Historiador explica a formação da Rússia por meio de sua arte


'Uma História Cultural da Rússia', de Orlando Figes, elenca o cânone artístico russo para entender o país

Por Marcelo Godoy
Povorusso retratado numa pintura de Kandinski Foto:

Conta Nadejda Mandelstam em suas memórias que o marido, o poeta Óssip Mandelstam, dizia ser a poesia respeitada só na Rússia e completava: “Não há lugar onde mais gente seja morta por ela.” Mandelstam escreveu em 1933 um poema sobre Stalin, chamava-o de assassino de dedos gordos e bigode de barata. Acabou no Gulag, morto em 1938. Sua vida é uma das que compõem o livro Natasha’s Dance, do historiador Orlando Figes, cujo subtítulo original – Uma História Cultural da Rússia – tornou-se o título da edição brasileira.

Figes propõe um inventário da cultura russa e da construção intelectual de seu ethos desde Pedro, o Grande, até a Era Brejnev. O autor quer mostrar as forças que atuaram na formação de uma aristocracia dividida entre valores ocidentais e orientais, entre o novo e o velho, o campo e a cidade, o ideal camponês e sua realidade, Moscou e São Petersburgo. Na ausência de um parlamento, a arte se transformara na arena política russa por excelência. E, ao tentarem compreender a nacionalidade, criando imagens dela com o poder de despertar a consciência e fixar a identidade do povo, os artistas se tornaram alvo dos governantes – dos Czares aos secretários do partido.

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A edição da Record não inclui ilustrações e cadernos de imagens da edição de língua inglesa, o que, para uma história cultural, é um pecado. Autor de livros que ultrapassam o ambiente acadêmico e atingem um público amplo, Figes é personagem polêmico, das resenhas anônimas contra seus pares e de Sussurros, obra que lhe rendeu acusações de imprecisão factual. O título original Natasha’s Dance é uma referência à cena de Guerra e Paz, de Liev Tolstoi, na qual a filha do conde Rostov, Natasha, educada segundo os padrões ocidentais, vê-se desafiada a dançar uma música folclórica e, mesmo sem conhecê-la, acerta os passos, revelando debaixo da formação europeia a origem russa.

Essa Rússia, que no século 18 buscou ser europeia, erguendo uma nova capital – São Petersburgo – com milhares de servos e nobres, que falavam melhor o francês do que o russo, começa a construir sua história quando se vê na encruzilhada de 1812. A invasão de Napoleão faz ressurgir as raízes orientais. O fracasso da revolta dos liberais, em 1825, abre o caminho ao niilismo e à comunhão com o camponês. Dos populistas a Tolstoi, quase toda intelligentsia russa procura então a redenção no campo. Mas, como no fim da ópera Boris Godunov, de Mussorgski, baseada na obra de Alexander Pushkin, o povo permanece em silêncio.

Figes faz da busca da alma russa um belo capítulo da obra – a descrição da morte de Tolstoi combina intensidade dramática e linguagem escorreita. Excomungado pela igreja, o escritor atrai uma multidão ao seu enterro e, quando ela entoa um cântico, todos se ajoelham. Figes não quer decifrar Tolstoi, como fez Isaiah Berlin em O Porco-espinho e a Raposa. Quer entrelaçar as vidas ao tempo.

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Para tanto, o autor apaga, às vezes, o que perturba sua visão. É assim com Dostoievski. “Ele ignora a xenofobia e o antissemitismo que perpassam nas páginas do Diário de um Escritor”, diz o tradutor e crítico Irineu Franco Perpétuo. Figes constrói pontes entre o passado imperial dos Romanov e o dos comissários do povo. As aproximações são evidentes, mas ficam inexploradas, como se o autor as temesse. A crueldade contra súditos, mulheres e crianças, as ligações entre nobreza e burocracia, a visão redentora da Rússia no mundo, o desprezo pelo comércio e a noção de que a riqueza era imoral parecem preparar o terreno à revolução.

