Fotógrafo inglês busca identidade brasileira em livro


'Somos Brasil' traz 104 retratos com análises de DNA e depoimentos em áudio dos fotografados

Por Antonio Gonçalves Filho
As origens de Leila Velez remontam à península ibérica e África Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

A partir de uma série de 104 retratos de brasileiros acompanhados por relatos pessoais gravados em áudio e análises genéticas de sua ancestralidade, o fotógrafo britânico Marcus Lyon decidiu pesquisar a identidade brasileira. Embora representem uma pequena parcela do País, esses 104 cidadãos retratados por ele no livro Somos Brasil não sugerem que ele estava atrás de uma conclusão de natureza científica. Antes, esse mapeamento parece ter um caráter sentimental. Lyon é casado com uma brasileira e tem dois filhos, que, nascidos e educados na Inglaterra, se definem como brasileiros.

No livro, brasileiros que mal conheciam a origem de seus ancestrais falam com o leitor por meio de um aplicativo de reconhecimento de imagem desenvolvido para o projeto. Ele reúne desde figuras conhecidas como a monja Coen até anônimos que, a partir de Somos Brasil, ganham identidade e voz. Na entrevista a seguir, Marcus Lyon fala sobre seu projeto.

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Luiz Mott tem 96% de sangue europeu e os 4% restantes divididos entre África e Ásia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

omo lembra o crítico Martin Barnes, fotógrafos como Erna Lendvai-Dircksen trabalharam para publicações eugenistas. Você não teme que seu trabalho possa ser associado a uma obra do mesmo gênero?  Na verdade, fiquei preocupado sobre a possibilidade do aspecto do DNA ser visto como uma prova científica da superioridade de um determinado grupo étnico sobre o outro. Pedimos, então, às pessoas fotografadas que indicassem outras pessoas engajadas em suas comunidades – 30 anos viajando pelo mundo me garantem que isso criaria uma grande variedade. O fato de o resultado final apontar que 74% dos fotografados têm ancestrais africanos e 72% serem de origem indígena foi muito satisfatório e demonstra claramente a verdadeira natureza da liderança: que ela precisa de todos os tipos humanos para fazer sentido.

José de Ribamar tem 58% de sua ascendência africana e 21% europeia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena
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Martin Barnes diz que 'Somos Brasil' é um trabalho que oscila entre o atlas democrático de August Sander, que mapeou o povo alemão, e a série ‘Köpf des Alltags’ de Helmar Lerski, dedicada aos trabalhadores. Você pensou neles? Não. Fui mais influenciado por ideias que por esses realizadores, embora conhecesse o trabalho de Sanders. Já a obra de Helmar Leski é nova para mim.

Como a identidade brasileira vem sendo forjada em nossa época, em sua opinião? É possível que uma tal mistura de raças indique também uma herança compartilhada quando alguns brasileiros recusam sua ancestralidade africana? Para mim, comentar esse assunto na era da internet e não sendo originário do País é uma tarefa muito difícil, mas posso dizer que ouço com frequência brasileiros se definindo como brasileiros, e não como ítalo-brasileiros ou afro-brasileiros. De algum modo, fico bastante impressionado pela necessidade de forjar uma nova identidade sem ter de olhar para trás. Dito isso, a tensão por trás das fotos, da trilha sonora (as vozes gravadas dos modelos) e a informação do DNA dos fotografados de fato produzem muitos contrastes fascinantes.

