Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|A paz e o trono


Talvez uma boa ida ao banheiro possa trazer luzes inéditas. Viva a fibra! Viva a paz mundial

Por Leandro Karnal

Todos os líderes mundiais se reuniram, em Roma, no encontro mundial. Convocados por iniciativa do papa, havia uma expectativa com os objetivos do encontro. O local escolhido foi a gigantesca Sala Paulo VI. Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam lá, misturados com tradutores. Era um evento internacional.

Francisco entrou lento, claudicando. Foi aplaudido. Era a festa católica de Pentecostes. O papa pegou o microfone, e ocorreu algo miraculoso: todos entendiam nas suas línguas maternas. Os tradutores não tinham iniciado o seu trabalho e, por força de algo desconhecido, compreendiam-se na sala de audiências. Um som geral de espanto e algum terror percorreram o ambiente. O papa falava no seu espanhol platino de origem; o embaixador de Israel ouvia em hebraico; o do Irã, no mais castiço farsi. Sutilezas do milagre: os representantes da França ouviam com sotaque de Paris, mas o embaixador do Canadá – nascido em Quebec – ouvia com perfeição seu acento local. As maravilhas do mundo fluíam para aquela sala. A humanidade retornava ao dia anterior à Torre de Babel.

Sentado, Sua Santidade disse que um anjo anunciara três milagres, como uma graça especial às pessoas. O primeiro já era admirável: o dom das línguas atingindo a multidão ali presente. O segundo, confessava o romano pontífice, ocorreria naquela noite, e nem Francisco sabia detalhes. Sabia, sim, que algo forte traria a felicidade.

continua após a publicidade

O vasto corpo político e diplomático retornou aos seus hotéis e embaixadas. Eles estavam estupefatos pelo milagre da comunicação. O embaixador da Argentina chegou a pegar carona com o britânico; vieram tratando das Malvinas/Falklands. O representante ucraniano caminhou até o Castelo de Santo Angelo, ao lado do enviado russo. Entendiam-se muito bem. Era algo fora do comum!

Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam em Roma, misturados com tradutores; era um evento internacional Foto: Vatican Media/­Via Reuters

Instalados nas suas acomodações, chefes de Estado e assessores, secretários, primeiras-damas e amantes aguardavam o segundo fato. Ocorreu às 23h. A maioria estava já deitada. Em todos, surgiu uma vontade forte de ir ao banheiro para o chamado “número-dois”. Nada excepcional foi sentido; afinal, atender ao apelo da natureza era comum. O embaixador alemão fez um ar de surpresa, pois só defecava às 6h20 da manhã: “Deve ser a comida italiana” – pensou, dirigindo-se ao vaso sanitário. O que ocorreu a todos? Nunca os intestinos funcionaram tanto e... com tanta eficácia. Todos os homens importantes tiveram a experiência profunda de ficarem mais leves. Uma lavagem coletiva, de profundo efeito de alívio, tomou cada um. De fato, de alguma forma, todos estavam “enfezados”, e o segundo milagre foi atender ao peristaltismo intestinal. Leves como jamais se sentiram antes, entregaram-se a um sono profundo de um corpo desintoxicado. Livre da pressão do chamado “segundo cérebro”, o cérebro titular produziu sonhos fascinantes. Foi um despertar inédito dos poderosos.

continua após a publicidade

O segundo dia do encontro começou com risadas e muito humor. O próprio papa mancava menos. Todos comentavam a ida libertadora ao banheiro. O alívio era visível nos rostos cansados de estadistas com abdomes submetidos a tantas adversidades. A política flutuava etérea, as peles pareciam mais brilhantes.

O bispo de Roma, em voz firme, disse que o anjo prometera um terceiro milagre para aquela tarde. Mesmo os líderes céticos tinham testemunhado uma maravilha direta (o milagre das línguas) e um inexplicável alívio coletivo. Era impossível duvidar sem parecer pura teimosia. Os precedentes tornavam a expectativa do terceiro fato algo viável. O que seria?

