Há 30 anos Assis Brasil mantém a mais famosa oficina literária do País


Gaúcho acaba de publicar um novo livro; 600 candidatos a escritor já passaram por suas aulas

Por Maria Fernanda Rodrigues

Na quarta capa do novo romance do gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, lê-se seguinte frase: "Um viverá a notoriedade, a vida pública; o outro, o retiro, a paz do pampa". Refere-se a Humboldt e a Aimé Bonpland, personagens de Figura na Sombra (L&PM), mas faz lembrar o autor e alguns ex-alunos de sua famosa oficina literária. Assis Brasil tem uma longeva, bem-sucedida e tranquila carreira de 36 anos - 19 livros publicados e alguns títulos traduzidos - construída em Porto Alegre, onde vive. Ganhou alguns prêmios - a maioria no Sul mesmo. Mas não viveu um momento como o que, por exemplo, Michel Laub, Daniel Galera e Luisa Geisler - que frequentaram suas aulas de escrita criativa - estão passando.

Eles foram incluídos na Granta Melhores Jovens Autores Brasileiros, fazem tour pela Europa e Estados Unidos para divulgar suas respectivas obras, participam de feiras internacionais e estão na mira de editores de países tão diversos como a Inglaterra e Israel. Andam na casa dos 40, 30 e 20 anos, respectivamente. Já Assis tem 67.

Vários de seus ex-alunos vivem exclusivamente da literatura, têm agentes literários, estão sendo traduzidos e são candidatos a integrar o que se espera ser o novo momento de glória da literatura brasileira porque são bons, claro, e também porque são novidades. Assis Brasil concilia a ficção com as funções que o cargo de secretário de Cultura do Rio Grande do Sul, que ocupa desde 2011, e de professor universitário impõem.

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"Se é jovem, o escritor já ganha pontos a mais. Ninguém quer saber do autor que começa a publicar aos 50. Mas o fato de um escritor merecer atenção, de saída, por força da sua juventude não é algo bom nem mau. Desejo vida literária longa aos que frequentaram minha oficina - eles terão, porém, de conviver com a circunstância de que um dia virão outros mais novos do que eles", reflete o professor.

Algo que o preocupa nessa atual fase de profissionalização da literatura no País é que os autores têm publicado muito - cerca de um livro por ano: "Talvez fosse o caso de se perguntarem se não vão se arrepender depois de ter lançado determinada obra".

O próprio Assis Brasil se arrepende dos primeiros títulos de sua bibliografia; sabe, no entanto, que se não tivesse começado por eles não teria continuado, não teria enjoado de seu estilo e não teria dado uma guinada estética quando, já perto dos 60 e com leitores fiéis, trocou a linguagem mais barroca por períodos curtos. Essa é uma característica presente na produção dos jovens autores que passam por sua oficina, mas ele credita a mudança a uma iluminação que teve com um livro medieval de sua biblioteca, La Chanson de Roland (1090) - gosta de lembrar que a literatura daquele período esbanja essencialidade. Diz que perdeu leitores quando assumiu o novo estilo. Porém, passou a frequentar prêmios literários nacionais. O Pintor de Retratos, o primeiro da nova fase, venceu o Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2001.

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A história de Assis Brasil é como a de muitos escritores. Quando menino, era um bom leitor e elogiado na escola por suas redações. Foi estudar algo que não estava relacionado à literatura: Direito. Durante e depois do curso, foi violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Passados 15 anos, descobriu que sua função ali não dava vazão à criatividade e começou a escrever. Aos 31, lançou o primeiro livro: Um Quarto de Légua em Quarto, que remonta ao povoamento açoriano em seu Estado. São suas raízes. "É o que sempre buscamos, não?" História e personagens reais continuam presentes em seu trabalho.

Na sua época de formação, não havia um Assis Brasil que desse exercícios, comentasse os textos e ensinasse os macetes da ficção. E ele queria aprender. Tomou coragem e foi visitar, no Rio de Janeiro, o escritor Autran Dourado - de quem lera Uma Poética de Romance: Matéria de Carpintaria - com uma lista de perguntas. Fora esse encontro, teve uma formação clássica: aprendeu lendo ficção e teoria, escrevendo, ouvindo os outros, acompanhando as resenhas de jornais. Já tinha meia dúzia de livros publicados quando achou que poderia ajudar os novatos e criou sua oficina, por onde passaram cerca de 600 pessoas em quase 30 anos.

Se é possível ensinar o ofício da escrita é assunto recorrente na academia, na imprensa e na mesa de bar. Fato é que há vários exemplos de oficinas no mundo inteiro e aspirantes a escritor procuram o curso nem que seja para aprender a ter disciplina. "Já passou aquela fase do escritor iluminado, um Balzac. A criação é quando se tem a ideia. Depois é trabalho, reservando espaço para algumas surpresas no caminho. Escrever é reescrever e a teoria oferece possibilidades para o texto", explica. Ele diz ainda que é importante aprender a teoria para depois esquecê-la - e essa deve ser uma tarefa ainda mais difícil para o professor escritor. "Eu preciso dominar a técnica de tal maneira que ela desapareça e eu estabeleça um contato direto entre o que eu penso e o texto."

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Após seis anos escrevendo Figura na Sombra, Assis Brasil conta que há meses não consegue produzir nada. Ocupa-se das tarefas da secretaria, que, aliás, mudaram a rotina de escrita dele. Se antes produzia melhor pela manhã, agora só tem os fins de tarde. Nas horas vagas, lê os clássicos. E "por motivos profissionais", obras de ex-alunos.

Professor e aluno de si. "A oficina é um laboratório e eu participo junto com eles. Falo, e enquanto falo descubro coisas novas." Pelas contas do professor, dos 600 que passaram por lá apenas por uma questão de diletantismo ou busca profissional, 17 seguiram a vocação - há ainda nomes como Paulo Scott, Carol Bensimon e Cíntia Moscovitch. É consenso no meio que todos seriam escritores mesmo que não tivessem feito a oficina, exceto por Luisa Geisler. "De jeito nenhum", diz. Mas Luisa só tem 21 anos e se, quando criança, já escrevia e ilustrava seus livrinhos e vendia para os pais na cozinha de casa, uma hora ela descobriria o talento que Assis viu logo de cara. Ela não tinha 18 anos quando fez a oficina e escreveu, no período das aulas, Contos de Mentira, e logo depois, Quiçá, ambos vencedores do Prêmio Sesc. "Depois foi só ladeira abaixo", brinca a mais jovem autora da Granta brasileira.

