Haruki Murakami fala sobre processo criativo em novo livro


'Romancista como Vocação' é ficção autobiográfica do autor mais vendido do Japão

Por João Prata
Atualização:
Haruki Murakami conta seu processo criativo em 'Romancista como Vocação' Foto: Scanpix Denmark/Henning Bagger/Reuters

O escritor japonês Haruki Murakami encontrou uma maneira de falar sobre sua vida, opinar sobre questões cotidianas, rebater críticos e revelar o método minucioso que criou para escrever sem precisar sair de casa. Em Romancista como Vocação, o autor traduzido para mais de 50 países e eterno favorito ao Nobel justifica a opção por evitar aparecer em público e também aproveita para satisfazer um pouco a curiosidade de seus leitores ao mostrar os bastidores de suas histórias. Com cuidado no uso das palavras, quase didático, Murakami conta alguns truques para se tornar (e depois conseguir se manter) um romancista. Admite que, no início, precisou contar com a sorte. Mas também que a sorte é apenas um ingresso que se entrega na porta para entrar no salão. Lá dentro, é necessário demonstrar talento, força, habilidade e dom, indica como se fosse o Mestre dos Magos. No caso dele, acredita que a principal característica seja a liberdade, a capacidade em deixar o texto fluir e seguir o coração. E exemplifica com o dia em que decidiu se tornar escritor, um insight, sem mais nem menos, enquanto assistia a uma partida de beisebol, sozinho, deitado em um gramado, bebendo cerveja.

A partir daí seguiu o instinto para diversificar sua obra com romances curtos e longos, contos, ensaios, reportagem, variando a narrativa em primeira e terceira pessoa. “É como um esquadrão que possui quase todos os tipos de embarcações: desde couraçado, cruzador e contratorpedeiro até submarino (naturalmente as minhas obras não têm nenhum cunho bélico). Cada embarcação tem as próprias funções, e cada uma está alocada de forma que complemente outra, constituindo um todo. O formato que escolho para escrever ficção depende da minha disposição no momento”, explica. “Mas, em última análise, me considero um romancista.” 

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Toda as naus, no entanto, precisam passar por um único e rigoroso método de trabalho, bastante sistemático, dividido minuciosamente em etapas, uma produção quase que mecanizada e obstinada em busca da perfeição. Quando começa um livro, por exemplo, ele revela que produz dez páginas de 400 caracteres de manuscrito japonês por dia, o que no computador equivale a duas folhas e meia. Nem mais nem menos, pois a regularidade é fundamental.

Escreve por um período de quatro a cinco horas diárias. O restante do tempo aproveita para descansar, ler e também manter a forma física. Há 30 anos ele corre e nada regularmente. Já disputou maratonas até. Segundo o autor, manter o corpo saudável ajuda na criação e também a ter forças para seguir adiante. Mas, ele brinca, pode atrapalhá-lo, pois teme afastar leitores que apreciam histórias contadas apenas por escritores clássicos, do tipo antissocial, que cria em meio à ruína e ao caos, levando uma vida desregrada, alcoólatra, perdendo a cabeça com diversas mulheres. No caso de Murakami, só há uma mulher, com quem está casado há quase 40 anos. Ela é a primeira pessoa que lê todos os seus livros. Por consequência, faz as críticas iniciais. E ele admite que são essas que o deixam mais irritado. Mesmo sem concordar algumas vezes, reescreve tudo aquilo que foi indicado e, de alguma forma, diz que essa primeira opinião o ajuda a se preparar para encarar os especialistas do meio. 

O autor mais vendido da história do Japão demonstra uma excessiva preocupação com quem não gosta de seu trabalho. Em quase todos os 11 capítulos diz algo sobre os críticos. Sempre em um tom ponderado, com a cautela de não parecer injusto, abusando das metáforas para deixar ainda mais claras as ideias. 

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Somente quando escreve o texto Sobre Prêmios Literários é que Murakami adota o tom um pouco mais incisivo e se diz incomodado com o fato de ser regularmente questionado sobre não ter faturado o Ryûnosuke Akutagawa, principal honraria da literatura japonesa, e o Nobel, no qual ele vem sendo apontado como favorito nos últimos anos, mas fica sempre no quase. Ele reclama que um japonês chegou ao cúmulo de escrever um livro intitulado Por que Haruki Murakami não ganhou o Akutagawa?. E aproveita para citar referências de sua literatura, como Raymond Chandler e Nelson Algren, que desprezavam qualquer homenagem.

