Aquele cachorro branco, mais do que isso, alvo como a neve, é lindo e doce, a não ser que o “chamado da selva” se faça ouvir e ele se transforma. Eu tinha 18 anos quando me encantei com os livros de Jack London e com a biografia aventureira do autor. Um que li e reli foi O Chamado Selvagem, sobre um cachorro selvagem que é domesticado, mas a certa altura abandona a civilização e volta à sua origem, dominado pelo instinto, devolvido à sua ferocidade. Assim como certos políticos brasileiros voltam à selva.
Pois este belo cão, Dylan, estava uma tarde posto em sossego, na varanda da casa de Ivo e Sueli, seus donos, em Cangalha, sul de Minas Gerais, quando viu um gato, filhote ainda, atravessando o terreno. Os pelos de Dylan se eriçaram, seu instinto foi liberado, ele avançou sobre o gatinho que fugiu em direção à porta da cozinha. Enganou-se, bateu no vidro fechado, caiu nas mãos de Dylan que destroçou sua pata traseira. O animalzinho teve chance de se esconder embaixo do forno de pães e pizzas, onde Dylan pelo tamanho não conseguiu entrar.
Sem imaginar o instinto de defesa do gato, Sueli avançou a mão para apanhá-lo e cuidar da pata. Mas o bichinho, temeroso, mordeu a mão e arranhou os braços dela que começaram a inchar, doer. Providências caseiras, indicadas pelo WhatsApp por um veterinário, de nada adiantaram. Na manhã seguinte, cedinho, Sueli foi para a cidade, Aiuruoca, distante 20 quilômetros por estrada de terra. Direto ao hospital, onde o médico deu uma repreensãozinha, disse que Sueli demorou, devia ter vindo à noite, talvez fosse necessário vacinas e antibióticos. Só que Lourival, responsável pelo setor de vacina, ainda não tinha chegado, seu expediente era mais tarde. Ligaram para a casa dele, estava deitado, ele se aprontou e correu ao hospital, deu as vacinas, recomendou os antibióticos, cuidou com paciência e preocupação. Final feliz. Tente conseguir isso em uma cidade grande.
Naquele momento, percebi que ainda existe um Brasil solidário, gente pronta a fazer o bem ao outro, seja em que momento for. Este Brasil que é ignorado pelos políticos, pelo Estado, pela União, por quem que, em vez de mandar, desmanda. Este brasileiro é cordial, se compadece e comparece quando é chamado. Quanto ao gato ferido, refugiou-se em uma toca na horta, onde Dylan não entra, e vem sendo cuidado pelo Dono, um faz-tudo que já mencionei em outro texto. Pergunto: a natureza cuida do gato, cura sua perna, devolve-o à vida? Como nós, urbanos, sabemos pouco dela e da vida, tanto que a destruímos. Até que...