Para Michel Laub, vencedor do Prêmio Brasília de Literatura 2012 e finalista das principais premiações deste ano com Diário da Queda, a oficina é um estímulo para quem tem vocação não desistir. "Agora, os autores são bem diferentes entre si. A oficina não formata nada, não tem um modelo a seguir, o que é um dos motivos de seu sucesso", afirma.

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"É possível refinar o talento, ajudar a pessoa a encontrar a própria forma, a voz; mas talento é fundamental", diz Leticia Wierzchowski, autora de A Casa das Sete Mulheres, que virou minissérie da Globo e foi publicado em sete países. "A oficina me deu estofo - além de conforto emocional", diverte-se. No curso, Daniel Galera aprendeu a ler livros e revisar seus textos com rigor, tendo como ponto de partida um conjunto básico de ferramentas teóricas e práticas. Com Assis, aprendeu que "quem tem talento não copia, mas se deixa inspirar pelo trabalho dos outros".

Luisa, Michel, Leticia e Daniel são gaúchos, mas hoje se nota uma pequena peregrinação de aspirantes a escritor para Porto Alegre. "Fico em pânico porque é uma responsabilidade tremenda. E se não der certo? Será que eu tinha que falar para não largarem tudo? Mas posso não estar certo. Tenho que conviver com isso."

O paulista Luís Roberto Amabile é um desses alunos que se mudaram de mala e cuia para o Sul. Deixou um emprego de jornalista em São Paulo, desistiu de comprar um apartamento e, em 2010, foi se dedicar à ficção. Havia outros forasteiros na turma. "Assis se preocupava com isso, perguntava se estava tudo bem, se tínhamos conseguido moradia, oferecia ajuda", lembra. Amabile engatou a oficina com um mestrado em escrita criativa, publicou um livro - O Amor É Um Lugar Estranho (Grua) - e quer fazer doutorado em teoria literária.

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Rigoroso, generoso, gentil, lorde e gentleman foram os adjetivos usados pelos ex-alunos para descrever Assis Brasil. Em 2013, possivelmente eles voltam a se encontrar. Desta vez, nas cerimônias de premiação. "Ficaria muito contente se fosse finalista com meus alunos. Não tenho problema algum com isso. Eu sei o que é a minha literatura. Sei suas qualidades e limitações."

EX-ALUNOS

Leticia Wierzchowski

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Gaúcha nascida em 1972, ganhou fama quando seu 4º romance virou minissérie da Globo. A Casa das Sete Mulheres já foi publicado em sete países

Daniel Galera

Nasceu na capital paulista (1979) e cresceu em Porto Alegre. Ganhou o Prêmio Machado de Assis e tem a francesa Gallimard entre suas editoras estrangeiras

Luisa Geisler

Vencedora do Prêmio Sesc de conto e de romance, a gaúcha de 21 anos é a mais nova autora da Granta. Faz duas faculdades e escreve seu segundo romance

Michel Laub

O gaúcho de 39 venceu o Prêmio Brasília 2012 com seu 5º romance, Diário da Queda, finalista em outras disputas. O livro está sendo traduzido em 9 países

Luís Roberto Amabile

Paulista nascido em 1977, deixou emprego em São Paulo para estudar com Assis em Porto Alegre. Fez mestrado em escrita criativa e lançou livro de contos

 

 

 

FIGURA NA SOMBRA

Autor: Luiz Antonio de Assis Brasil

Editora: L&PM

(264 págs., R$ 39)

 

Na quarta capa do novo romance do gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, lê-se seguinte frase: "Um viverá a notoriedade, a vida pública; o outro, o retiro, a paz do pampa". Refere-se a Humboldt e a Aimé Bonpland, personagens de Figura na Sombra (L&PM), mas faz lembrar o autor e alguns ex-alunos de sua famosa oficina literária. Assis Brasil tem uma longeva, bem-sucedida e tranquila carreira de 36 anos - 19 livros publicados e alguns títulos traduzidos - construída em Porto Alegre, onde vive. Ganhou alguns prêmios - a maioria no Sul mesmo. Mas não viveu um momento como o que, por exemplo, Michel Laub, Daniel Galera e Luisa Geisler - que frequentaram suas aulas de escrita criativa - estão passando.

Eles foram incluídos na Granta Melhores Jovens Autores Brasileiros, fazem tour pela Europa e Estados Unidos para divulgar suas respectivas obras, participam de feiras internacionais e estão na mira de editores de países tão diversos como a Inglaterra e Israel. Andam na casa dos 40, 30 e 20 anos, respectivamente. Já Assis tem 67.

Vários de seus ex-alunos vivem exclusivamente da literatura, têm agentes literários, estão sendo traduzidos e são candidatos a integrar o que se espera ser o novo momento de glória da literatura brasileira porque são bons, claro, e também porque são novidades. Assis Brasil concilia a ficção com as funções que o cargo de secretário de Cultura do Rio Grande do Sul, que ocupa desde 2011, e de professor universitário impõem.

"Se é jovem, o escritor já ganha pontos a mais. Ninguém quer saber do autor que começa a publicar aos 50. Mas o fato de um escritor merecer atenção, de saída, por força da sua juventude não é algo bom nem mau. Desejo vida literária longa aos que frequentaram minha oficina - eles terão, porém, de conviver com a circunstância de que um dia virão outros mais novos do que eles", reflete o professor.

Algo que o preocupa nessa atual fase de profissionalização da literatura no País é que os autores têm publicado muito - cerca de um livro por ano: "Talvez fosse o caso de se perguntarem se não vão se arrepender depois de ter lançado determinada obra".

