Inglaterra reacende mito de Lord Byron


Nova biografia, um documentário de televisão e uma exposição jogam luzes na vida agitada do poeta, "o inglês mais extraordinário de sua geração", segundo o Times

Por Agencia Estado

Ele viveu com só um dos pais, tinha uma deficiência física e um distúrbio alimentar, usava drogas e teve mais mulheres que Julio Iglesias - incluindo relações sexuais com sua meia-irmã, assim como com vários garotos e damas ilustres. Um homem que viu seu corpo embalsamado quando o túmulo foi aberto insinuou que ele tinha uma barriga bastante pronunciada. Cópias pirateadas de sua obra vendiam aos milhares. Não se trata de uma estrela do rock ou personagem de novela. É uma descrição nua e crua do poeta romântico Lord Byron, cuja obra foi excluída do currículo escolar britânico em 1999 - presumivelmente por não ser relevante. No mês que vem, contudo, será impossível não ser tocado por Byron, o homem que o Times chamou de "o inglês mais extraordinário de sua geração" três semanas depois de sua morte, de febre, em 1824. A nova biografia de Fiona MacCarthy, Byron: Life and Legend (Byron: vida e lenda), sai no dia 7 na Inglaterra. Uma mostra dedicada a ele na National Portrait Gallery, em Londres, entra em cartaz no dia 20. E um documentário no programa de artes Omnibus, da emissora de tevê BBC, está agendado para o mesmo mês. Cada evento promete derrubar os mitos que cercaram o homem tão notavelmente descrito como "louco, mau e perigoso de se conhecer" por uma de suas muitas amantes, a fofoqueira lady Caroline Lamb - que, se tivesse vivido em outra época, daria uma ótima criadora de manchetes de tablóides sensacionalistas. Na biografia, Fiona MacCarthy lança um olhar renovado sobre George Gordon Noel Byron, o sexto barão da linhagem, que herdou o título aos 10 anos. Ela revisita a infância escocesa de Byron (sugere que o poeta sofria um distúrbio afetivo sazonal por causa de todos aqueles terríveis invernos de Aberdeen), a relação com a mãe (seu pai, "Mad Jack", deixou-os quando George ainda era uma criancinha) e o drama do pé deformado (provavelmente displasia, uma má formação, e não pé torto, como pensam os críticos modernos). Amizades - Fiona ainda trata da questão do homossexualismo de Byron. Ela teve acesso ao famoso arquivo do editor de Byron, John Murray (ele próprio um biógrafo do escritor), e confere nova importância às amizades masculinas do artista. Na mostra da National Portrait Gallery, com curadoria também de Fiona MacCarthy, o persistente fascínio pelo "diabo coxo", como ele mesmo se chamava, é analisado para uma nova geração. A exposição visa mostrar como sua fama literária e sua notoriedade social foram alimentados por pinturas e esculturas. O evento ainda examina o quão cuidadosamente Byron controlava as imagens dele que eram divulgadas, como faz hoje uma estrela de cinema exigindo o direito de escolher a foto para a capa de uma revista. Há retratos feitos por George Sanders, Richard Westall, Thomas Phillips e George Henry Harlow, entre outros. O programa Omnibus, dirigido por Chris Rodley, com contribuições de Michael Foot e Lord Gowrie, especialistas na obra de Byron, examina várias características da personalidade do poeta, de seu radicalismo político à dinâmica de seus casos amorosos, e a queima de seus memórias depois de sua morte. O programa contém uma cena fantástica que mostra o poeta inglês John Betjeman chorando a perda ao lado da lareira onde as memórias foram queimadas. Numa época em que a poesia luta para manter qualquer tipo de público leitor, o "anjo manco" ainda atrai enorme interesse, apesar de ter sido oficialmente banido das salas de aula. Há 40 sociedades dedicadas a Byron no mundo. Neste ano, a 27.