Um dos nomes mais longevos da moda brasileira, Reinaldo Lourenço vai comemorar os 40 anos de sua marca em um dos locais mais representativos de sua carreira: a passarela. Ele apresenta hoje sua nova coleção de haute couture - ou em bom português, roupa de festa em que praticamente tudo é feito artesanalmente e a peça é ajustada ao corpo de cada cliente.
Estilista desde a adolescência, quando costurava peças para os amigos dentro de seu quarto, Reinaldo conta que aprendeu, ao longo de quatro décadas, também a ser empresário. “O difícil é ter uma indústria no Brasil. Tem todos os encargos sociais, todos os impostos, tem que administrar… A criação é fácil, o lado business é mais complicado”, conta à repórter Marcela Paes. Leia abaixo a entrevista:
Qual a maior vantagem e a maior desvantagem de ter uma marca por 40 anos?
Só vejo vantagens. Desde os 15 anos eu tinha uma loja no meu quarto, já fazia roupa para os meus amigos e vendia. É só vantagem porque eu amo o que faço. Nesse tempo, tive tempo de me aperfeiçoar, de melhorar meu trabalho, e desenvolver inteligência emocional para cuidar do meu business. A idade não muda o meu olhar, se eu tenho um olhar jovem eu posso trabalhar até os 80 anos, que é a minha intenção. Não quero ficar parado porque o que eu gosto de fazer na minha vida é isso. Vou continuar até quando Deus quiser.
Em algum momento você já pensou em parar?
Às vezes eu fico desanimado quando estou com excesso de trabalho, mas depois que eu vejo uma roupa bonita muda tudo. Difícil é ter uma indústria no Brasil. Tem todos os encargos sociais, todos os impostos, tem que administrar… A criação é fácil, o lado business é mais complicado. Por outro lado, não posso esquecer que eu sou empresário. Tenho 50 clientes no atacado, tenho uma loja no Iguatemi e tenho muitos colaboradores trabalhando com a gente.
Nesses 40 anos, o que aprendeu como empresário?
Aprendi que existe um fluxo de caixa, que tem que entrar mais do que sair. Agora sei lidar com as pessoas. Quando comecei, com 20 anos, eu tinha uma impulsão e hoje sou um pouco mais racional. Nunca achei que eu sabia fazer tudo. Sempre penso que eu tenho que melhorar. A moda brasileira precisa ter produtos de qualidade. Eu insisto nisso.
Como faz pra manter o frescor do começo da carreira?
Eu estou sempre ligado. Estou sempre viajando muito e tenho um filho jovem, que me ajuda, que me dá boas ideias. Estou sempre com ele e com os amigos dele. Eu tenho ascendente em aquário, né? Estou sempre pensando no futuro e gosto de andar com gente mais jovem. Eu posso até envelhecer, mas a minha moda não pode
O fast fashion é visto por muita gente como um inimigo da sustentabilidade. Como você enxerga essa questão?
Tem muita roupa no mundo. Muita roupa, muita marca, muita grife. O fast fashion realmente é um problema. Gera na pessoa a necessidade de compra imediata, de ter aquela coisa, mas depois ela acaba em três, quatro meses porque estragou. Isso vai virando lixo pro mundo. Talvez seja mais correto ter um produto com mais qualidade e que dure por mais tempo, mesmo que seja mais caro. Você compra uma peça em vez de comprar quatro. Isso depende da gente, é o consumidor quem dita isso. Se o consumidor quiser, o fast fashion vai continuar existindo, porque todo mundo quer vender em grande escala.
Já se sentiu pressionado a fazer peças com menos qualidade para baratear seu produto?
Pressionado não, mas às vezes sinto um certo desencanto em relação à moda brasileira. Não em relação à moda em si, mas acho que ainda temos uma visão muito colonialista. Tudo que é bom é da Europa, vem de Paris.
Falta essa valorização por quais setores?
Poucas pessoas sabem quando eu abro o meu ateliê, meu ateliê pode estar em qualquer lugar do mundo. Faço uma moda brasileira para o mundo. Isso me incomoda porque eu acho que tinha que ter um incentivo, desde o governo até a imprensa. Todo mundo adora ir para Paris e assistir o desfile lá, óbvio. Mas e a moda brasileira? Falta esse olhar para a moda brasileira, para os designers daqui, para a indústria brasileira. A gente não pode esquecer que fazemos moda com indústria e para ter indústria precisa ter tecido, precisa ter aviamento…É muito difícil achar a matéria-prima ultimamente. Às vezes você quer uma entretela e não tem, às vezes você quer um tecido, o fornecedor não tem estoque. Temos que importar muita coisa. Nos últimos 25 anos, cerca de 20 tecelagens fecharam no País. O Brasil é produtor de seda pura, mas pouquíssimos estão fazendo seda pura agora. Pouquíssimos estão fazendo, por exemplo, um jacquard. Essas empresas foram fechando, o que é uma resposta do nosso olhar para a indústria.
O que você acha da maneira como o brasileiro se veste?
O brasileiro tem um jeito mais relax. É difícil se vestir no verão num calor como o de agora. O brasileiro tem um estilo mais descontraído. Tem uma semelhança com a Itália, que é uma sensualidade, uma roupa não muito arrumada. As pessoas às vezes têm dificuldade de se arrumar, acham que estão muito chiques. Também falta um pouco de estímulo. Quando você vai, por exemplo, numa Galeria do Rock, você vê pessoas com estilo, você vê pessoas com delineador, o outro tá com boné… Acho que falta isso em toda população. Essa vontade de se vestir. Roupa é uma forma de expressão, é um jeito de mostrar para as pessoas quem você é. Eu falo por mim mesmo, tem dia que eu nem tenho vontade de pôr roupa. Quando eu vejo esse calor eu falo ‘meu Deus…’(risos).
Tem alguma peça que nunca entraria numa coleção sua, que você detesta?
Não, quem faz moda não pode falar essa palavra: detesto. Por exemplo, eu não gosto de marrom, mas estou fazendo marrom no meu desfile, não sei porque me deu vontade de fazer marrom. Não dá pra ter, ser muito categórico. De repente você não gosta de cintura baixa hoje, mas daqui a quatro anos pode começar a adorar. Eu gosto de roupa boa, de qualidade, eu gosto de roupa que dura mais, entendeu? Um bom tecido, um bom algodão, eu gosto de uma boa camisa. Eu acho que eu gosto de coisas com qualidade. É o que eu penso tanto pra me vestir pessoalmente como para fazer as minhas criações.