Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|O que é pior? Sessão de slides ou instagrams?


'Lamento, não posso comparecer por compromissos assumidos posteriormente'

Por Ignácio de Loyola Brandão

Duas coisas eram obrigatórias ao fazermos uma viagem: mandar um postal de cada lugar clichê ou, para os mais inquietos, uma vista (assim se dizia) que tivesse provocado encanto, emoção. E também fazer fotos coloridas, os famosos slides, que seriam exibidos na volta. Os postais significavam que em dado momento tínhamos nos lembrado de alguém e comprávamos o cartão nas centenas de quiosques que rodeavam os monumentos célebres. Muitos vendiam (não sei se ainda vendem) também os selos e sabiam as tarifas exatas para cada país, fosse Honduras, China, Paquistão ou Brasil. Essa indústria foi poderosa e muita gente alimentou família, fez os filhos estudarem e se casarem.

Admito que mandei e recebi postais interessantes, quando os amigos conheciam meu senso de humor, minhas preferências. Por anos, eram vistas de edifícios e paisagens. Depois, surgiram os humorísticos, satíricos, caricaturais, debochados, sem esquecer os eróticos. Houve época em que os eróticos (mais pornográficos) eram comprados “às ocultas”, mas os tempos libertários tornaram tudo transparente. Uma vez, certo amigo de uma prima mandou um postal que caiu nas mãos de uma tia beata. Mostrava Papai Noel, com a calça vermelha arriada, fazendo na chaminé, aquilo que fazemos na privada, como presente à família. Deu escândalo, gritos, ameaças.

Ainda guardo centenas de postais diferenciados. Recebi muitos portraits de grandes escritores, Joyce, Hemingway, Cesare Pavese, Tolstoi, Balzac, Henry Miller, Anais Nin, junto a fotos de Brigitte, Marilyn, Dorothy Malone, Jane Russel, Marisa Allasio, Silvana Pampanini, Angie Dickinson, cujas pernas encantaram o presidente Kennedy, que pediu e ela deu, Kim Novak, Julie Newmar, Jane Russell, Ann Margaret, Jayne Mansfield (mãe de Mariska Hargitay do seriado Law & Order: SVU), Claudia Cardinale, Françoise Arnoul. Hoje, quando viajo prefiro as papelarias dos museus, com reproduções de quadros que me encantam. Não mando postais. Quer dizer, não mando mais.

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Voltemos aos slides. Certo dia, recebíamos um convite aterrador: venham para um vinho e queijos. Ou para um frios e chope e depois veremos os slides de nossa viagem. A convocação era feita com antecipação, para que não viessem desculpas que justificassem a ausência. Chegávamos e tudo estava preparado, o projetor com o carretel de 72 imagens. Olhávamos em torno e descobríamos que havia mais dois carretéis preparados para o ataque. Longa seria a noite, pensávamos, e nos preparávamos.

Os slides corriam e quando o primeiro carretel terminava, tínhamos visto pouco das paisagens, o casal sempre estava em frente do assunto a ser mostrado, eles eram o tema. Em todas as viagens daqueles amigos, jamais vimos a Mona Lisa, ainda que eles tenham estado oito vezes diante do quadro mais célebre do mundo. De um quadro de Monet vi uma nesga à esquerda, fiquei sem saber o que era até hoje. Gostavam de brincadeirinhas também, quando os vigias do museu estavam desatentos. Ela colocava a mão sobre o membro de Priapo, fingindo excitação. Ele metia o dedo nos seios de alguma mulher nua. Certa vez, ambos seguraram a bunda do Pensador de Rodin. Explodiam de rir durante a projeção. O casal se considerava o mais viajado do grupo, ainda que ela, certa vez, tenha afirmado que o Coliseu era ruína da Segunda Guerra Mundial. O vinho que ofereciam nos fazia suportar as tolices. Sei, era um preço caro. Um dia, ambos sumiram, em uma dessas benesses da vida. Nada deles remanesceu, como diria Humberto Werneck, com quem jantei há pouco aqui em Portugal para onde vim a fim de participar, entre os dias 22 e 25, da 18.ª Correntes da Escrita, em Póvoa de Varzim, próxima ao Porto, e terra natal de Eça de Queirós. Fiz mesa ao lado de Walter Hugo Mãe. Depois, passei por Lisboa de onde regresso hoje.

Sim, não me esqueci. Preciso terminar. Hoje, não se mandam mais postais e sim instagrams de lugares, pratos de comida, gracinhas, pôr do sol, luar, de tudo. Enviam para nos aferroar, como se dissessem: Estou aqui e você aí curtindo o calor de São Paulo, as ruas varridas pelo João Trabalhador (a febre de varrer está acabando), o final de carnaval, a Vila Madalena toda mijada. Instagrams são piores do que sessões de slides. Razão tinha meu primo Zezé quando criou uma maneira de responder a convites chatos: “Lamento, não posso comparecer por compromissos assumidos posteriormente”. E sabe que tinha gente que não entendia? Interpelavam: se foi posterior, você pode vir...

