Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|Rotina quebrada e escuridão - estamos na idade média


Nem nos animamos a pegar um livro. Ler sem luz?

Por Ignácio de Loyola Brandão
Atualização:

Olivetto, logo chego

Na minha infância, quando faltava luz na cidade era porque a CPFL estava trocando algum poste. Ou um raio ou vento tinha estourado transformadores. Ou chegara a Sexta-Feira Santa na hora da procissão do Senhor Morto.

O último motivo, sempre incompreensível, era o blecaute por causa da guerra. Se a guerra era na Europa, a milhares de quilômetros, porque apagavam as luzes da cidade? Mais enigmático e inexplicável que o aparecimento do energúmeno Marçal nas eleições deste ano, seguido por bando de paspalhos.

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Pois semana passada, jantados, tranquilos, Marcia e eu nos sentamos para ver uma série. Eis que veio o tufão e varreu a João Moura, passou pela padaria CPL, virou as mesinhas na calçada, e as luzes se apagaram. Desconstruiu a cidade. Todo mundo à espera do Milton na Flórida e eis que ele veio para Pinheiros. E se esparramou.

Na escuridão, saímos pela casa em busca de uma lanterna ou de uma vela, desacostumamos de ter à mão utensílios como estes. Na infância e juventude, tínhamos em local acessível velas de cera, castiçais, lanternas ou lampiões de querosene ou a gás. Utensílios que hoje parecem arcaicos dada a quantidade de energia nuclear, além de barragens monumentais.

Estou ainda estupefato com minha passagem recente por Porto Primavera e aquele lago que parece gigantesco oceano sem ondas. Marcia encontrou tocos de velas, seriam de curta duração. Mulheres acham tudo o que a visão dos homens não alcança na casa.

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Fazer o quê? Não dava para ler, não havia rádio, a tevê sem estar na rede, sem radinho de pilhas. Não estamos preparados para isso. Fomos dormir às oito da noite, acordamos várias vezes. Manhã seguinte, nada de energia. Jornais impressos demoraram. Nada de tevê. Nada de nada. Não sabemos o que fazer sem penduricalhos eletrônicos. Somos neandertais.

Rotina quebrada, nem nos animamos a pegar um livro. Ler sem luz? Estupefação, estamos na idade média.

Cidade amanheceu macambúzia, sem semáforos, trânsito às tontas, sem internet, fiação elétrica emaranhada, milhares de fios enrodilhados (sem falar nos cabos roubados), árvores caindo, matando pessoas. E dizem que a guerra é no Oriente Médio, é na Ucrânia, é nos morros do Rio de Janeiro, é na Cracolândia. E se aqui não é guerra, com administradores inúteis, que só asfaltam, é o inferno.

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Região da Praça da República no centro de São Paulo às escuras por falta de energia em 21 de março de 2024 Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Olivetto, logo chego

Na minha infância, quando faltava luz na cidade era porque a CPFL estava trocando algum poste. Ou um raio ou vento tinha estourado transformadores. Ou chegara a Sexta-Feira Santa na hora da procissão do Senhor Morto.

O último motivo, sempre incompreensível, era o blecaute por causa da guerra. Se a guerra era na Europa, a milhares de quilômetros, porque apagavam as luzes da cidade? Mais enigmático e inexplicável que o aparecimento do energúmeno Marçal nas eleições deste ano, seguido por bando de paspalhos.

Pois semana passada, jantados, tranquilos, Marcia e eu nos sentamos para ver uma série. Eis que veio o tufão e varreu a João Moura, passou pela padaria CPL, virou as mesinhas na calçada, e as luzes se apagaram. Desconstruiu a cidade. Todo mundo à espera do Milton na Flórida e eis que ele veio para Pinheiros. E se esparramou.

Na escuridão, saímos pela casa em busca de uma lanterna ou de uma vela, desacostumamos de ter à mão utensílios como estes. Na infância e juventude, tínhamos em local acessível velas de cera, castiçais, lanternas ou lampiões de querosene ou a gás. Utensílios que hoje parecem arcaicos dada a quantidade de energia nuclear, além de barragens monumentais.

Estou ainda estupefato com minha passagem recente por Porto Primavera e aquele lago que parece gigantesco oceano sem ondas. Marcia encontrou tocos de velas, seriam de curta duração. Mulheres acham tudo o que a visão dos homens não alcança na casa.

Fazer o quê? Não dava para ler, não havia rádio, a tevê sem estar na rede, sem radinho de pilhas. Não estamos preparados para isso. Fomos dormir às oito da noite, acordamos várias vezes. Manhã seguinte, nada de energia. Jornais impressos demoraram. Nada de tevê. Nada de nada. Não sabemos o que fazer sem penduricalhos eletrônicos. Somos neandertais.

Rotina quebrada, nem nos animamos a pegar um livro. Ler sem luz? Estupefação, estamos na idade média.

Cidade amanheceu macambúzia, sem semáforos, trânsito às tontas, sem internet, fiação elétrica emaranhada, milhares de fios enrodilhados (sem falar nos cabos roubados), árvores caindo, matando pessoas. E dizem que a guerra é no Oriente Médio, é na Ucrânia, é nos morros do Rio de Janeiro, é na Cracolândia. E se aqui não é guerra, com administradores inúteis, que só asfaltam, é o inferno.

