Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|A misteriosa perda do Antenor


Por IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

Cid, da banca de jornais da Artur Azevedo, que conhece todo mundo, estranhou ao dar com um Antenor arredio, escondendo o rosto e perguntando:Veio a Cláudia?- Não, semana que vem. Sossegue, guardo, você não vai perder.Cid sabe que Antenor coleciona a revista desde que a mãe, ao morrer, legou a ele todos os exemplares, mais de 30 anos de revistas. Agora tem horror de perder um número. Mas havia algo estranho, Antenor virava o rosto, não encarava Cid.Você está bem?Por que não haveria de estar?Parece deprimido.Antenor respondia com o rosto virado para o lado, como fugitivos em filmes policiais, ou alguém que foge de credores, ou quem não quer encarar a mulher que engana.- Estou ótimo, não se meta com minha vida.- Não adianta esconder. Te conheço.Ele correu em direção à Rua Lisboa, desapareceu. Depois disso, Cid ficou duas semanas sem ver Antenor. Ele voltou para buscar a revista. "Gosto mais desde que aquela Paula tomou conta", murmurou baixinho, para ele mesmo. Continuava esquisito, porém parecia mais dócil. No entanto, quando Cid quis aprofundar a conversa, Antenor disse ciao, eclipsou-se.Outras pessoas, comentavam o caso nos encontros na padaria, no balcão da sapataria do Pepe, com a Jane e o Henrique, o casal dos vinhos, e até mesmo na agência de publicidade JP3, cujos publicitários são vistos raramente, a não ser a morena de vestido preto e óculos escuros, sempre esquiva. As atitudes de Antenor provocavam interrogações, afinal ele sempre foi simples, afetuoso e engraçado. As professoras, conhecidas como "meninas da padaria", estranharam que ele nunca mais tinha parado para trocar ideias no brunch dominical. Teresinha Gianezzi, do restaurante Gênova, comentou que nem nas degustações Antenor aparecia, ainda que apaixonado por vinhos.Então ele começou a deixar bilhetes. Colocava no balcão da padaria, mandava entregar por meio de Selma, Vanda ou Cris, as jovens farmacêuticas, deixava com o Edson da quitanda, com os taxistas, ou no Guest 607, a nova bed and breakfast da rua. Um bilhete dizia: "Perdi uma coisa preciosa. Enquanto não encontrar não serei o mesmo". Outro: "Vocês não têm ideia de como são felizes. Se não encontrar o que perdi, acho melhor partir desta para melhor". Este bilhete assustou. O que ele teria perdido? Seria possível ajudá-lo? Por que não aparecia, explicava o problema? Por que fugia, afinal, todos gostavam dos casos dele? Uma tarde, o motoqueiro alto, de barbas brancas e boné negro, um daqueles que fazem ponto em frente da CPL, aos domingos, sempre acompanhado pela jovem loira, sorriso amplo, encontrou sobre o guidão da moto BMW um bilhete: "Meu problema é minha memória. Além do que perdi e que é importante, perdi também a memória. Se me lembrasse onde perdi o que perdi, minha vida mudaria".Foi o bastante para entrarmos em alvoroço. Qual o mistério? Seria loucura, esquizofrenia, psicose, o quê? Um surto? Novo desaparecimento. Antenor evaporou-se. Disseram que estava frequentando a reunião dos infelizes do bairro, aquela que ninguém sabe onde acontece.Há pouco, vindo pela rua Cristiano Viana dei com ele saindo da casa de homeopatia. Sorriu:Deus é pai! Pode vir comigo! P'ra me dar força?Onde? Ao Pronto-Socorro das Clínicas.Está doente?Não! Lembrei-me onde perdi.Andava rápido, ansioso. No ambulatório ele explicou alguma coisa para uma recepcionista que mandou esperar. Demorou, chegou uma enfermeira.- Ainda bem que o senhor veio. Não sabíamos mais o que fazer, a quem entregar. Aqui está. Quando demos alta, depois daquela convulsão, o senhor saiu correndo, disparado, nem quis ou teve tempo de recuperar seus pertences. Então, descobrimos que não havia seu endereço.Entregou a Antenor um pacotinho, que ele desfez rapidamente. De dentro tirou um relógio, cédulas de dinheiro amassadas, uma medalhinha, uma miniatura, mínima, mínima, de um avião da Panair e um olho de vidro. Num segundo, ele apanhou o olho azul, lustrou na barra da camisa e recolocou no rosto. Sorriu, me encarou feliz. Há anos nunca ninguém tinha reparado que o olho direito de Antenor era de vidro.- Agora, sim, posso enfrentar as pessoas. Estava desesperado. Sou eu de novo.Seu olho de vidro azul brilhava intenso como se fosse vivo.

