Guia dos retratistas da galáxia


Uma fantástica viagem pelo arquivo de 13 mil imagens da conquista da Lua, que sempre fascinou fotógrafos, pintores, cientistas - e taxistas

Por Claudio Edinger

No começo da década de 70 eu era um jovem de 19 anos chegando pela primeira vez a Nova York. Era uma manhã fria e eu, com toda a ousadia que essa idade nos permite, queria conhecer a capital do mundo. Peguei um taxi no aeroporto e o motorista, um porto-riquenho cinquentão, ouvia uma radio em espanhol que trazia as notícias do fim do Projeto Apollo, da Nasa. Os americanos haviam pousado na Lua quatro anos antes, em julho de 1969, para espanto e desconfiança de boa parte do mundo, incluindo o meu chofer. “Isso aí foi tudo mentira”, ele disse, com desprezo e convicção. “Tudo montado em Hollywood, para a CIA convencer o mundo da superioridade americana.”

Lembrei daquela minha estreia nova-iorquina quando abri o Flickr para espiar as “novas” fotos do Projeto Apollo que entraram no ar. Lá se vão quase 40 anos. E o que vejo é uma imensidão tão exagerada quanto a Via Láctea: no Project Apollo Archive, a Nasa liberou 13 mil fotografias de suas aventuras lunares. São todas as imagens realizadas pelos astronautas americanos em onze anos de missões tripuladas, de 1961 a 1972. Imagens em alta resolução e trazendo ainda - se você procurar bem naquele céu escuro e às vezes fora de foco - alguma fascinação. 

HOMEM NA LUA

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Foto: PROJECT APOLLO ARCHIVE
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Foto: PROJECT APOLLO ARCHIVE
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A iniciativa partiu de um diretor de tecnologia da informação da Virgínia, Kipp Teague, que por mais de 15 anos trabalhou no arquivo fotográfico do Projeto Apollo. Em 1999, ele começou a escanear os negativos e publicar parte deles na web, depois de fazer pequenas correções de cor, brilho e contraste. Recebeu uma chuva de críticas e questionamentos, até que achou melhor criar o Flickr, a mais popular das plataformas de fotos na internet, e subir as fotos in natura, ou seja, sem nenhum tipo de edição. 

Hoje, vendo as imagens da peripécia espacial americana, fico pensando que o taxista porto-riquenho tinha lá suas razões. Todas estas fotos poderiam perfeitamente ser enganações, feitas num estúdio de cinema. Existe um verbete inteiro da Wikipédia sobre o que há de esquisito no tema. Algumas imagens teriam sombras “erradas”, raras mostram estrelas e nenhuma registra marcas no solo deixadas pelo módulo de pouso. Sem falar que, na época, os Estados Unidos eram chefiados pelo presidente mais mentiroso da história, Richard “Tricky Dicky” Nixon. Os americanos gastaram US$ 30 bilhões em seu programa espacial, grana suficiente para fazer 3.000 filmes com orçamento de US$ 10 milhões, que foi quanto custou o intergaláctico 2001 - Uma Odisseia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick em 1968, um ano antes do pouso tripulado na Lua. Mas seria tanta gente envolvida para mentir, centenas, milhares, que é difícil acreditar que a farsa nunca tenha vazado. Houve várias tentativas, como o livro We Never Went to the Moon, de Bill Kaysing, antigo funcionário da fábrica de foguetes Rockwell International. Só que até hoje nenhum cientista sério assinou embaixo dessas teorias da conspiração.

Fotograficamente falando, porém, dá o que pensar. Fotografia é puro vodu, uma arte que transforma e alimenta nossa imaginação, nossas aspirações, nossos sonhos. No espaço, os astronautas carregavam câmeras Hasselblad 500 EL especialmente desenhadas para a missão. Elas tinham lubrificantes e filmes próprios, criados para não derreterem no calor ou condensarem no frio extremo. A Hassel 500 EL era motorizada e o filme de 70 mm permitiu fazer 123 imagens no primeiro pouso na Lua. Os astronautas as levavam presas ao peito, sempre apontadas para frente, e criavam imagens comprimindo um disparador especial. Não era uma câmera simples de operar. Por isso, eles treinaram durante anos, levando-as em viagens de férias com a família, a fim aprender a utilizá-las até de olhos fechados. Graças em parte ao equipamento, acho que o tipo de imagens obtidas no Projeto Apollo, com suas texturas, o desfoque dos segundos-planos, os tons esmaecidos, aquelas sombras duras na superfície da Lua, características que nos remetem ao cinema dos anos 70, tudo isso ajuda a alimentar o nosso imaginário. 

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As fotos à distância das crateras lunares e aquele relevo acinzentado e indecifrável poderiam muito bem ter sido feitas com ajuda de um telescópio, por exemplo. No começo do século 17, Galileu Galilei viu pela primeira vez as crateras da Lua de perto. Ele desenhou e construiu uma versão aprimorada de um telescópio (que acabara de ser inventado na Holanda) e, com isso, percebeu que o nosso planeta girava em torno do Sol. Uma descoberta revolucionária que fez Galileu pagar o pato por dizer que a Terra não era o centro do universo. 

Duzentos anos mais tarde, em 1842, o astrônomo e matemático inglês John Herschel se valeu também do telescópio para fotografar a Lua pela primeira vez. Fazia só três anos que a fotografia tinha sido inventada. Herschel foi o primeiro a gravar uma imagem em um negativo de vidro e a dar o nome de “foto-grafia” para a própria. Foi com aquelas fotos que Herschel fez da Lua, lindíssimas, que começava o sonho da conquista espacial. Não duvido que Van Gogh tenha se interessado por elas quando pintou, 40 anos depois, seu famoso Starry Night, um dos primeiros e de longe o mais belo quadro sobre a Lua (e as estrelas). No próprio século 19, advogados alegavam que seus clientes eram inocentes por agir “sob a influência da Lua cheia.” O significado figurativo de lunático vem daí. Afinal, se 65% dos nossos corpos é feito de água, como não ser afetado pela Lua, como as marés?

