De pé na frente de um auditório superlotado no final do século 18, o filósofo romântico Johann Gottlieb Fichte pediu a seus alunos que olhassem para dentro. Cuide de si mesmo, disse ele, desvie os olhos de tudo o que o cerca: as paredes da sala de aula, os outros alunos a poucos centímetros de distância, o próprio mundo. Assim começaram as célebres palestras de Fichte sobre o significado da liberdade, atraindo plateias fascinadas que chegavam às centenas. Alguns anos depois, outro grande romântico, Friedrich Schelling, subiria ao púlpito na mesma universidade. Antigo discípulo e futuro rival de Fichte, Schelling palestrava à luz de duas velas. Em seus cursos sobre natureza e arte, o auditório escurecido voltava a ser um lugar de encantamento. “Eu ficava em estado de êxtase”, lembrou um ouvinte. Outros simplesmente caíam em prantos.
A envolvente e muitas vezes profunda biografia de grupo de Andrea Wulf, Magnificent Rebels: The First Romantics and the Invention of the Self, retorna repetidas vezes a essas cenas. Situado em Jena, uma cidade universitária alemã que foi por alguns breves anos na virada do século 19 a capital intelectual da Europa, o livro mostra como “os primeiros românticos”, ou “o conjunto de Jena”, como Wulf os chama, surgiram juntos – para escrever, discutir, amar e estudar. Apresenta um retrato emocionante da vida universitária, cada vez menos familiar em nossos tempos de educação hiper mediada e contínua desvalorização das humanidades.
Friedrich Schlegel
O título do livro adapta uma frase de um contemporâneo de Fichte, o crítico Friedrich Schlegel – “magníficos fora-da-lei” ou, mais literalmente, “exilados” – para descrever esse grupo de poetas e filósofos que conviveram no rescaldo da Revolução Francesa e que perguntaram, às suas próprias maneiras, o que significa ser livre. Wulf pinta um retrato coletivo comovente desses intelectuais que tentavam para encarnar seus ideais revolucionários. Ela argumenta que os românticos – entre eles Goethe, Schiller e Hegel, bem como algumas figuras menos conhecidas, como os filósofos Fichte e Schelling, os críticos Friedrich e August Wilhelm Schlegel e o poeta Novalis – nos legaram a noção moderna do eu como essencialmente livre. Wulf também mostra a importância das mulheres nesse círculo intelectual, que viveram suas próprias experiências de libertação. Assim, Caroline Schlegel, esposa de August Wilhelm, tradutora e crítica, desempenha um papel crucial na história, seu eixo biográfico e emocional.
Como uma história local do Romantismo, o livro contrasta notavelmente com o último de Wulf, o aclamado The Invention of Nature. Ali, Wulf seguiu o naturalista romântico Alexander von Humboldt de Berlim e Jena à Venezuela, Sibéria e além. Em Magnificent Rebels, a principal lembrança de que existe um mundo fora de Jena vem na forma de notícias intermitentes sobre a ascensão de Napoleão ao poder e sua campanha de conquista – uma campanha que, no capítulo final, se torna uma intrusão devastadora na insularidade da vida intelectual.
Em seus momentos mais ambiciosos, Magnificent Rebels fala das relações entre filosofia e política, pensamento e ação. Explora a tensão entre a interioridade da filosofia romântica e as aspirações éticas ou políticas de seus praticantes, quase todos apoiando a Revolução Francesa. Para os românticos, argumenta Wulf, essa aparente contradição só poderia ser compreendida à luz de uma noção do eu, do Ich: o eu autônomo ou agente livre que ainda pensamos ser. Moldada por seu contexto histórico revolucionário, essa ideia de liberdade humana universal tinha implicações radicais e de longo alcance que excederam a mente individual. Representava um desafio direto às hierarquias esmagadoras dos antigos regimes.
Notoriamente, a visão romântica do eu estava focada no poder da imaginação. Como dizia Novalis, ao “poetizar” o eu demonstra que é livre. Para Wulf, como para muitos outros, essas afirmações levantam uma questão difícil: a filosofia romântica da liberdade era uma filosofia revolucionária genuína? Ou era antes um afastamento da política, um esforço para transcender o conflito social por meios imaginativos ou poéticos? Este último tem sido o consenso há muito tempo, mas Wulf nunca aceita inteiramente que essas duas possibilidades sejam opostas. Ela reconhece que os românticos realmente esperavam reinventar o mundo e fazê-lo, em parte, com suas ideias. Como Friedrich Schlegel observou em um momento de “sublime impertinência”: “Se você escreve apenas para filósofos, pode ser incrivelmente ousado antes que a polícia perceba qualquer coisa”. Schlegel sabia que os pensamentos dos românticos sobre liberdade, natureza, arte e muito mais poderiam ter efeitos reais.
Apesar dos argumentos complexos desenvolvidos por seus personagens principais, o livro transmite vividamente o drama das ideias. Captura os prazeres únicos do pensamento comunitário (a “sinfo-filosofia”, na palavra de Schlegel), bem como o sofrimento e o sentimento de traição que marcam a dissolução de uma comunidade. Também há muito drama erótico, já que a rebelião que Wulf descreve era sexual tanto quanto qualquer outra coisa. Para os românticos, como vemos em detalhes, pensamento livre e amor livre eram inseparáveis – e as consequências pessoais muitas vezes eram excruciantes.
Quando o livro procura comunicar as ideias de seus personagens – algumas das quais são notoriamente obscuras – às vezes cai na simplificação excessiva. Às vezes, evita desnecessariamente a linguagem usada pelos próprios românticos: por exemplo, a ausência do termo “ironia” é estranha, considerando seu significado para Schlegel, que deu um sentido filosófico a esse dispositivo poético. E precursores importantes como Rousseau e Kant são mencionados apenas de passagem. Ainda assim, Magnificent Rebels mostra com grande lucidez como o desejo romântico de libertar o eu ainda molda nosso senso de quem somos – ou quem podemos ser.
No epílogo do livro, Wulf traça a influência dos românticos de Jena no transcendentalismo americano e além. Seus interesses são principalmente literários, mas haveria outras formas de contar a história dos legados do Romantismo. Em 1836, um jovem Karl Marx estudou com August Schlegel em Berlim. Era o ideal romântico de liberdade que Marx tinha em mente quando argumentou, alguns anos depois, que a filosofia alemã era uma compensação pela ausência de uma revolução política. “Somos contemporâneos filosóficos do presente”, escreveu ele, “sem sermos seus contemporâneos históricos”. Na Alemanha, ao contrário da França, a revolução acontecera apenas nos livros. Mas, acrescentou ele, não há como ir além da filosofia “sem torná-la realidade” – isto é, sem construir um novo mundo social no qual seja possível viver juntos livremente, como os românticos imaginaram, em escala muito maior do que uma cidade universitária. Para Marx, era um mundo que estava esperando para ser construído. E ainda é.
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Greg Ellermann é professor de inglês na Universidade de Yale e autor de Thought’s Wilderness: Romanticism and the Apprehension of Nature.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU