de complexidade, qualidade e controle”. Para esse povo, os terráqueos soam insanos, não apenas por “não saberem sonhar”, mas também por derrubarem as árvores. Seu idioma, expressão de seu ponto de vista, não tem palavra para “deserto”, então eles chamam as áreas desmatadas de “praias secas”, e a palavra “Ashthe” significa tanto “mundo” quanto “floresta”, equivalência de sentidos que está no núcleo de sua cultura — e no título do livro.

Assim como para os ashtheanos do romance de Le Guin, o sonho desempenha um papel central na cultura xavante e é, em grande medida, responsável pela sobrevivência desse povo, atualmente um dos mais numerosos do Brasil, com uma população de 18 mil pessoas. Diferente do que ocorre em outras tribos indígenas das Américas, para os xavantes “o sonho não é privilégio de pajés e xamãs, pois todos podem ter visões oníricas divinatórias”, explica o neurocientista Sidarta Ribeiro em seu livro O Oráculo da Noite. “As revelações oníricas não são eventos passivos para os xavantes. Ao contrário, é preciso muita concentração para trazê-las à vigília.” O escritor Kaka Werá Jecupé explica em A Terra dos Mil Povos que, para os xavantes, “o sonho é o momento sagrado em que o espírito está livre” e que foi a partir do sonho que se deu a “história do amansamento do branco”. Quando bandeirantes, garimpeiros e missionários invadiram as terras originárias dos xavantes, no atual estado de Goiás, durante o ciclo do ouro, foi um sonho que orientou os índios a escapar do homem branco. Uma larga porção da população xavantes migrou para onde hoje é o Mato Grosso e conseguiu se manter a salvo do contato com os colonizadores por cerca de um século. Foi apenas na era Vargas que as fronteiras da tribo voltaram a ser ameaçadas e, nos anos 1940, o cacique Apoena (“aquele que enxerga longe”) executou uma estratégia traçada em sonhos de seu avô, aceitando a reaproximação dos brancos e recebendo o sertanista Francisco Meireles em sua aldeia.

Apesar da demarcação do Parque do Xingu, na década de 1960, Apoena viu sua etnia decrescer e decidiu, novamente orientado por sonhos, enviar oito de seus netos para viver em Ribeirão Preto, apadrinhados por um fazendeiro simpático à causa indígena em plena ditadura militar. Apoena morreu em 1978, mas seus netos são fundamentais para a relação dos xavantes com o mundo exterior, e continuam a proteger os interesses de seu povo, ainda orientados pelos sonhos.

O contato entre culturas distintas — e as tensões resultantes desses conflitos — é o motor narrativo da série de sete romances e diversos contos conhecida como Ciclo Hainish, lançados por Le Guin entre 1966 e 2002. Entre suas obras publicadas no Brasil destacam-se A Mão Esquerda da Escuridão, em que a autora imagina uma raça de humanóides com gênero fluido para discutir sexismo, e Os Despossuídos, que traça uma analogia da guerra fria por meio de dois planetas com sistemas econômicos distintos que orbitam um ao outro. Já Floresta é o Nome do Mundo remete à longa linhagem de obras de ficção científica que comentam o colonialismo, como Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, e As Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury.

Le Guin, no entanto, sabe que o contato entre culturas distintas nunca pode ser desfeito. Um dos protagonistas de Floresta é o Nome do Mundo, o terráqueo Raj Lyubov é um antropólogo como os pais da autora, que tenta trocar o máximo de conhecimento com os nativos e salva um deles, Selver, da morte, tornando-se seu amigo e confidente. Lyubov lamenta as intransponíveis barreiras à convivência serena entre civilizações radicalmente distintas, mas sua ação acaba por desencadear uma mudança no comportamento de Selver, que estimula os outros de seu povo a reagir.

O romance retrata a transformação de um povo pacífico, incapaz de matar, em uma espécie violenta que passa a resistir à invasão terráquea com o uso da força. Essa transição é capitaneada por Selver, um ashtheano que se torna, para os nativos, um “deus” — palavra que no idioma deles também significa “tradutor”.

Ao “traduzir” o comportamento homicida dos terráqueos para os ashtheanos, Selver conquista a liberdade de seu povo, mas sob o preço da violência. Mesmo depois que os terráqueos decidem demarcar o planeta de Ashthe como uma reserva para o povo nativo, o contato entre as espécies alterou profunda e definitivamente aquela cultura, de modo irreversível — como em diversos aspectos ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos com os povos indígenas.

“Às vezes um deus vem”, explica Selver. “Ele traz uma maneira nova de fazer alguma coisa, ou algo novo a ser feito. Um novo tipo de canto ou um novo tipo de morte. Ele traz essa coisa atravessando a ponte entre o tempo dos sonhos e o tempo do mundo. Quando faz isso, está feito. Não se pode pegar as coisas que existem no mundo e tentar levá-las de volta para o sonho, retê-las ali dentro com muros e fingimentos. Isso é loucura. O que é, é. Não adianta, agora, fingir que não sabemos como matar uns aos outros.”

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