Em 1842, crateras por telescópio Foto: John Herschel
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Uma das fotos da Lua mais famosas da história é Moonrise Over Hernandez, do americano Ansel Adams, que morreu em 1984. A foto teve mais de 1.400 cópias feitas durante a vida de Adams e depois. Ela é linda, feita no Novo México com negativo de grande formato, e já arrecadou mais de US$ 25 milhões de dólares em vendas. Qualquer leilão de fotografias nos Estados Unidos hoje oferece uma cópia da Moonrise. Os preços ultrapassam os US$ 600 mil e nunca há oferta suficiente para satisfazer a demanda. Uma curiosidade: como Adams não costumava anotar as datas de suas fotos, foram astrônomos que se reuniram e constataram que a aquela Lua só podia ser a do Halloween de 1941.

Moonrise Over Hernandez, de 1941: vendas US$ 25 milhões Foto: Ansel Adams

Outro grande fotógrafo que fez uma foto famosa da Lua foi o belga Edward Steichen, para mim o melhor de todos os tempos. Em 1904, ele fotografou a Lua nascendo atrás de um bosque em Mamaroneck, no Estado de Nova York. É uma das primeiras fotografias coloridas e também uma das mais caras. Seu exemplar único foi vendido por US$ 2,9 milhões em 2006. 

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Uma das primeiras coloridas, quase uma pintura (1904) Foto: Edward Steichen

Estou citando esses mestres da arte e da fotografia porque outros dois pensamentos me ocorrem aqui, diante do computador, enquanto olho para essa exagerada constelação de fotografias do Projeto Apollo. O primeiro pensamento: é mesmo incrível o fascínio e a sedução que a Lua sempre despertou no homem. Gente das mais diversas áreas a “rondaram” ao longo da história, de poetas e psicólogos a cientistas. O segundo pensamento não passa de uma elucubração bem particular: e se a Nasa tivesse levado nas missões um fotógrafo de ofício? Porque a grande maioria das imagens no Flickr são bem desinteressantes, repetitivas. Estar no lugar certo na hora certa é só um dos elementos importantes em uma foto. Faltou certa sofisticação do olhar que transforma fotos particulares em fotos universais. Mas quem? Cartier-Bresson? Nah, ele se sentiria limitado demais naquela roupa toda, sem poder flanar na falta de gravidade. Andreas Gursky? A atual estrela da fotografia mundial teria muitas dificuldades para montar sua câmera de grande formato sobre o terreno lunar, com baixa gravidade. Nan Goldin? Apesar de ser especialista em fotos da noite, morreria de tédio trancada dentro de uma espaçonave. Richard Avedon? Um esteta que a ocasião certamente pediria, mas ele precisaria de astronautas sensuais e femininas para render alguma coisa. Fico então com o Sebastião Salgado, um globetrotter com fino instinto documentarista e grande senso estético.

Agora os americanos voltam a falar em conquista espacial, colonização de Marte, etc. Quem sabe desta vez pensem mandar um fotógrafo-astronauta. Se puder levar a minha namorada, um laptop, alguns filmes e livros, tô nessa!

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CLAUDIO EDINGER É FOTÓGRAFO, ESCRITOR, AUTOR DE 15 LIVROS DE FOTOGRAFIA E UM ROMANCE E PROFESSOR DE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NA CASA DO SABER. SEU PRÓXIMO LIVRO, MACHINA MUNDI - O TECIDO DO MUNDO, DE FOTOS AÉREAS, SERÁ LANÇADO NO ANO QUE VEM  

No começo da década de 70 eu era um jovem de 19 anos chegando pela primeira vez a Nova York. Era uma manhã fria e eu, com toda a ousadia que essa idade nos permite, queria conhecer a capital do mundo. Peguei um taxi no aeroporto e o motorista, um porto-riquenho cinquentão, ouvia uma radio em espanhol que trazia as notícias do fim do Projeto Apollo, da Nasa. Os americanos haviam pousado na Lua quatro anos antes, em julho de 1969, para espanto e desconfiança de boa parte do mundo, incluindo o meu chofer. “Isso aí foi tudo mentira”, ele disse, com desprezo e convicção. “Tudo montado em Hollywood, para a CIA convencer o mundo da superioridade americana.”

Lembrei daquela minha estreia nova-iorquina quando abri o Flickr para espiar as “novas” fotos do Projeto Apollo que entraram no ar. Lá se vão quase 40 anos. E o que vejo é uma imensidão tão exagerada quanto a Via Láctea: no Project Apollo Archive, a Nasa liberou 13 mil fotografias de suas aventuras lunares. São todas as imagens realizadas pelos astronautas americanos em onze anos de missões tripuladas, de 1961 a 1972. Imagens em alta resolução e trazendo ainda - se você procurar bem naquele céu escuro e às vezes fora de foco - alguma fascinação. 

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A iniciativa partiu de um diretor de tecnologia da informação da Virgínia, Kipp Teague, que por mais de 15 anos trabalhou no arquivo fotográfico do Projeto Apollo. Em 1999, ele começou a escanear os negativos e publicar parte deles na web, depois de fazer pequenas correções de cor, brilho e contraste. Recebeu uma chuva de críticas e questionamentos, até que achou melhor criar o Flickr, a mais popular das plataformas de fotos na internet, e subir as fotos in natura, ou seja, sem nenhum tipo de edição. 

