Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|Ah, as ferrovias...


Em minha cidade, baldeava-se para a Companhia Paulista, rumo a Campinas, São Paulo, Santos. Tudo desapareceu

Por Ignácio de Loyola Brandão
Atualização:

Para algumas coisas, sou nostálgico. E daí? Acabei de receber uma foto que me emocionou. Uma locomotiva diesel das que funcionam na ferrovia que ainda passa por Araraquara puxando composições com minérios e grãos. Camargo e Silva, mais aficionado do que eu em ferrovias, fotografou e me enviou. Emocionei-me.

Porque que essa locomotiva, a 9037, da empresa Rumo, traz agora um imenso logotipo na cor grená tendo no centro as letras EFA. Estrada de Ferro Araraquara. Se invertermos uma letra, temos AFE, Associação Ferroviária de Esportes, o time de minha terra. Na EFA, nos vagões, nas locomotivas e estações, passei uma infância e juventude mágicas. Não existe mais a ferrovia a conduzir passageiros. Ela saía de Araraquara e ia até Presidente Vargas. Esta estação está hoje no fundo do lago de Ilha Solteira.

Em minha cidade, baldeava-se para a Companhia Paulista, rumo a Campinas, São Paulo, Santos. Tudo desapareceu, substituído pelos milhares de ônibus e caminhões em milhares de rodovias que cruzam o País, a maior parte delas em lamentável estado de manutenção. Esse Zema, que fala, desfala, diz que mudou tudo, mas ele desconhece trechos como Cruzeiro-Aiuruoca. Ou Fernão Dias-Heliodora, Natércia. Uma pista só e buraqueira.

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EFA, paixão de meu pai e meus tios, que dedicaram a vida a ela. Há um livro muito bom, na verdade teses de doutorado de Liliana Segnini sobre o regime ditatorial nas ferrovias, mas jamais vi dedicação como a de meu pai que, após 35 anos sem uma única falta, se aposentou feliz, como chefe da Contadoria.

Trecho de linha Férrea na Estação Piracuama em foto de março de 2022 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Amaral Gurgel, autor de radionovelas na Rádio Nacional, considerado o Gilberto Braga do rádio nos anos 1940 e 1950, foi funcionário da EFA. Nos dias de jogos da Ferroviária, havia um trem especial que deixava torcedores na porta do estádio. Sei que era a Paulista, mas em conexão com a EFA por dentro das oficinas desta.

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Meu tio José chefiou não sei quantas estações. Era o homem que me dava a amada revista A Cigarra, sempre com contos esplêndidos. Ele colecionou todos os números. Quando uma estação ficava congestionada por centenas de vagões que iam buscar café nas fazendas – era um imbróglio monumental –, só havia um capaz de conduzir as manobras complicadas, minuciosas, como um almirante, e fazer tudo andar. E como esquecer os carros-dormitório? O vagão-restaurante? E a estação de Araraquara lotadíssima no final do dia com os trens que vinham de São Paulo, de Rio Preto, Votuporanga, Barretos, nos feriados, trazendo namorados, namoradas, estudantes, caixeiros-viajantes, uma festa para os táxis?

EFA. Ao menos o logotipo manterá a memória de fatos, lendas, casos e fábulas que contei em meu livro A Morena da Estação, editado pela Maristela Petrili. Ah, as ferrovias!

* É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ZERO’ E ‘NÃO VERÁS PAÍS NENHUM’

Para algumas coisas, sou nostálgico. E daí? Acabei de receber uma foto que me emocionou. Uma locomotiva diesel das que funcionam na ferrovia que ainda passa por Araraquara puxando composições com minérios e grãos. Camargo e Silva, mais aficionado do que eu em ferrovias, fotografou e me enviou. Emocionei-me.

Porque que essa locomotiva, a 9037, da empresa Rumo, traz agora um imenso logotipo na cor grená tendo no centro as letras EFA. Estrada de Ferro Araraquara. Se invertermos uma letra, temos AFE, Associação Ferroviária de Esportes, o time de minha terra. Na EFA, nos vagões, nas locomotivas e estações, passei uma infância e juventude mágicas. Não existe mais a ferrovia a conduzir passageiros. Ela saía de Araraquara e ia até Presidente Vargas. Esta estação está hoje no fundo do lago de Ilha Solteira.

Em minha cidade, baldeava-se para a Companhia Paulista, rumo a Campinas, São Paulo, Santos. Tudo desapareceu, substituído pelos milhares de ônibus e caminhões em milhares de rodovias que cruzam o País, a maior parte delas em lamentável estado de manutenção. Esse Zema, que fala, desfala, diz que mudou tudo, mas ele desconhece trechos como Cruzeiro-Aiuruoca. Ou Fernão Dias-Heliodora, Natércia. Uma pista só e buraqueira.