O próprio Assis Brasil se arrepende dos primeiros títulos de sua bibliografia; sabe, no entanto, que se não tivesse começado por eles não teria continuado, não teria enjoado de seu estilo e não teria dado uma guinada estética quando, já perto dos 60 e com leitores fiéis, trocou a linguagem mais barroca por períodos curtos. Essa é uma característica presente na produção dos jovens autores que passam por sua oficina, mas ele credita a mudança a uma iluminação que teve com um livro medieval de sua biblioteca, La Chanson de Roland (1090) - gosta de lembrar que a literatura daquele período esbanja essencialidade. Diz que perdeu leitores quando assumiu o novo estilo. Porém, passou a frequentar prêmios literários nacionais. O Pintor de Retratos, o primeiro da nova fase, venceu o Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2001.

A história de Assis Brasil é como a de muitos escritores. Quando menino, era um bom leitor e elogiado na escola por suas redações. Foi estudar algo que não estava relacionado à literatura: Direito. Durante e depois do curso, foi violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Passados 15 anos, descobriu que sua função ali não dava vazão à criatividade e começou a escrever. Aos 31, lançou o primeiro livro: Um Quarto de Légua em Quarto, que remonta ao povoamento açoriano em seu Estado. São suas raízes. "É o que sempre buscamos, não?" História e personagens reais continuam presentes em seu trabalho.

Na sua época de formação, não havia um Assis Brasil que desse exercícios, comentasse os textos e ensinasse os macetes da ficção. E ele queria aprender. Tomou coragem e foi visitar, no Rio de Janeiro, o escritor Autran Dourado - de quem lera Uma Poética de Romance: Matéria de Carpintaria - com uma lista de perguntas. Fora esse encontro, teve uma formação clássica: aprendeu lendo ficção e teoria, escrevendo, ouvindo os outros, acompanhando as resenhas de jornais. Já tinha meia dúzia de livros publicados quando achou que poderia ajudar os novatos e criou sua oficina, por onde passaram cerca de 600 pessoas em quase 30 anos.

Se é possível ensinar o ofício da escrita é assunto recorrente na academia, na imprensa e na mesa de bar. Fato é que há vários exemplos de oficinas no mundo inteiro e aspirantes a escritor procuram o curso nem que seja para aprender a ter disciplina. "Já passou aquela fase do escritor iluminado, um Balzac. A criação é quando se tem a ideia. Depois é trabalho, reservando espaço para algumas surpresas no caminho. Escrever é reescrever e a teoria oferece possibilidades para o texto", explica. Ele diz ainda que é importante aprender a teoria para depois esquecê-la - e essa deve ser uma tarefa ainda mais difícil para o professor escritor. "Eu preciso dominar a técnica de tal maneira que ela desapareça e eu estabeleça um contato direto entre o que eu penso e o texto."

Após seis anos escrevendo Figura na Sombra, Assis Brasil conta que há meses não consegue produzir nada. Ocupa-se das tarefas da secretaria, que, aliás, mudaram a rotina de escrita dele. Se antes produzia melhor pela manhã, agora só tem os fins de tarde. Nas horas vagas, lê os clássicos. E "por motivos profissionais", obras de ex-alunos.

Professor e aluno de si. "A oficina é um laboratório e eu participo junto com eles. Falo, e enquanto falo descubro coisas novas." Pelas contas do professor, dos 600 que passaram por lá apenas por uma questão de diletantismo ou busca profissional, 17 seguiram a vocação - há ainda nomes como Paulo Scott, Carol Bensimon e Cíntia Moscovitch. É consenso no meio que todos seriam escritores mesmo que não tivessem feito a oficina, exceto por Luisa Geisler. "De jeito nenhum", diz. Mas Luisa só tem 21 anos e se, quando criança, já escrevia e ilustrava seus livrinhos e vendia para os pais na cozinha de casa, uma hora ela descobriria o talento que Assis viu logo de cara. Ela não tinha 18 anos quando fez a oficina e escreveu, no período das aulas, Contos de Mentira, e logo depois, Quiçá, ambos vencedores do Prêmio Sesc. "Depois foi só ladeira abaixo", brinca a mais jovem autora da Granta brasileira.

Para Michel Laub, vencedor do Prêmio Brasília de Literatura 2012 e finalista das principais premiações deste ano com Diário da Queda, a oficina é um estímulo para quem tem vocação não desistir. "Agora, os autores são bem diferentes entre si. A oficina não formata nada, não tem um modelo a seguir, o que é um dos motivos de seu sucesso", afirma.

"É possível refinar o talento, ajudar a pessoa a encontrar a própria forma, a voz; mas talento é fundamental", diz Leticia Wierzchowski, autora de A Casa das Sete Mulheres, que virou minissérie da Globo e foi publicado em sete países. "A oficina me deu estofo - além de conforto emocional", diverte-se. No curso, Daniel Galera aprendeu a ler livros e revisar seus textos com rigor, tendo como ponto de partida um conjunto básico de ferramentas teóricas e práticas. Com Assis, aprendeu que "quem tem talento não copia, mas se deixa inspirar pelo trabalho dos outros".

Luisa, Michel, Leticia e Daniel são gaúchos, mas hoje se nota uma pequena peregrinação de aspirantes a escritor para Porto Alegre. "Fico em pânico porque é uma responsabilidade tremenda. E se não der certo? Será que eu tinha que falar para não largarem tudo? Mas posso não estar certo. Tenho que conviver com isso."

O paulista Luís Roberto Amabile é um desses alunos que se mudaram de mala e cuia para o Sul. Deixou um emprego de jornalista em São Paulo, desistiu de comprar um apartamento e, em 2010, foi se dedicar à ficção. Havia outros forasteiros na turma. "Assis se preocupava com isso, perguntava se estava tudo bem, se tínhamos conseguido moradia, oferecia ajuda", lembra. Amabile engatou a oficina com um mestrado em escrita criativa, publicou um livro - O Amor É Um Lugar Estranho (Grua) - e quer fazer doutorado em teoria literária.