Hoje, vendo as imagens da peripécia espacial americana, fico pensando que o taxista porto-riquenho tinha lá suas razões. Todas estas fotos poderiam perfeitamente ser enganações, feitas num estúdio de cinema. Existe um verbete inteiro da Wikipédia sobre o que há de esquisito no tema. Algumas imagens teriam sombras “erradas”, raras mostram estrelas e nenhuma registra marcas no solo deixadas pelo módulo de pouso. Sem falar que, na época, os Estados Unidos eram chefiados pelo presidente mais mentiroso da história, Richard “Tricky Dicky” Nixon. Os americanos gastaram US$ 30 bilhões em seu programa espacial, grana suficiente para fazer 3.000 filmes com orçamento de US$ 10 milhões, que foi quanto custou o intergaláctico 2001 - Uma Odisseia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick em 1968, um ano antes do pouso tripulado na Lua. Mas seria tanta gente envolvida para mentir, centenas, milhares, que é difícil acreditar que a farsa nunca tenha vazado. Houve várias tentativas, como o livro We Never Went to the Moon, de Bill Kaysing, antigo funcionário da fábrica de foguetes Rockwell International. Só que até hoje nenhum cientista sério assinou embaixo dessas teorias da conspiração.

Fotograficamente falando, porém, dá o que pensar. Fotografia é puro vodu, uma arte que transforma e alimenta nossa imaginação, nossas aspirações, nossos sonhos. No espaço, os astronautas carregavam câmeras Hasselblad 500 EL especialmente desenhadas para a missão. Elas tinham lubrificantes e filmes próprios, criados para não derreterem no calor ou condensarem no frio extremo. A Hassel 500 EL era motorizada e o filme de 70 mm permitiu fazer 123 imagens no primeiro pouso na Lua. Os astronautas as levavam presas ao peito, sempre apontadas para frente, e criavam imagens comprimindo um disparador especial. Não era uma câmera simples de operar. Por isso, eles treinaram durante anos, levando-as em viagens de férias com a família, a fim aprender a utilizá-las até de olhos fechados. Graças em parte ao equipamento, acho que o tipo de imagens obtidas no Projeto Apollo, com suas texturas, o desfoque dos segundos-planos, os tons esmaecidos, aquelas sombras duras na superfície da Lua, características que nos remetem ao cinema dos anos 70, tudo isso ajuda a alimentar o nosso imaginário. 

As fotos à distância das crateras lunares e aquele relevo acinzentado e indecifrável poderiam muito bem ter sido feitas com ajuda de um telescópio, por exemplo. No começo do século 17, Galileu Galilei viu pela primeira vez as crateras da Lua de perto. Ele desenhou e construiu uma versão aprimorada de um telescópio (que acabara de ser inventado na Holanda) e, com isso, percebeu que o nosso planeta girava em torno do Sol. Uma descoberta revolucionária que fez Galileu pagar o pato por dizer que a Terra não era o centro do universo. 

Duzentos anos mais tarde, em 1842, o astrônomo e matemático inglês John Herschel se valeu também do telescópio para fotografar a Lua pela primeira vez. Fazia só três anos que a fotografia tinha sido inventada. Herschel foi o primeiro a gravar uma imagem em um negativo de vidro e a dar o nome de “foto-grafia” para a própria. Foi com aquelas fotos que Herschel fez da Lua, lindíssimas, que começava o sonho da conquista espacial. Não duvido que Van Gogh tenha se interessado por elas quando pintou, 40 anos depois, seu famoso Starry Night, um dos primeiros e de longe o mais belo quadro sobre a Lua (e as estrelas). No próprio século 19, advogados alegavam que seus clientes eram inocentes por agir “sob a influência da Lua cheia.” O significado figurativo de lunático vem daí. Afinal, se 65% dos nossos corpos é feito de água, como não ser afetado pela Lua, como as marés?

Em 1842, crateras por telescópio Foto: John Herschel

Uma das fotos da Lua mais famosas da história é Moonrise Over Hernandez, do americano Ansel Adams, que morreu em 1984. A foto teve mais de 1.400 cópias feitas durante a vida de Adams e depois. Ela é linda, feita no Novo México com negativo de grande formato, e já arrecadou mais de US$ 25 milhões de dólares em vendas. Qualquer leilão de fotografias nos Estados Unidos hoje oferece uma cópia da Moonrise. Os preços ultrapassam os US$ 600 mil e nunca há oferta suficiente para satisfazer a demanda. Uma curiosidade: como Adams não costumava anotar as datas de suas fotos, foram astrônomos que se reuniram e constataram que a aquela Lua só podia ser a do Halloween de 1941.

Moonrise Over Hernandez, de 1941: vendas US$ 25 milhões Foto: Ansel Adams

Outro grande fotógrafo que fez uma foto famosa da Lua foi o belga Edward Steichen, para mim o melhor de todos os tempos. Em 1904, ele fotografou a Lua nascendo atrás de um bosque em Mamaroneck, no Estado de Nova York. É uma das primeiras fotografias coloridas e também uma das mais caras. Seu exemplar único foi vendido por US$ 2,9 milhões em 2006. 