A conferência prosseguia após o início alegre. A compreensão ainda era notória, e ninguém precisaria de intermediários. Inimigos seculares olharam-se nos rostos e entenderam-se pela primeira vez. Ninguém estava enfezado. Armênios e turcos se abraçavam e celebravam acordos. Chineses de Taiwan congraçavam com os continentais. Coreanos e japoneses colocavam uma pedra sobre ódios antigos. A delegação da Venezuela dançou Joropo com a de Washington. Uma festa!

continua após a publicidade

Ao final do dia, com a paz do mundo celebrada, eficiente e alegre, em meio a brindes eufóricos, alguém se lembrou de perguntar pelo terceiro milagre. O papa, que tivera nova revelação, reproduziu a fala do seu anjo tutelar: “O último milagre foi feito por vocês. Eu dei um empurrão. Agora vocês são coautores da paz mundial”.

Os olhares se cruzaram. Quase por acidente, ocorrera um renascimento da humanidade. A imprensa denominou de “pax romana”, resgatando o termo do século primeiro da Era Comum. No mundo inteiro, o processo se multiplicava. Tutsis e hutus, sunitas e xiitas, católicos e protestantes: por todo lugar emergia um júbilo pacífico. Era a epifania da paz! Até quem há pouco fazia o “L” ou a “Arminha”, na terra brasílica, agora, celebrava a harmonia.

E você, esclarecida amiga e iluminado leitor? Tem vivido enfezado ultimamente? Talvez uma boa ida ao banheiro possa trazer luzes inéditas. Viva a fibra! Viva a ameixa! Viva a paz mundial. Minha esperança é profunda. l

Todos os líderes mundiais se reuniram, em Roma, no encontro mundial. Convocados por iniciativa do papa, havia uma expectativa com os objetivos do encontro. O local escolhido foi a gigantesca Sala Paulo VI. Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam lá, misturados com tradutores. Era um evento internacional.

Francisco entrou lento, claudicando. Foi aplaudido. Era a festa católica de Pentecostes. O papa pegou o microfone, e ocorreu algo miraculoso: todos entendiam nas suas línguas maternas. Os tradutores não tinham iniciado o seu trabalho e, por força de algo desconhecido, compreendiam-se na sala de audiências. Um som geral de espanto e algum terror percorreram o ambiente. O papa falava no seu espanhol platino de origem; o embaixador de Israel ouvia em hebraico; o do Irã, no mais castiço farsi. Sutilezas do milagre: os representantes da França ouviam com sotaque de Paris, mas o embaixador do Canadá – nascido em Quebec – ouvia com perfeição seu acento local. As maravilhas do mundo fluíam para aquela sala. A humanidade retornava ao dia anterior à Torre de Babel.

Sentado, Sua Santidade disse que um anjo anunciara três milagres, como uma graça especial às pessoas. O primeiro já era admirável: o dom das línguas atingindo a multidão ali presente. O segundo, confessava o romano pontífice, ocorreria naquela noite, e nem Francisco sabia detalhes. Sabia, sim, que algo forte traria a felicidade.

O vasto corpo político e diplomático retornou aos seus hotéis e embaixadas. Eles estavam estupefatos pelo milagre da comunicação. O embaixador da Argentina chegou a pegar carona com o britânico; vieram tratando das Malvinas/Falklands. O representante ucraniano caminhou até o Castelo de Santo Angelo, ao lado do enviado russo. Entendiam-se muito bem. Era algo fora do comum!

Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam em Roma, misturados com tradutores; era um evento internacional Foto: Vatican Media/­Via Reuters

Instalados nas suas acomodações, chefes de Estado e assessores, secretários, primeiras-damas e amantes aguardavam o segundo fato. Ocorreu às 23h. A maioria estava já deitada. Em todos, surgiu uma vontade forte de ir ao banheiro para o chamado “número-dois”. Nada excepcional foi sentido; afinal, atender ao apelo da natureza era comum. O embaixador alemão fez um ar de surpresa, pois só defecava às 6h20 da manhã: “Deve ser a comida italiana” – pensou, dirigindo-se ao vaso sanitário. O que ocorreu a todos? Nunca os intestinos funcionaram tanto e... com tanta eficácia. Todos os homens importantes tiveram a experiência profunda de ficarem mais leves. Uma lavagem coletiva, de profundo efeito de alívio, tomou cada um. De fato, de alguma forma, todos estavam “enfezados”, e o segundo milagre foi atender ao peristaltismo intestinal. Leves como jamais se sentiram antes, entregaram-se a um sono profundo de um corpo desintoxicado. Livre da pressão do chamado “segundo cérebro”, o cérebro titular produziu sonhos fascinantes. Foi um despertar inédito dos poderosos.