Revolução. Após 1917, o livro perde sua força. Há o drama de artistas como a poeta Ana Akhmatova, retratada na porta da prisão, onde buscava informações sobre o filho. “Consegue descrever isso”, perguntou-lhe uma outra mãe. “Sim”, respondeu Akhmatova. Nascia seu Réquiem: “Estive então entre meu povo,/Lá onde meu povo estava.” É esse povo e suas relações com a nova elite soviética que quase não vemos no livro. Ou povos, como os Komi, que despertaram em Kandinski um “maravilhamento” que, diz o pintor, tornou-se um elemento de suas obras. Na terra deles, Stalin via só os minérios de Vorkuta e os campos do Gulag.

O autor obscurece ainda o antagonismo que, segundo o professor Claude Frioux, separava os futuristas e os defensores da cultura proletária, agrupados no Proletkult. Ele ignora a dureza com que Lenin atacara os dois grupos e sua impaciência para as brigas das correntes que disputavam o monopólio teórico da arte. O líder soviético via urgência só na elevação da cultura do povo e revela hostilidade em suas anotações sobre o poema 150.000.000, de Maiakovski. Chama a obra de “bobageira estúpida, uma verdadeira idiotice pretensiosa”. E ataca o comissário Anatoli Lunatcharski por aprovar a edição com 5 mil exemplares. “Para mim, seria necessário imprimir no máximo 1.500 exemplares para bibliotecas e pessoas bizarras.”

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Semelhante branqueamento de fatos ocorre quando trata das relações de Sergei Efron, marido da poeta Marina Tsvetaeva, com a NKDV (futura KGB). Grave ainda é o autor não mostrar o fenômeno da expansão do marxismo no país, que influenciou até liberais, como Piotr Struve. Não há uma palavra sobre figuras como David Riazanov, que organizara a edição das obras completas de Marx. 

Ao escrever Sobre o Conceito da História, Walter Benjamin afirmou que “nunca houve um monumento da cultura que não fosse um monumento da barbárie”. Se a cultura não era isenta da barbárie, sua transmissão tampouco era. Daí a conclusão de que era necessário “escovar a história a contrapelo”. A história construída pelas elites russas esconde sua barbárie. Figes escreve contra a memória que os Czares e o regime de Stalin tentaram erguer. Mas, ao contrário de Benjamin, que via no trabalho do historiador uma forma de despertar consciências e evitar barbáries, Figes faz de seu ofício uma busca idealista que, no fim, assiste ao que seria o triunfo da cultura sobre a tirania. O encontro dos compositores Shostakovich e Stravinski com que o livro termina sela o projeto do autor de reconciliar as tradições com as forças de um povo.

Capa do livro 'A História Cultural da Rússia' Foto:
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Uma História Cultural da Rússia Autor: Orlando FigesTradução: Maria Beatriz de MedinaEditora: Record 882 páginas R$ 109,90

Povorusso retratado numa pintura de Kandinski Foto:

Conta Nadejda Mandelstam em suas memórias que o marido, o poeta Óssip Mandelstam, dizia ser a poesia respeitada só na Rússia e completava: “Não há lugar onde mais gente seja morta por ela.” Mandelstam escreveu em 1933 um poema sobre Stalin, chamava-o de assassino de dedos gordos e bigode de barata. Acabou no Gulag, morto em 1938. Sua vida é uma das que compõem o livro Natasha’s Dance, do historiador Orlando Figes, cujo subtítulo original – Uma História Cultural da Rússia – tornou-se o título da edição brasileira.

Figes propõe um inventário da cultura russa e da construção intelectual de seu ethos desde Pedro, o Grande, até a Era Brejnev. O autor quer mostrar as forças que atuaram na formação de uma aristocracia dividida entre valores ocidentais e orientais, entre o novo e o velho, o campo e a cidade, o ideal camponês e sua realidade, Moscou e São Petersburgo. Na ausência de um parlamento, a arte se transformara na arena política russa por excelência. E, ao tentarem compreender a nacionalidade, criando imagens dela com o poder de despertar a consciência e fixar a identidade do povo, os artistas se tornaram alvo dos governantes – dos Czares aos secretários do partido.