Bekwynhla Kayapó é paraense e 100% nativo Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena
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Você diz no livro que estava determinado a não escolher as pessoas fotografadas. Por que transferiu a tarefa de selecionar os modelos? Parecia mais autêntico e, de algum modo, menos científico para nós tratar os modelos por meio de um processo de identificação. Eu, de fato, tomei essa decisão pensando nos brasileiros que iriam ler o livro, ouvir os depoimentos, ver as fotos e analisar o DNA dos fotografados para saber que eles são indivíduos que outros brasileiros escolheram para fazer parte de Somos Brasil, e não obra de algum artista de um país distante que não entendesse as nuances do Brasil verdadeiro. Analisando o resultado final, estou absolutamente convencido de que essa é uma das razões para que o livro se torne um importante retrato do Brasil moderno e resista ao teste do tempo. Desde o começo pensei em meus filhos, hoje com 4 e 6 anos, olhando esse trabalho quando estiverem crescidos. É nesse público que pensei.

Josicleide e Maria apresentam mistura de origens: África, Europa e América Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Identidade, de acordo com a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, é uma resposta política a um momento político. O brasileiro não inventaria, então, uma identidade na qual possa acreditar? Estou certo que é verdadeira a observação de Lilia, mas, para mim, a verdade é a mente e o coração do observador. Fiz meu trabalho. O projeto agora pertence ao Brasil, que o deve julgar. Minha grande esperança é a de que esse trabalho seja largamente exibido no Brasil e desperte o interesse dos colecionadores de arte e dos museus.

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Entre o projeto de fixar a imagem do povo alemão de August Sander e o de Richard Avedon, expresso em seu livro In the American West, com o qual você mais se identifica? O trabalho de Avedon no Oeste americano foi fundamental para a minha visão do retrato em grande formato, que queria trazer para o século 21 com a cor, o som e DNA. Também estava determinado a não focar apenas nos despossuídos. Minha intenção foi sempre a de buscar "o melhor do Brasil".

Capa do livro 'Somos Brasil', de Marcus Lyon Foto: Editora Madalena

Somos Brasil Autor: Marcus LyonTradução: Lisa Shaw e Sandra PossasEditora: Madalena 312 páginas R$ 400

As origens de Leila Velez remontam à península ibérica e África Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

A partir de uma série de 104 retratos de brasileiros acompanhados por relatos pessoais gravados em áudio e análises genéticas de sua ancestralidade, o fotógrafo britânico Marcus Lyon decidiu pesquisar a identidade brasileira. Embora representem uma pequena parcela do País, esses 104 cidadãos retratados por ele no livro Somos Brasil não sugerem que ele estava atrás de uma conclusão de natureza científica. Antes, esse mapeamento parece ter um caráter sentimental. Lyon é casado com uma brasileira e tem dois filhos, que, nascidos e educados na Inglaterra, se definem como brasileiros.

No livro, brasileiros que mal conheciam a origem de seus ancestrais falam com o leitor por meio de um aplicativo de reconhecimento de imagem desenvolvido para o projeto. Ele reúne desde figuras conhecidas como a monja Coen até anônimos que, a partir de Somos Brasil, ganham identidade e voz. Na entrevista a seguir, Marcus Lyon fala sobre seu projeto.

Luiz Mott tem 96% de sangue europeu e os 4% restantes divididos entre África e Ásia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

omo lembra o crítico Martin Barnes, fotógrafos como Erna Lendvai-Dircksen trabalharam para publicações eugenistas. Você não teme que seu trabalho possa ser associado a uma obra do mesmo gênero?  Na verdade, fiquei preocupado sobre a possibilidade do aspecto do DNA ser visto como uma prova científica da superioridade de um determinado grupo étnico sobre o outro. Pedimos, então, às pessoas fotografadas que indicassem outras pessoas engajadas em suas comunidades – 30 anos viajando pelo mundo me garantem que isso criaria uma grande variedade. O fato de o resultado final apontar que 74% dos fotografados têm ancestrais africanos e 72% serem de origem indígena foi muito satisfatório e demonstra claramente a verdadeira natureza da liderança: que ela precisa de todos os tipos humanos para fazer sentido.