Duas coisas eram obrigatórias ao fazermos uma viagem: mandar um postal de cada lugar clichê ou, para os mais inquietos, uma vista (assim se dizia) que tivesse provocado encanto, emoção. E também fazer fotos coloridas, os famosos slides, que seriam exibidos na volta. Os postais significavam que em dado momento tínhamos nos lembrado de alguém e comprávamos o cartão nas centenas de quiosques que rodeavam os monumentos célebres. Muitos vendiam (não sei se ainda vendem) também os selos e sabiam as tarifas exatas para cada país, fosse Honduras, China, Paquistão ou Brasil. Essa indústria foi poderosa e muita gente alimentou família, fez os filhos estudarem e se casarem.

Admito que mandei e recebi postais interessantes, quando os amigos conheciam meu senso de humor, minhas preferências. Por anos, eram vistas de edifícios e paisagens. Depois, surgiram os humorísticos, satíricos, caricaturais, debochados, sem esquecer os eróticos. Houve época em que os eróticos (mais pornográficos) eram comprados “às ocultas”, mas os tempos libertários tornaram tudo transparente. Uma vez, certo amigo de uma prima mandou um postal que caiu nas mãos de uma tia beata. Mostrava Papai Noel, com a calça vermelha arriada, fazendo na chaminé, aquilo que fazemos na privada, como presente à família. Deu escândalo, gritos, ameaças.

Ainda guardo centenas de postais diferenciados. Recebi muitos portraits de grandes escritores, Joyce, Hemingway, Cesare Pavese, Tolstoi, Balzac, Henry Miller, Anais Nin, junto a fotos de Brigitte, Marilyn, Dorothy Malone, Jane Russel, Marisa Allasio, Silvana Pampanini, Angie Dickinson, cujas pernas encantaram o presidente Kennedy, que pediu e ela deu, Kim Novak, Julie Newmar, Jane Russell, Ann Margaret, Jayne Mansfield (mãe de Mariska Hargitay do seriado Law & Order: SVU), Claudia Cardinale, Françoise Arnoul. Hoje, quando viajo prefiro as papelarias dos museus, com reproduções de quadros que me encantam. Não mando postais. Quer dizer, não mando mais.

Voltemos aos slides. Certo dia, recebíamos um convite aterrador: venham para um vinho e queijos. Ou para um frios e chope e depois veremos os slides de nossa viagem. A convocação era feita com antecipação, para que não viessem desculpas que justificassem a ausência. Chegávamos e tudo estava preparado, o projetor com o carretel de 72 imagens. Olhávamos em torno e descobríamos que havia mais dois carretéis preparados para o ataque. Longa seria a noite, pensávamos, e nos preparávamos.

Os slides corriam e quando o primeiro carretel terminava, tínhamos visto pouco das paisagens, o casal sempre estava em frente do assunto a ser mostrado, eles eram o tema. Em todas as viagens daqueles amigos, jamais vimos a Mona Lisa, ainda que eles tenham estado oito vezes diante do quadro mais célebre do mundo. De um quadro de Monet vi uma nesga à esquerda, fiquei sem saber o que era até hoje. Gostavam de brincadeirinhas também, quando os vigias do museu estavam desatentos. Ela colocava a mão sobre o membro de Priapo, fingindo excitação. Ele metia o dedo nos seios de alguma mulher nua. Certa vez, ambos seguraram a bunda do Pensador de Rodin. Explodiam de rir durante a projeção. O casal se considerava o mais viajado do grupo, ainda que ela, certa vez, tenha afirmado que o Coliseu era ruína da Segunda Guerra Mundial. O vinho que ofereciam nos fazia suportar as tolices. Sei, era um preço caro. Um dia, ambos sumiram, em uma dessas benesses da vida. Nada deles remanesceu, como diria Humberto Werneck, com quem jantei há pouco aqui em Portugal para onde vim a fim de participar, entre os dias 22 e 25, da 18.ª Correntes da Escrita, em Póvoa de Varzim, próxima ao Porto, e terra natal de Eça de Queirós. Fiz mesa ao lado de Walter Hugo Mãe. Depois, passei por Lisboa de onde regresso hoje.

Sim, não me esqueci. Preciso terminar. Hoje, não se mandam mais postais e sim instagrams de lugares, pratos de comida, gracinhas, pôr do sol, luar, de tudo. Enviam para nos aferroar, como se dissessem: Estou aqui e você aí curtindo o calor de São Paulo, as ruas varridas pelo João Trabalhador (a febre de varrer está acabando), o final de carnaval, a Vila Madalena toda mijada. Instagrams são piores do que sessões de slides. Razão tinha meu primo Zezé quando criou uma maneira de responder a convites chatos: “Lamento, não posso comparecer por compromissos assumidos posteriormente”. E sabe que tinha gente que não entendia? Interpelavam: se foi posterior, você pode vir...