A edição da Record não inclui ilustrações e cadernos de imagens da edição de língua inglesa, o que, para uma história cultural, é um pecado. Autor de livros que ultrapassam o ambiente acadêmico e atingem um público amplo, Figes é personagem polêmico, das resenhas anônimas contra seus pares e de Sussurros, obra que lhe rendeu acusações de imprecisão factual. O título original Natasha’s Dance é uma referência à cena de Guerra e Paz, de Liev Tolstoi, na qual a filha do conde Rostov, Natasha, educada segundo os padrões ocidentais, vê-se desafiada a dançar uma música folclórica e, mesmo sem conhecê-la, acerta os passos, revelando debaixo da formação europeia a origem russa.

Essa Rússia, que no século 18 buscou ser europeia, erguendo uma nova capital – São Petersburgo – com milhares de servos e nobres, que falavam melhor o francês do que o russo, começa a construir sua história quando se vê na encruzilhada de 1812. A invasão de Napoleão faz ressurgir as raízes orientais. O fracasso da revolta dos liberais, em 1825, abre o caminho ao niilismo e à comunhão com o camponês. Dos populistas a Tolstoi, quase toda intelligentsia russa procura então a redenção no campo. Mas, como no fim da ópera Boris Godunov, de Mussorgski, baseada na obra de Alexander Pushkin, o povo permanece em silêncio.

Figes faz da busca da alma russa um belo capítulo da obra – a descrição da morte de Tolstoi combina intensidade dramática e linguagem escorreita. Excomungado pela igreja, o escritor atrai uma multidão ao seu enterro e, quando ela entoa um cântico, todos se ajoelham. Figes não quer decifrar Tolstoi, como fez Isaiah Berlin em O Porco-espinho e a Raposa. Quer entrelaçar as vidas ao tempo.

Para tanto, o autor apaga, às vezes, o que perturba sua visão. É assim com Dostoievski. “Ele ignora a xenofobia e o antissemitismo que perpassam nas páginas do Diário de um Escritor”, diz o tradutor e crítico Irineu Franco Perpétuo. Figes constrói pontes entre o passado imperial dos Romanov e o dos comissários do povo. As aproximações são evidentes, mas ficam inexploradas, como se o autor as temesse. A crueldade contra súditos, mulheres e crianças, as ligações entre nobreza e burocracia, a visão redentora da Rússia no mundo, o desprezo pelo comércio e a noção de que a riqueza era imoral parecem preparar o terreno à revolução.

Revolução. Após 1917, o livro perde sua força. Há o drama de artistas como a poeta Ana Akhmatova, retratada na porta da prisão, onde buscava informações sobre o filho. “Consegue descrever isso”, perguntou-lhe uma outra mãe. “Sim”, respondeu Akhmatova. Nascia seu Réquiem: “Estive então entre meu povo,/Lá onde meu povo estava.” É esse povo e suas relações com a nova elite soviética que quase não vemos no livro. Ou povos, como os Komi, que despertaram em Kandinski um “maravilhamento” que, diz o pintor, tornou-se um elemento de suas obras. Na terra deles, Stalin via só os minérios de Vorkuta e os campos do Gulag.

O autor obscurece ainda o antagonismo que, segundo o professor Claude Frioux, separava os futuristas e os defensores da cultura proletária, agrupados no Proletkult. Ele ignora a dureza com que Lenin atacara os dois grupos e sua impaciência para as brigas das correntes que disputavam o monopólio teórico da arte. O líder soviético via urgência só na elevação da cultura do povo e revela hostilidade em suas anotações sobre o poema 150.000.000, de Maiakovski. Chama a obra de “bobageira estúpida, uma verdadeira idiotice pretensiosa”. E ataca o comissário Anatoli Lunatcharski por aprovar a edição com 5 mil exemplares. “Para mim, seria necessário imprimir no máximo 1.500 exemplares para bibliotecas e pessoas bizarras.”