Rigoroso, generoso, gentil, lorde e gentleman foram os adjetivos usados pelos ex-alunos para descrever Assis Brasil. Em 2013, possivelmente eles voltam a se encontrar. Desta vez, nas cerimônias de premiação. "Ficaria muito contente se fosse finalista com meus alunos. Não tenho problema algum com isso. Eu sei o que é a minha literatura. Sei suas qualidades e limitações."

EX-ALUNOS

Leticia Wierzchowski

Gaúcha nascida em 1972, ganhou fama quando seu 4º romance virou minissérie da Globo. A Casa das Sete Mulheres já foi publicado em sete países

Daniel Galera

Nasceu na capital paulista (1979) e cresceu em Porto Alegre. Ganhou o Prêmio Machado de Assis e tem a francesa Gallimard entre suas editoras estrangeiras

Luisa Geisler

Vencedora do Prêmio Sesc de conto e de romance, a gaúcha de 21 anos é a mais nova autora da Granta. Faz duas faculdades e escreve seu segundo romance

Michel Laub

O gaúcho de 39 venceu o Prêmio Brasília 2012 com seu 5º romance, Diário da Queda, finalista em outras disputas. O livro está sendo traduzido em 9 países

Luís Roberto Amabile

Paulista nascido em 1977, deixou emprego em São Paulo para estudar com Assis em Porto Alegre. Fez mestrado em escrita criativa e lançou livro de contos

 

 

 

FIGURA NA SOMBRA

Autor: Luiz Antonio de Assis Brasil

Editora: L&PM

(264 págs., R$ 39)

 

Na quarta capa do novo romance do gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, lê-se seguinte frase: "Um viverá a notoriedade, a vida pública; o outro, o retiro, a paz do pampa". Refere-se a Humboldt e a Aimé Bonpland, personagens de Figura na Sombra (L&PM), mas faz lembrar o autor e alguns ex-alunos de sua famosa oficina literária. Assis Brasil tem uma longeva, bem-sucedida e tranquila carreira de 36 anos - 19 livros publicados e alguns títulos traduzidos - construída em Porto Alegre, onde vive. Ganhou alguns prêmios - a maioria no Sul mesmo. Mas não viveu um momento como o que, por exemplo, Michel Laub, Daniel Galera e Luisa Geisler - que frequentaram suas aulas de escrita criativa - estão passando.

Eles foram incluídos na Granta Melhores Jovens Autores Brasileiros, fazem tour pela Europa e Estados Unidos para divulgar suas respectivas obras, participam de feiras internacionais e estão na mira de editores de países tão diversos como a Inglaterra e Israel. Andam na casa dos 40, 30 e 20 anos, respectivamente. Já Assis tem 67.

Vários de seus ex-alunos vivem exclusivamente da literatura, têm agentes literários, estão sendo traduzidos e são candidatos a integrar o que se espera ser o novo momento de glória da literatura brasileira porque são bons, claro, e também porque são novidades. Assis Brasil concilia a ficção com as funções que o cargo de secretário de Cultura do Rio Grande do Sul, que ocupa desde 2011, e de professor universitário impõem.

"Se é jovem, o escritor já ganha pontos a mais. Ninguém quer saber do autor que começa a publicar aos 50. Mas o fato de um escritor merecer atenção, de saída, por força da sua juventude não é algo bom nem mau. Desejo vida literária longa aos que frequentaram minha oficina - eles terão, porém, de conviver com a circunstância de que um dia virão outros mais novos do que eles", reflete o professor.

Algo que o preocupa nessa atual fase de profissionalização da literatura no País é que os autores têm publicado muito - cerca de um livro por ano: "Talvez fosse o caso de se perguntarem se não vão se arrepender depois de ter lançado determinada obra".

O próprio Assis Brasil se arrepende dos primeiros títulos de sua bibliografia; sabe, no entanto, que se não tivesse começado por eles não teria continuado, não teria enjoado de seu estilo e não teria dado uma guinada estética quando, já perto dos 60 e com leitores fiéis, trocou a linguagem mais barroca por períodos curtos. Essa é uma característica presente na produção dos jovens autores que passam por sua oficina, mas ele credita a mudança a uma iluminação que teve com um livro medieval de sua biblioteca, La Chanson de Roland (1090) - gosta de lembrar que a literatura daquele período esbanja essencialidade. Diz que perdeu leitores quando assumiu o novo estilo. Porém, passou a frequentar prêmios literários nacionais. O Pintor de Retratos, o primeiro da nova fase, venceu o Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2001.

A história de Assis Brasil é como a de muitos escritores. Quando menino, era um bom leitor e elogiado na escola por suas redações. Foi estudar algo que não estava relacionado à literatura: Direito. Durante e depois do curso, foi violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Passados 15 anos, descobriu que sua função ali não dava vazão à criatividade e começou a escrever. Aos 31, lançou o primeiro livro: Um Quarto de Légua em Quarto, que remonta ao povoamento açoriano em seu Estado. São suas raízes. "É o que sempre buscamos, não?" História e personagens reais continuam presentes em seu trabalho.

Na sua época de formação, não havia um Assis Brasil que desse exercícios, comentasse os textos e ensinasse os macetes da ficção. E ele queria aprender. Tomou coragem e foi visitar, no Rio de Janeiro, o escritor Autran Dourado - de quem lera Uma Poética de Romance: Matéria de Carpintaria - com uma lista de perguntas. Fora esse encontro, teve uma formação clássica: aprendeu lendo ficção e teoria, escrevendo, ouvindo os outros, acompanhando as resenhas de jornais. Já tinha meia dúzia de livros publicados quando achou que poderia ajudar os novatos e criou sua oficina, por onde passaram cerca de 600 pessoas em quase 30 anos.

Se é possível ensinar o ofício da escrita é assunto recorrente na academia, na imprensa e na mesa de bar. Fato é que há vários exemplos de oficinas no mundo inteiro e aspirantes a escritor procuram o curso nem que seja para aprender a ter disciplina. "Já passou aquela fase do escritor iluminado, um Balzac. A criação é quando se tem a ideia. Depois é trabalho, reservando espaço para algumas surpresas no caminho. Escrever é reescrever e a teoria oferece possibilidades para o texto", explica. Ele diz ainda que é importante aprender a teoria para depois esquecê-la - e essa deve ser uma tarefa ainda mais difícil para o professor escritor. "Eu preciso dominar a técnica de tal maneira que ela desapareça e eu estabeleça um contato direto entre o que eu penso e o texto."