Cid, da banca de jornais da Artur Azevedo, que conhece todo mundo, estranhou ao dar com um Antenor arredio, escondendo o rosto e perguntando:Veio a Cláudia?- Não, semana que vem. Sossegue, guardo, você não vai perder.Cid sabe que Antenor coleciona a revista desde que a mãe, ao morrer, legou a ele todos os exemplares, mais de 30 anos de revistas. Agora tem horror de perder um número. Mas havia algo estranho, Antenor virava o rosto, não encarava Cid.Você está bem?Por que não haveria de estar?Parece deprimido.Antenor respondia com o rosto virado para o lado, como fugitivos em filmes policiais, ou alguém que foge de credores, ou quem não quer encarar a mulher que engana.- Estou ótimo, não se meta com minha vida.- Não adianta esconder. Te conheço.Ele correu em direção à Rua Lisboa, desapareceu. Depois disso, Cid ficou duas semanas sem ver Antenor. Ele voltou para buscar a revista. "Gosto mais desde que aquela Paula tomou conta", murmurou baixinho, para ele mesmo. Continuava esquisito, porém parecia mais dócil. No entanto, quando Cid quis aprofundar a conversa, Antenor disse ciao, eclipsou-se.Outras pessoas, comentavam o caso nos encontros na padaria, no balcão da sapataria do Pepe, com a Jane e o Henrique, o casal dos vinhos, e até mesmo na agência de publicidade JP3, cujos publicitários são vistos raramente, a não ser a morena de vestido preto e óculos escuros, sempre esquiva. As atitudes de Antenor provocavam interrogações, afinal ele sempre foi simples, afetuoso e engraçado. As professoras, conhecidas como "meninas da padaria", estranharam que ele nunca mais tinha parado para trocar ideias no brunch dominical. Teresinha Gianezzi, do restaurante Gênova, comentou que nem nas degustações Antenor aparecia, ainda que apaixonado por vinhos.Então ele começou a deixar bilhetes. Colocava no balcão da padaria, mandava entregar por meio de Selma, Vanda ou Cris, as jovens farmacêuticas, deixava com o Edson da quitanda, com os taxistas, ou no Guest 607, a nova bed and breakfast da rua. Um bilhete dizia: "Perdi uma coisa preciosa. Enquanto não encontrar não serei o mesmo". Outro: "Vocês não têm ideia de como são felizes. Se não encontrar o que perdi, acho melhor partir desta para melhor". Este bilhete assustou. O que ele teria perdido? Seria possível ajudá-lo? Por que não aparecia, explicava o problema? Por que fugia, afinal, todos gostavam dos casos dele? Uma tarde, o motoqueiro alto, de barbas brancas e boné negro, um daqueles que fazem ponto em frente da CPL, aos domingos, sempre acompanhado pela jovem loira, sorriso amplo, encontrou sobre o guidão da moto BMW um bilhete: "Meu problema é minha memória. Além do que perdi e que é importante, perdi também a memória. Se me lembrasse onde perdi o que perdi, minha vida mudaria".Foi o bastante para entrarmos em alvoroço. Qual o mistério? Seria loucura, esquizofrenia, psicose, o quê? Um surto? Novo desaparecimento. Antenor evaporou-se. Disseram que estava frequentando a reunião dos infelizes do bairro, aquela que ninguém sabe onde acontece.Há pouco, vindo pela rua Cristiano Viana dei com ele saindo da casa de homeopatia. Sorriu:Deus é pai! Pode vir comigo! P'ra me dar força?Onde? Ao Pronto-Socorro das Clínicas.Está doente?Não! Lembrei-me onde perdi.Andava rápido, ansioso. No ambulatório ele explicou alguma coisa para uma recepcionista que mandou esperar. Demorou, chegou uma enfermeira.- Ainda bem que o senhor veio. Não sabíamos mais o que fazer, a quem entregar. Aqui está. Quando demos alta, depois daquela convulsão, o senhor saiu correndo, disparado, nem quis ou teve tempo de recuperar seus pertences. Então, descobrimos que não havia seu endereço.Entregou a Antenor um pacotinho, que ele desfez rapidamente. De dentro tirou um relógio, cédulas de dinheiro amassadas, uma medalhinha, uma miniatura, mínima, mínima, de um avião da Panair e um olho de vidro. Num segundo, ele apanhou o olho azul, lustrou na barra da camisa e recolocou no rosto. Sorriu, me encarou feliz. Há anos nunca ninguém tinha reparado que o olho direito de Antenor era de vidro.- Agora, sim, posso enfrentar as pessoas. Estava desesperado. Sou eu de novo.Seu olho de vidro azul brilhava intenso como se fosse vivo.

