Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

‘O adolescente é presa fácil de extremismo na internet’, afirma o psiquiatra Ricardo Krause


Especialista analisa o caso da escola Thomazia Montoro em SP e os problemas atuais da parentalidade

Por Paula Bonelli
Atualização:

Trabalhando com a infância e a adolescência há 20 anos, o psiquiatra Ricardo Krause diz que o ataque à escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, em que um estudante de 13 anos matou uma professora de 71 e feriu colegas, tem causas múltiplas que se associam e interagem. Ele lembra que nesta fase da vida “o adolescente está perdido, não tem parâmetro identitário e é presa fácil de grupos extremistas na internet”.

O psiquiatra Ricardo Krause em seu consultório na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: PEDRO KIRILOS

Avalia também os problemas da parentalidade nos tempos atuais: “Hoje em dia os pais têm medo dos filhos terem raiva ou não gostarem deles”. Presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil, Krause atuou na ressocialização dos alunos após o massacre da Escola Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio, em 2011. Também esteve em Brumadinho organizando atendimento de jovens na área de prevenção de suicídio, após o rompimento da barragem. Confira abaixo a entrevista com o médico:

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O que leva um adolescente a pegar uma faca, matar e ferir pessoas na escola?

Existe uma preocupação com a saúde mental da infância e adolescência, que já vinha existindo por outros fatores e foi muito afetada com a questão da pandemia. Quando uma situação dessas aparece, ficamos muito assustados. Imediatamente tentamos patologizar o agressor, na tentativa de buscar um perfil que seja identificável. Quando se tentou avaliar psiquiatricamente pessoas que perpetraram ataques com vítimas nas escolas não se identificou esse tipo de quadro ligado à psicopatia. Elas têm um quadro emocional e comportamental alterado, sem dúvida nenhuma, mas não um diagnóstico psiquiátrico fechado. É um conjunto de condições.

Quais são as condições?

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Há muitas questões e causalidades associadas: a esfera emocional, as dinâmicas familiar e social, as situações na escola, o fator transgeracional.

O autor do crime na escola Thomazia Montoro tinha histórico de violência e comportamento suspeito na rede social.

Era um menino de 13 anos que já tinha um histórico de agressões dentro da própria casa. Frequentava grupos fechados em que a violência era exaltada e os perpetradores de violência tratados como heróis. Esses grupos extremistas que estão na chamada “deep web”, mas que depois sobem para os perfis também na internet, alguns fechados, outros abertos, vão encontrar entre os adolescentes presas fáceis.

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Por que os adolescentes são cooptados?

O adolescente está perdido, não tem parâmetro identitário claro. Ele quer se afirmar, quer ter algum modelo de comportamento que dê sentido à vida dele. A adolescência é um período extremamente solitário, em que o desafio é encontrar amigos, pares para fazer sua travessia para vida adulta sem a proteção suposta do mundo da infância. Só que muitas coisas interferem. A internet entra de diversas maneiras, modificando e atrapalhando essa dinâmica. Na pandemia isso aconteceu muito, o tempo de uso foi enorme.

Como vê o impacto da internet nesta fase da vida?

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Ela estimula e prioriza as relações online. Priva as crianças das interações presenciais, sendo que é na convivência com pessoas da mesma idade que se aprende a se relacionar de forma saudável. Então, tem o ditado, “quem não desce pro play não aprende a brincar”. Outro elemento são os jogos em primeira pessoa, onde há atiradores. Ali a divergência com alguém, com o oponente é resolvida pela sumária eliminação dele, a morte. A Hanna Arendt já falava que a violência começa onde termina a palavra. Na internet há muitas páginas e perfis de incitação de ódio, à intolerância, em diversos níveis, contra grupos raciais, sociais e de orientação sexual, ou até de gênero diferente. Temos agora casos de Red Pills, que são os misóginos atacando e ameaçando mulheres.

Como cortar essa rede de influências e modelos negativos nesses jovens?

Sendo um modelo para os filhos, estando presente no exercício da parentalidade. Os pais necessitam autorizar os professores, respeitar a escola, restituindo figuras e modelos de autoridade. Não ter medo de frustrar, de impor limites, estabelecer regras de convivência, estimular conduta pró-social, valorizar o diálogo. Um outro exemplo universalmente e logicamente aceito: não ter arma à disposição de criança, de adolescente.

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Qual é a forma adequada de pôr limites?