Após seis anos escrevendo Figura na Sombra, Assis Brasil conta que há meses não consegue produzir nada. Ocupa-se das tarefas da secretaria, que, aliás, mudaram a rotina de escrita dele. Se antes produzia melhor pela manhã, agora só tem os fins de tarde. Nas horas vagas, lê os clássicos. E "por motivos profissionais", obras de ex-alunos.

Professor e aluno de si. "A oficina é um laboratório e eu participo junto com eles. Falo, e enquanto falo descubro coisas novas." Pelas contas do professor, dos 600 que passaram por lá apenas por uma questão de diletantismo ou busca profissional, 17 seguiram a vocação - há ainda nomes como Paulo Scott, Carol Bensimon e Cíntia Moscovitch. É consenso no meio que todos seriam escritores mesmo que não tivessem feito a oficina, exceto por Luisa Geisler. "De jeito nenhum", diz. Mas Luisa só tem 21 anos e se, quando criança, já escrevia e ilustrava seus livrinhos e vendia para os pais na cozinha de casa, uma hora ela descobriria o talento que Assis viu logo de cara. Ela não tinha 18 anos quando fez a oficina e escreveu, no período das aulas, Contos de Mentira, e logo depois, Quiçá, ambos vencedores do Prêmio Sesc. "Depois foi só ladeira abaixo", brinca a mais jovem autora da Granta brasileira.

Para Michel Laub, vencedor do Prêmio Brasília de Literatura 2012 e finalista das principais premiações deste ano com Diário da Queda, a oficina é um estímulo para quem tem vocação não desistir. "Agora, os autores são bem diferentes entre si. A oficina não formata nada, não tem um modelo a seguir, o que é um dos motivos de seu sucesso", afirma.

"É possível refinar o talento, ajudar a pessoa a encontrar a própria forma, a voz; mas talento é fundamental", diz Leticia Wierzchowski, autora de A Casa das Sete Mulheres, que virou minissérie da Globo e foi publicado em sete países. "A oficina me deu estofo - além de conforto emocional", diverte-se. No curso, Daniel Galera aprendeu a ler livros e revisar seus textos com rigor, tendo como ponto de partida um conjunto básico de ferramentas teóricas e práticas. Com Assis, aprendeu que "quem tem talento não copia, mas se deixa inspirar pelo trabalho dos outros".

Luisa, Michel, Leticia e Daniel são gaúchos, mas hoje se nota uma pequena peregrinação de aspirantes a escritor para Porto Alegre. "Fico em pânico porque é uma responsabilidade tremenda. E se não der certo? Será que eu tinha que falar para não largarem tudo? Mas posso não estar certo. Tenho que conviver com isso."

O paulista Luís Roberto Amabile é um desses alunos que se mudaram de mala e cuia para o Sul. Deixou um emprego de jornalista em São Paulo, desistiu de comprar um apartamento e, em 2010, foi se dedicar à ficção. Havia outros forasteiros na turma. "Assis se preocupava com isso, perguntava se estava tudo bem, se tínhamos conseguido moradia, oferecia ajuda", lembra. Amabile engatou a oficina com um mestrado em escrita criativa, publicou um livro - O Amor É Um Lugar Estranho (Grua) - e quer fazer doutorado em teoria literária.

Rigoroso, generoso, gentil, lorde e gentleman foram os adjetivos usados pelos ex-alunos para descrever Assis Brasil. Em 2013, possivelmente eles voltam a se encontrar. Desta vez, nas cerimônias de premiação. "Ficaria muito contente se fosse finalista com meus alunos. Não tenho problema algum com isso. Eu sei o que é a minha literatura. Sei suas qualidades e limitações."

EX-ALUNOS

Leticia Wierzchowski

Gaúcha nascida em 1972, ganhou fama quando seu 4º romance virou minissérie da Globo. A Casa das Sete Mulheres já foi publicado em sete países

Daniel Galera

Nasceu na capital paulista (1979) e cresceu em Porto Alegre. Ganhou o Prêmio Machado de Assis e tem a francesa Gallimard entre suas editoras estrangeiras

Luisa Geisler

Vencedora do Prêmio Sesc de conto e de romance, a gaúcha de 21 anos é a mais nova autora da Granta. Faz duas faculdades e escreve seu segundo romance

Michel Laub

O gaúcho de 39 venceu o Prêmio Brasília 2012 com seu 5º romance, Diário da Queda, finalista em outras disputas. O livro está sendo traduzido em 9 países

Luís Roberto Amabile

Paulista nascido em 1977, deixou emprego em São Paulo para estudar com Assis em Porto Alegre. Fez mestrado em escrita criativa e lançou livro de contos

 

 

 

FIGURA NA SOMBRA

Autor: Luiz Antonio de Assis Brasil

Editora: L&PM

(264 págs., R$ 39)

 

Na quarta capa do novo romance do gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, lê-se seguinte frase: "Um viverá a notoriedade, a vida pública; o outro, o retiro, a paz do pampa". Refere-se a Humboldt e a Aimé Bonpland, personagens de Figura na Sombra (L&PM), mas faz lembrar o autor e alguns ex-alunos de sua famosa oficina literária. Assis Brasil tem uma longeva, bem-sucedida e tranquila carreira de 36 anos - 19 livros publicados e alguns títulos traduzidos - construída em Porto Alegre, onde vive. Ganhou alguns prêmios - a maioria no Sul mesmo. Mas não viveu um momento como o que, por exemplo, Michel Laub, Daniel Galera e Luisa Geisler - que frequentaram suas aulas de escrita criativa - estão passando.

Eles foram incluídos na Granta Melhores Jovens Autores Brasileiros, fazem tour pela Europa e Estados Unidos para divulgar suas respectivas obras, participam de feiras internacionais e estão na mira de editores de países tão diversos como a Inglaterra e Israel. Andam na casa dos 40, 30 e 20 anos, respectivamente. Já Assis tem 67.