Duas coisas eram obrigatórias ao fazermos uma viagem: mandar um postal de cada lugar clichê ou, para os mais inquietos, uma vista (assim se dizia) que tivesse provocado encanto, emoção. E também fazer fotos coloridas, os famosos slides, que seriam exibidos na volta. Os postais significavam que em dado momento tínhamos nos lembrado de alguém e comprávamos o cartão nas centenas de quiosques que rodeavam os monumentos célebres. Muitos vendiam (não sei se ainda vendem) também os selos e sabiam as tarifas exatas para cada país, fosse Honduras, China, Paquistão ou Brasil. Essa indústria foi poderosa e muita gente alimentou família, fez os filhos estudarem e se casarem.

Admito que mandei e recebi postais interessantes, quando os amigos conheciam meu senso de humor, minhas preferências. Por anos, eram vistas de edifícios e paisagens. Depois, surgiram os humorísticos, satíricos, caricaturais, debochados, sem esquecer os eróticos. Houve época em que os eróticos (mais pornográficos) eram comprados “às ocultas”, mas os tempos libertários tornaram tudo transparente. Uma vez, certo amigo de uma prima mandou um postal que caiu nas mãos de uma tia beata. Mostrava Papai Noel, com a calça vermelha arriada, fazendo na chaminé, aquilo que fazemos na privada, como presente à família. Deu escândalo, gritos, ameaças.

Ainda guardo centenas de postais diferenciados. Recebi muitos portraits de grandes escritores, Joyce, Hemingway, Cesare Pavese, Tolstoi, Balzac, Henry Miller, Anais Nin, junto a fotos de Brigitte, Marilyn, Dorothy Malone, Jane Russel, Marisa Allasio, Silvana Pampanini, Angie Dickinson, cujas pernas encantaram o presidente Kennedy, que pediu e ela deu, Kim Novak, Julie Newmar, Jane Russell, Ann Margaret, Jayne Mansfield (mãe de Mariska Hargitay do seriado Law & Order: SVU), Claudia Cardinale, Françoise Arnoul. Hoje, quando viajo prefiro as papelarias dos museus, com reproduções de quadros que me encantam. Não mando postais. Quer dizer, não mando mais.

Voltemos aos slides. Certo dia, recebíamos um convite aterrador: venham para um vinho e queijos. Ou para um frios e chope e depois veremos os slides de nossa viagem. A convocação era feita com antecipação, para que não viessem desculpas que justificassem a ausência. Chegávamos e tudo estava preparado, o projetor com o carretel de 72 imagens. Olhávamos em torno e descobríamos que havia mais dois carretéis preparados para o ataque. Longa seria a noite, pensávamos, e nos preparávamos.

Os slides corriam e quando o primeiro carretel terminava, tínhamos visto pouco das paisagens, o casal sempre estava em frente do assunto a ser mostrado, eles eram o tema. Em todas as viagens daqueles amigos, jamais vimos a Mona Lisa, ainda que eles tenham estado oito vezes diante do quadro mais célebre do mundo. De um quadro de Monet vi uma nesga à esquerda, fiquei sem saber o que era até hoje. Gostavam de brincadeirinhas também, quando os vigias do museu estavam desatentos. Ela colocava a mão sobre o membro de Priapo, fingindo excitação. Ele metia o dedo nos seios de alguma mulher nua. Certa vez, ambos seguraram a bunda do Pensador de Rodin. Explodiam de rir durante a projeção. O casal se considerava o mais viajado do grupo, ainda que ela, certa vez, tenha afirmado que o Coliseu era ruína da Segunda Guerra Mundial. O vinho que ofereciam nos fazia suportar as tolices. Sei, era um preço caro. Um dia, ambos sumiram, em uma dessas benesses da vida. Nada deles remanesceu, como diria Humberto Werneck, com quem jantei há pouco aqui em Portugal para onde vim a fim de participar, entre os dias 22 e 25, da 18.ª Correntes da Escrita, em Póvoa de Varzim, próxima ao Porto, e terra natal de Eça de Queirós. Fiz mesa ao lado de Walter Hugo Mãe. Depois, passei por Lisboa de onde regresso hoje.

Sim, não me esqueci. Preciso terminar. Hoje, não se mandam mais postais e sim instagrams de lugares, pratos de comida, gracinhas, pôr do sol, luar, de tudo. Enviam para nos aferroar, como se dissessem: Estou aqui e você aí curtindo o calor de São Paulo, as ruas varridas pelo João Trabalhador (a febre de varrer está acabando), o final de carnaval, a Vila Madalena toda mijada. Instagrams são piores do que sessões de slides. Razão tinha meu primo Zezé quando criou uma maneira de responder a convites chatos: “Lamento, não posso comparecer por compromissos assumidos posteriormente”. E sabe que tinha gente que não entendia? Interpelavam: se foi posterior, você pode vir...

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