Surpresa, surpresa, não é. Da mesma forma que se sabe há décadas que a continuidade é fundamental na construção de um projeto cultural sólido, também sabemos que as trocas políticas costumam passar como trator por qualquer tentativa de desenvolvimento de um projeto consistente.
O Rio de Janeiro tem sido um excelente exemplo. O Theatro Municipal do Rio de Janeiro teve, nos últimos dez anos, onze diretores artísticos, regentes titulares ou presidentes diferentes. Houve momentos melhores e outros (bem) piores, mas, para além de casos isolados, não é possível imaginar voos altos para um teatro que está em constante "renascimento".
Aconteceu de novo, agora na Sala Cecília Meireles. O Diário Oficial trouxe hoje a informação de que João Guilherme Ripper foi exonerado do cargo de diretor. Em seu lugar, assume Aldo Mussi - movimento de acomodação política, como já acontecera, envolvendo o mesmo personagem, no início do curto governo Wilson Witzel.
Ripper passa a atuar agora como assessor especial da Fundação de Artes do Rio de Janeiro, a Funarj, que tem em sua estrutura instituições como a própria sala. E continuará à frente do Programa Gestores, iniciativa que nos últimos anos se propôs, a partir da sala, a refletir sobre a gestão de projetos culturais e formar novos gestores.
Este ano o projeto vai mudar de nome, passará a ser Programa Gestores em Movimento, ampliando seu alcance para diferentes cidades e instituições do país. É prova de seu sucesso. E da ironia sublime de se tirar da gestão de um dos principais espaços culturais do país um gestor cuja experiência tem ajudado justamente a formar uma nova geração de profissionais. E cujo trabalho tem articulado orquestras e teatros Brasil afora (para não falar, claro, da qualidade em si de programação da sala).
De novo: surpresa, surpresa, não é. E à avidez política por cargos há de se somar também um modelo de gestão que precisa ser repensado. Falar no assunto no Rio de Janeiro é arriscado, pois qualquer possibilidade de mudança de gestão que profissionalize processos e proteja, por pouco que seja, as instituições é recebida com enorme violência. Mas a realidade tem essa mania chata de se intrometer em nossas fantasias. Por quanto tempo ainda será que continuaremos capazes de fingir que, da maneira como está, tudo funciona maravilhosamente bem?