Vários de seus ex-alunos vivem exclusivamente da literatura, têm agentes literários, estão sendo traduzidos e são candidatos a integrar o que se espera ser o novo momento de glória da literatura brasileira porque são bons, claro, e também porque são novidades. Assis Brasil concilia a ficção com as funções que o cargo de secretário de Cultura do Rio Grande do Sul, que ocupa desde 2011, e de professor universitário impõem.

"Se é jovem, o escritor já ganha pontos a mais. Ninguém quer saber do autor que começa a publicar aos 50. Mas o fato de um escritor merecer atenção, de saída, por força da sua juventude não é algo bom nem mau. Desejo vida literária longa aos que frequentaram minha oficina - eles terão, porém, de conviver com a circunstância de que um dia virão outros mais novos do que eles", reflete o professor.

Algo que o preocupa nessa atual fase de profissionalização da literatura no País é que os autores têm publicado muito - cerca de um livro por ano: "Talvez fosse o caso de se perguntarem se não vão se arrepender depois de ter lançado determinada obra".

O próprio Assis Brasil se arrepende dos primeiros títulos de sua bibliografia; sabe, no entanto, que se não tivesse começado por eles não teria continuado, não teria enjoado de seu estilo e não teria dado uma guinada estética quando, já perto dos 60 e com leitores fiéis, trocou a linguagem mais barroca por períodos curtos. Essa é uma característica presente na produção dos jovens autores que passam por sua oficina, mas ele credita a mudança a uma iluminação que teve com um livro medieval de sua biblioteca, La Chanson de Roland (1090) - gosta de lembrar que a literatura daquele período esbanja essencialidade. Diz que perdeu leitores quando assumiu o novo estilo. Porém, passou a frequentar prêmios literários nacionais. O Pintor de Retratos, o primeiro da nova fase, venceu o Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2001.

A história de Assis Brasil é como a de muitos escritores. Quando menino, era um bom leitor e elogiado na escola por suas redações. Foi estudar algo que não estava relacionado à literatura: Direito. Durante e depois do curso, foi violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Passados 15 anos, descobriu que sua função ali não dava vazão à criatividade e começou a escrever. Aos 31, lançou o primeiro livro: Um Quarto de Légua em Quarto, que remonta ao povoamento açoriano em seu Estado. São suas raízes. "É o que sempre buscamos, não?" História e personagens reais continuam presentes em seu trabalho.

Na sua época de formação, não havia um Assis Brasil que desse exercícios, comentasse os textos e ensinasse os macetes da ficção. E ele queria aprender. Tomou coragem e foi visitar, no Rio de Janeiro, o escritor Autran Dourado - de quem lera Uma Poética de Romance: Matéria de Carpintaria - com uma lista de perguntas. Fora esse encontro, teve uma formação clássica: aprendeu lendo ficção e teoria, escrevendo, ouvindo os outros, acompanhando as resenhas de jornais. Já tinha meia dúzia de livros publicados quando achou que poderia ajudar os novatos e criou sua oficina, por onde passaram cerca de 600 pessoas em quase 30 anos.

Se é possível ensinar o ofício da escrita é assunto recorrente na academia, na imprensa e na mesa de bar. Fato é que há vários exemplos de oficinas no mundo inteiro e aspirantes a escritor procuram o curso nem que seja para aprender a ter disciplina. "Já passou aquela fase do escritor iluminado, um Balzac. A criação é quando se tem a ideia. Depois é trabalho, reservando espaço para algumas surpresas no caminho. Escrever é reescrever e a teoria oferece possibilidades para o texto", explica. Ele diz ainda que é importante aprender a teoria para depois esquecê-la - e essa deve ser uma tarefa ainda mais difícil para o professor escritor. "Eu preciso dominar a técnica de tal maneira que ela desapareça e eu estabeleça um contato direto entre o que eu penso e o texto."

Após seis anos escrevendo Figura na Sombra, Assis Brasil conta que há meses não consegue produzir nada. Ocupa-se das tarefas da secretaria, que, aliás, mudaram a rotina de escrita dele. Se antes produzia melhor pela manhã, agora só tem os fins de tarde. Nas horas vagas, lê os clássicos. E "por motivos profissionais", obras de ex-alunos.

Professor e aluno de si. "A oficina é um laboratório e eu participo junto com eles. Falo, e enquanto falo descubro coisas novas." Pelas contas do professor, dos 600 que passaram por lá apenas por uma questão de diletantismo ou busca profissional, 17 seguiram a vocação - há ainda nomes como Paulo Scott, Carol Bensimon e Cíntia Moscovitch. É consenso no meio que todos seriam escritores mesmo que não tivessem feito a oficina, exceto por Luisa Geisler. "De jeito nenhum", diz. Mas Luisa só tem 21 anos e se, quando criança, já escrevia e ilustrava seus livrinhos e vendia para os pais na cozinha de casa, uma hora ela descobriria o talento que Assis viu logo de cara. Ela não tinha 18 anos quando fez a oficina e escreveu, no período das aulas, Contos de Mentira, e logo depois, Quiçá, ambos vencedores do Prêmio Sesc. "Depois foi só ladeira abaixo", brinca a mais jovem autora da Granta brasileira.

Para Michel Laub, vencedor do Prêmio Brasília de Literatura 2012 e finalista das principais premiações deste ano com Diário da Queda, a oficina é um estímulo para quem tem vocação não desistir. "Agora, os autores são bem diferentes entre si. A oficina não formata nada, não tem um modelo a seguir, o que é um dos motivos de seu sucesso", afirma.

"É possível refinar o talento, ajudar a pessoa a encontrar a própria forma, a voz; mas talento é fundamental", diz Leticia Wierzchowski, autora de A Casa das Sete Mulheres, que virou minissérie da Globo e foi publicado em sete países. "A oficina me deu estofo - além de conforto emocional", diverte-se. No curso, Daniel Galera aprendeu a ler livros e revisar seus textos com rigor, tendo como ponto de partida um conjunto básico de ferramentas teóricas e práticas. Com Assis, aprendeu que "quem tem talento não copia, mas se deixa inspirar pelo trabalho dos outros".

