Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|A caderneta de telefones: Naqueles milhares de números, várias vidas


Não é que em uma elas encontrei o fone de Gisele Bündchen e liguei para ver o que acontecia?

Por Ignácio de Loyola Brandão

Em abril de 1957, Celso Jardim, chefe de reportagem do jornal Última Hora, meu primeiro emprego em São Paulo, ao me mandar entrevistar Lygia Fagundes Telles, indagou:

– Você tem uma caderneta de telefones? Organize rápido a sua, é a base do jornalista. Nomes, nomes, nomes, informantes.

– Informantes?

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– Suas fontes. Pessoas que te esclarecem e confirmam sobre o que acontece de importante.

Use um outro aparelho para ligar para o banco se solicitado, evitando que golpistas “prendam” sua linha. Foto: MarcelloCasalJr/AgenciaBrasil

Parte do jornal era feito na mesa circular no centro da redação, no Anhangabaú. Havia ali vinte telefones. O prédio branco de dois andares foi demolido há décadas. Ali está um terreno vazio, limitado ao fundo pelo paredão de pedras que sustenta o Mosteiro de São Bento. O mesmo paredão diante do qual, cheios de tensão, imaginamos que seríamos fuzilados pelo Comando de Caça Aos Comunistas que, armado, descia em peso do Mackenzie no dia 31 de março de 1964. Mudaram de caminho no meio, foram para a Faculdade de São Francisco, a “inimiga”.

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Celso Jardim e Álvaro Paes Leme se encantaram comigo, me ensinaram tudo. Se não fui melhor, problema meu. Logo tive minha caderneta de couro marrom, 10 x 6, recheada. Ninguém largava dela, era mais defendida que um celular na mão nas ruas de hoje. Os cronistas políticos Flávio Pila, Affonso de Souza e Dirceu Coutinho tinham as mais “preciosas”.

Tudo isso por quê? Nesta semana, em raro momento de desapego, dei em uma gaveta com 23 cadernetas telefônicas que vieram da UH, Claudia, Setenta, Realidade, Planeta, Ciência e Vida, Vogue. Por onde passei. Não é que em uma elas encontrei o fone de Gisele Bündchen? Liguei, deu em nada. Liguei ao acaso. Daisi, 35-28-64-13. Disquei. Uma voz masculina atendeu, eu disse meu nome, a voz rugiu: “Se pensa que ela é a mesma do seu tempo, esqueça”. O que aconteceu, passados tantos anos?

Logo imaginei um romance. O que se passou com pessoas que fizeram parte de nossas vidas e desapareceram? Um número, sem nome: 031, Belo Horizonte. Quem seria? Disquei, desliguei, lembrei: Roberto Drummond. Morreu. Teve um sonho a vida inteira, vender milhões de exemplares. O sucesso de Hilda Furacão deixou-o em transe. Um lutador. Deve ter mais de mil nomes nestas agendinhas de cor marrom, ensebadinhas. Vi número de Alda Lupo (porque nunca liguei para ela?), Bia Lessa, Antonio Tabucchi, Carmem Mayrink Veiga (021-551-11-79). Anselmo Duarte, Odete Lara, Juan Rulfo, Gunther Grass. E o daquela mulher que me traiu.

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Também Maneco Müller, em quem me inspirei como cronista. Ele era o Jacinto de Thormes, que revolucionou a crônica social no Brasil. Ibrahim chupou tudo dele. Naqueles milhares de números, várias vidas. Acima de tudo, a minha.

Em abril de 1957, Celso Jardim, chefe de reportagem do jornal Última Hora, meu primeiro emprego em São Paulo, ao me mandar entrevistar Lygia Fagundes Telles, indagou:

– Você tem uma caderneta de telefones? Organize rápido a sua, é a base do jornalista. Nomes, nomes, nomes, informantes.

– Informantes?

– Suas fontes. Pessoas que te esclarecem e confirmam sobre o que acontece de importante.

Use um outro aparelho para ligar para o banco se solicitado, evitando que golpistas “prendam” sua linha. Foto: MarcelloCasalJr/AgenciaBrasil

Parte do jornal era feito na mesa circular no centro da redação, no Anhangabaú. Havia ali vinte telefones. O prédio branco de dois andares foi demolido há décadas. Ali está um terreno vazio, limitado ao fundo pelo paredão de pedras que sustenta o Mosteiro de São Bento. O mesmo paredão diante do qual, cheios de tensão, imaginamos que seríamos fuzilados pelo Comando de Caça Aos Comunistas que, armado, descia em peso do Mackenzie no dia 31 de março de 1964. Mudaram de caminho no meio, foram para a Faculdade de São Francisco, a “inimiga”.