*João Prata é jornalista 

Capa do livro 'Romancista como Vocação', de Haruki Murakami 
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Romancista como Vocação Autor: Haruki MurakamiTradução: Eunice SuenagaEditora: Companhia das Letras 168 páginas R$ 39,90

Haruki Murakami conta seu processo criativo em 'Romancista como Vocação' Foto: Scanpix Denmark/Henning Bagger/Reuters

O escritor japonês Haruki Murakami encontrou uma maneira de falar sobre sua vida, opinar sobre questões cotidianas, rebater críticos e revelar o método minucioso que criou para escrever sem precisar sair de casa. Em Romancista como Vocação, o autor traduzido para mais de 50 países e eterno favorito ao Nobel justifica a opção por evitar aparecer em público e também aproveita para satisfazer um pouco a curiosidade de seus leitores ao mostrar os bastidores de suas histórias. Com cuidado no uso das palavras, quase didático, Murakami conta alguns truques para se tornar (e depois conseguir se manter) um romancista. Admite que, no início, precisou contar com a sorte. Mas também que a sorte é apenas um ingresso que se entrega na porta para entrar no salão. Lá dentro, é necessário demonstrar talento, força, habilidade e dom, indica como se fosse o Mestre dos Magos. No caso dele, acredita que a principal característica seja a liberdade, a capacidade em deixar o texto fluir e seguir o coração. E exemplifica com o dia em que decidiu se tornar escritor, um insight, sem mais nem menos, enquanto assistia a uma partida de beisebol, sozinho, deitado em um gramado, bebendo cerveja.

A partir daí seguiu o instinto para diversificar sua obra com romances curtos e longos, contos, ensaios, reportagem, variando a narrativa em primeira e terceira pessoa. “É como um esquadrão que possui quase todos os tipos de embarcações: desde couraçado, cruzador e contratorpedeiro até submarino (naturalmente as minhas obras não têm nenhum cunho bélico). Cada embarcação tem as próprias funções, e cada uma está alocada de forma que complemente outra, constituindo um todo. O formato que escolho para escrever ficção depende da minha disposição no momento”, explica. “Mas, em última análise, me considero um romancista.” 

Toda as naus, no entanto, precisam passar por um único e rigoroso método de trabalho, bastante sistemático, dividido minuciosamente em etapas, uma produção quase que mecanizada e obstinada em busca da perfeição. Quando começa um livro, por exemplo, ele revela que produz dez páginas de 400 caracteres de manuscrito japonês por dia, o que no computador equivale a duas folhas e meia. Nem mais nem menos, pois a regularidade é fundamental.

Escreve por um período de quatro a cinco horas diárias. O restante do tempo aproveita para descansar, ler e também manter a forma física. Há 30 anos ele corre e nada regularmente. Já disputou maratonas até. Segundo o autor, manter o corpo saudável ajuda na criação e também a ter forças para seguir adiante. Mas, ele brinca, pode atrapalhá-lo, pois teme afastar leitores que apreciam histórias contadas apenas por escritores clássicos, do tipo antissocial, que cria em meio à ruína e ao caos, levando uma vida desregrada, alcoólatra, perdendo a cabeça com diversas mulheres. No caso de Murakami, só há uma mulher, com quem está casado há quase 40 anos. Ela é a primeira pessoa que lê todos os seus livros. Por consequência, faz as críticas iniciais. E ele admite que são essas que o deixam mais irritado. Mesmo sem concordar algumas vezes, reescreve tudo aquilo que foi indicado e, de alguma forma, diz que essa primeira opinião o ajuda a se preparar para encarar os especialistas do meio. 

O autor mais vendido da história do Japão demonstra uma excessiva preocupação com quem não gosta de seu trabalho. Em quase todos os 11 capítulos diz algo sobre os críticos. Sempre em um tom ponderado, com a cautela de não parecer injusto, abusando das metáforas para deixar ainda mais claras as ideias. 

Somente quando escreve o texto Sobre Prêmios Literários é que Murakami adota o tom um pouco mais incisivo e se diz incomodado com o fato de ser regularmente questionado sobre não ter faturado o Ryûnosuke Akutagawa, principal honraria da literatura japonesa, e o Nobel, no qual ele vem sendo apontado como favorito nos últimos anos, mas fica sempre no quase. Ele reclama que um japonês chegou ao cúmulo de escrever um livro intitulado Por que Haruki Murakami não ganhou o Akutagawa?. E aproveita para citar referências de sua literatura, como Raymond Chandler e Nelson Algren, que desprezavam qualquer homenagem.