Luisa, Michel, Leticia e Daniel são gaúchos, mas hoje se nota uma pequena peregrinação de aspirantes a escritor para Porto Alegre. "Fico em pânico porque é uma responsabilidade tremenda. E se não der certo? Será que eu tinha que falar para não largarem tudo? Mas posso não estar certo. Tenho que conviver com isso."

O paulista Luís Roberto Amabile é um desses alunos que se mudaram de mala e cuia para o Sul. Deixou um emprego de jornalista em São Paulo, desistiu de comprar um apartamento e, em 2010, foi se dedicar à ficção. Havia outros forasteiros na turma. "Assis se preocupava com isso, perguntava se estava tudo bem, se tínhamos conseguido moradia, oferecia ajuda", lembra. Amabile engatou a oficina com um mestrado em escrita criativa, publicou um livro - O Amor É Um Lugar Estranho (Grua) - e quer fazer doutorado em teoria literária.

Rigoroso, generoso, gentil, lorde e gentleman foram os adjetivos usados pelos ex-alunos para descrever Assis Brasil. Em 2013, possivelmente eles voltam a se encontrar. Desta vez, nas cerimônias de premiação. "Ficaria muito contente se fosse finalista com meus alunos. Não tenho problema algum com isso. Eu sei o que é a minha literatura. Sei suas qualidades e limitações."

EX-ALUNOS

Leticia Wierzchowski

Gaúcha nascida em 1972, ganhou fama quando seu 4º romance virou minissérie da Globo. A Casa das Sete Mulheres já foi publicado em sete países

Daniel Galera

Nasceu na capital paulista (1979) e cresceu em Porto Alegre. Ganhou o Prêmio Machado de Assis e tem a francesa Gallimard entre suas editoras estrangeiras

Luisa Geisler

Vencedora do Prêmio Sesc de conto e de romance, a gaúcha de 21 anos é a mais nova autora da Granta. Faz duas faculdades e escreve seu segundo romance

Michel Laub

O gaúcho de 39 venceu o Prêmio Brasília 2012 com seu 5º romance, Diário da Queda, finalista em outras disputas. O livro está sendo traduzido em 9 países

Luís Roberto Amabile

Paulista nascido em 1977, deixou emprego em São Paulo para estudar com Assis em Porto Alegre. Fez mestrado em escrita criativa e lançou livro de contos

 

 

 

FIGURA NA SOMBRA

Autor: Luiz Antonio de Assis Brasil

Editora: L&PM

(264 págs., R$ 39)

 

Na quarta capa do novo romance do gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, lê-se seguinte frase: "Um viverá a notoriedade, a vida pública; o outro, o retiro, a paz do pampa". Refere-se a Humboldt e a Aimé Bonpland, personagens de Figura na Sombra (L&PM), mas faz lembrar o autor e alguns ex-alunos de sua famosa oficina literária. Assis Brasil tem uma longeva, bem-sucedida e tranquila carreira de 36 anos - 19 livros publicados e alguns títulos traduzidos - construída em Porto Alegre, onde vive. Ganhou alguns prêmios - a maioria no Sul mesmo. Mas não viveu um momento como o que, por exemplo, Michel Laub, Daniel Galera e Luisa Geisler - que frequentaram suas aulas de escrita criativa - estão passando.

Eles foram incluídos na Granta Melhores Jovens Autores Brasileiros, fazem tour pela Europa e Estados Unidos para divulgar suas respectivas obras, participam de feiras internacionais e estão na mira de editores de países tão diversos como a Inglaterra e Israel. Andam na casa dos 40, 30 e 20 anos, respectivamente. Já Assis tem 67.

Vários de seus ex-alunos vivem exclusivamente da literatura, têm agentes literários, estão sendo traduzidos e são candidatos a integrar o que se espera ser o novo momento de glória da literatura brasileira porque são bons, claro, e também porque são novidades. Assis Brasil concilia a ficção com as funções que o cargo de secretário de Cultura do Rio Grande do Sul, que ocupa desde 2011, e de professor universitário impõem.

"Se é jovem, o escritor já ganha pontos a mais. Ninguém quer saber do autor que começa a publicar aos 50. Mas o fato de um escritor merecer atenção, de saída, por força da sua juventude não é algo bom nem mau. Desejo vida literária longa aos que frequentaram minha oficina - eles terão, porém, de conviver com a circunstância de que um dia virão outros mais novos do que eles", reflete o professor.

Algo que o preocupa nessa atual fase de profissionalização da literatura no País é que os autores têm publicado muito - cerca de um livro por ano: "Talvez fosse o caso de se perguntarem se não vão se arrepender depois de ter lançado determinada obra".

O próprio Assis Brasil se arrepende dos primeiros títulos de sua bibliografia; sabe, no entanto, que se não tivesse começado por eles não teria continuado, não teria enjoado de seu estilo e não teria dado uma guinada estética quando, já perto dos 60 e com leitores fiéis, trocou a linguagem mais barroca por períodos curtos. Essa é uma característica presente na produção dos jovens autores que passam por sua oficina, mas ele credita a mudança a uma iluminação que teve com um livro medieval de sua biblioteca, La Chanson de Roland (1090) - gosta de lembrar que a literatura daquele período esbanja essencialidade. Diz que perdeu leitores quando assumiu o novo estilo. Porém, passou a frequentar prêmios literários nacionais. O Pintor de Retratos, o primeiro da nova fase, venceu o Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2001.

A história de Assis Brasil é como a de muitos escritores. Quando menino, era um bom leitor e elogiado na escola por suas redações. Foi estudar algo que não estava relacionado à literatura: Direito. Durante e depois do curso, foi violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Passados 15 anos, descobriu que sua função ali não dava vazão à criatividade e começou a escrever. Aos 31, lançou o primeiro livro: Um Quarto de Légua em Quarto, que remonta ao povoamento açoriano em seu Estado. São suas raízes. "É o que sempre buscamos, não?" História e personagens reais continuam presentes em seu trabalho.

