Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|O sorriso que ela deu da janela foi para mim? Ou uma ironia?


Nunca mais vi a jovem entrar no banho. Dali em diante, as janelas ficaram fechadas. Um dia, a jovem sumiu, deve ter se mudado, nunca soube quem era

Por Ignácio de Loyola Brandão
Atualização:

Sábado, 31, meu filho André fez 50 anos. Meio século, a comemorar. Estávamos na casa dele e em torno os primos e amigos, e lembrei-me da manhã de domingo, atrás, quando deixamos a maternidade e seguimos por uma Avenida Paulista deserta, rumo à Rua Ministro Godói, em Perdizes. Quando soubemos que Bia estava grávida, tinham começado a construir um prédio ao lado do nosso, e prevíamos meses de barulho. Mas quando André chegou, o edifício estava pronto.

O menino estava acomodado, precisei sair em busca de uma drogaria, tínhamos esquecido a mamadeira na maternidade. Farmácia aberta domingo? Foi um perereco, como dizia minha avó Branca, para achar uma aberta. Achei, perto da choperia Cristal, onde anos depois eu veria Julio Cortázar dando entrevista a Marcos Faerman, excelente jornalista gaúcho do alternativo Versus, que nem me cumprimentou, com medo de que eu me aproximasse e ele perdesse a exclusiva. Respeitei. Cortázar veio com uma bonita agente e secretária, que depois foi namorada do Raduan Nassar.

Bem, cheguei com a mamadeira e os leites, preparamos e levei ao quarto de André. Abri a janela que deu exatamente para o banheiro de um apartamento no novo edifício. Mais do que isso, a janela estava aberta e uma jovem nua preparava-se para o banho. Tirou a roupa, largando-a no chão. Virou-se, me viu, sorriu, entrou no box. Foi uma fulgurante visão de boas-vindas. Dei a mamadeira ao André e me entreguei às fainas que um recém-nascido exige.

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Conversando com o zelador do prédio vizinho (o jornalista nunca saiu de mim), ele revelou que ainda eram poucos os ocupantes e aquele casal do décimo segundo andar era recém-casado.

Nunca mais vi a jovem entrar no banho. Dali em diante, as janelas ficaram fechadas. Um dia, a jovem sumiu, deve ter se mudado, nunca soube quem era. Não era o caso de bisbilhotar. Foi um lance de fugaz deslumbre. Mas hoje, quando André está com 50 anos, penso: quem era ela? Sabia que eu a vi? Ou fez de propósito? Estará viva? É possível que esteja lendo esse texto, pensando: “Aquela era eu. Então, ele me viu? Ainda se lembra? O que ele pensou? Me desejou? Aquele foi um momento de apenas duas pessoas. Ele, o vizinho, ainda se lembra?”.

Ou ela jamais percebeu aquele instante? Mas, e o sorriso que deu? Foi para mim? Ou uma ironia? Mistério das cidades.

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Foto da cidade de São Paulo em 2022 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Sábado, 31, meu filho André fez 50 anos. Meio século, a comemorar. Estávamos na casa dele e em torno os primos e amigos, e lembrei-me da manhã de domingo, atrás, quando deixamos a maternidade e seguimos por uma Avenida Paulista deserta, rumo à Rua Ministro Godói, em Perdizes. Quando soubemos que Bia estava grávida, tinham começado a construir um prédio ao lado do nosso, e prevíamos meses de barulho. Mas quando André chegou, o edifício estava pronto.

O menino estava acomodado, precisei sair em busca de uma drogaria, tínhamos esquecido a mamadeira na maternidade. Farmácia aberta domingo? Foi um perereco, como dizia minha avó Branca, para achar uma aberta. Achei, perto da choperia Cristal, onde anos depois eu veria Julio Cortázar dando entrevista a Marcos Faerman, excelente jornalista gaúcho do alternativo Versus, que nem me cumprimentou, com medo de que eu me aproximasse e ele perdesse a exclusiva. Respeitei. Cortázar veio com uma bonita agente e secretária, que depois foi namorada do Raduan Nassar.

Bem, cheguei com a mamadeira e os leites, preparamos e levei ao quarto de André. Abri a janela que deu exatamente para o banheiro de um apartamento no novo edifício. Mais do que isso, a janela estava aberta e uma jovem nua preparava-se para o banho. Tirou a roupa, largando-a no chão. Virou-se, me viu, sorriu, entrou no box. Foi uma fulgurante visão de boas-vindas. Dei a mamadeira ao André e me entreguei às fainas que um recém-nascido exige.

Conversando com o zelador do prédio vizinho (o jornalista nunca saiu de mim), ele revelou que ainda eram poucos os ocupantes e aquele casal do décimo segundo andar era recém-casado.

Nunca mais vi a jovem entrar no banho. Dali em diante, as janelas ficaram fechadas. Um dia, a jovem sumiu, deve ter se mudado, nunca soube quem era. Não era o caso de bisbilhotar. Foi um lance de fugaz deslumbre. Mas hoje, quando André está com 50 anos, penso: quem era ela? Sabia que eu a vi? Ou fez de propósito? Estará viva? É possível que esteja lendo esse texto, pensando: “Aquela era eu. Então, ele me viu? Ainda se lembra? O que ele pensou? Me desejou? Aquele foi um momento de apenas duas pessoas. Ele, o vizinho, ainda se lembra?”.