Uma das primeiras coloridas, quase uma pintura (1904) Foto: Edward Steichen

Estou citando esses mestres da arte e da fotografia porque outros dois pensamentos me ocorrem aqui, diante do computador, enquanto olho para essa exagerada constelação de fotografias do Projeto Apollo. O primeiro pensamento: é mesmo incrível o fascínio e a sedução que a Lua sempre despertou no homem. Gente das mais diversas áreas a “rondaram” ao longo da história, de poetas e psicólogos a cientistas. O segundo pensamento não passa de uma elucubração bem particular: e se a Nasa tivesse levado nas missões um fotógrafo de ofício? Porque a grande maioria das imagens no Flickr são bem desinteressantes, repetitivas. Estar no lugar certo na hora certa é só um dos elementos importantes em uma foto. Faltou certa sofisticação do olhar que transforma fotos particulares em fotos universais. Mas quem? Cartier-Bresson? Nah, ele se sentiria limitado demais naquela roupa toda, sem poder flanar na falta de gravidade. Andreas Gursky? A atual estrela da fotografia mundial teria muitas dificuldades para montar sua câmera de grande formato sobre o terreno lunar, com baixa gravidade. Nan Goldin? Apesar de ser especialista em fotos da noite, morreria de tédio trancada dentro de uma espaçonave. Richard Avedon? Um esteta que a ocasião certamente pediria, mas ele precisaria de astronautas sensuais e femininas para render alguma coisa. Fico então com o Sebastião Salgado, um globetrotter com fino instinto documentarista e grande senso estético.

Agora os americanos voltam a falar em conquista espacial, colonização de Marte, etc. Quem sabe desta vez pensem mandar um fotógrafo-astronauta. Se puder levar a minha namorada, um laptop, alguns filmes e livros, tô nessa!

CLAUDIO EDINGER É FOTÓGRAFO, ESCRITOR, AUTOR DE 15 LIVROS DE FOTOGRAFIA E UM ROMANCE E PROFESSOR DE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NA CASA DO SABER. SEU PRÓXIMO LIVRO, MACHINA MUNDI - O TECIDO DO MUNDO, DE FOTOS AÉREAS, SERÁ LANÇADO NO ANO QUE VEM  

No começo da década de 70 eu era um jovem de 19 anos chegando pela primeira vez a Nova York. Era uma manhã fria e eu, com toda a ousadia que essa idade nos permite, queria conhecer a capital do mundo. Peguei um taxi no aeroporto e o motorista, um porto-riquenho cinquentão, ouvia uma radio em espanhol que trazia as notícias do fim do Projeto Apollo, da Nasa. Os americanos haviam pousado na Lua quatro anos antes, em julho de 1969, para espanto e desconfiança de boa parte do mundo, incluindo o meu chofer. “Isso aí foi tudo mentira”, ele disse, com desprezo e convicção. “Tudo montado em Hollywood, para a CIA convencer o mundo da superioridade americana.”

Lembrei daquela minha estreia nova-iorquina quando abri o Flickr para espiar as “novas” fotos do Projeto Apollo que entraram no ar. Lá se vão quase 40 anos. E o que vejo é uma imensidão tão exagerada quanto a Via Láctea: no Project Apollo Archive, a Nasa liberou 13 mil fotografias de suas aventuras lunares. São todas as imagens realizadas pelos astronautas americanos em onze anos de missões tripuladas, de 1961 a 1972. Imagens em alta resolução e trazendo ainda - se você procurar bem naquele céu escuro e às vezes fora de foco - alguma fascinação. 

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Hoje, vendo as imagens da peripécia espacial americana, fico pensando que o taxista porto-riquenho tinha lá suas razões. Todas estas fotos poderiam perfeitamente ser enganações, feitas num estúdio de cinema. Existe um verbete inteiro da Wikipédia sobre o que há de esquisito no tema. Algumas imagens teriam sombras “erradas”, raras mostram estrelas e nenhuma registra marcas no solo deixadas pelo módulo de pouso. Sem falar que, na época, os Estados Unidos eram chefiados pelo presidente mais mentiroso da história, Richard “Tricky Dicky” Nixon. Os americanos gastaram US$ 30 bilhões em seu programa espacial, grana suficiente para fazer 3.000 filmes com orçamento de US$ 10 milhões, que foi quanto custou o intergaláctico 2001 - Uma Odisseia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick em 1968, um ano antes do pouso tripulado na Lua. Mas seria tanta gente envolvida para mentir, centenas, milhares, que é difícil acreditar que a farsa nunca tenha vazado. Houve várias tentativas, como o livro We Never Went to the Moon, de Bill Kaysing, antigo funcionário da fábrica de foguetes Rockwell International. Só que até hoje nenhum cientista sério assinou embaixo dessas teorias da conspiração.

Fotograficamente falando, porém, dá o que pensar. Fotografia é puro vodu, uma arte que transforma e alimenta nossa imaginação, nossas aspirações, nossos sonhos. No espaço, os astronautas carregavam câmeras Hasselblad 500 EL especialmente desenhadas para a missão. Elas tinham lubrificantes e filmes próprios, criados para não derreterem no calor ou condensarem no frio extremo. A Hassel 500 EL era motorizada e o filme de 70 mm permitiu fazer 123 imagens no primeiro pouso na Lua. Os astronautas as levavam presas ao peito, sempre apontadas para frente, e criavam imagens comprimindo um disparador especial. Não era uma câmera simples de operar. Por isso, eles treinaram durante anos, levando-as em viagens de férias com a família, a fim aprender a utilizá-las até de olhos fechados. Graças em parte ao equipamento, acho que o tipo de imagens obtidas no Projeto Apollo, com suas texturas, o desfoque dos segundos-planos, os tons esmaecidos, aquelas sombras duras na superfície da Lua, características que nos remetem ao cinema dos anos 70, tudo isso ajuda a alimentar o nosso imaginário. 

As fotos à distância das crateras lunares e aquele relevo acinzentado e indecifrável poderiam muito bem ter sido feitas com ajuda de um telescópio, por exemplo. No começo do século 17, Galileu Galilei viu pela primeira vez as crateras da Lua de perto. Ele desenhou e construiu uma versão aprimorada de um telescópio (que acabara de ser inventado na Holanda) e, com isso, percebeu que o nosso planeta girava em torno do Sol. Uma descoberta revolucionária que fez Galileu pagar o pato por dizer que a Terra não era o centro do universo. 