Na sua época de formação, não havia um Assis Brasil que desse exercícios, comentasse os textos e ensinasse os macetes da ficção. E ele queria aprender. Tomou coragem e foi visitar, no Rio de Janeiro, o escritor Autran Dourado - de quem lera Uma Poética de Romance: Matéria de Carpintaria - com uma lista de perguntas. Fora esse encontro, teve uma formação clássica: aprendeu lendo ficção e teoria, escrevendo, ouvindo os outros, acompanhando as resenhas de jornais. Já tinha meia dúzia de livros publicados quando achou que poderia ajudar os novatos e criou sua oficina, por onde passaram cerca de 600 pessoas em quase 30 anos.

Se é possível ensinar o ofício da escrita é assunto recorrente na academia, na imprensa e na mesa de bar. Fato é que há vários exemplos de oficinas no mundo inteiro e aspirantes a escritor procuram o curso nem que seja para aprender a ter disciplina. "Já passou aquela fase do escritor iluminado, um Balzac. A criação é quando se tem a ideia. Depois é trabalho, reservando espaço para algumas surpresas no caminho. Escrever é reescrever e a teoria oferece possibilidades para o texto", explica. Ele diz ainda que é importante aprender a teoria para depois esquecê-la - e essa deve ser uma tarefa ainda mais difícil para o professor escritor. "Eu preciso dominar a técnica de tal maneira que ela desapareça e eu estabeleça um contato direto entre o que eu penso e o texto."

Após seis anos escrevendo Figura na Sombra, Assis Brasil conta que há meses não consegue produzir nada. Ocupa-se das tarefas da secretaria, que, aliás, mudaram a rotina de escrita dele. Se antes produzia melhor pela manhã, agora só tem os fins de tarde. Nas horas vagas, lê os clássicos. E "por motivos profissionais", obras de ex-alunos.

Professor e aluno de si. "A oficina é um laboratório e eu participo junto com eles. Falo, e enquanto falo descubro coisas novas." Pelas contas do professor, dos 600 que passaram por lá apenas por uma questão de diletantismo ou busca profissional, 17 seguiram a vocação - há ainda nomes como Paulo Scott, Carol Bensimon e Cíntia Moscovitch. É consenso no meio que todos seriam escritores mesmo que não tivessem feito a oficina, exceto por Luisa Geisler. "De jeito nenhum", diz. Mas Luisa só tem 21 anos e se, quando criança, já escrevia e ilustrava seus livrinhos e vendia para os pais na cozinha de casa, uma hora ela descobriria o talento que Assis viu logo de cara. Ela não tinha 18 anos quando fez a oficina e escreveu, no período das aulas, Contos de Mentira, e logo depois, Quiçá, ambos vencedores do Prêmio Sesc. "Depois foi só ladeira abaixo", brinca a mais jovem autora da Granta brasileira.

Para Michel Laub, vencedor do Prêmio Brasília de Literatura 2012 e finalista das principais premiações deste ano com Diário da Queda, a oficina é um estímulo para quem tem vocação não desistir. "Agora, os autores são bem diferentes entre si. A oficina não formata nada, não tem um modelo a seguir, o que é um dos motivos de seu sucesso", afirma.

"É possível refinar o talento, ajudar a pessoa a encontrar a própria forma, a voz; mas talento é fundamental", diz Leticia Wierzchowski, autora de A Casa das Sete Mulheres, que virou minissérie da Globo e foi publicado em sete países. "A oficina me deu estofo - além de conforto emocional", diverte-se. No curso, Daniel Galera aprendeu a ler livros e revisar seus textos com rigor, tendo como ponto de partida um conjunto básico de ferramentas teóricas e práticas. Com Assis, aprendeu que "quem tem talento não copia, mas se deixa inspirar pelo trabalho dos outros".

Luisa, Michel, Leticia e Daniel são gaúchos, mas hoje se nota uma pequena peregrinação de aspirantes a escritor para Porto Alegre. "Fico em pânico porque é uma responsabilidade tremenda. E se não der certo? Será que eu tinha que falar para não largarem tudo? Mas posso não estar certo. Tenho que conviver com isso."

O paulista Luís Roberto Amabile é um desses alunos que se mudaram de mala e cuia para o Sul. Deixou um emprego de jornalista em São Paulo, desistiu de comprar um apartamento e, em 2010, foi se dedicar à ficção. Havia outros forasteiros na turma. "Assis se preocupava com isso, perguntava se estava tudo bem, se tínhamos conseguido moradia, oferecia ajuda", lembra. Amabile engatou a oficina com um mestrado em escrita criativa, publicou um livro - O Amor É Um Lugar Estranho (Grua) - e quer fazer doutorado em teoria literária.

Rigoroso, generoso, gentil, lorde e gentleman foram os adjetivos usados pelos ex-alunos para descrever Assis Brasil. Em 2013, possivelmente eles voltam a se encontrar. Desta vez, nas cerimônias de premiação. "Ficaria muito contente se fosse finalista com meus alunos. Não tenho problema algum com isso. Eu sei o que é a minha literatura. Sei suas qualidades e limitações."

EX-ALUNOS

Leticia Wierzchowski

Gaúcha nascida em 1972, ganhou fama quando seu 4º romance virou minissérie da Globo. A Casa das Sete Mulheres já foi publicado em sete países

Daniel Galera

Nasceu na capital paulista (1979) e cresceu em Porto Alegre. Ganhou o Prêmio Machado de Assis e tem a francesa Gallimard entre suas editoras estrangeiras

Luisa Geisler

Vencedora do Prêmio Sesc de conto e de romance, a gaúcha de 21 anos é a mais nova autora da Granta. Faz duas faculdades e escreve seu segundo romance

Michel Laub

O gaúcho de 39 venceu o Prêmio Brasília 2012 com seu 5º romance, Diário da Queda, finalista em outras disputas. O livro está sendo traduzido em 9 países

Luís Roberto Amabile

Paulista nascido em 1977, deixou emprego em São Paulo para estudar com Assis em Porto Alegre. Fez mestrado em escrita criativa e lançou livro de contos

 

 

 

FIGURA NA SOMBRA

Autor: Luiz Antonio de Assis Brasil

Editora: L&PM

(264 págs., R$ 39)

 

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