José de Ribamar tem 58% de sua ascendência africana e 21% europeia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Martin Barnes diz que 'Somos Brasil' é um trabalho que oscila entre o atlas democrático de August Sander, que mapeou o povo alemão, e a série ‘Köpf des Alltags’ de Helmar Lerski, dedicada aos trabalhadores. Você pensou neles? Não. Fui mais influenciado por ideias que por esses realizadores, embora conhecesse o trabalho de Sanders. Já a obra de Helmar Leski é nova para mim.

Como a identidade brasileira vem sendo forjada em nossa época, em sua opinião? É possível que uma tal mistura de raças indique também uma herança compartilhada quando alguns brasileiros recusam sua ancestralidade africana? Para mim, comentar esse assunto na era da internet e não sendo originário do País é uma tarefa muito difícil, mas posso dizer que ouço com frequência brasileiros se definindo como brasileiros, e não como ítalo-brasileiros ou afro-brasileiros. De algum modo, fico bastante impressionado pela necessidade de forjar uma nova identidade sem ter de olhar para trás. Dito isso, a tensão por trás das fotos, da trilha sonora (as vozes gravadas dos modelos) e a informação do DNA dos fotografados de fato produzem muitos contrastes fascinantes.

Bekwynhla Kayapó é paraense e 100% nativo Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Você diz no livro que estava determinado a não escolher as pessoas fotografadas. Por que transferiu a tarefa de selecionar os modelos? Parecia mais autêntico e, de algum modo, menos científico para nós tratar os modelos por meio de um processo de identificação. Eu, de fato, tomei essa decisão pensando nos brasileiros que iriam ler o livro, ouvir os depoimentos, ver as fotos e analisar o DNA dos fotografados para saber que eles são indivíduos que outros brasileiros escolheram para fazer parte de Somos Brasil, e não obra de algum artista de um país distante que não entendesse as nuances do Brasil verdadeiro. Analisando o resultado final, estou absolutamente convencido de que essa é uma das razões para que o livro se torne um importante retrato do Brasil moderno e resista ao teste do tempo. Desde o começo pensei em meus filhos, hoje com 4 e 6 anos, olhando esse trabalho quando estiverem crescidos. É nesse público que pensei.

Josicleide e Maria apresentam mistura de origens: África, Europa e América Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Identidade, de acordo com a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, é uma resposta política a um momento político. O brasileiro não inventaria, então, uma identidade na qual possa acreditar? Estou certo que é verdadeira a observação de Lilia, mas, para mim, a verdade é a mente e o coração do observador. Fiz meu trabalho. O projeto agora pertence ao Brasil, que o deve julgar. Minha grande esperança é a de que esse trabalho seja largamente exibido no Brasil e desperte o interesse dos colecionadores de arte e dos museus.

Entre o projeto de fixar a imagem do povo alemão de August Sander e o de Richard Avedon, expresso em seu livro In the American West, com o qual você mais se identifica? O trabalho de Avedon no Oeste americano foi fundamental para a minha visão do retrato em grande formato, que queria trazer para o século 21 com a cor, o som e DNA. Também estava determinado a não focar apenas nos despossuídos. Minha intenção foi sempre a de buscar "o melhor do Brasil".

Capa do livro 'Somos Brasil', de Marcus Lyon Foto: Editora Madalena

Somos Brasil Autor: Marcus LyonTradução: Lisa Shaw e Sandra PossasEditora: Madalena 312 páginas R$ 400

As origens de Leila Velez remontam à península ibérica e África Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

A partir de uma série de 104 retratos de brasileiros acompanhados por relatos pessoais gravados em áudio e análises genéticas de sua ancestralidade, o fotógrafo britânico Marcus Lyon decidiu pesquisar a identidade brasileira. Embora representem uma pequena parcela do País, esses 104 cidadãos retratados por ele no livro Somos Brasil não sugerem que ele estava atrás de uma conclusão de natureza científica. Antes, esse mapeamento parece ter um caráter sentimental. Lyon é casado com uma brasileira e tem dois filhos, que, nascidos e educados na Inglaterra, se definem como brasileiros.

