Desde os anos 70, o mundo da ópera criou uma rivalidade entre Plácido Domingo e Luciano Pavarotti. Qual o maior tenor do planeta? O primeiro não tinha as notas mais agudas e o carisma da voz do segundo. Mas como resistir à seu poder de interpretação, a seu talento como ator? Tudo bem, a expressividade da voz de Pavarotti muitas vezes compensava a atuação meia boca; e, cá entre nós, e que ninguém nos ouça, Domingo também podia ser bem canastrão em cena vez ou outra. Qual a conclusão? Antes que eu seja acusado de ficar em cima do muro, confesso minha preferência por Domingo. Mas a conclusão a que chego é que eram cantores muito diferentes, compará-los é comparar dois estilos de voz. Pavarotti era uma voz espontânea, generosa, impressionante; Domingo, um artista mais cerebral, mais atento às sutilezas dos papéis e à busca por uma coerência artística ao longo da carreira, símbolo da escolha certeira de personagens, pautada pela evolução de sua voz. Depois de completar 60 anos, momento em que a maioria dos cantores começa a pendurar as chuteiras, ele continuou adicionando papéis ao seu repertório, estreitando sua relação com Wagner, estreando novas obras, cantando Mahler. Tudo isso vem à mente, enfim, a propósito das notícias recentes de que Domingo resolveu agora atacar de barítono. A voz sempre foi escura, é verdade; e ele começou a carreira nesse registro, trabalhando em seguida seu material a fim de cantar como tenor. Mas não deixa de ser impressionante a vitalidade do artista de buscar um novo campo de atuação. E os primeiros resultados impressionam. No ano que vem, ele canta Simon Boccanegra, de Verdi, no Metropolitan, de Nova York, e no Royal Opera House Covent Garden, de Londres. Há um mês, no entanto, já deu amostras do papel em uma gala realizada em Nova York, ao lado de Angela Georghiu.