EFA, paixão de meu pai e meus tios, que dedicaram a vida a ela. Há um livro muito bom, na verdade teses de doutorado de Liliana Segnini sobre o regime ditatorial nas ferrovias, mas jamais vi dedicação como a de meu pai que, após 35 anos sem uma única falta, se aposentou feliz, como chefe da Contadoria.

Trecho de linha Férrea na Estação Piracuama em foto de março de 2022 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Amaral Gurgel, autor de radionovelas na Rádio Nacional, considerado o Gilberto Braga do rádio nos anos 1940 e 1950, foi funcionário da EFA. Nos dias de jogos da Ferroviária, havia um trem especial que deixava torcedores na porta do estádio. Sei que era a Paulista, mas em conexão com a EFA por dentro das oficinas desta.

Meu tio José chefiou não sei quantas estações. Era o homem que me dava a amada revista A Cigarra, sempre com contos esplêndidos. Ele colecionou todos os números. Quando uma estação ficava congestionada por centenas de vagões que iam buscar café nas fazendas – era um imbróglio monumental –, só havia um capaz de conduzir as manobras complicadas, minuciosas, como um almirante, e fazer tudo andar. E como esquecer os carros-dormitório? O vagão-restaurante? E a estação de Araraquara lotadíssima no final do dia com os trens que vinham de São Paulo, de Rio Preto, Votuporanga, Barretos, nos feriados, trazendo namorados, namoradas, estudantes, caixeiros-viajantes, uma festa para os táxis?

EFA. Ao menos o logotipo manterá a memória de fatos, lendas, casos e fábulas que contei em meu livro A Morena da Estação, editado pela Maristela Petrili. Ah, as ferrovias!

* É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ZERO’ E ‘NÃO VERÁS PAÍS NENHUM’

Para algumas coisas, sou nostálgico. E daí? Acabei de receber uma foto que me emocionou. Uma locomotiva diesel das que funcionam na ferrovia que ainda passa por Araraquara puxando composições com minérios e grãos. Camargo e Silva, mais aficionado do que eu em ferrovias, fotografou e me enviou. Emocionei-me.

Porque que essa locomotiva, a 9037, da empresa Rumo, traz agora um imenso logotipo na cor grená tendo no centro as letras EFA. Estrada de Ferro Araraquara. Se invertermos uma letra, temos AFE, Associação Ferroviária de Esportes, o time de minha terra. Na EFA, nos vagões, nas locomotivas e estações, passei uma infância e juventude mágicas. Não existe mais a ferrovia a conduzir passageiros. Ela saía de Araraquara e ia até Presidente Vargas. Esta estação está hoje no fundo do lago de Ilha Solteira.

Em minha cidade, baldeava-se para a Companhia Paulista, rumo a Campinas, São Paulo, Santos. Tudo desapareceu, substituído pelos milhares de ônibus e caminhões em milhares de rodovias que cruzam o País, a maior parte delas em lamentável estado de manutenção. Esse Zema, que fala, desfala, diz que mudou tudo, mas ele desconhece trechos como Cruzeiro-Aiuruoca. Ou Fernão Dias-Heliodora, Natércia. Uma pista só e buraqueira.

EFA, paixão de meu pai e meus tios, que dedicaram a vida a ela. Há um livro muito bom, na verdade teses de doutorado de Liliana Segnini sobre o regime ditatorial nas ferrovias, mas jamais vi dedicação como a de meu pai que, após 35 anos sem uma única falta, se aposentou feliz, como chefe da Contadoria.

Trecho de linha Férrea na Estação Piracuama em foto de março de 2022 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Amaral Gurgel, autor de radionovelas na Rádio Nacional, considerado o Gilberto Braga do rádio nos anos 1940 e 1950, foi funcionário da EFA. Nos dias de jogos da Ferroviária, havia um trem especial que deixava torcedores na porta do estádio. Sei que era a Paulista, mas em conexão com a EFA por dentro das oficinas desta.

Meu tio José chefiou não sei quantas estações. Era o homem que me dava a amada revista A Cigarra, sempre com contos esplêndidos. Ele colecionou todos os números. Quando uma estação ficava congestionada por centenas de vagões que iam buscar café nas fazendas – era um imbróglio monumental –, só havia um capaz de conduzir as manobras complicadas, minuciosas, como um almirante, e fazer tudo andar. E como esquecer os carros-dormitório? O vagão-restaurante? E a estação de Araraquara lotadíssima no final do dia com os trens que vinham de São Paulo, de Rio Preto, Votuporanga, Barretos, nos feriados, trazendo namorados, namoradas, estudantes, caixeiros-viajantes, uma festa para os táxis?

EFA. Ao menos o logotipo manterá a memória de fatos, lendas, casos e fábulas que contei em meu livro A Morena da Estação, editado pela Maristela Petrili. Ah, as ferrovias!

* É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ZERO’ E ‘NÃO VERÁS PAÍS NENHUM’

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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