“Sensacional, maravilhosa” diz Miguel Falabella ao ouvir Grazzi Brasil cantar. Ela é uma das 200 pessoas que tentavam uma vaga no musical Martinho, Coração de Rei, sobre Martinho da Vila. A peneira está em sua terceira fase e os artistas já passaram por testes de canto e dança, mas também fazem apresentações musicais para Miguel, que não estava na seletiva dos outros dias. Naquela manhã, tinham os textos decorados para fazer o derradeiro teste, de atuação.
Grazzi tentava a vaga para participar de seu segundo musical. A estreia foi em Cartola, em que fazia parte do coro. Ela também é intérprete na escola de samba Paraíso do Tuiuti e já foi, durante três anos, intérprete de sambas-enredo na Vai-Vai. Nem a experiência com o ritmo deixou a cantora mais calma. “Tava super nervosa, mas a gente faz e entrega pra Deus”, diz.
Martinho, Coração de Rei deve estrear em meados de setembro e é a segunda colaboração entre Miguel Falabella e Jô Santana. Os dois são responsáveis por Marrom, o Musical, sobre Alcione. Jô também já montou espetáculos sobre Dona Ivone Lara e Cartola. O idealizador do projeto não poupa elogios a Miguel, a quem considera um amigo. “Ele sabe da dificuldade que existe para conseguir patrocínio e vai atrás mesmo”.
O musical sai no ano em que Martinho, com 86, completa setenta anos na música e lança Martinho da Vida, seu livro de memórias - o músico já escreveu dezenas de obras e faz parte da Academia Carioca de Letras. Para Miguel, falar de Martinho é valorizar a história do povo brasileiro e resgatar aspectos apagados da cultura dos negros.
“Jamais vou me colocar no lugar de um negro, porque eu sei dos meus privilégios. Mas se eu posso usar o meu nome para conseguir dinheiro para contar essa história, vou fazer isso”, diz ele, que entre um teste e outro, chorava. “Eu sou ator também, então sempre me emociono em audições porque posso estar matando o sonho de alguém”.
Dandara Ventapane, neta de Martinho da Vila, também tentava uma vaga no musical sobre o avô. Segundo ela, ele não sabia que Dandara participaria da audição. “Meus tios sabem, mas ele não”, ri. A tia Mart’nália, aliás, foi quem incentivou Dandara a seguir o caminho da dança, chamando a sobrinha para se apresentar em seus shows.
O clima nos corredores do Itaú Cultural, onde são realizados os testes, têm a descontração típica do ambiente musical, mas um clima de tensão paira no ar. É que só 20 pessoas, das quase 200 que passaram pelas audições, terão um lugar na produção. O veterano Cezar Rocafi - ele já atuou em espetáculos como West Side Story, Anastácia e Matilda, entre outros - tem seus truques para trabalhar a angústia da espera por uma resposta após um teste. “Hoje eu faço a audição e esqueço. Não fico sondando com amigos e colegas, não fico investigando. A vida de artista tem mais nãos que sims. Tem que ter muita lucidez”, diz.