ª Conferência Internacional sobre Byron foi realizada no Japão. No ano que vem, será em Liverpool. Sua obra foi traduzida para o japonês e o árabe e ele goza de imensa popularidade no Extremo Oriente. Em 1999, uma cama onde, acredita-se, Byron dormiu em 1823, quando uniu-se aos rebeldes gregos na luta de independência contra os turcos, foi arrematada por 14.375 libras, o dobro do previsto, num leilão da Bonhams. Charles Sturridge, diretor de Um Punhado de Pó e Brideshead Revisited, está escrevendo um roteiro para um filme sobre a vida de Byron, a ser mostrado em duas partes pelo Channel 4. Sturridge não é o primeiro: tentativas anteriores de levar Byron às telas incluem The Bad Lord Byron (1949), estrelado por Dennis Price como um conquistador profissional, Lady Caroline Lamb (1972), com Sarah Miles roubando a cena como Caroline, Haunted Summer (1988) e Gothic, de Ken Russel, os dois últimos sobre sua estada em Genebra com os Shelley. Moderninho - "A vida de Byron às vezes interessa mais às pessoas que sua poesia", admite Geoffrey Bond, presidente da Sociedade Byron da Grã-Bretanha. "Byron tem muitos lados, como os homens modernos, daí o eterno fascínio. Mas ele também tinha um lado muito sério. Ele era um homem de muitas faces, mas aspectos de sua vida privada lembram aquela de um pop star moderno." Parecemos ser atraídos porque sua vida estava sujeita a males modernos, como a depressão, a insegurança e a suposta anorexia. Ele costumava ir à loja de vinhos Berry Brothers, na St. James´s Street, em Londres, para se pesar. Graças às suas anotações, sabemos que, no máximo de gordura, o conquistador de 1,73 m pesou 92,5 kg, antes de perder mais de 30 kg com a ajuda de um coquetel à base de magnésio. O verdadeiro legado de Byron foi a criação de um modelo que sua própria vida parecia seguir tão ativamente quanto sua poesia. Por meio de uma combinação entre o poema dramático Manfred e as façanhas privadas de seu autor, nasceu o herói byronista - um individualista satânico, brilhante, alienado, mas inacabado, que pode ser enxergado em heróis modernos da cultura popular, como Kurt Cobain e Morrissey. "Este herói permaneceu aberto à reinterpretação, inspirando de tudo, de Heathcliff, o anti-herói sombrio e sexualmente constrangedor, a Nietzsche, o individualista profético que filosofa com um martelo", diz Stuart Allen, estudioso do Romantismo no Wolfson College, Cambridge. Mas os dias em que a própria obra de Byron inspirava escritores como Pushkin a experimentar o estilo byronista há tempos acabaram. Há um "efeito Byron" na sociedade, mas poucas pessoas realmente lêem obras como Childe Harold, Beppo ou Don Juan. Os três eventos sobre Byron no mês que vem nada fazem para retificar o equilíbrio poesia-estilo de vida. Reputações - Allen explica: "Até 15 ou 20 anos atrás, o Romantismo britânico era quase exclusivamente representado por Blake, Wordsworth, Coleridge, Keats, Shelley e Byron. Desde então, este cânone foi expandido e a reputação dos escritores centrais oscilou. Mesmo assim, a posição de Byron permaneceu virtualmente imutável desde sua morte e ele ainda é considerado o menos importante dos seis grandes românticos." Sua obra foi rejeitada particularmente na Inglaterra e na Escócia, onde mesmo há 200 anos ele foi ridicularizado, ao receber um comentário do Edinburgh Review que o fez pensar no suicídio. "Você sabe o que eles dizem dos profetas em seu próprio país", afirma Jerome McGann, professor da Universidade de Virginia e autor de vários textos críticos cruciais sobre Byron. "E para a Inglaterra vitoriana, por muitas razões, a sátira e a comédia, puras e purificadoras, eram virtualmente impossíveis de engolir, a menos que viessem acompanhadas por grandes doses de nonsense sentimental." A considerável extensão de sua obra-prima cômica Don Juan não o ajuda a atrair os leitores modernos com níveis baixos de concentração. "Byron dizia que Don Juan era resultado de improviso