Duzentos anos mais tarde, em 1842, o astrônomo e matemático inglês John Herschel se valeu também do telescópio para fotografar a Lua pela primeira vez. Fazia só três anos que a fotografia tinha sido inventada. Herschel foi o primeiro a gravar uma imagem em um negativo de vidro e a dar o nome de “foto-grafia” para a própria. Foi com aquelas fotos que Herschel fez da Lua, lindíssimas, que começava o sonho da conquista espacial. Não duvido que Van Gogh tenha se interessado por elas quando pintou, 40 anos depois, seu famoso Starry Night, um dos primeiros e de longe o mais belo quadro sobre a Lua (e as estrelas). No próprio século 19, advogados alegavam que seus clientes eram inocentes por agir “sob a influência da Lua cheia.” O significado figurativo de lunático vem daí. Afinal, se 65% dos nossos corpos é feito de água, como não ser afetado pela Lua, como as marés?

Em 1842, crateras por telescópio Foto: John Herschel

Uma das fotos da Lua mais famosas da história é Moonrise Over Hernandez, do americano Ansel Adams, que morreu em 1984. A foto teve mais de 1.400 cópias feitas durante a vida de Adams e depois. Ela é linda, feita no Novo México com negativo de grande formato, e já arrecadou mais de US$ 25 milhões de dólares em vendas. Qualquer leilão de fotografias nos Estados Unidos hoje oferece uma cópia da Moonrise. Os preços ultrapassam os US$ 600 mil e nunca há oferta suficiente para satisfazer a demanda. Uma curiosidade: como Adams não costumava anotar as datas de suas fotos, foram astrônomos que se reuniram e constataram que a aquela Lua só podia ser a do Halloween de 1941.

Moonrise Over Hernandez, de 1941: vendas US$ 25 milhões Foto: Ansel Adams

Outro grande fotógrafo que fez uma foto famosa da Lua foi o belga Edward Steichen, para mim o melhor de todos os tempos. Em 1904, ele fotografou a Lua nascendo atrás de um bosque em Mamaroneck, no Estado de Nova York. É uma das primeiras fotografias coloridas e também uma das mais caras. Seu exemplar único foi vendido por US$ 2,9 milhões em 2006. 

Uma das primeiras coloridas, quase uma pintura (1904) Foto: Edward Steichen

Estou citando esses mestres da arte e da fotografia porque outros dois pensamentos me ocorrem aqui, diante do computador, enquanto olho para essa exagerada constelação de fotografias do Projeto Apollo. O primeiro pensamento: é mesmo incrível o fascínio e a sedução que a Lua sempre despertou no homem. Gente das mais diversas áreas a “rondaram” ao longo da história, de poetas e psicólogos a cientistas. O segundo pensamento não passa de uma elucubração bem particular: e se a Nasa tivesse levado nas missões um fotógrafo de ofício? Porque a grande maioria das imagens no Flickr são bem desinteressantes, repetitivas. Estar no lugar certo na hora certa é só um dos elementos importantes em uma foto. Faltou certa sofisticação do olhar que transforma fotos particulares em fotos universais. Mas quem? Cartier-Bresson? Nah, ele se sentiria limitado demais naquela roupa toda, sem poder flanar na falta de gravidade. Andreas Gursky? A atual estrela da fotografia mundial teria muitas dificuldades para montar sua câmera de grande formato sobre o terreno lunar, com baixa gravidade. Nan Goldin? Apesar de ser especialista em fotos da noite, morreria de tédio trancada dentro de uma espaçonave. Richard Avedon? Um esteta que a ocasião certamente pediria, mas ele precisaria de astronautas sensuais e femininas para render alguma coisa. Fico então com o Sebastião Salgado, um globetrotter com fino instinto documentarista e grande senso estético.

Agora os americanos voltam a falar em conquista espacial, colonização de Marte, etc. Quem sabe desta vez pensem mandar um fotógrafo-astronauta. Se puder levar a minha namorada, um laptop, alguns filmes e livros, tô nessa!

CLAUDIO EDINGER É FOTÓGRAFO, ESCRITOR, AUTOR DE 15 LIVROS DE FOTOGRAFIA E UM ROMANCE E PROFESSOR DE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NA CASA DO SABER. SEU PRÓXIMO LIVRO, MACHINA MUNDI - O TECIDO DO MUNDO, DE FOTOS AÉREAS, SERÁ LANÇADO NO ANO QUE VEM  

No começo da década de 70 eu era um jovem de 19 anos chegando pela primeira vez a Nova York. Era uma manhã fria e eu, com toda a ousadia que essa idade nos permite, queria conhecer a capital do mundo. Peguei um taxi no aeroporto e o motorista, um porto-riquenho cinquentão, ouvia uma radio em espanhol que trazia as notícias do fim do Projeto Apollo, da Nasa. Os americanos haviam pousado na Lua quatro anos antes, em julho de 1969, para espanto e desconfiança de boa parte do mundo, incluindo o meu chofer. “Isso aí foi tudo mentira”, ele disse, com desprezo e convicção. “Tudo montado em Hollywood, para a CIA convencer o mundo da superioridade americana.”

Lembrei daquela minha estreia nova-iorquina quando abri o Flickr para espiar as “novas” fotos do Projeto Apollo que entraram no ar. Lá se vão quase 40 anos. E o que vejo é uma imensidão tão exagerada quanto a Via Láctea: no Project Apollo Archive, a Nasa liberou 13 mil fotografias de suas aventuras lunares. São todas as imagens realizadas pelos astronautas americanos em onze anos de missões tripuladas, de 1961 a 1972. Imagens em alta resolução e trazendo ainda - se você procurar bem naquele céu escuro e às vezes fora de foco - alguma fascinação. 