Não é a proibição pela proibição. É preciso explicar por que não pode. Não estou dizendo que seja fácil dar limites, porque o narcisismo é querer ser gostado. Hoje os pais têm medo dos filhos terem raiva ou de não gostarem deles, então não contraria, para ele não deixar de gostar de mim.

Trabalhando com a infância e a adolescência há 20 anos, o psiquiatra Ricardo Krause diz que o ataque à escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, em que um estudante de 13 anos matou uma professora de 71 e feriu colegas, tem causas múltiplas que se associam e interagem. Ele lembra que nesta fase da vida “o adolescente está perdido, não tem parâmetro identitário e é presa fácil de grupos extremistas na internet”.

O psiquiatra Ricardo Krause em seu consultório na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: PEDRO KIRILOS

Avalia também os problemas da parentalidade nos tempos atuais: “Hoje em dia os pais têm medo dos filhos terem raiva ou não gostarem deles”. Presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil, Krause atuou na ressocialização dos alunos após o massacre da Escola Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio, em 2011. Também esteve em Brumadinho organizando atendimento de jovens na área de prevenção de suicídio, após o rompimento da barragem. Confira abaixo a entrevista com o médico:

O que leva um adolescente a pegar uma faca, matar e ferir pessoas na escola?

Existe uma preocupação com a saúde mental da infância e adolescência, que já vinha existindo por outros fatores e foi muito afetada com a questão da pandemia. Quando uma situação dessas aparece, ficamos muito assustados. Imediatamente tentamos patologizar o agressor, na tentativa de buscar um perfil que seja identificável. Quando se tentou avaliar psiquiatricamente pessoas que perpetraram ataques com vítimas nas escolas não se identificou esse tipo de quadro ligado à psicopatia. Elas têm um quadro emocional e comportamental alterado, sem dúvida nenhuma, mas não um diagnóstico psiquiátrico fechado. É um conjunto de condições.

Quais são as condições?

Há muitas questões e causalidades associadas: a esfera emocional, as dinâmicas familiar e social, as situações na escola, o fator transgeracional.

O autor do crime na escola Thomazia Montoro tinha histórico de violência e comportamento suspeito na rede social.

Era um menino de 13 anos que já tinha um histórico de agressões dentro da própria casa. Frequentava grupos fechados em que a violência era exaltada e os perpetradores de violência tratados como heróis. Esses grupos extremistas que estão na chamada “deep web”, mas que depois sobem para os perfis também na internet, alguns fechados, outros abertos, vão encontrar entre os adolescentes presas fáceis.

Por que os adolescentes são cooptados?

O adolescente está perdido, não tem parâmetro identitário claro. Ele quer se afirmar, quer ter algum modelo de comportamento que dê sentido à vida dele. A adolescência é um período extremamente solitário, em que o desafio é encontrar amigos, pares para fazer sua travessia para vida adulta sem a proteção suposta do mundo da infância. Só que muitas coisas interferem. A internet entra de diversas maneiras, modificando e atrapalhando essa dinâmica. Na pandemia isso aconteceu muito, o tempo de uso foi enorme.

Como vê o impacto da internet nesta fase da vida?

Ela estimula e prioriza as relações online. Priva as crianças das interações presenciais, sendo que é na convivência com pessoas da mesma idade que se aprende a se relacionar de forma saudável. Então, tem o ditado, “quem não desce pro play não aprende a brincar”. Outro elemento são os jogos em primeira pessoa, onde há atiradores. Ali a divergência com alguém, com o oponente é resolvida pela sumária eliminação dele, a morte. A Hanna Arendt já falava que a violência começa onde termina a palavra. Na internet há muitas páginas e perfis de incitação de ódio, à intolerância, em diversos níveis, contra grupos raciais, sociais e de orientação sexual, ou até de gênero diferente. Temos agora casos de Red Pills, que são os misóginos atacando e ameaçando mulheres.

Como cortar essa rede de influências e modelos negativos nesses jovens?

Sendo um modelo para os filhos, estando presente no exercício da parentalidade. Os pais necessitam autorizar os professores, respeitar a escola, restituindo figuras e modelos de autoridade. Não ter medo de frustrar, de impor limites, estabelecer regras de convivência, estimular conduta pró-social, valorizar o diálogo. Um outro exemplo universalmente e logicamente aceito: não ter arma à disposição de criança, de adolescente.

Qual é a forma adequada de pôr limites?

Não é a proibição pela proibição. É preciso explicar por que não pode. Não estou dizendo que seja fácil dar limites, porque o narcisismo é querer ser gostado. Hoje os pais têm medo dos filhos terem raiva ou de não gostarem deles, então não contraria, para ele não deixar de gostar de mim.

