Há 5 anos a viver em São Paulo, não paro de me surpreender com a vitalidade que hoje anima a cena artística e cultural luso-brasileira. Eu diria que talvez tenha sido sempre assim. Na verdade, muito mudou nos últimos anos. 2016 foi testemunha disso, com grandes acontecimentos de arte portuguesa contemporânea, de que destaco a mostra Portugal, Portugueses, no Museu Afro Brasil (uma das maiores já realizadas no Brasil), a significativa participação lusa na Bienal de São Paulo, que foi ainda objeto de uma exposição paralela no Consulado-Geral. De resto, pela segunda vez, a Bienal inaugurará em junho, em Serralves, no Porto, um recorte da sua 32.ª edição.
Lembro também os concertos da Orquestra de Jazz Sinfônica com guitarristas de Coimbra e a intérprete de jazz Maria João (que esgotaram dois dias o Auditório Ibirapuera), a exposição Amália: Saudades do Brasil, inaugurada pelo presidente da República, ou a digressão da Orquestra da Fundação Gulbenkian. É raro pegar hoje num guia semanal paulistano sem encontrar eventos, criadores ou artistas portugueses. O que mudou? Brasil e Portugal começaram a conhecer-se melhor a partir do ritmo das suas próprias transformações nos últimos 15 anos. A História sempre esteve lá, como uma cúmplice leal e antiga, mas os dois países mudaram e foram justamente essas mudanças que os fizeram redescobrir-se.
Os brasileiros viajam mais. Por curiosidade e depois por gosto, reencontraram um país que não é apenas um ancestral remoto, mas uma afinidade constante, com um estilo de vida cosmopolita que não perdeu a magia da tradição que, aliás, também faz parte do Brasil. Esse país tanto atrai aposentados europeus e golfistas quanto startups. É como ter o Vale do Silício e a Flórida juntos num só lugar, em português. Essa mistura fina tem sido retribuída por números impressionantes de turistas e prêmios internacionais. Os brasileiros, e os paulistas em especial, estão entre os que mais o visitam, os que mais ali investem, os que mais estudantes têm em universidades portuguesas e os que mais cidadania portuguesa acumulam com a própria. A atribuição de nacionalidades lusas, só em São Paulo, não para de crescer.
Os cantores brasileiros desfrutam de popularidade inigualável em Portugal, enquanto a música portuguesa encontrou aqui finalmente ouvido atento, puxada pelas parcerias de intérpretes de ambos os países. Tornou-se familiar ouvir Maria Bethânia a entoar Fernando Pessoa, Carminho a reinterpretar Tom Jobim ou Zambujo a homenagear Chico Buarque. Para não falar dos muitos escritores, cineastas, produtores, artistas plásticos e visuais em trânsito. Foi a intimidade criativa entre agentes culturais, de várias gerações, dos dois lados do Atlântico, que mais cresceu estes anos, alimentada pela língua comum, pelos voos da TAP e da Azul, e por um deslumbramento recíproco que gera cumplicidades, tão oportunas hoje num mundo inquieto.
Quando o Prêmio Camões for entregue esta semana ao escritor Raduan Nassar, vale a pena lembrar este sangue bom que corre na cultura e na criação artística entre os dois países. É, aliás, gratificante que o Museu da Língua Portuguesa será reconstruído com o apoio decisivo da EDP-Brasil que, como outras empresas portuguesas, mesmo em circunstâncias menos favoráveis, procura corresponder, de forma direta ou através de incentivos fiscais locais, ao chamado dos artistas e produtores culturais.
Aliada à sua efervescência natural – para a qual tantos luso-brasileiros contribuem – São Paulo conta com instituições culturais sofisticadas, com quem estabelecemos sinergias generosas. A elas devem cada vez mais os criadores dos dois países, correspondidas, mesmo em circunstâncias orçamentais menos favoráveis, pelas empresas e instituições públicas portuguesas, bem como das empresas brasileiras em Portugal.
Nunca se sentiu tanta curiosidade mútua e tanto ímpeto de criação conjunta. E o ano de 2017, sem surpresa, anuncia-se fértil.* PAULO LOURENÇO É CÔNSUL-GERAL DE PORTUGAL EM SÃO PAULO