Celso Jardim e Álvaro Paes Leme se encantaram comigo, me ensinaram tudo. Se não fui melhor, problema meu. Logo tive minha caderneta de couro marrom, 10 x 6, recheada. Ninguém largava dela, era mais defendida que um celular na mão nas ruas de hoje. Os cronistas políticos Flávio Pila, Affonso de Souza e Dirceu Coutinho tinham as mais “preciosas”.

Tudo isso por quê? Nesta semana, em raro momento de desapego, dei em uma gaveta com 23 cadernetas telefônicas que vieram da UH, Claudia, Setenta, Realidade, Planeta, Ciência e Vida, Vogue. Por onde passei. Não é que em uma elas encontrei o fone de Gisele Bündchen? Liguei, deu em nada. Liguei ao acaso. Daisi, 35-28-64-13. Disquei. Uma voz masculina atendeu, eu disse meu nome, a voz rugiu: “Se pensa que ela é a mesma do seu tempo, esqueça”. O que aconteceu, passados tantos anos?

Logo imaginei um romance. O que se passou com pessoas que fizeram parte de nossas vidas e desapareceram? Um número, sem nome: 031, Belo Horizonte. Quem seria? Disquei, desliguei, lembrei: Roberto Drummond. Morreu. Teve um sonho a vida inteira, vender milhões de exemplares. O sucesso de Hilda Furacão deixou-o em transe. Um lutador. Deve ter mais de mil nomes nestas agendinhas de cor marrom, ensebadinhas. Vi número de Alda Lupo (porque nunca liguei para ela?), Bia Lessa, Antonio Tabucchi, Carmem Mayrink Veiga (021-551-11-79). Anselmo Duarte, Odete Lara, Juan Rulfo, Gunther Grass. E o daquela mulher que me traiu.

Também Maneco Müller, em quem me inspirei como cronista. Ele era o Jacinto de Thormes, que revolucionou a crônica social no Brasil. Ibrahim chupou tudo dele. Naqueles milhares de números, várias vidas. Acima de tudo, a minha.

Em abril de 1957, Celso Jardim, chefe de reportagem do jornal Última Hora, meu primeiro emprego em São Paulo, ao me mandar entrevistar Lygia Fagundes Telles, indagou:

– Você tem uma caderneta de telefones? Organize rápido a sua, é a base do jornalista. Nomes, nomes, nomes, informantes.

– Informantes?

– Suas fontes. Pessoas que te esclarecem e confirmam sobre o que acontece de importante.

Use um outro aparelho para ligar para o banco se solicitado, evitando que golpistas “prendam” sua linha. Foto: MarcelloCasalJr/AgenciaBrasil

Parte do jornal era feito na mesa circular no centro da redação, no Anhangabaú. Havia ali vinte telefones. O prédio branco de dois andares foi demolido há décadas. Ali está um terreno vazio, limitado ao fundo pelo paredão de pedras que sustenta o Mosteiro de São Bento. O mesmo paredão diante do qual, cheios de tensão, imaginamos que seríamos fuzilados pelo Comando de Caça Aos Comunistas que, armado, descia em peso do Mackenzie no dia 31 de março de 1964. Mudaram de caminho no meio, foram para a Faculdade de São Francisco, a “inimiga”.

Celso Jardim e Álvaro Paes Leme se encantaram comigo, me ensinaram tudo. Se não fui melhor, problema meu. Logo tive minha caderneta de couro marrom, 10 x 6, recheada. Ninguém largava dela, era mais defendida que um celular na mão nas ruas de hoje. Os cronistas políticos Flávio Pila, Affonso de Souza e Dirceu Coutinho tinham as mais “preciosas”.

Tudo isso por quê? Nesta semana, em raro momento de desapego, dei em uma gaveta com 23 cadernetas telefônicas que vieram da UH, Claudia, Setenta, Realidade, Planeta, Ciência e Vida, Vogue. Por onde passei. Não é que em uma elas encontrei o fone de Gisele Bündchen? Liguei, deu em nada. Liguei ao acaso. Daisi, 35-28-64-13. Disquei. Uma voz masculina atendeu, eu disse meu nome, a voz rugiu: “Se pensa que ela é a mesma do seu tempo, esqueça”. O que aconteceu, passados tantos anos?