No livro, brasileiros que mal conheciam a origem de seus ancestrais falam com o leitor por meio de um aplicativo de reconhecimento de imagem desenvolvido para o projeto. Ele reúne desde figuras conhecidas como a monja Coen até anônimos que, a partir de Somos Brasil, ganham identidade e voz. Na entrevista a seguir, Marcus Lyon fala sobre seu projeto.

Luiz Mott tem 96% de sangue europeu e os 4% restantes divididos entre África e Ásia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

omo lembra o crítico Martin Barnes, fotógrafos como Erna Lendvai-Dircksen trabalharam para publicações eugenistas. Você não teme que seu trabalho possa ser associado a uma obra do mesmo gênero?  Na verdade, fiquei preocupado sobre a possibilidade do aspecto do DNA ser visto como uma prova científica da superioridade de um determinado grupo étnico sobre o outro. Pedimos, então, às pessoas fotografadas que indicassem outras pessoas engajadas em suas comunidades – 30 anos viajando pelo mundo me garantem que isso criaria uma grande variedade. O fato de o resultado final apontar que 74% dos fotografados têm ancestrais africanos e 72% serem de origem indígena foi muito satisfatório e demonstra claramente a verdadeira natureza da liderança: que ela precisa de todos os tipos humanos para fazer sentido.

José de Ribamar tem 58% de sua ascendência africana e 21% europeia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Martin Barnes diz que 'Somos Brasil' é um trabalho que oscila entre o atlas democrático de August Sander, que mapeou o povo alemão, e a série ‘Köpf des Alltags’ de Helmar Lerski, dedicada aos trabalhadores. Você pensou neles? Não. Fui mais influenciado por ideias que por esses realizadores, embora conhecesse o trabalho de Sanders. Já a obra de Helmar Leski é nova para mim.

Como a identidade brasileira vem sendo forjada em nossa época, em sua opinião? É possível que uma tal mistura de raças indique também uma herança compartilhada quando alguns brasileiros recusam sua ancestralidade africana? Para mim, comentar esse assunto na era da internet e não sendo originário do País é uma tarefa muito difícil, mas posso dizer que ouço com frequência brasileiros se definindo como brasileiros, e não como ítalo-brasileiros ou afro-brasileiros. De algum modo, fico bastante impressionado pela necessidade de forjar uma nova identidade sem ter de olhar para trás. Dito isso, a tensão por trás das fotos, da trilha sonora (as vozes gravadas dos modelos) e a informação do DNA dos fotografados de fato produzem muitos contrastes fascinantes.

Bekwynhla Kayapó é paraense e 100% nativo Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Você diz no livro que estava determinado a não escolher as pessoas fotografadas. Por que transferiu a tarefa de selecionar os modelos? Parecia mais autêntico e, de algum modo, menos científico para nós tratar os modelos por meio de um processo de identificação. Eu, de fato, tomei essa decisão pensando nos brasileiros que iriam ler o livro, ouvir os depoimentos, ver as fotos e analisar o DNA dos fotografados para saber que eles são indivíduos que outros brasileiros escolheram para fazer parte de Somos Brasil, e não obra de algum artista de um país distante que não entendesse as nuances do Brasil verdadeiro. Analisando o resultado final, estou absolutamente convencido de que essa é uma das razões para que o livro se torne um importante retrato do Brasil moderno e resista ao teste do tempo. Desde o começo pensei em meus filhos, hoje com 4 e 6 anos, olhando esse trabalho quando estiverem crescidos. É nesse público que pensei.

Josicleide e Maria apresentam mistura de origens: África, Europa e América Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Identidade, de acordo com a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, é uma resposta política a um momento político. O brasileiro não inventaria, então, uma identidade na qual possa acreditar? Estou certo que é verdadeira a observação de Lilia, mas, para mim, a verdade é a mente e o coração do observador. Fiz meu trabalho. O projeto agora pertence ao Brasil, que o deve julgar. Minha grande esperança é a de que esse trabalho seja largamente exibido no Brasil e desperte o interesse dos colecionadores de arte e dos museus.