não-intencional. Comparado com a poesia meditativa de Wordsworth, de ´emoções relembradas na tranqüilidade´, ele pode parecer sentimental", diz Allen. Camaleão - Mas os fãs de Byron não só adoram Don Juan, eles o reverenciam. "Don Juan é uma das mais brilhantes e divertidas sátiras já escritas", afirma Bond. "Shelley e Wordsworth são tratados como escritores de mérito muito mais notável. Mas Byron é um desafio muito maior para o leitor. Ele pode chegar a você, camaleônico, de muitas maneiras. Não se sabe ao certo onde colocá-lo." Um argumento tentador é o de que os enfadonhos acadêmicos não sabem o que fazer com alguém com o carisma de Byron. Ele não é facilmente classificado porque era um romântico com sentimentos anti-românticos. "A visão atual, que devemos a Goethe, de que Byron é uma espécie de espírito de fogo desmiolado é tão completamente errada que você perde a respiração ao pensar que ela ainda tem alguma aceitação", diz McGann. A arte e a vida de Byron se inspiram uma na outra. Para ser um grande pensador não basta ter idéias: pensar é uma atividade. Ou como o atual John Murray diz no programa Omnibus: "Não se trata apenas de sentar e escrever algo. Você vive e, se conseguir, escreve sobre." Ou nas palavras de Byron: "Se lamentas tua juventude, por que viver? / A terra da morte honrosa / É aqui. Avante ao campo de batalha, / E libera teu sopro." (Tradução de Alexandre Moschella)

Ele viveu com só um dos pais, tinha uma deficiência física e um distúrbio alimentar, usava drogas e teve mais mulheres que Julio Iglesias - incluindo relações sexuais com sua meia-irmã, assim como com vários garotos e damas ilustres. Um homem que viu seu corpo embalsamado quando o túmulo foi aberto insinuou que ele tinha uma barriga bastante pronunciada. Cópias pirateadas de sua obra vendiam aos milhares. Não se trata de uma estrela do rock ou personagem de novela. É uma descrição nua e crua do poeta romântico Lord Byron, cuja obra foi excluída do currículo escolar britânico em 1999 - presumivelmente por não ser relevante. No mês que vem, contudo, será impossível não ser tocado por Byron, o homem que o Times chamou de "o inglês mais extraordinário de sua geração" três semanas depois de sua morte, de febre, em 1824. A nova biografia de Fiona MacCarthy, Byron: Life and Legend (Byron: vida e lenda), sai no dia 7 na Inglaterra. Uma mostra dedicada a ele na National Portrait Gallery, em Londres, entra em cartaz no dia 20. E um documentário no programa de artes Omnibus, da emissora de tevê BBC, está agendado para o mesmo mês. Cada evento promete derrubar os mitos que cercaram o homem tão notavelmente descrito como "louco, mau e perigoso de se conhecer" por uma de suas muitas amantes, a fofoqueira lady Caroline Lamb - que, se tivesse vivido em outra época, daria uma ótima criadora de manchetes de tablóides sensacionalistas. Na biografia, Fiona MacCarthy lança um olhar renovado sobre George Gordon Noel Byron, o sexto barão da linhagem, que herdou o título aos 10 anos. Ela revisita a infância escocesa de Byron (sugere que o poeta sofria um distúrbio afetivo sazonal por causa de todos aqueles terríveis invernos de Aberdeen), a relação com a mãe (seu pai, "Mad Jack", deixou-os quando George ainda era uma criancinha) e o drama do pé deformado (provavelmente displasia, uma má formação, e não pé torto, como pensam os críticos modernos). Amizades - Fiona ainda trata da questão do homossexualismo de Byron. Ela teve acesso ao famoso arquivo do editor de Byron, John Murray (ele próprio um biógrafo do escritor), e confere nova importância às amizades masculinas do artista. Na mostra da National Portrait Gallery, com curadoria também de Fiona MacCarthy, o persistente fascínio pelo "diabo coxo", como ele mesmo se chamava, é analisado para uma nova geração. A exposição visa mostrar como sua fama literária