Cid, da banca de jornais da Artur Azevedo, que conhece todo mundo, estranhou ao dar com um Antenor arredio, escondendo o rosto e perguntando:Veio a Cláudia?- Não, semana que vem. Sossegue, guardo, você não vai perder.Cid sabe que Antenor coleciona a revista desde que a mãe, ao morrer, legou a ele todos os exemplares, mais de 30 anos de revistas. Agora tem horror de perder um número. Mas havia algo estranho, Antenor virava o rosto, não encarava Cid.Você está bem?Por que não haveria de estar?Parece deprimido.Antenor respondia com o rosto virado para o lado, como fugitivos em filmes policiais, ou alguém que foge de credores, ou quem não quer encarar a mulher que engana.- Estou ótimo, não se meta com minha vida.- Não adianta esconder. Te conheço.Ele correu em direção à Rua Lisboa, desapareceu. Depois disso, Cid ficou duas semanas sem ver Antenor. Ele voltou para buscar a revista. "Gosto mais desde que aquela Paula tomou conta", murmurou baixinho, para ele mesmo. Continuava esquisito, porém parecia mais dócil. No entanto, quando Cid quis aprofundar a conversa, Antenor disse ciao, eclipsou-se.Outras pessoas, comentavam o caso nos encontros na padaria, no balcão da sapataria do Pepe, com a Jane e o Henrique, o casal dos vinhos, e até mesmo na agência de publicidade JP3, cujos publicitários são vistos raramente, a não ser a morena de vestido preto e óculos escuros, sempre esquiva. As atitudes de Antenor provocavam interrogações, afinal ele sempre foi simples, afetuoso e engraçado. As professoras, conhecidas como "meninas da padaria", estranharam que ele nunca mais tinha parado para trocar ideias no brunch dominical. Teresinha Gianezzi, do restaurante Gênova, comentou que nem nas degustações Antenor aparecia, ainda que apaixonado por vinhos.Então ele começou a deixar bilhetes. Colocava no balcão da padaria, mandava entregar por meio de Selma, Vanda ou Cris, as jovens farmacêuticas, deixava com o Edson da quitanda, com os taxistas, ou no Guest 607, a nova bed and breakfast da rua. Um bilhete dizia: "Perdi uma coisa preciosa. Enquanto não encontrar não serei o mesmo". Outro: "Vocês não têm ideia de como são felizes. Se não encontrar o que perdi, acho melhor partir desta para melhor". Este bilhete assustou. O que ele teria perdido? Seria possível ajudá-lo? Por que não aparecia, explicava o problema? Por que fugia, afinal, todos gostavam dos casos dele? Uma tarde, o motoqueiro alto, de barbas brancas e boné negro, um daqueles que fazem ponto em frente da CPL, aos domingos, sempre acompanhado pela jovem loira, sorriso amplo, encontrou sobre o guidão da moto BMW um bilhete: "Meu problema é minha memória. Além do que perdi e que é importante, perdi também a memória. Se me lembrasse onde perdi o que perdi, minha vida mudaria".Foi o bastante para entrarmos em alvoroço. Qual o mistério? Seria loucura, esquizofrenia, psicose, o quê? Um surto? Novo desaparecimento. Antenor evaporou-se. Disseram que estava frequentando a reunião dos infelizes do bairro, aquela que ninguém sabe onde acontece.Há pouco, vindo pela rua Cristiano Viana dei com ele saindo da casa de homeopatia. Sorriu:Deus é pai! Pode vir comigo! P'ra me dar força?Onde? Ao Pronto-Socorro das Clínicas.Está doente?Não! Lembrei-me onde perdi.Andava rápido, ansioso. No ambulatório ele explicou alguma coisa para uma recepcionista que mandou esperar. Demorou, chegou uma enfermeira.- Ainda bem que o senhor veio. Não sabíamos mais o que fazer, a quem entregar. Aqui está. Quando demos alta, depois daquela convulsão, o senhor saiu correndo, disparado, nem quis ou teve tempo de recuperar seus pertences. Então, descobrimos que não havia seu endereço.Entregou a Antenor um pacotinho, que ele desfez rapidamente. De dentro tirou um relógio, cédulas de dinheiro amassadas, uma medalhinha, uma miniatura, mínima, mínima, de um avião da Panair e um olho de vidro. Num segundo, ele apanhou o olho azul, lustrou na barra da camisa e recolocou no rosto. Sorriu, me encarou feliz. Há anos nunca ninguém tinha reparado que o olho direito de Antenor era de vidro.- Agora, sim, posso enfrentar as pessoas. Estava desesperado. Sou eu de novo.Seu olho de vidro azul brilhava intenso como se fosse vivo.

Opinião por IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.