Semelhante branqueamento de fatos ocorre quando trata das relações de Sergei Efron, marido da poeta Marina Tsvetaeva, com a NKDV (futura KGB). Grave ainda é o autor não mostrar o fenômeno da expansão do marxismo no país, que influenciou até liberais, como Piotr Struve. Não há uma palavra sobre figuras como David Riazanov, que organizara a edição das obras completas de Marx. 

Ao escrever Sobre o Conceito da História, Walter Benjamin afirmou que “nunca houve um monumento da cultura que não fosse um monumento da barbárie”. Se a cultura não era isenta da barbárie, sua transmissão tampouco era. Daí a conclusão de que era necessário “escovar a história a contrapelo”. A história construída pelas elites russas esconde sua barbárie. Figes escreve contra a memória que os Czares e o regime de Stalin tentaram erguer. Mas, ao contrário de Benjamin, que via no trabalho do historiador uma forma de despertar consciências e evitar barbáries, Figes faz de seu ofício uma busca idealista que, no fim, assiste ao que seria o triunfo da cultura sobre a tirania. O encontro dos compositores Shostakovich e Stravinski com que o livro termina sela o projeto do autor de reconciliar as tradições com as forças de um povo.

Capa do livro 'A História Cultural da Rússia' Foto:

Uma História Cultural da Rússia Autor: Orlando FigesTradução: Maria Beatriz de MedinaEditora: Record 882 páginas R$ 109,90

Povorusso retratado numa pintura de Kandinski Foto:

Conta Nadejda Mandelstam em suas memórias que o marido, o poeta Óssip Mandelstam, dizia ser a poesia respeitada só na Rússia e completava: “Não há lugar onde mais gente seja morta por ela.” Mandelstam escreveu em 1933 um poema sobre Stalin, chamava-o de assassino de dedos gordos e bigode de barata. Acabou no Gulag, morto em 1938. Sua vida é uma das que compõem o livro Natasha’s Dance, do historiador Orlando Figes, cujo subtítulo original – Uma História Cultural da Rússia – tornou-se o título da edição brasileira.

Figes propõe um inventário da cultura russa e da construção intelectual de seu ethos desde Pedro, o Grande, até a Era Brejnev. O autor quer mostrar as forças que atuaram na formação de uma aristocracia dividida entre valores ocidentais e orientais, entre o novo e o velho, o campo e a cidade, o ideal camponês e sua realidade, Moscou e São Petersburgo. Na ausência de um parlamento, a arte se transformara na arena política russa por excelência. E, ao tentarem compreender a nacionalidade, criando imagens dela com o poder de despertar a consciência e fixar a identidade do povo, os artistas se tornaram alvo dos governantes – dos Czares aos secretários do partido.

A edição da Record não inclui ilustrações e cadernos de imagens da edição de língua inglesa, o que, para uma história cultural, é um pecado. Autor de livros que ultrapassam o ambiente acadêmico e atingem um público amplo, Figes é personagem polêmico, das resenhas anônimas contra seus pares e de Sussurros, obra que lhe rendeu acusações de imprecisão factual. O título original Natasha’s Dance é uma referência à cena de Guerra e Paz, de Liev Tolstoi, na qual a filha do conde Rostov, Natasha, educada segundo os padrões ocidentais, vê-se desafiada a dançar uma música folclórica e, mesmo sem conhecê-la, acerta os passos, revelando debaixo da formação europeia a origem russa.

Essa Rússia, que no século 18 buscou ser europeia, erguendo uma nova capital – São Petersburgo – com milhares de servos e nobres, que falavam melhor o francês do que o russo, começa a construir sua história quando se vê na encruzilhada de 1812. A invasão de Napoleão faz ressurgir as raízes orientais. O fracasso da revolta dos liberais, em 1825, abre o caminho ao niilismo e à comunhão com o camponês. Dos populistas a Tolstoi, quase toda intelligentsia russa procura então a redenção no campo. Mas, como no fim da ópera Boris Godunov, de Mussorgski, baseada na obra de Alexander Pushkin, o povo permanece em silêncio.