e sua notoriedade social foram alimentados por pinturas e esculturas. O evento ainda examina o quão cuidadosamente Byron controlava as imagens dele que eram divulgadas, como faz hoje uma estrela de cinema exigindo o direito de escolher a foto para a capa de uma revista. Há retratos feitos por George Sanders, Richard Westall, Thomas Phillips e George Henry Harlow, entre outros. O programa Omnibus, dirigido por Chris Rodley, com contribuições de Michael Foot e Lord Gowrie, especialistas na obra de Byron, examina várias características da personalidade do poeta, de seu radicalismo político à dinâmica de seus casos amorosos, e a queima de seus memórias depois de sua morte. O programa contém uma cena fantástica que mostra o poeta inglês John Betjeman chorando a perda ao lado da lareira onde as memórias foram queimadas. Numa época em que a poesia luta para manter qualquer tipo de público leitor, o "anjo manco" ainda atrai enorme interesse, apesar de ter sido oficialmente banido das salas de aula. Há 40 sociedades dedicadas a Byron no mundo. Neste ano, a 27.ª Conferência Internacional sobre Byron foi realizada no Japão. No ano que vem, será em Liverpool. Sua obra foi traduzida para o japonês e o árabe e ele goza de imensa popularidade no Extremo Oriente. Em 1999, uma cama onde, acredita-se, Byron dormiu em 1823, quando uniu-se aos rebeldes gregos na luta de independência contra os turcos, foi arrematada por 14.375 libras, o dobro do previsto, num leilão da Bonhams. Charles Sturridge, diretor de Um Punhado de Pó e Brideshead Revisited, está escrevendo um roteiro para um filme sobre a vida de Byron, a ser mostrado em duas partes pelo Channel 4. Sturridge não é o primeiro: tentativas anteriores de levar Byron às telas incluem The Bad Lord Byron (1949), estrelado por Dennis Price como um conquistador profissional, Lady Caroline Lamb (1972), com Sarah Miles roubando a cena como Caroline, Haunted Summer (1988) e Gothic, de Ken Russel, os dois últimos sobre sua estada em Genebra com os Shelley. Moderninho - "A vida de Byron às vezes interessa mais às pessoas que sua poesia", admite Geoffrey Bond, presidente da Sociedade Byron da Grã-Bretanha. "Byron tem muitos lados, como os homens modernos, daí o eterno fascínio. Mas ele também tinha um lado muito sério. Ele era um homem de muitas faces, mas aspectos de sua vida privada lembram aquela de um pop star moderno." Parecemos ser atraídos porque sua vida estava sujeita a males modernos, como a depressão, a insegurança e a suposta anorexia. Ele costumava ir à loja de vinhos Berry Brothers, na St. James´s Street, em Londres, para se pesar. Graças às suas anotações, sabemos que, no máximo de gordura, o conquistador de 1,73 m pesou 92,5 kg, antes de perder mais de 30 kg com a ajuda de um coquetel à base de magnésio. O verdadeiro legado de Byron foi a criação de um modelo que sua própria vida parecia seguir tão ativamente quanto sua poesia. Por meio de uma combinação entre o poema dramático Manfred e as façanhas privadas de seu autor, nasceu o herói byronista - um individualista satânico, brilhante, alienado, mas inacabado, que pode ser enxergado em heróis modernos da cultura popular, como Kurt Cobain e Morrissey. "Este herói permaneceu aberto à reinterpretação, inspirando de tudo, de Heathcliff, o anti-herói sombrio e sexualmente constrangedor, a Nietzsche, o individualista profético que filosofa com um martelo", diz Stuart Allen, estudioso do Romantismo no Wolfson College, Cambridge. Mas os dias em que a própria obra de Byron inspirava escritores como Pushkin a experimentar o estilo byronista há tempos acabaram. Há um "efeito Byron" na sociedade, mas poucas pessoas realmente lêem obras como Childe Harold, Beppo ou Don Juan. Os três eventos sobre Byron no mês que vem nada fazem para retificar o equilíbrio poesia-estilo de vida. Reputações - Allen explica: "Até 15 ou 20 anos atrás, o Romantismo britânico era quase exclusivamente representado por Blake, Wordsworth, Coleridge, Keats, Shelley e Byron. Desde então, este cânone foi expandido e a reputação dos escritores centrais oscilou. Mesmo assim, a posição de Byron permaneceu virtualmente imutável desde sua morte e ele ainda é considerado o menos importante dos seis grandes românticos." Sua obra foi rejeitada particularmente na Inglaterra e na Escócia, onde mesmo há 200 anos ele foi ridicularizado, ao receber um comentário do Edinburgh Review que o fez pensar no suicídio. "Você sabe o que eles dizem dos profetas em seu próprio país", afirma Jerome McGann, professor da Universidade de Virginia e autor de vários textos críticos cruciais sobre Byron. "E para a Inglaterra vitoriana, por muitas razões, a sátira e a comédia, puras e purificadoras, eram virtualmente impossíveis de engolir, a menos que viessem acompanhadas por grandes doses de nonsense sentimental." A considerável extensão de sua obra-prima cômica Don Juan não o ajuda a atrair os leitores modernos com níveis baixos de concentração. "Byron dizia que Don Juan era resultado de improviso não-intencional. Comparado com a poesia meditativa de Wordsworth, de ´emoções relembradas na tranqüilidade´, ele pode parecer sentimental", diz Allen. Camaleão - Mas os fãs de Byron não só adoram Don Juan, eles o reverenciam. "Don Juan é uma das mais brilhantes e divertidas sátiras já escritas", afirma Bond. "Shelley e Wordsworth são tratados como escritores de mérito muito mais notável. Mas Byron é um desafio muito maior para o leitor. Ele pode chegar a você, camaleônico, de muitas maneiras. Não se sabe ao certo onde colocá-lo." Um argumento tentador é o de que os enfadonhos acadêmicos não sabem o que fazer com alguém com o carisma de Byron. Ele não é facilmente classificado porque era um romântico com sentimentos anti-românticos. "A visão atual, que devemos a Goethe, de que Byron é uma espécie de espírito de fogo desmiolado é tão completamente errada que você perde a respiração ao pensar que ela ainda tem alguma aceitação", diz McGann. A arte e a vida de Byron se inspiram uma na outra. Para ser um grande pensador não basta ter idéias: pensar é uma atividade. Ou como o atual John Murray diz no programa Omnibus: "Não se trata apenas de sentar e escrever algo. Você vive e, se conseguir, escreve sobre." Ou nas palavras de Byron: "Se lamentas tua juventude, por que viver? / A terra da morte honrosa / É aqui. Avante ao campo de batalha, / E libera teu sopro." (Tradução de Alexandre Moschella)

Ele viveu com só um dos pais, tinha uma deficiência física e um distúrbio alimentar, usava drogas e teve mais mulheres que Julio Iglesias - incluindo relações sexuais com sua meia-irmã, assim como com vários garotos e damas ilustres. Um homem que viu seu corpo embalsamado quando o túmulo foi aberto insinuou que ele tinha uma barriga bastante pronunciada. Cópias pirateadas de sua obra vendiam aos milhares. Não se trata de uma estrela do rock ou personagem de novela. É uma descrição nua e crua do poeta romântico Lord Byron, cuja obra foi excluída do currículo escolar britânico em 1999 - presumivelmente por não ser relevante. No mês que vem, contudo, será impossível não ser tocado por Byron, o homem que o Times chamou de "o inglês mais extraordinário de sua geração" três semanas depois de sua morte, de febre, em 1824. A nova biografia de Fiona MacCarthy, Byron: Life and Legend (Byron: vida e lenda), sai no dia 7 na Inglaterra. Uma mostra dedicada a ele na National Portrait Gallery, em Londres, entra em cartaz no dia 20. E um documentário no programa de artes Omnibus, da emissora de tevê BBC, está agendado para o mesmo mês. Cada evento promete derrubar os mitos que cercaram o homem tão notavelmente descrito como "louco, mau