Rafinha Bastos, ou Rafi Bastos, como é conhecido em suas apresentações nos Estados Unidos, tinha como um dos seus objetivos quando chegou ao país, em 2018, se apresentar no Comedy Cellar, clube de humor de Nova York em que já estiveram Jerry Seinfeld, Robin Williams, Dave Chappelle e Sarah Silverman, entre muitos outros. Hoje, o comediante apresenta sua rotina de stand-up na casa com frequência e diz à repórter Marcela Paes que se sente confortável em ser um desconhecido em terras americanas. A rotina americana de Rafinha e seu trabalho por lá são o mote do documentário da agência de entretenimento Farra dirigido por André Brandt, que estreia no dia 27 deste mês. Leia abaixo a entrevista com Rafinha:
Qual é a diferença entre o humor que se faz nos Estados Unidos e no Brasil?
Minha referência sempre foi meio de fora, então, pessoalmente, não sinto muita diferença. Vai muito da característica do próprio comediante. Talvez a pergunta seja qual a diferença em você numa língua estrangeira e em português? Eu nos Estados Unidos não sou ninguém, quando eu subo no palco ninguém sabe quem eu sou. Isso é muito bom pra mim, isso de ninguém saber quem a pessoa é depois dela já ter tido sucesso. Pude me reconstruir com base única e exclusivamente na minha criatividade, sem que tivesse nenhum julgamento sobre o que já aconteceu. É do zero quando eu subo no palco aqui. Criativamente eu me senti livre, uma liberdade que eu no Brasil não tinha. Na verdade, não é que eu não tenha, mas eu mesmo acabo não me dando essa liberdade no Brasil.
Não percebe nenhuma diferença no estilo dos humoristas?
A grande diferença é que aqui os caras têm muito mais referências. Eles já fazem isso há 50, 60 anos, enquanto o stand-up no Brasil é um movimento que comecei ali, eu e mais quatro, cinco pessoas em 2003, 2004. Os caras aqui já passaram por muita coisa, já fizeram muita coisa, eles já tiveram processos que a gente está tendo agora no Brasil.
O que você traz no seu stand-up americano. Que tipos de piada?
Nesse show que eu estou lançando agora, falo muito sobre a minha vida como imigrante nos Estados Unidos. O ponto de vista um pouco distante da realidade americana, de um cara se adaptando a esse lugar onde o idioma é diferente, onde as pessoas agem de maneira diferente. É um olhar que às vezes o próprio americano não tem da vida dele porque ele está muito imbuído, muito dentro. Também têm umas observações que poderiam tranquilamente ter sido escritas no Brasil também, tem um pouco da minha assinatura que não é especificamente essa assinatura que vem do imigrante, assinatura do Rafinha mesmo.
Eu li uma entrevista sua que tinha o título ‘O Brasil não é lugar pra mim’. O que você quis dizer exatamente?
Os títulos que os caras inventam (risos). Eu não acho que o Brasil não é um lugar pra mim, a frase está fora de contexto. O que eu sinto é que pela minha referência ter sido de fora, muitas vezes eu não me dei certas liberdades porque no Brasil é um pouco mais complicado, até porque o stand-up é muito novo. Sinto que eu estava um passinho ali mais à frente na questão de liberdade de pensar e no raciocínio, que são coisas que a gente ainda está se habituando a fazer no Brasil. Um dos motivos pelos quais eu resolvi sair do País é porque eu estava com um bode de mim mesmo. Fiquei com preguiça da gavetinha que me colocaram e eu abracei. Não sou um cara que vive da polêmica e queria voltar a ser o cara criativo que eu sempre fui.
Você está se sentindo mais confortável fazendo humor nos Estados Unidos, dentro desse contexto que você colocou agora?
Sim, mas eu acho que o que está me deixando confortável não é tanto a mudança para os Estados Unidos, mas sim sair do olho do mainstream. Chegou uma época na minha carreira que tinha jornalista indo ao teatro pra ver o que podia escrever a respeito do que eu fazia. E eu nunca deixei de fazer, então acabava alimentando essa máquina que não me ajudava em absolutamente nada. Estar à margem disso hoje me deu uma liberdade muito grande de fazer o que eu quiser, não ter muita responsabilidade, não ter um patrocinador ligando pra dizer ‘porra, olha o que você disse’. É uma liberdade que estou sentindo hoje e é muito boa, muito legal.
Como você se sentiu ao se apresentar pela primeira vez no Comedy Cellar, que é um templo do stand-up em Nova York?
Foi marcante, mas é muito louco porque eu já faço isso há muito tempo e eu sou um cara muito confiante. O que passa muitas vezes perto da arrogância, de tão confiante que eu sou. Mas não é uma arrogância a ponto de achar que eu sou melhor que todo mundo. Às vezes eu até penso que isso é uma defesa minha. Por isso, eu estava mais ansioso do que nervoso. Eu queria muito fazer aquilo. É o cara que jogou futebol a vida inteira, sabe? Ele vai pro Barcelona depois de ter jogado no Flamengo, no Corinthians. O lugar é diferente, mas o jeito que ele joga é o mesmo.
Você acha que há exagero na patrulha que se faz a respeito do conteúdo produzido por humoristas?
É completamente compreensível que o movimento social queira que alguém deixe de falar algo que é ofensivo, que machucou alguém durante muito tempo. Eu super entendo essa luta, não sou idiota de olhar pra isso e falar que só é um bando de exagerados. Sou um cara branco, de dois metros de altura, com tatuagem no braço, saudável, com cabelo. É difícil eu olhar pro cara e falar, ‘olha, frescura isso aí’. Do outro lado, sou comediante e quero ter liberdade para poder dizer o que eu quero e quero ter liberdade suficiente para que você não goste do que eu digo. Às vezes chega nesse lugar que eu sinto que é prejudicial não apenas pro comediante, mas pro debate público. Se alguma coisa que eu crio passa como uma provocação, puxa, eu acho que eu tenho que comprar esse risco. Agora, tem coisa que eu não falo ou mudo a maneira de falar. Hoje, com 48 anos, sinto que mudei um pouco também, sabe?