O segundo dia do encontro começou com risadas e muito humor. O próprio papa mancava menos. Todos comentavam a ida libertadora ao banheiro. O alívio era visível nos rostos cansados de estadistas com abdomes submetidos a tantas adversidades. A política flutuava etérea, as peles pareciam mais brilhantes.

O bispo de Roma, em voz firme, disse que o anjo prometera um terceiro milagre para aquela tarde. Mesmo os líderes céticos tinham testemunhado uma maravilha direta (o milagre das línguas) e um inexplicável alívio coletivo. Era impossível duvidar sem parecer pura teimosia. Os precedentes tornavam a expectativa do terceiro fato algo viável. O que seria?

A conferência prosseguia após o início alegre. A compreensão ainda era notória, e ninguém precisaria de intermediários. Inimigos seculares olharam-se nos rostos e entenderam-se pela primeira vez. Ninguém estava enfezado. Armênios e turcos se abraçavam e celebravam acordos. Chineses de Taiwan congraçavam com os continentais. Coreanos e japoneses colocavam uma pedra sobre ódios antigos. A delegação da Venezuela dançou Joropo com a de Washington. Uma festa!

Ao final do dia, com a paz do mundo celebrada, eficiente e alegre, em meio a brindes eufóricos, alguém se lembrou de perguntar pelo terceiro milagre. O papa, que tivera nova revelação, reproduziu a fala do seu anjo tutelar: “O último milagre foi feito por vocês. Eu dei um empurrão. Agora vocês são coautores da paz mundial”.

Os olhares se cruzaram. Quase por acidente, ocorrera um renascimento da humanidade. A imprensa denominou de “pax romana”, resgatando o termo do século primeiro da Era Comum. No mundo inteiro, o processo se multiplicava. Tutsis e hutus, sunitas e xiitas, católicos e protestantes: por todo lugar emergia um júbilo pacífico. Era a epifania da paz! Até quem há pouco fazia o “L” ou a “Arminha”, na terra brasílica, agora, celebrava a harmonia.

E você, esclarecida amiga e iluminado leitor? Tem vivido enfezado ultimamente? Talvez uma boa ida ao banheiro possa trazer luzes inéditas. Viva a fibra! Viva a ameixa! Viva a paz mundial. Minha esperança é profunda. l

Todos os líderes mundiais se reuniram, em Roma, no encontro mundial. Convocados por iniciativa do papa, havia uma expectativa com os objetivos do encontro. O local escolhido foi a gigantesca Sala Paulo VI. Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam lá, misturados com tradutores. Era um evento internacional.

Francisco entrou lento, claudicando. Foi aplaudido. Era a festa católica de Pentecostes. O papa pegou o microfone, e ocorreu algo miraculoso: todos entendiam nas suas línguas maternas. Os tradutores não tinham iniciado o seu trabalho e, por força de algo desconhecido, compreendiam-se na sala de audiências. Um som geral de espanto e algum terror percorreram o ambiente. O papa falava no seu espanhol platino de origem; o embaixador de Israel ouvia em hebraico; o do Irã, no mais castiço farsi. Sutilezas do milagre: os representantes da França ouviam com sotaque de Paris, mas o embaixador do Canadá – nascido em Quebec – ouvia com perfeição seu acento local. As maravilhas do mundo fluíam para aquela sala. A humanidade retornava ao dia anterior à Torre de Babel.

Sentado, Sua Santidade disse que um anjo anunciara três milagres, como uma graça especial às pessoas. O primeiro já era admirável: o dom das línguas atingindo a multidão ali presente. O segundo, confessava o romano pontífice, ocorreria naquela noite, e nem Francisco sabia detalhes. Sabia, sim, que algo forte traria a felicidade.

O vasto corpo político e diplomático retornou aos seus hotéis e embaixadas. Eles estavam estupefatos pelo milagre da comunicação. O embaixador da Argentina chegou a pegar carona com o britânico; vieram tratando das Malvinas/Falklands. O representante ucraniano caminhou até o Castelo de Santo Angelo, ao lado do enviado russo. Entendiam-se muito bem. Era algo fora do comum!

Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam em Roma, misturados com tradutores; era um evento internacional Foto: Vatican Media/­Via Reuters

Instalados nas suas acomodações, chefes de Estado e assessores, secretários, primeiras-damas e amantes aguardavam o segundo fato. Ocorreu às 23h. A maioria estava já deitada. Em todos, surgiu uma vontade forte de ir ao banheiro para o chamado “número-dois”. Nada excepcional foi sentido; afinal, atender ao apelo da natureza era comum. O embaixador alemão fez um ar de surpresa, pois só defecava às 6h20 da manhã: “Deve ser a comida italiana” – pensou, dirigindo-se ao vaso sanitário. O que ocorreu a todos? Nunca os intestinos funcionaram tanto e... com tanta eficácia. Todos os homens importantes tiveram a experiência profunda de ficarem mais leves. Uma lavagem coletiva, de profundo efeito de alívio, tomou cada um. De fato, de alguma forma, todos estavam “enfezados”, e o segundo milagre foi atender ao peristaltismo intestinal. Leves como jamais se sentiram antes, entregaram-se a um sono profundo de um corpo desintoxicado. Livre da pressão do chamado “segundo cérebro”, o cérebro titular produziu sonhos fascinantes. Foi um despertar inédito dos poderosos.

O segundo dia do encontro começou com risadas e muito humor. O próprio papa mancava menos. Todos comentavam a ida libertadora ao banheiro. O alívio era visível nos rostos cansados de estadistas com abdomes submetidos a tantas adversidades. A política flutuava etérea, as peles pareciam mais brilhantes.

O bispo de Roma, em voz firme, disse que o anjo prometera um terceiro milagre para aquela tarde. Mesmo os líderes céticos tinham testemunhado uma maravilha direta (o milagre das línguas) e um inexplicável alívio coletivo. Era impossível duvidar sem parecer pura teimosia. Os precedentes tornavam a expectativa do terceiro fato algo viável. O que seria?

A conferência prosseguia após o início alegre. A compreensão ainda era notória, e ninguém precisaria de intermediários. Inimigos seculares olharam-se nos rostos e entenderam-se pela primeira vez. Ninguém estava enfezado. Armênios e turcos se abraçavam e celebravam acordos. Chineses de Taiwan congraçavam com os continentais. Coreanos e japoneses colocavam uma pedra sobre ódios antigos. A delegação da Venezuela dançou Joropo com a de Washington. Uma festa!

Ao final do dia, com a paz do mundo celebrada, eficiente e alegre, em meio a brindes eufóricos, alguém se lembrou de perguntar pelo terceiro milagre. O papa, que tivera nova revelação, reproduziu a fala do seu anjo tutelar: “O último milagre foi feito por vocês. Eu dei um empurrão. Agora vocês são coautores da paz mundial”.

Os olhares se cruzaram. Quase por acidente, ocorrera um renascimento da humanidade. A imprensa denominou de “pax romana”, resgatando o termo do século primeiro da Era Comum. No mundo inteiro, o processo se multiplicava. Tutsis e hutus, sunitas e xiitas, católicos e protestantes: por todo lugar emergia um júbilo pacífico. Era a epifania da paz! Até quem há pouco fazia o “L” ou a “Arminha”, na terra brasílica, agora, celebrava a harmonia.

E você, esclarecida amiga e iluminado leitor? Tem vivido enfezado ultimamente? Talvez uma boa ida ao banheiro possa trazer luzes inéditas. Viva a fibra! Viva a ameixa! Viva a paz mundial. Minha esperança é profunda. l

Todos os líderes mundiais se reuniram, em Roma, no encontro mundial. Convocados por iniciativa do papa, havia uma expectativa com os objetivos do encontro. O local escolhido foi a gigantesca Sala Paulo VI. Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam lá, misturados com tradutores. Era um evento internacional.

Francisco entrou lento, claudicando. Foi aplaudido. Era a festa católica de Pentecostes. O papa pegou o microfone, e ocorreu algo miraculoso: todos entendiam nas suas línguas maternas. Os tradutores não tinham iniciado o seu trabalho e, por força de algo desconhecido, compreendiam-se na sala de audiências. Um som geral de espanto e algum terror percorreram o ambiente. O papa falava no seu espanhol platino de origem; o embaixador de Israel ouvia em hebraico; o do Irã, no mais castiço farsi. Sutilezas do milagre: os representantes da França ouviam com sotaque de Paris, mas o embaixador do Canadá – nascido em Quebec – ouvia com perfeição seu acento local. As maravilhas do mundo fluíam para aquela sala. A humanidade retornava ao dia anterior à Torre de Babel.