Entre o projeto de fixar a imagem do povo alemão de August Sander e o de Richard Avedon, expresso em seu livro In the American West, com o qual você mais se identifica? O trabalho de Avedon no Oeste americano foi fundamental para a minha visão do retrato em grande formato, que queria trazer para o século 21 com a cor, o som e DNA. Também estava determinado a não focar apenas nos despossuídos. Minha intenção foi sempre a de buscar "o melhor do Brasil".

Capa do livro 'Somos Brasil', de Marcus Lyon Foto: Editora Madalena

Somos Brasil Autor: Marcus LyonTradução: Lisa Shaw e Sandra PossasEditora: Madalena 312 páginas R$ 400

As origens de Leila Velez remontam à península ibérica e África Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

A partir de uma série de 104 retratos de brasileiros acompanhados por relatos pessoais gravados em áudio e análises genéticas de sua ancestralidade, o fotógrafo britânico Marcus Lyon decidiu pesquisar a identidade brasileira. Embora representem uma pequena parcela do País, esses 104 cidadãos retratados por ele no livro Somos Brasil não sugerem que ele estava atrás de uma conclusão de natureza científica. Antes, esse mapeamento parece ter um caráter sentimental. Lyon é casado com uma brasileira e tem dois filhos, que, nascidos e educados na Inglaterra, se definem como brasileiros.

No livro, brasileiros que mal conheciam a origem de seus ancestrais falam com o leitor por meio de um aplicativo de reconhecimento de imagem desenvolvido para o projeto. Ele reúne desde figuras conhecidas como a monja Coen até anônimos que, a partir de Somos Brasil, ganham identidade e voz. Na entrevista a seguir, Marcus Lyon fala sobre seu projeto.

Luiz Mott tem 96% de sangue europeu e os 4% restantes divididos entre África e Ásia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

omo lembra o crítico Martin Barnes, fotógrafos como Erna Lendvai-Dircksen trabalharam para publicações eugenistas. Você não teme que seu trabalho possa ser associado a uma obra do mesmo gênero?  Na verdade, fiquei preocupado sobre a possibilidade do aspecto do DNA ser visto como uma prova científica da superioridade de um determinado grupo étnico sobre o outro. Pedimos, então, às pessoas fotografadas que indicassem outras pessoas engajadas em suas comunidades – 30 anos viajando pelo mundo me garantem que isso criaria uma grande variedade. O fato de o resultado final apontar que 74% dos fotografados têm ancestrais africanos e 72% serem de origem indígena foi muito satisfatório e demonstra claramente a verdadeira natureza da liderança: que ela precisa de todos os tipos humanos para fazer sentido.

José de Ribamar tem 58% de sua ascendência africana e 21% europeia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Martin Barnes diz que 'Somos Brasil' é um trabalho que oscila entre o atlas democrático de August Sander, que mapeou o povo alemão, e a série ‘Köpf des Alltags’ de Helmar Lerski, dedicada aos trabalhadores. Você pensou neles? Não. Fui mais influenciado por ideias que por esses realizadores, embora conhecesse o trabalho de Sanders. Já a obra de Helmar Leski é nova para mim.

Como a identidade brasileira vem sendo forjada em nossa época, em sua opinião? É possível que uma tal mistura de raças indique também uma herança compartilhada quando alguns brasileiros recusam sua ancestralidade africana? Para mim, comentar esse assunto na era da internet e não sendo originário do País é uma tarefa muito difícil, mas posso dizer que ouço com frequência brasileiros se definindo como brasileiros, e não como ítalo-brasileiros ou afro-brasileiros. De algum modo, fico bastante impressionado pela necessidade de forjar uma nova identidade sem ter de olhar para trás. Dito isso, a tensão por trás das fotos, da trilha sonora (as vozes gravadas dos modelos) e a informação do DNA dos fotografados de fato produzem muitos contrastes fascinantes.