Figes faz da busca da alma russa um belo capítulo da obra – a descrição da morte de Tolstoi combina intensidade dramática e linguagem escorreita. Excomungado pela igreja, o escritor atrai uma multidão ao seu enterro e, quando ela entoa um cântico, todos se ajoelham. Figes não quer decifrar Tolstoi, como fez Isaiah Berlin em O Porco-espinho e a Raposa. Quer entrelaçar as vidas ao tempo.

Para tanto, o autor apaga, às vezes, o que perturba sua visão. É assim com Dostoievski. “Ele ignora a xenofobia e o antissemitismo que perpassam nas páginas do Diário de um Escritor”, diz o tradutor e crítico Irineu Franco Perpétuo. Figes constrói pontes entre o passado imperial dos Romanov e o dos comissários do povo. As aproximações são evidentes, mas ficam inexploradas, como se o autor as temesse. A crueldade contra súditos, mulheres e crianças, as ligações entre nobreza e burocracia, a visão redentora da Rússia no mundo, o desprezo pelo comércio e a noção de que a riqueza era imoral parecem preparar o terreno à revolução.

Revolução. Após 1917, o livro perde sua força. Há o drama de artistas como a poeta Ana Akhmatova, retratada na porta da prisão, onde buscava informações sobre o filho. “Consegue descrever isso”, perguntou-lhe uma outra mãe. “Sim”, respondeu Akhmatova. Nascia seu Réquiem: “Estive então entre meu povo,/Lá onde meu povo estava.” É esse povo e suas relações com a nova elite soviética que quase não vemos no livro. Ou povos, como os Komi, que despertaram em Kandinski um “maravilhamento” que, diz o pintor, tornou-se um elemento de suas obras. Na terra deles, Stalin via só os minérios de Vorkuta e os campos do Gulag.

O autor obscurece ainda o antagonismo que, segundo o professor Claude Frioux, separava os futuristas e os defensores da cultura proletária, agrupados no Proletkult. Ele ignora a dureza com que Lenin atacara os dois grupos e sua impaciência para as brigas das correntes que disputavam o monopólio teórico da arte. O líder soviético via urgência só na elevação da cultura do povo e revela hostilidade em suas anotações sobre o poema 150.000.000, de Maiakovski. Chama a obra de “bobageira estúpida, uma verdadeira idiotice pretensiosa”. E ataca o comissário Anatoli Lunatcharski por aprovar a edição com 5 mil exemplares. “Para mim, seria necessário imprimir no máximo 1.500 exemplares para bibliotecas e pessoas bizarras.”

Semelhante branqueamento de fatos ocorre quando trata das relações de Sergei Efron, marido da poeta Marina Tsvetaeva, com a NKDV (futura KGB). Grave ainda é o autor não mostrar o fenômeno da expansão do marxismo no país, que influenciou até liberais, como Piotr Struve. Não há uma palavra sobre figuras como David Riazanov, que organizara a edição das obras completas de Marx. 

Ao escrever Sobre o Conceito da História, Walter Benjamin afirmou que “nunca houve um monumento da cultura que não fosse um monumento da barbárie”. Se a cultura não era isenta da barbárie, sua transmissão tampouco era. Daí a conclusão de que era necessário “escovar a história a contrapelo”. A história construída pelas elites russas esconde sua barbárie. Figes escreve contra a memória que os Czares e o regime de Stalin tentaram erguer. Mas, ao contrário de Benjamin, que via no trabalho do historiador uma forma de despertar consciências e evitar barbáries, Figes faz de seu ofício uma busca idealista que, no fim, assiste ao que seria o triunfo da cultura sobre a tirania. O encontro dos compositores Shostakovich e Stravinski com que o livro termina sela o projeto do autor de reconciliar as tradições com as forças de um povo.

Capa do livro 'A História Cultural da Rússia' Foto:

Uma História Cultural da Rússia Autor: Orlando FigesTradução: Maria Beatriz de MedinaEditora: Record 882 páginas R$ 109,90

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