Ou ela jamais percebeu aquele instante? Mas, e o sorriso que deu? Foi para mim? Ou uma ironia? Mistério das cidades.

Foto da cidade de São Paulo em 2022 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Sábado, 31, meu filho André fez 50 anos. Meio século, a comemorar. Estávamos na casa dele e em torno os primos e amigos, e lembrei-me da manhã de domingo, atrás, quando deixamos a maternidade e seguimos por uma Avenida Paulista deserta, rumo à Rua Ministro Godói, em Perdizes. Quando soubemos que Bia estava grávida, tinham começado a construir um prédio ao lado do nosso, e prevíamos meses de barulho. Mas quando André chegou, o edifício estava pronto.

O menino estava acomodado, precisei sair em busca de uma drogaria, tínhamos esquecido a mamadeira na maternidade. Farmácia aberta domingo? Foi um perereco, como dizia minha avó Branca, para achar uma aberta. Achei, perto da choperia Cristal, onde anos depois eu veria Julio Cortázar dando entrevista a Marcos Faerman, excelente jornalista gaúcho do alternativo Versus, que nem me cumprimentou, com medo de que eu me aproximasse e ele perdesse a exclusiva. Respeitei. Cortázar veio com uma bonita agente e secretária, que depois foi namorada do Raduan Nassar.

Bem, cheguei com a mamadeira e os leites, preparamos e levei ao quarto de André. Abri a janela que deu exatamente para o banheiro de um apartamento no novo edifício. Mais do que isso, a janela estava aberta e uma jovem nua preparava-se para o banho. Tirou a roupa, largando-a no chão. Virou-se, me viu, sorriu, entrou no box. Foi uma fulgurante visão de boas-vindas. Dei a mamadeira ao André e me entreguei às fainas que um recém-nascido exige.

Conversando com o zelador do prédio vizinho (o jornalista nunca saiu de mim), ele revelou que ainda eram poucos os ocupantes e aquele casal do décimo segundo andar era recém-casado.

Nunca mais vi a jovem entrar no banho. Dali em diante, as janelas ficaram fechadas. Um dia, a jovem sumiu, deve ter se mudado, nunca soube quem era. Não era o caso de bisbilhotar. Foi um lance de fugaz deslumbre. Mas hoje, quando André está com 50 anos, penso: quem era ela? Sabia que eu a vi? Ou fez de propósito? Estará viva? É possível que esteja lendo esse texto, pensando: “Aquela era eu. Então, ele me viu? Ainda se lembra? O que ele pensou? Me desejou? Aquele foi um momento de apenas duas pessoas. Ele, o vizinho, ainda se lembra?”.

Ou ela jamais percebeu aquele instante? Mas, e o sorriso que deu? Foi para mim? Ou uma ironia? Mistério das cidades.

Foto da cidade de São Paulo em 2022 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Sábado, 31, meu filho André fez 50 anos. Meio século, a comemorar. Estávamos na casa dele e em torno os primos e amigos, e lembrei-me da manhã de domingo, atrás, quando deixamos a maternidade e seguimos por uma Avenida Paulista deserta, rumo à Rua Ministro Godói, em Perdizes. Quando soubemos que Bia estava grávida, tinham começado a construir um prédio ao lado do nosso, e prevíamos meses de barulho. Mas quando André chegou, o edifício estava pronto.

O menino estava acomodado, precisei sair em busca de uma drogaria, tínhamos esquecido a mamadeira na maternidade. Farmácia aberta domingo? Foi um perereco, como dizia minha avó Branca, para achar uma aberta. Achei, perto da choperia Cristal, onde anos depois eu veria Julio Cortázar dando entrevista a Marcos Faerman, excelente jornalista gaúcho do alternativo Versus, que nem me cumprimentou, com medo de que eu me aproximasse e ele perdesse a exclusiva. Respeitei. Cortázar veio com uma bonita agente e secretária, que depois foi namorada do Raduan Nassar.

Bem, cheguei com a mamadeira e os leites, preparamos e levei ao quarto de André. Abri a janela que deu exatamente para o banheiro de um apartamento no novo edifício. Mais do que isso, a janela estava aberta e uma jovem nua preparava-se para o banho. Tirou a roupa, largando-a no chão. Virou-se, me viu, sorriu, entrou no box. Foi uma fulgurante visão de boas-vindas. Dei a mamadeira ao André e me entreguei às fainas que um recém-nascido exige.

Conversando com o zelador do prédio vizinho (o jornalista nunca saiu de mim), ele revelou que ainda eram poucos os ocupantes e aquele casal do décimo segundo andar era recém-casado.

Nunca mais vi a jovem entrar no banho. Dali em diante, as janelas ficaram fechadas. Um dia, a jovem sumiu, deve ter se mudado, nunca soube quem era. Não era o caso de bisbilhotar. Foi um lance de fugaz deslumbre. Mas hoje, quando André está com 50 anos, penso: quem era ela? Sabia que eu a vi? Ou fez de propósito? Estará viva? É possível que esteja lendo esse texto, pensando: “Aquela era eu. Então, ele me viu? Ainda se lembra? O que ele pensou? Me desejou? Aquele foi um momento de apenas duas pessoas. Ele, o vizinho, ainda se lembra?”.

Ou ela jamais percebeu aquele instante? Mas, e o sorriso que deu? Foi para mim? Ou uma ironia? Mistério das cidades.

Foto da cidade de São Paulo em 2022 Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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