HOMEM NA LUA

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Foto: PROJECT APOLLO ARCHIVE
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Foto: PROJECT APOLLO ARCHIVE

A iniciativa partiu de um diretor de tecnologia da informação da Virgínia, Kipp Teague, que por mais de 15 anos trabalhou no arquivo fotográfico do Projeto Apollo. Em 1999, ele começou a escanear os negativos e publicar parte deles na web, depois de fazer pequenas correções de cor, brilho e contraste. Recebeu uma chuva de críticas e questionamentos, até que achou melhor criar o Flickr, a mais popular das plataformas de fotos na internet, e subir as fotos in natura, ou seja, sem nenhum tipo de edição. 

Hoje, vendo as imagens da peripécia espacial americana, fico pensando que o taxista porto-riquenho tinha lá suas razões. Todas estas fotos poderiam perfeitamente ser enganações, feitas num estúdio de cinema. Existe um verbete inteiro da Wikipédia sobre o que há de esquisito no tema. Algumas imagens teriam sombras “erradas”, raras mostram estrelas e nenhuma registra marcas no solo deixadas pelo módulo de pouso. Sem falar que, na época, os Estados Unidos eram chefiados pelo presidente mais mentiroso da história, Richard “Tricky Dicky” Nixon. Os americanos gastaram US$ 30 bilhões em seu programa espacial, grana suficiente para fazer 3.000 filmes com orçamento de US$ 10 milhões, que foi quanto custou o intergaláctico 2001 - Uma Odisseia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick em 1968, um ano antes do pouso tripulado na Lua. Mas seria tanta gente envolvida para mentir, centenas, milhares, que é difícil acreditar que a farsa nunca tenha vazado. Houve várias tentativas, como o livro We Never Went to the Moon, de Bill Kaysing, antigo funcionário da fábrica de foguetes Rockwell International. Só que até hoje nenhum cientista sério assinou embaixo dessas teorias da conspiração.

Fotograficamente falando, porém, dá o que pensar. Fotografia é puro vodu, uma arte que transforma e alimenta nossa imaginação, nossas aspirações, nossos sonhos. No espaço, os astronautas carregavam câmeras Hasselblad 500 EL especialmente desenhadas para a missão. Elas tinham lubrificantes e filmes próprios, criados para não derreterem no calor ou condensarem no frio extremo. A Hassel 500 EL era motorizada e o filme de 70 mm permitiu fazer 123 imagens no primeiro pouso na Lua. Os astronautas as levavam presas ao peito, sempre apontadas para frente, e criavam imagens comprimindo um disparador especial. Não era uma câmera simples de operar. Por isso, eles treinaram durante anos, levando-as em viagens de férias com a família, a fim aprender a utilizá-las até de olhos fechados. Graças em parte ao equipamento, acho que o tipo de imagens obtidas no Projeto Apollo, com suas texturas, o desfoque dos segundos-planos, os tons esmaecidos, aquelas sombras duras na superfície da Lua, características que nos remetem ao cinema dos anos 70, tudo isso ajuda a alimentar o nosso imaginário. 

As fotos à distância das crateras lunares e aquele relevo acinzentado e indecifrável poderiam muito bem ter sido feitas com ajuda de um telescópio, por exemplo. No começo do século 17, Galileu Galilei viu pela primeira vez as crateras da Lua de perto. Ele desenhou e construiu uma versão aprimorada de um telescópio (que acabara de ser inventado na Holanda) e, com isso, percebeu que o nosso planeta girava em torno do Sol. Uma descoberta revolucionária que fez Galileu pagar o pato por dizer que a Terra não era o centro do universo. 

Duzentos anos mais tarde, em 1842, o astrônomo e matemático inglês John Herschel se valeu também do telescópio para fotografar a Lua pela primeira vez. Fazia só três anos que a fotografia tinha sido inventada. Herschel foi o primeiro a gravar uma imagem em um negativo de vidro e a dar o nome de “foto-grafia” para a própria. Foi com aquelas fotos que Herschel fez da Lua, lindíssimas, que começava o sonho da conquista espacial. Não duvido que Van Gogh tenha se interessado por elas quando pintou, 40 anos depois, seu famoso Starry Night, um dos primeiros e de longe o mais belo quadro sobre a Lua (e as estrelas). No próprio século 19, advogados alegavam que seus clientes eram inocentes por agir “sob a influência da Lua cheia.” O significado figurativo de lunático vem daí. Afinal, se 65% dos nossos corpos é feito de água, como não ser afetado pela Lua, como as marés?

Em 1842, crateras por telescópio Foto: John Herschel

Uma das fotos da Lua mais famosas da história é Moonrise Over Hernandez, do americano Ansel Adams, que morreu em 1984. A foto teve mais de 1.400 cópias feitas durante a vida de Adams e depois. Ela é linda, feita no Novo México com negativo de grande formato, e já arrecadou mais de US$ 25 milhões de dólares em vendas. Qualquer leilão de fotografias nos Estados Unidos hoje oferece uma cópia da Moonrise. Os preços ultrapassam os US$ 600 mil e nunca há oferta suficiente para satisfazer a demanda. Uma curiosidade: como Adams não costumava anotar as datas de suas fotos, foram astrônomos que se reuniram e constataram que a aquela Lua só podia ser a do Halloween de 1941.

Moonrise Over Hernandez, de 1941: vendas US$ 25 milhões Foto: Ansel Adams

Outro grande fotógrafo que fez uma foto famosa da Lua foi o belga Edward Steichen, para mim o melhor de todos os tempos. Em 1904, ele fotografou a Lua nascendo atrás de um bosque em Mamaroneck, no Estado de Nova York. É uma das primeiras fotografias coloridas e também uma das mais caras. Seu exemplar único foi vendido por US$ 2,9 milhões em 2006. 