Bekwynhla Kayapó é paraense e 100% nativo Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Você diz no livro que estava determinado a não escolher as pessoas fotografadas. Por que transferiu a tarefa de selecionar os modelos? Parecia mais autêntico e, de algum modo, menos científico para nós tratar os modelos por meio de um processo de identificação. Eu, de fato, tomei essa decisão pensando nos brasileiros que iriam ler o livro, ouvir os depoimentos, ver as fotos e analisar o DNA dos fotografados para saber que eles são indivíduos que outros brasileiros escolheram para fazer parte de Somos Brasil, e não obra de algum artista de um país distante que não entendesse as nuances do Brasil verdadeiro. Analisando o resultado final, estou absolutamente convencido de que essa é uma das razões para que o livro se torne um importante retrato do Brasil moderno e resista ao teste do tempo. Desde o começo pensei em meus filhos, hoje com 4 e 6 anos, olhando esse trabalho quando estiverem crescidos. É nesse público que pensei.

Josicleide e Maria apresentam mistura de origens: África, Europa e América Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Identidade, de acordo com a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, é uma resposta política a um momento político. O brasileiro não inventaria, então, uma identidade na qual possa acreditar? Estou certo que é verdadeira a observação de Lilia, mas, para mim, a verdade é a mente e o coração do observador. Fiz meu trabalho. O projeto agora pertence ao Brasil, que o deve julgar. Minha grande esperança é a de que esse trabalho seja largamente exibido no Brasil e desperte o interesse dos colecionadores de arte e dos museus.

Entre o projeto de fixar a imagem do povo alemão de August Sander e o de Richard Avedon, expresso em seu livro In the American West, com o qual você mais se identifica? O trabalho de Avedon no Oeste americano foi fundamental para a minha visão do retrato em grande formato, que queria trazer para o século 21 com a cor, o som e DNA. Também estava determinado a não focar apenas nos despossuídos. Minha intenção foi sempre a de buscar "o melhor do Brasil".

Capa do livro 'Somos Brasil', de Marcus Lyon Foto: Editora Madalena

Somos Brasil Autor: Marcus LyonTradução: Lisa Shaw e Sandra PossasEditora: Madalena 312 páginas R$ 400

As origens de Leila Velez remontam à península ibérica e África Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

A partir de uma série de 104 retratos de brasileiros acompanhados por relatos pessoais gravados em áudio e análises genéticas de sua ancestralidade, o fotógrafo britânico Marcus Lyon decidiu pesquisar a identidade brasileira. Embora representem uma pequena parcela do País, esses 104 cidadãos retratados por ele no livro Somos Brasil não sugerem que ele estava atrás de uma conclusão de natureza científica. Antes, esse mapeamento parece ter um caráter sentimental. Lyon é casado com uma brasileira e tem dois filhos, que, nascidos e educados na Inglaterra, se definem como brasileiros.

No livro, brasileiros que mal conheciam a origem de seus ancestrais falam com o leitor por meio de um aplicativo de reconhecimento de imagem desenvolvido para o projeto. Ele reúne desde figuras conhecidas como a monja Coen até anônimos que, a partir de Somos Brasil, ganham identidade e voz. Na entrevista a seguir, Marcus Lyon fala sobre seu projeto.

Luiz Mott tem 96% de sangue europeu e os 4% restantes divididos entre África e Ásia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

omo lembra o crítico Martin Barnes, fotógrafos como Erna Lendvai-Dircksen trabalharam para publicações eugenistas. Você não teme que seu trabalho possa ser associado a uma obra do mesmo gênero?  Na verdade, fiquei preocupado sobre a possibilidade do aspecto do DNA ser visto como uma prova científica da superioridade de um determinado grupo étnico sobre o outro. Pedimos, então, às pessoas fotografadas que indicassem outras pessoas engajadas em suas comunidades – 30 anos viajando pelo mundo me garantem que isso criaria uma grande variedade. O fato de o resultado final apontar que 74% dos fotografados têm ancestrais africanos e 72% serem de origem indígena foi muito satisfatório e demonstra claramente a verdadeira natureza da liderança: que ela precisa de todos os tipos humanos para fazer sentido.