e perigoso de se conhecer" por uma de suas muitas amantes, a fofoqueira lady Caroline Lamb - que, se tivesse vivido em outra época, daria uma ótima criadora de manchetes de tablóides sensacionalistas. Na biografia, Fiona MacCarthy lança um olhar renovado sobre George Gordon Noel Byron, o sexto barão da linhagem, que herdou o título aos 10 anos. Ela revisita a infância escocesa de Byron (sugere que o poeta sofria um distúrbio afetivo sazonal por causa de todos aqueles terríveis invernos de Aberdeen), a relação com a mãe (seu pai, "Mad Jack", deixou-os quando George ainda era uma criancinha) e o drama do pé deformado (provavelmente displasia, uma má formação, e não pé torto, como pensam os críticos modernos). Amizades - Fiona ainda trata da questão do homossexualismo de Byron. Ela teve acesso ao famoso arquivo do editor de Byron, John Murray (ele próprio um biógrafo do escritor), e confere nova importância às amizades masculinas do artista. Na mostra da National Portrait Gallery, com curadoria também de Fiona MacCarthy, o persistente fascínio pelo "diabo coxo", como ele mesmo se chamava, é analisado para uma nova geração. A exposição visa mostrar como sua fama literária e sua notoriedade social foram alimentados por pinturas e esculturas. O evento ainda examina o quão cuidadosamente Byron controlava as imagens dele que eram divulgadas, como faz hoje uma estrela de cinema exigindo o direito de escolher a foto para a capa de uma revista. Há retratos feitos por George Sanders, Richard Westall, Thomas Phillips e George Henry Harlow, entre outros. O programa Omnibus, dirigido por Chris Rodley, com contribuições de Michael Foot e Lord Gowrie, especialistas na obra de Byron, examina várias características da personalidade do poeta, de seu radicalismo político à dinâmica de seus casos amorosos, e a queima de seus memórias depois de sua morte. O programa contém uma cena fantástica que mostra o poeta inglês John Betjeman chorando a perda ao lado da lareira onde as memórias foram queimadas. Numa época em que a poesia luta para manter qualquer tipo de público leitor, o "anjo manco" ainda atrai enorme interesse, apesar de ter sido oficialmente banido das salas de aula. Há 40 sociedades dedicadas a Byron no mundo. Neste ano, a 27.ª Conferência Internacional sobre Byron foi realizada no Japão. No ano que vem, será em Liverpool. Sua obra foi traduzida para o japonês e o árabe e ele goza de imensa popularidade no Extremo Oriente. Em 1999, uma cama onde, acredita-se, Byron dormiu em 1823, quando uniu-se aos rebeldes gregos na luta de independência contra os turcos, foi arrematada por 14.375 libras, o dobro do previsto, num leilão da Bonhams. Charles Sturridge, diretor de Um Punhado de Pó e Brideshead Revisited, está escrevendo um roteiro para um filme sobre a vida de Byron, a ser mostrado em duas partes pelo Channel 4. Sturridge não é o primeiro: tentativas anteriores de levar Byron às telas incluem The Bad Lord Byron (1949), estrelado por Dennis Price como um conquistador profissional, Lady Caroline Lamb (1972), com Sarah Miles roubando a cena como Caroline, Haunted Summer (1988) e Gothic, de Ken Russel, os dois últimos sobre sua estada em Genebra com os Shelley. Moderninho - "A vida de Byron às vezes interessa mais às pessoas que sua poesia", admite Geoffrey Bond, presidente da Sociedade Byron da Grã-Bretanha. "Byron tem muitos lados, como os homens modernos, daí o eterno fascínio. Mas ele também tinha um lado muito sério. Ele era um homem de muitas faces, mas aspectos de sua vida privada lembram aquela de um pop star moderno." Parecemos ser atraídos porque sua vida estava sujeita a males modernos, como a depressão, a insegurança e a suposta anorexia. Ele costumava ir à loja de vinhos Berry Brothers, na St. James´s Street, em Londres, para se pesar. Graças às suas anotações, sabemos