Uma das primeiras coloridas, quase uma pintura (1904) Foto: Edward Steichen

Estou citando esses mestres da arte e da fotografia porque outros dois pensamentos me ocorrem aqui, diante do computador, enquanto olho para essa exagerada constelação de fotografias do Projeto Apollo. O primeiro pensamento: é mesmo incrível o fascínio e a sedução que a Lua sempre despertou no homem. Gente das mais diversas áreas a “rondaram” ao longo da história, de poetas e psicólogos a cientistas. O segundo pensamento não passa de uma elucubração bem particular: e se a Nasa tivesse levado nas missões um fotógrafo de ofício? Porque a grande maioria das imagens no Flickr são bem desinteressantes, repetitivas. Estar no lugar certo na hora certa é só um dos elementos importantes em uma foto. Faltou certa sofisticação do olhar que transforma fotos particulares em fotos universais. Mas quem? Cartier-Bresson? Nah, ele se sentiria limitado demais naquela roupa toda, sem poder flanar na falta de gravidade. Andreas Gursky? A atual estrela da fotografia mundial teria muitas dificuldades para montar sua câmera de grande formato sobre o terreno lunar, com baixa gravidade. Nan Goldin? Apesar de ser especialista em fotos da noite, morreria de tédio trancada dentro de uma espaçonave. Richard Avedon? Um esteta que a ocasião certamente pediria, mas ele precisaria de astronautas sensuais e femininas para render alguma coisa. Fico então com o Sebastião Salgado, um globetrotter com fino instinto documentarista e grande senso estético.

Agora os americanos voltam a falar em conquista espacial, colonização de Marte, etc. Quem sabe desta vez pensem mandar um fotógrafo-astronauta. Se puder levar a minha namorada, um laptop, alguns filmes e livros, tô nessa!

CLAUDIO EDINGER É FOTÓGRAFO, ESCRITOR, AUTOR DE 15 LIVROS DE FOTOGRAFIA E UM ROMANCE E PROFESSOR DE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NA CASA DO SABER. SEU PRÓXIMO LIVRO, MACHINA MUNDI - O TECIDO DO MUNDO, DE FOTOS AÉREAS, SERÁ LANÇADO NO ANO QUE VEM  

No começo da década de 70 eu era um jovem de 19 anos chegando pela primeira vez a Nova York. Era uma manhã fria e eu, com toda a ousadia que essa idade nos permite, queria conhecer a capital do mundo. Peguei um taxi no aeroporto e o motorista, um porto-riquenho cinquentão, ouvia uma radio em espanhol que trazia as notícias do fim do Projeto Apollo, da Nasa. Os americanos haviam pousado na Lua quatro anos antes, em julho de 1969, para espanto e desconfiança de boa parte do mundo, incluindo o meu chofer. “Isso aí foi tudo mentira”, ele disse, com desprezo e convicção. “Tudo montado em Hollywood, para a CIA convencer o mundo da superioridade americana.”

Lembrei daquela minha estreia nova-iorquina quando abri o Flickr para espiar as “novas” fotos do Projeto Apollo que entraram no ar. Lá se vão quase 40 anos. E o que vejo é uma imensidão tão exagerada quanto a Via Láctea: no Project Apollo Archive, a Nasa liberou 13 mil fotografias de suas aventuras lunares. São todas as imagens realizadas pelos astronautas americanos em onze anos de missões tripuladas, de 1961 a 1972. Imagens em alta resolução e trazendo ainda - se você procurar bem naquele céu escuro e às vezes fora de foco - alguma fascinação. 

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A iniciativa partiu de um diretor de tecnologia da informação da Virgínia, Kipp Teague, que por mais de 15 anos trabalhou no arquivo fotográfico do Projeto Apollo. Em 1999, ele começou a escanear os negativos e publicar parte deles na web, depois de fazer pequenas correções de cor, brilho e contraste. Recebeu uma chuva de críticas e questionamentos, até que achou melhor criar o Flickr, a mais popular das plataformas de fotos na internet, e subir as fotos in natura, ou seja, sem nenhum tipo de edição. 

Hoje, vendo as imagens da peripécia espacial americana, fico pensando que o taxista porto-riquenho tinha lá suas razões. Todas estas fotos poderiam perfeitamente ser enganações, feitas num estúdio de cinema. Existe um verbete inteiro da Wikipédia sobre o que há de esquisito no tema. Algumas imagens teriam sombras “erradas”, raras mostram estrelas e nenhuma registra marcas no solo deixadas pelo módulo de pouso. Sem falar que, na época, os Estados Unidos eram chefiados pelo presidente mais mentiroso da história, Richard “Tricky Dicky” Nixon. Os americanos gastaram US$ 30 bilhões em seu programa espacial, grana suficiente para fazer 3.000 filmes com orçamento de US$ 10 milhões, que foi quanto custou o intergaláctico 2001 - Uma Odisseia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick em 1968, um ano antes do pouso tripulado na Lua. Mas seria tanta gente envolvida para mentir, centenas, milhares, que é difícil acreditar que a farsa nunca tenha vazado. Houve várias tentativas, como o livro We Never Went to the Moon, de Bill Kaysing, antigo funcionário da fábrica de foguetes Rockwell International. Só que até hoje nenhum cientista sério assinou embaixo dessas teorias da conspiração.