*João Prata é jornalista 

Capa do livro 'Romancista como Vocação', de Haruki Murakami 

Romancista como Vocação Autor: Haruki MurakamiTradução: Eunice SuenagaEditora: Companhia das Letras 168 páginas R$ 39,90

Haruki Murakami conta seu processo criativo em 'Romancista como Vocação' Foto: Scanpix Denmark/Henning Bagger/Reuters

O escritor japonês Haruki Murakami encontrou uma maneira de falar sobre sua vida, opinar sobre questões cotidianas, rebater críticos e revelar o método minucioso que criou para escrever sem precisar sair de casa. Em Romancista como Vocação, o autor traduzido para mais de 50 países e eterno favorito ao Nobel justifica a opção por evitar aparecer em público e também aproveita para satisfazer um pouco a curiosidade de seus leitores ao mostrar os bastidores de suas histórias. Com cuidado no uso das palavras, quase didático, Murakami conta alguns truques para se tornar (e depois conseguir se manter) um romancista. Admite que, no início, precisou contar com a sorte. Mas também que a sorte é apenas um ingresso que se entrega na porta para entrar no salão. Lá dentro, é necessário demonstrar talento, força, habilidade e dom, indica como se fosse o Mestre dos Magos. No caso dele, acredita que a principal característica seja a liberdade, a capacidade em deixar o texto fluir e seguir o coração. E exemplifica com o dia em que decidiu se tornar escritor, um insight, sem mais nem menos, enquanto assistia a uma partida de beisebol, sozinho, deitado em um gramado, bebendo cerveja.

A partir daí seguiu o instinto para diversificar sua obra com romances curtos e longos, contos, ensaios, reportagem, variando a narrativa em primeira e terceira pessoa. “É como um esquadrão que possui quase todos os tipos de embarcações: desde couraçado, cruzador e contratorpedeiro até submarino (naturalmente as minhas obras não têm nenhum cunho bélico). Cada embarcação tem as próprias funções, e cada uma está alocada de forma que complemente outra, constituindo um todo. O formato que escolho para escrever ficção depende da minha disposição no momento”, explica. “Mas, em última análise, me considero um romancista.” 

Toda as naus, no entanto, precisam passar por um único e rigoroso método de trabalho, bastante sistemático, dividido minuciosamente em etapas, uma produção quase que mecanizada e obstinada em busca da perfeição. Quando começa um livro, por exemplo, ele revela que produz dez páginas de 400 caracteres de manuscrito japonês por dia, o que no computador equivale a duas folhas e meia. Nem mais nem menos, pois a regularidade é fundamental.

Escreve por um período de quatro a cinco horas diárias. O restante do tempo aproveita para descansar, ler e também manter a forma física. Há 30 anos ele corre e nada regularmente. Já disputou maratonas até. Segundo o autor, manter o corpo saudável ajuda na criação e também a ter forças para seguir adiante. Mas, ele brinca, pode atrapalhá-lo, pois teme afastar leitores que apreciam histórias contadas apenas por escritores clássicos, do tipo antissocial, que cria em meio à ruína e ao caos, levando uma vida desregrada, alcoólatra, perdendo a cabeça com diversas mulheres. No caso de Murakami, só há uma mulher, com quem está casado há quase 40 anos. Ela é a primeira pessoa que lê todos os seus livros. Por consequência, faz as críticas iniciais. E ele admite que são essas que o deixam mais irritado. Mesmo sem concordar algumas vezes, reescreve tudo aquilo que foi indicado e, de alguma forma, diz que essa primeira opinião o ajuda a se preparar para encarar os especialistas do meio. 

O autor mais vendido da história do Japão demonstra uma excessiva preocupação com quem não gosta de seu trabalho. Em quase todos os 11 capítulos diz algo sobre os críticos. Sempre em um tom ponderado, com a cautela de não parecer injusto, abusando das metáforas para deixar ainda mais claras as ideias. 

Somente quando escreve o texto Sobre Prêmios Literários é que Murakami adota o tom um pouco mais incisivo e se diz incomodado com o fato de ser regularmente questionado sobre não ter faturado o Ryûnosuke Akutagawa, principal honraria da literatura japonesa, e o Nobel, no qual ele vem sendo apontado como favorito nos últimos anos, mas fica sempre no quase. Ele reclama que um japonês chegou ao cúmulo de escrever um livro intitulado Por que Haruki Murakami não ganhou o Akutagawa?. E aproveita para citar referências de sua literatura, como Raymond Chandler e Nelson Algren, que desprezavam qualquer homenagem.

*João Prata é jornalista 

Capa do livro 'Romancista como Vocação', de Haruki Murakami 

Romancista como Vocação Autor: Haruki MurakamiTradução: Eunice SuenagaEditora: Companhia das Letras 168 páginas R$ 39,90

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