Região da Praça da República no centro de São Paulo às escuras por falta de energia em 21 de março de 2024 Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Olivetto, logo chego

Na minha infância, quando faltava luz na cidade era porque a CPFL estava trocando algum poste. Ou um raio ou vento tinha estourado transformadores. Ou chegara a Sexta-Feira Santa na hora da procissão do Senhor Morto.

O último motivo, sempre incompreensível, era o blecaute por causa da guerra. Se a guerra era na Europa, a milhares de quilômetros, porque apagavam as luzes da cidade? Mais enigmático e inexplicável que o aparecimento do energúmeno Marçal nas eleições deste ano, seguido por bando de paspalhos.

Pois semana passada, jantados, tranquilos, Marcia e eu nos sentamos para ver uma série. Eis que veio o tufão e varreu a João Moura, passou pela padaria CPL, virou as mesinhas na calçada, e as luzes se apagaram. Desconstruiu a cidade. Todo mundo à espera do Milton na Flórida e eis que ele veio para Pinheiros. E se esparramou.

Na escuridão, saímos pela casa em busca de uma lanterna ou de uma vela, desacostumamos de ter à mão utensílios como estes. Na infância e juventude, tínhamos em local acessível velas de cera, castiçais, lanternas ou lampiões de querosene ou a gás. Utensílios que hoje parecem arcaicos dada a quantidade de energia nuclear, além de barragens monumentais.

Estou ainda estupefato com minha passagem recente por Porto Primavera e aquele lago que parece gigantesco oceano sem ondas. Marcia encontrou tocos de velas, seriam de curta duração. Mulheres acham tudo o que a visão dos homens não alcança na casa.

Fazer o quê? Não dava para ler, não havia rádio, a tevê sem estar na rede, sem radinho de pilhas. Não estamos preparados para isso. Fomos dormir às oito da noite, acordamos várias vezes. Manhã seguinte, nada de energia. Jornais impressos demoraram. Nada de tevê. Nada de nada. Não sabemos o que fazer sem penduricalhos eletrônicos. Somos neandertais.

Rotina quebrada, nem nos animamos a pegar um livro. Ler sem luz? Estupefação, estamos na idade média.

Cidade amanheceu macambúzia, sem semáforos, trânsito às tontas, sem internet, fiação elétrica emaranhada, milhares de fios enrodilhados (sem falar nos cabos roubados), árvores caindo, matando pessoas. E dizem que a guerra é no Oriente Médio, é na Ucrânia, é nos morros do Rio de Janeiro, é na Cracolândia. E se aqui não é guerra, com administradores inúteis, que só asfaltam, é o inferno.

Região da Praça da República no centro de São Paulo às escuras por falta de energia em 21 de março de 2024 Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Olivetto, logo chego

Na minha infância, quando faltava luz na cidade era porque a CPFL estava trocando algum poste. Ou um raio ou vento tinha estourado transformadores. Ou chegara a Sexta-Feira Santa na hora da procissão do Senhor Morto.

O último motivo, sempre incompreensível, era o blecaute por causa da guerra. Se a guerra era na Europa, a milhares de quilômetros, porque apagavam as luzes da cidade? Mais enigmático e inexplicável que o aparecimento do energúmeno Marçal nas eleições deste ano, seguido por bando de paspalhos.

Pois semana passada, jantados, tranquilos, Marcia e eu nos sentamos para ver uma série. Eis que veio o tufão e varreu a João Moura, passou pela padaria CPL, virou as mesinhas na calçada, e as luzes se apagaram. Desconstruiu a cidade. Todo mundo à espera do Milton na Flórida e eis que ele veio para Pinheiros. E se esparramou.

Na escuridão, saímos pela casa em busca de uma lanterna ou de uma vela, desacostumamos de ter à mão utensílios como estes. Na infância e juventude, tínhamos em local acessível velas de cera, castiçais, lanternas ou lampiões de querosene ou a gás. Utensílios que hoje parecem arcaicos dada a quantidade de energia nuclear, além de barragens monumentais.

Estou ainda estupefato com minha passagem recente por Porto Primavera e aquele lago que parece gigantesco oceano sem ondas. Marcia encontrou tocos de velas, seriam de curta duração. Mulheres acham tudo o que a visão dos homens não alcança na casa.

Fazer o quê? Não dava para ler, não havia rádio, a tevê sem estar na rede, sem radinho de pilhas. Não estamos preparados para isso. Fomos dormir às oito da noite, acordamos várias vezes. Manhã seguinte, nada de energia. Jornais impressos demoraram. Nada de tevê. Nada de nada. Não sabemos o que fazer sem penduricalhos eletrônicos. Somos neandertais.

Rotina quebrada, nem nos animamos a pegar um livro. Ler sem luz? Estupefação, estamos na idade média.

Cidade amanheceu macambúzia, sem semáforos, trânsito às tontas, sem internet, fiação elétrica emaranhada, milhares de fios enrodilhados (sem falar nos cabos roubados), árvores caindo, matando pessoas. E dizem que a guerra é no Oriente Médio, é na Ucrânia, é nos morros do Rio de Janeiro, é na Cracolândia. E se aqui não é guerra, com administradores inúteis, que só asfaltam, é o inferno.

Região da Praça da República no centro de São Paulo às escuras por falta de energia em 21 de março de 2024 Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO
Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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