Fotograficamente falando, porém, dá o que pensar. Fotografia é puro vodu, uma arte que transforma e alimenta nossa imaginação, nossas aspirações, nossos sonhos. No espaço, os astronautas carregavam câmeras Hasselblad 500 EL especialmente desenhadas para a missão. Elas tinham lubrificantes e filmes próprios, criados para não derreterem no calor ou condensarem no frio extremo. A Hassel 500 EL era motorizada e o filme de 70 mm permitiu fazer 123 imagens no primeiro pouso na Lua. Os astronautas as levavam presas ao peito, sempre apontadas para frente, e criavam imagens comprimindo um disparador especial. Não era uma câmera simples de operar. Por isso, eles treinaram durante anos, levando-as em viagens de férias com a família, a fim aprender a utilizá-las até de olhos fechados. Graças em parte ao equipamento, acho que o tipo de imagens obtidas no Projeto Apollo, com suas texturas, o desfoque dos segundos-planos, os tons esmaecidos, aquelas sombras duras na superfície da Lua, características que nos remetem ao cinema dos anos 70, tudo isso ajuda a alimentar o nosso imaginário. 

As fotos à distância das crateras lunares e aquele relevo acinzentado e indecifrável poderiam muito bem ter sido feitas com ajuda de um telescópio, por exemplo. No começo do século 17, Galileu Galilei viu pela primeira vez as crateras da Lua de perto. Ele desenhou e construiu uma versão aprimorada de um telescópio (que acabara de ser inventado na Holanda) e, com isso, percebeu que o nosso planeta girava em torno do Sol. Uma descoberta revolucionária que fez Galileu pagar o pato por dizer que a Terra não era o centro do universo. 

Duzentos anos mais tarde, em 1842, o astrônomo e matemático inglês John Herschel se valeu também do telescópio para fotografar a Lua pela primeira vez. Fazia só três anos que a fotografia tinha sido inventada. Herschel foi o primeiro a gravar uma imagem em um negativo de vidro e a dar o nome de “foto-grafia” para a própria. Foi com aquelas fotos que Herschel fez da Lua, lindíssimas, que começava o sonho da conquista espacial. Não duvido que Van Gogh tenha se interessado por elas quando pintou, 40 anos depois, seu famoso Starry Night, um dos primeiros e de longe o mais belo quadro sobre a Lua (e as estrelas). No próprio século 19, advogados alegavam que seus clientes eram inocentes por agir “sob a influência da Lua cheia.” O significado figurativo de lunático vem daí. Afinal, se 65% dos nossos corpos é feito de água, como não ser afetado pela Lua, como as marés?

Em 1842, crateras por telescópio Foto: John Herschel

Uma das fotos da Lua mais famosas da história é Moonrise Over Hernandez, do americano Ansel Adams, que morreu em 1984. A foto teve mais de 1.400 cópias feitas durante a vida de Adams e depois. Ela é linda, feita no Novo México com negativo de grande formato, e já arrecadou mais de US$ 25 milhões de dólares em vendas. Qualquer leilão de fotografias nos Estados Unidos hoje oferece uma cópia da Moonrise. Os preços ultrapassam os US$ 600 mil e nunca há oferta suficiente para satisfazer a demanda. Uma curiosidade: como Adams não costumava anotar as datas de suas fotos, foram astrônomos que se reuniram e constataram que a aquela Lua só podia ser a do Halloween de 1941.

Moonrise Over Hernandez, de 1941: vendas US$ 25 milhões Foto: Ansel Adams

Outro grande fotógrafo que fez uma foto famosa da Lua foi o belga Edward Steichen, para mim o melhor de todos os tempos. Em 1904, ele fotografou a Lua nascendo atrás de um bosque em Mamaroneck, no Estado de Nova York. É uma das primeiras fotografias coloridas e também uma das mais caras. Seu exemplar único foi vendido por US$ 2,9 milhões em 2006. 

Uma das primeiras coloridas, quase uma pintura (1904) Foto: Edward Steichen

Estou citando esses mestres da arte e da fotografia porque outros dois pensamentos me ocorrem aqui, diante do computador, enquanto olho para essa exagerada constelação de fotografias do Projeto Apollo. O primeiro pensamento: é mesmo incrível o fascínio e a sedução que a Lua sempre despertou no homem. Gente das mais diversas áreas a “rondaram” ao longo da história, de poetas e psicólogos a cientistas. O segundo pensamento não passa de uma elucubração bem particular: e se a Nasa tivesse levado nas missões um fotógrafo de ofício? Porque a grande maioria das imagens no Flickr são bem desinteressantes, repetitivas. Estar no lugar certo na hora certa é só um dos elementos importantes em uma foto. Faltou certa sofisticação do olhar que transforma fotos particulares em fotos universais. Mas quem? Cartier-Bresson? Nah, ele se sentiria limitado demais naquela roupa toda, sem poder flanar na falta de gravidade. Andreas Gursky? A atual estrela da fotografia mundial teria muitas dificuldades para montar sua câmera de grande formato sobre o terreno lunar, com baixa gravidade. Nan Goldin? Apesar de ser especialista em fotos da noite, morreria de tédio trancada dentro de uma espaçonave. Richard Avedon? Um esteta que a ocasião certamente pediria, mas ele precisaria de astronautas sensuais e femininas para render alguma coisa. Fico então com o Sebastião Salgado, um globetrotter com fino instinto documentarista e grande senso estético.

Agora os americanos voltam a falar em conquista espacial, colonização de Marte, etc. Quem sabe desta vez pensem mandar um fotógrafo-astronauta. Se puder levar a minha namorada, um laptop, alguns filmes e livros, tô nessa!

CLAUDIO EDINGER É FOTÓGRAFO, ESCRITOR, AUTOR DE 15 LIVROS DE FOTOGRAFIA E UM ROMANCE E PROFESSOR DE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NA CASA DO SABER. SEU PRÓXIMO LIVRO, MACHINA MUNDI - O TECIDO DO MUNDO, DE FOTOS AÉREAS, SERÁ LANÇADO NO ANO QUE VEM  

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