Logo imaginei um romance. O que se passou com pessoas que fizeram parte de nossas vidas e desapareceram? Um número, sem nome: 031, Belo Horizonte. Quem seria? Disquei, desliguei, lembrei: Roberto Drummond. Morreu. Teve um sonho a vida inteira, vender milhões de exemplares. O sucesso de Hilda Furacão deixou-o em transe. Um lutador. Deve ter mais de mil nomes nestas agendinhas de cor marrom, ensebadinhas. Vi número de Alda Lupo (porque nunca liguei para ela?), Bia Lessa, Antonio Tabucchi, Carmem Mayrink Veiga (021-551-11-79). Anselmo Duarte, Odete Lara, Juan Rulfo, Gunther Grass. E o daquela mulher que me traiu.

Também Maneco Müller, em quem me inspirei como cronista. Ele era o Jacinto de Thormes, que revolucionou a crônica social no Brasil. Ibrahim chupou tudo dele. Naqueles milhares de números, várias vidas. Acima de tudo, a minha.

Em abril de 1957, Celso Jardim, chefe de reportagem do jornal Última Hora, meu primeiro emprego em São Paulo, ao me mandar entrevistar Lygia Fagundes Telles, indagou:

– Você tem uma caderneta de telefones? Organize rápido a sua, é a base do jornalista. Nomes, nomes, nomes, informantes.

– Informantes?

– Suas fontes. Pessoas que te esclarecem e confirmam sobre o que acontece de importante.

Use um outro aparelho para ligar para o banco se solicitado, evitando que golpistas “prendam” sua linha. Foto: MarcelloCasalJr/AgenciaBrasil

Parte do jornal era feito na mesa circular no centro da redação, no Anhangabaú. Havia ali vinte telefones. O prédio branco de dois andares foi demolido há décadas. Ali está um terreno vazio, limitado ao fundo pelo paredão de pedras que sustenta o Mosteiro de São Bento. O mesmo paredão diante do qual, cheios de tensão, imaginamos que seríamos fuzilados pelo Comando de Caça Aos Comunistas que, armado, descia em peso do Mackenzie no dia 31 de março de 1964. Mudaram de caminho no meio, foram para a Faculdade de São Francisco, a “inimiga”.

Celso Jardim e Álvaro Paes Leme se encantaram comigo, me ensinaram tudo. Se não fui melhor, problema meu. Logo tive minha caderneta de couro marrom, 10 x 6, recheada. Ninguém largava dela, era mais defendida que um celular na mão nas ruas de hoje. Os cronistas políticos Flávio Pila, Affonso de Souza e Dirceu Coutinho tinham as mais “preciosas”.

Tudo isso por quê? Nesta semana, em raro momento de desapego, dei em uma gaveta com 23 cadernetas telefônicas que vieram da UH, Claudia, Setenta, Realidade, Planeta, Ciência e Vida, Vogue. Por onde passei. Não é que em uma elas encontrei o fone de Gisele Bündchen? Liguei, deu em nada. Liguei ao acaso. Daisi, 35-28-64-13. Disquei. Uma voz masculina atendeu, eu disse meu nome, a voz rugiu: “Se pensa que ela é a mesma do seu tempo, esqueça”. O que aconteceu, passados tantos anos?

Logo imaginei um romance. O que se passou com pessoas que fizeram parte de nossas vidas e desapareceram? Um número, sem nome: 031, Belo Horizonte. Quem seria? Disquei, desliguei, lembrei: Roberto Drummond. Morreu. Teve um sonho a vida inteira, vender milhões de exemplares. O sucesso de Hilda Furacão deixou-o em transe. Um lutador. Deve ter mais de mil nomes nestas agendinhas de cor marrom, ensebadinhas. Vi número de Alda Lupo (porque nunca liguei para ela?), Bia Lessa, Antonio Tabucchi, Carmem Mayrink Veiga (021-551-11-79). Anselmo Duarte, Odete Lara, Juan Rulfo, Gunther Grass. E o daquela mulher que me traiu.

Também Maneco Müller, em quem me inspirei como cronista. Ele era o Jacinto de Thormes, que revolucionou a crônica social no Brasil. Ibrahim chupou tudo dele. Naqueles milhares de números, várias vidas. Acima de tudo, a minha.

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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