Sentado, Sua Santidade disse que um anjo anunciara três milagres, como uma graça especial às pessoas. O primeiro já era admirável: o dom das línguas atingindo a multidão ali presente. O segundo, confessava o romano pontífice, ocorreria naquela noite, e nem Francisco sabia detalhes. Sabia, sim, que algo forte traria a felicidade.

O vasto corpo político e diplomático retornou aos seus hotéis e embaixadas. Eles estavam estupefatos pelo milagre da comunicação. O embaixador da Argentina chegou a pegar carona com o britânico; vieram tratando das Malvinas/Falklands. O representante ucraniano caminhou até o Castelo de Santo Angelo, ao lado do enviado russo. Entendiam-se muito bem. Era algo fora do comum!

Quase 200 chefes de Estado e assessores variados estavam em Roma, misturados com tradutores; era um evento internacional Foto: Vatican Media/­Via Reuters

Instalados nas suas acomodações, chefes de Estado e assessores, secretários, primeiras-damas e amantes aguardavam o segundo fato. Ocorreu às 23h. A maioria estava já deitada. Em todos, surgiu uma vontade forte de ir ao banheiro para o chamado “número-dois”. Nada excepcional foi sentido; afinal, atender ao apelo da natureza era comum. O embaixador alemão fez um ar de surpresa, pois só defecava às 6h20 da manhã: “Deve ser a comida italiana” – pensou, dirigindo-se ao vaso sanitário. O que ocorreu a todos? Nunca os intestinos funcionaram tanto e... com tanta eficácia. Todos os homens importantes tiveram a experiência profunda de ficarem mais leves. Uma lavagem coletiva, de profundo efeito de alívio, tomou cada um. De fato, de alguma forma, todos estavam “enfezados”, e o segundo milagre foi atender ao peristaltismo intestinal. Leves como jamais se sentiram antes, entregaram-se a um sono profundo de um corpo desintoxicado. Livre da pressão do chamado “segundo cérebro”, o cérebro titular produziu sonhos fascinantes. Foi um despertar inédito dos poderosos.

O segundo dia do encontro começou com risadas e muito humor. O próprio papa mancava menos. Todos comentavam a ida libertadora ao banheiro. O alívio era visível nos rostos cansados de estadistas com abdomes submetidos a tantas adversidades. A política flutuava etérea, as peles pareciam mais brilhantes.

O bispo de Roma, em voz firme, disse que o anjo prometera um terceiro milagre para aquela tarde. Mesmo os líderes céticos tinham testemunhado uma maravilha direta (o milagre das línguas) e um inexplicável alívio coletivo. Era impossível duvidar sem parecer pura teimosia. Os precedentes tornavam a expectativa do terceiro fato algo viável. O que seria?

A conferência prosseguia após o início alegre. A compreensão ainda era notória, e ninguém precisaria de intermediários. Inimigos seculares olharam-se nos rostos e entenderam-se pela primeira vez. Ninguém estava enfezado. Armênios e turcos se abraçavam e celebravam acordos. Chineses de Taiwan congraçavam com os continentais. Coreanos e japoneses colocavam uma pedra sobre ódios antigos. A delegação da Venezuela dançou Joropo com a de Washington. Uma festa!

Ao final do dia, com a paz do mundo celebrada, eficiente e alegre, em meio a brindes eufóricos, alguém se lembrou de perguntar pelo terceiro milagre. O papa, que tivera nova revelação, reproduziu a fala do seu anjo tutelar: “O último milagre foi feito por vocês. Eu dei um empurrão. Agora vocês são coautores da paz mundial”.

Os olhares se cruzaram. Quase por acidente, ocorrera um renascimento da humanidade. A imprensa denominou de “pax romana”, resgatando o termo do século primeiro da Era Comum. No mundo inteiro, o processo se multiplicava. Tutsis e hutus, sunitas e xiitas, católicos e protestantes: por todo lugar emergia um júbilo pacífico. Era a epifania da paz! Até quem há pouco fazia o “L” ou a “Arminha”, na terra brasílica, agora, celebrava a harmonia.

E você, esclarecida amiga e iluminado leitor? Tem vivido enfezado ultimamente? Talvez uma boa ida ao banheiro possa trazer luzes inéditas. Viva a fibra! Viva a ameixa! Viva a paz mundial. Minha esperança é profunda. l

Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.