que, no máximo de gordura, o conquistador de 1,73 m pesou 92,5 kg, antes de perder mais de 30 kg com a ajuda de um coquetel à base de magnésio. O verdadeiro legado de Byron foi a criação de um modelo que sua própria vida parecia seguir tão ativamente quanto sua poesia. Por meio de uma combinação entre o poema dramático Manfred e as façanhas privadas de seu autor, nasceu o herói byronista - um individualista satânico, brilhante, alienado, mas inacabado, que pode ser enxergado em heróis modernos da cultura popular, como Kurt Cobain e Morrissey. "Este herói permaneceu aberto à reinterpretação, inspirando de tudo, de Heathcliff, o anti-herói sombrio e sexualmente constrangedor, a Nietzsche, o individualista profético que filosofa com um martelo", diz Stuart Allen, estudioso do Romantismo no Wolfson College, Cambridge. Mas os dias em que a própria obra de Byron inspirava escritores como Pushkin a experimentar o estilo byronista há tempos acabaram. Há um "efeito Byron" na sociedade, mas poucas pessoas realmente lêem obras como Childe Harold, Beppo ou Don Juan. Os três eventos sobre Byron no mês que vem nada fazem para retificar o equilíbrio poesia-estilo de vida. Reputações - Allen explica: "Até 15 ou 20 anos atrás, o Romantismo britânico era quase exclusivamente representado por Blake, Wordsworth, Coleridge, Keats, Shelley e Byron. Desde então, este cânone foi expandido e a reputação dos escritores centrais oscilou. Mesmo assim, a posição de Byron permaneceu virtualmente imutável desde sua morte e ele ainda é considerado o menos importante dos seis grandes românticos." Sua obra foi rejeitada particularmente na Inglaterra e na Escócia, onde mesmo há 200 anos ele foi ridicularizado, ao receber um comentário do Edinburgh Review que o fez pensar no suicídio. "Você sabe o que eles dizem dos profetas em seu próprio país", afirma Jerome McGann, professor da Universidade de Virginia e autor de vários textos críticos cruciais sobre Byron. "E para a Inglaterra vitoriana, por muitas razões, a sátira e a comédia, puras e purificadoras, eram virtualmente impossíveis de engolir, a menos que viessem acompanhadas por grandes doses de nonsense sentimental." A considerável extensão de sua obra-prima cômica Don Juan não o ajuda a atrair os leitores modernos com níveis baixos de concentração. "Byron dizia que Don Juan era resultado de improviso não-intencional. Comparado com a poesia meditativa de Wordsworth, de ´emoções relembradas na tranqüilidade´, ele pode parecer sentimental", diz Allen. Camaleão - Mas os fãs de Byron não só adoram Don Juan, eles o reverenciam. "Don Juan é uma das mais brilhantes e divertidas sátiras já escritas", afirma Bond. "Shelley e Wordsworth são tratados como escritores de mérito muito mais notável. Mas Byron é um desafio muito maior para o leitor. Ele pode chegar a você, camaleônico, de muitas maneiras. Não se sabe ao certo onde colocá-lo." Um argumento tentador é o de que os enfadonhos acadêmicos não sabem o que fazer com alguém com o carisma de Byron. Ele não é facilmente classificado porque era um romântico com sentimentos anti-românticos. "A visão atual, que devemos a Goethe, de que Byron é uma espécie de espírito de fogo desmiolado é tão completamente errada que você perde a respiração ao pensar que ela ainda tem alguma aceitação", diz McGann. A arte e a vida de Byron se inspiram uma na outra. Para ser um grande pensador não basta ter idéias: pensar é uma atividade. Ou como o atual John Murray diz no programa Omnibus: "Não se trata apenas de sentar e escrever algo. Você vive e, se conseguir, escreve sobre." Ou nas palavras de Byron: "Se lamentas tua juventude, por que viver? / A terra da morte honrosa / É aqui. Avante ao campo de batalha, / E libera teu sopro." (Tradução de Alexandre Moschella)

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