José de Ribamar tem 58% de sua ascendência africana e 21% europeia Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Martin Barnes diz que 'Somos Brasil' é um trabalho que oscila entre o atlas democrático de August Sander, que mapeou o povo alemão, e a série ‘Köpf des Alltags’ de Helmar Lerski, dedicada aos trabalhadores. Você pensou neles? Não. Fui mais influenciado por ideias que por esses realizadores, embora conhecesse o trabalho de Sanders. Já a obra de Helmar Leski é nova para mim.

Como a identidade brasileira vem sendo forjada em nossa época, em sua opinião? É possível que uma tal mistura de raças indique também uma herança compartilhada quando alguns brasileiros recusam sua ancestralidade africana? Para mim, comentar esse assunto na era da internet e não sendo originário do País é uma tarefa muito difícil, mas posso dizer que ouço com frequência brasileiros se definindo como brasileiros, e não como ítalo-brasileiros ou afro-brasileiros. De algum modo, fico bastante impressionado pela necessidade de forjar uma nova identidade sem ter de olhar para trás. Dito isso, a tensão por trás das fotos, da trilha sonora (as vozes gravadas dos modelos) e a informação do DNA dos fotografados de fato produzem muitos contrastes fascinantes.

Bekwynhla Kayapó é paraense e 100% nativo Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Você diz no livro que estava determinado a não escolher as pessoas fotografadas. Por que transferiu a tarefa de selecionar os modelos? Parecia mais autêntico e, de algum modo, menos científico para nós tratar os modelos por meio de um processo de identificação. Eu, de fato, tomei essa decisão pensando nos brasileiros que iriam ler o livro, ouvir os depoimentos, ver as fotos e analisar o DNA dos fotografados para saber que eles são indivíduos que outros brasileiros escolheram para fazer parte de Somos Brasil, e não obra de algum artista de um país distante que não entendesse as nuances do Brasil verdadeiro. Analisando o resultado final, estou absolutamente convencido de que essa é uma das razões para que o livro se torne um importante retrato do Brasil moderno e resista ao teste do tempo. Desde o começo pensei em meus filhos, hoje com 4 e 6 anos, olhando esse trabalho quando estiverem crescidos. É nesse público que pensei.

Josicleide e Maria apresentam mistura de origens: África, Europa e América Foto: Marcus Lyon/Editora Madalena

Identidade, de acordo com a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, é uma resposta política a um momento político. O brasileiro não inventaria, então, uma identidade na qual possa acreditar? Estou certo que é verdadeira a observação de Lilia, mas, para mim, a verdade é a mente e o coração do observador. Fiz meu trabalho. O projeto agora pertence ao Brasil, que o deve julgar. Minha grande esperança é a de que esse trabalho seja largamente exibido no Brasil e desperte o interesse dos colecionadores de arte e dos museus.

Entre o projeto de fixar a imagem do povo alemão de August Sander e o de Richard Avedon, expresso em seu livro In the American West, com o qual você mais se identifica? O trabalho de Avedon no Oeste americano foi fundamental para a minha visão do retrato em grande formato, que queria trazer para o século 21 com a cor, o som e DNA. Também estava determinado a não focar apenas nos despossuídos. Minha intenção foi sempre a de buscar "o melhor do Brasil".

Capa do livro 'Somos Brasil', de Marcus Lyon Foto: Editora Madalena

Somos Brasil Autor: Marcus LyonTradução: Lisa Shaw e Sandra PossasEditora: Madalena 312 páginas R$ 400

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