Clarice Cardoso
É um hábito antigo entre fãs de séries que tem se popularizado: o binge-watching. O termo que foi eleito a palavra de 2013 pelo Oxford Dictionaries é, em bom português, nada mais do que se jogar no sofá com uma roupa confortável, pacotes de porcaria para comer, e assistir de uma vez a toda uma temporada (ou a várias) de uma só série. Em inglês, define períodos de compulsão, o consumo excessivo de algo num curto período de tempo, e pode ser parte de uma expressão que seria traduzida como "tomar um porre", o que faz lá seu sentido.
Não se trata de ser antissocial ou sedentário nos finais de semana, e até Barack Obama faz essas maratonas com Breaking Bad e Game of Thrones, entre outros.
Serviços como o Netflix foram criados porque captaram que o público gosta da experiência de imersão numa história, seus dramas e personagens. Hoje, eles estimulam o hábito ao lançar num só dia toda a temporada de fenômenos como House of Cards (também Arrested Development, que migrou da TV para a web, e Orange Is the New Black, para ficar em mais dois exemplos bastante comentados).
Nos Estados Unidos, cerca de 670 mil pessoas viram todos os 13 episódios da segunda temporada de House of Cards, lançados no último dia 14, no primeiro final de semana em que estavam no ar segundo dados da Procera. Isto é 2% do total de assinantes do serviço no país. Mas entre 6% e 10% assistiram a mais de um capítulo - em média três horas - no mesmo período.
Desde então, muito mais gente tem acompanhado a história sobre as ambições políticas de Frank Underwood, mas as análises de dados já indicavam bem antes da estreia que a série seria um sucesso. Lá em 2011, quando a ideia surgiu, a certeza já existia graças ao envolvimento de David Fincher e de Kevin Spacey no projeto. As pesquisas mostravam que o público respondia bem a filmes dirigidos pelo primeiro e estrelados pelo segundo, então o drama certamente atrairia atenção.
É mais ou menos a mesma fórmula que o Netflix usa para sugerir a você filmes novos com base nos que você já viu. Só que, agora, esses mesmos dados são usados para produzir séries especificamente desenhadas para atender demandas pré-detectadas. "O Netflix sabe a que as pessoas assistem e podemos entender com alto nível de confiança e acerto como a audiência vai se comportar com base em seus hábitos", afirmou o diretor de comunicações do site, Jonathan Friedland, em entrevista à Wired em novembro de 2012.
Ou seja, o que por nós é visto como só um domingo preguiçoso em casa entrou para o radar dos produtores e começa a ser levado em consideração pelos criadores e roteiristas na hora de conceber os episódios que você vai deixar acumular para sua próxima folga.
A questão toda é que a experiência do espectador muda ao juntar num curto intervalo de tempo o que foi previsto para se desenrolar ao longo de meses. Qualquer um que já devorou uma caixa de DVDs num final de semana sabe: você se torna obcecado por aquela história, percebe cada pequena nuance da trama - e cada falha -, vê os personagens evoluindo, tenta deduzir o que vai se passar. Depois de dias perdidos nessa maratona maníaca cuja única vítima verdadeira é, sejamos francos, sua vida social, você pode passar meses sem pensar novamente naquela série. O assunto vai surgir vez por outra, mas não é a mesma coisa que ver um episódio por semana, comentar com os amigos, esperar a hora de ver o próximo, aquela coisa novelesca...
Os críticos do hábito dizem que você perde a chance de "saborear" cada momento, deixar a coisa decantar até voltar à trama. Como adepta do binge-watching desde antes de saber que tinha nome, não concordo com isso. E tenho cada vez mais aliados. Uma pesquisa recente feita pelo site Slate mostra que 75% dos norte-americanos que usam serviços via internet para ver programas de TV assistem TV assim, em massa. Desse total, 57% tem "muito mais foco" na série dessa maneira. Ah, e os episódios de uma hora são preferíveis aos mais curtos.
Não é estatístico, mas dá para notar que o mesmo tem ocorrido no Brasil, seja via Netflix, seja via compra de caixas de DVD.
Conversei na semana passada com Scott Buck, o showrunner de Dexter (que admitiu que a série ficou previsível no final, mas disse que foi uma escolha: era isso ou transformar a produção em algo totalmente diferente daquilo a que os fãs estavam acostumados). Perguntei a ele como, na visão de alguém que tem experiência no meio, o binge-watching afeta o modo de pensar de quem faz as séries. "Muda totalmente o trabalho do roteirista", ele me disse, dando um exemplo bastante significativo: os ganchos de suspense que alguns programas deixam ao final do episódio.(Leia aqui o texto publicado no Caderno 2.) Eles são previstos para que você fique a semana inteira pensando no que vai acontecer em seguida. Mas, se você vai só apertar um botão, pular para o próximo capítulo e se ajeitar entre as almofadas, nada disso faz muito sentido...
É onde entram também as minisséries, que têm crescido significativamente de um ano para cá (vou falar mais sobre isso amanhã). No terreno das especulações, é mais atraente para os grandes nomes entrar em projetos mais curtos. De qualquer forma, a qualidade que elas têm demonstrado é inegável (Sherlock, True Detective, Top of the Lake, Dancing on the Edge, a lista segue...). E é muito mais fácil o espectador se engajar para assistir a sete ou oito episódios do que se vir dezenas e dezenas de vídeos na lista de espera.
E por mais libertador que seja escolher quando, onde e em que tipo de tela assistir a uma série como House of Cards, há uma tensão que pesa sobre o fã: largar todas as prioridades e assistir ao máximo que der para terminar a temporada assim que possível. A pressão pode ser demais para alguns. Sempre haverá um colega de trabalho que ficou acordado até tarde, assistiu a um episódio que você não viu e vai te entregar um spoiler sem perceber. Aí, só resta voltar ao seu sofá e esperar pelo inevitável momento que você já sabe que virá.