Vinha pela Rua Lisboa, contente, devorando uma cenourinha fresca, tinha comprado uns envelopes e jogado na Mega-Sena, quando a lombar deu sinal de vida.
Há anos, ela subitamente reage, não sei a quê. Doeu.
Encontrei uma muretinha diante de um templo mórmon e me sentei.
Assim a dor se acalma.
Eu estava terminando a cenoura quando a jovem parou à minha frente.
– O senhor sente-se bem?
– Bem, uma leve dor, estou dando uma descansada.
– Precisa de alguma coisa? Posso ajudar?
– Cinco minutos aqui e estarei bem, me conheço. Mas por que parou? É a coisa mais rara nesta cidade alguém se interessar pelo outro, querer ajudar.
– Meu pai é velho... Desculpe, idoso, já teve uma dor, não tinha onde parar, sentar, descansar, acabou caindo, se machucou. Desde aquele dia, paro. O que me custa?
– É que o outro não existe, a gente pode cair, morrer, ser atropelado, passam por cima. Se morrer, fico aqui estendido
Ela pareceu hesitar:
– O senhor tem medo de morrer?
– Medo, medo, não. Porque nada posso fazer. Mas não gostaria.
– Tenho pavor! Só penso nisso. Minha mãe também, ela tem idade, diz sempre que gostaria de passar dos 100. Eu não, ninguém gosta de pessoas velhas... Velhas, não, desculpe, idosas... Não quero ficar velha...
– Só não vai ficar se morrer.
– O senhor gosta de sua idade?
– Fiz tudo que queria... Bem, nem tudo, mas faço o que gosto, escrevo, e vou em frente.
A jovem, que me revelou chamar-se Talita, então confessou:
– Fazer o que eu gosto pode impedir minha morte? Como?
– Fazendo o que gosta, vai te impedir de ficar pensando na morte.
– Quer dizer, eu penso em outra coisa, não penso na morte?
– Gostando do que faz, você vai ter de pensar na vida para continuar a fazer o que gosta.
– Pô, o senhor é bom, hein? Nem parece velho... Oi, desculpe, idoso... Obrigado! Mas, agora eu tenho de pensar no que gosto. Como descobrir?
– Me encontre aqui, na mesma hora, no mesmo dia, na semana que vem. Se eu estiver vivo!
* É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ZERO’ E ‘NÃO VERÁS PAÍS NENHUM’