Trabalhando com a infância e a adolescência há 20 anos, o psiquiatra Ricardo Krause diz que o ataque à escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, em que um estudante de 13 anos matou uma professora de 71 e feriu colegas, tem causas múltiplas que se associam e interagem. Ele lembra que nesta fase da vida “o adolescente está perdido, não tem parâmetro identitário e é presa fácil de grupos extremistas na internet”.

O psiquiatra Ricardo Krause em seu consultório na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: PEDRO KIRILOS

Avalia também os problemas da parentalidade nos tempos atuais: “Hoje em dia os pais têm medo dos filhos terem raiva ou não gostarem deles”. Presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil, Krause atuou na ressocialização dos alunos após o massacre da Escola Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio, em 2011. Também esteve em Brumadinho organizando atendimento de jovens na área de prevenção de suicídio, após o rompimento da barragem. Confira abaixo a entrevista com o médico:

O que leva um adolescente a pegar uma faca, matar e ferir pessoas na escola?

Existe uma preocupação com a saúde mental da infância e adolescência, que já vinha existindo por outros fatores e foi muito afetada com a questão da pandemia. Quando uma situação dessas aparece, ficamos muito assustados. Imediatamente tentamos patologizar o agressor, na tentativa de buscar um perfil que seja identificável. Quando se tentou avaliar psiquiatricamente pessoas que perpetraram ataques com vítimas nas escolas não se identificou esse tipo de quadro ligado à psicopatia. Elas têm um quadro emocional e comportamental alterado, sem dúvida nenhuma, mas não um diagnóstico psiquiátrico fechado. É um conjunto de condições.

Quais são as condições?

Há muitas questões e causalidades associadas: a esfera emocional, as dinâmicas familiar e social, as situações na escola, o fator transgeracional.

O autor do crime na escola Thomazia Montoro tinha histórico de violência e comportamento suspeito na rede social.

Era um menino de 13 anos que já tinha um histórico de agressões dentro da própria casa. Frequentava grupos fechados em que a violência era exaltada e os perpetradores de violência tratados como heróis. Esses grupos extremistas que estão na chamada “deep web”, mas que depois sobem para os perfis também na internet, alguns fechados, outros abertos, vão encontrar entre os adolescentes presas fáceis.

Por que os adolescentes são cooptados?

O adolescente está perdido, não tem parâmetro identitário claro. Ele quer se afirmar, quer ter algum modelo de comportamento que dê sentido à vida dele. A adolescência é um período extremamente solitário, em que o desafio é encontrar amigos, pares para fazer sua travessia para vida adulta sem a proteção suposta do mundo da infância. Só que muitas coisas interferem. A internet entra de diversas maneiras, modificando e atrapalhando essa dinâmica. Na pandemia isso aconteceu muito, o tempo de uso foi enorme.

Como vê o impacto da internet nesta fase da vida?

Ela estimula e prioriza as relações online. Priva as crianças das interações presenciais, sendo que é na convivência com pessoas da mesma idade que se aprende a se relacionar de forma saudável. Então, tem o ditado, “quem não desce pro play não aprende a brincar”. Outro elemento são os jogos em primeira pessoa, onde há atiradores. Ali a divergência com alguém, com o oponente é resolvida pela sumária eliminação dele, a morte. A Hanna Arendt já falava que a violência começa onde termina a palavra. Na internet há muitas páginas e perfis de incitação de ódio, à intolerância, em diversos níveis, contra grupos raciais, sociais e de orientação sexual, ou até de gênero diferente. Temos agora casos de Red Pills, que são os misóginos atacando e ameaçando mulheres.

Como cortar essa rede de influências e modelos negativos nesses jovens?

Sendo um modelo para os filhos, estando presente no exercício da parentalidade. Os pais necessitam autorizar os professores, respeitar a escola, restituindo figuras e modelos de autoridade. Não ter medo de frustrar, de impor limites, estabelecer regras de convivência, estimular conduta pró-social, valorizar o diálogo. Um outro exemplo universalmente e logicamente aceito: não ter arma à disposição de criança, de adolescente.

Qual é a forma adequada de pôr limites?

Não é a proibição pela proibição. É preciso explicar por que não pode. Não estou dizendo que seja fácil dar limites, porque o narcisismo é querer ser gostado. Hoje os pais têm medo dos filhos terem raiva ou de não gostarem deles, então não contraria, para ele não deixar de gostar de mim.

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