Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|As dicas de Leandro Karnal para sair - e se manter fora - da zona de conforto


Por que é tão complicado seguir uma resolução boa? Há que se ter em mente o prazer futuro, e o primeiro passo é educar um novo hábito e dialogar com seu cérebro hábil

Por Leandro Karnal

Atribui-se ao estoico imperador Marco Aurélio a ideia de que o conforto seria um vício, o pior de todos. A frase é filosófica e forte também em meios empresariais. Haveria um lugar onde o esforço é pequeno, mas o hábito forte? Este lugar, sem desafios notáveis, repetido e seguro, “quentinho”, seria a famigerada “zona de conforto”.

Vamos por partes. O estoicismo foi adotado e reformulado pelo cristianismo, porque desconfiava de prazeres como o conforto. Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? No discurso, parece que sim. O dentista bem-sucedido diz aos estagiários: “Eu passei por todos os desafios. Hoje, sou vitorioso”. O atleta expõe suas renúncias para obter aquele corpo. A mãe da família unida indica à filha todos os “sapos” engolidos por ela para chegar às bodas de pérola. Quando eu, Leandro, dou uma palestra para professores, perguntam-me: “Mas o senhor já deu aula em escola estadual noturna, usando transporte público?” Quando eu confirmo que sim, todos os colegas ficam felizes: “Esse sabe, então, das coisas...” São atualizações profanas do “no pain, no gain”.

Por que é tão complicado seguir uma resolução boa? Uma dieta, uma atividade física, um estudo de inglês, um curso novo: todos começam bem, perdem o entusiasmo e, se não houver reação, desaparecem. Por que o hábito antigo (não treinar, não ler, comer doces e beber bastante) é forte? Há muitas respostas, querida leitora e estimado leitor. Darei algumas.

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Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? O atleta, por exemplo, expõe suas renúncias para obter aquele corpo. [Obra 'Between Rounds', de Thomas Eakins (1898).] Foto: Philadelphia Museum of Art

Que homens primitivos sobreviviam nas savanas da África na aurora da Humanidade? Os que comiam o máximo possível e gastavam pouca energia. Comer e dormir muito: a fórmula para chegar à vida adulta por milhões de anos. Isso moldou nosso cérebro a buscar comidas calóricas e descanso. Restringir alimentação e gastar energia em uma esteira contraria não a minha biografia limitada, todavia toda a espécie humana na maior parte da sua trajetória. Exemplo: comi em casa antes de pegar o avião. No voo curto de 45 minutos, oferecem um sanduíche sofrível. Não tenho fome. Não preciso daquelas calorias. Porém... meu cérebro acende a luz vermelha e dispara: “Talvez falte comida depois. Coma agora o que puder! Você poderá morrer de inanição se recusar o pacote medonho de salgadinhos ultramegablaster processados. Comida é vida. Aproveite!” Tenha ou não consciência, a luta iniciada na África segue na ponte aérea.

O primeiro passo é educar um novo hábito e dialogar com seu cérebro hábil. Observar o observador, ou seja, entender que há forças conflitantes dentro de você. Uma é ancestral; a outra (mais recente) é a racional. Para isso, precisamos entender o mecanismo do hábito (a segunda natureza, segundo Aristóteles). Meu exemplo: “Em todos os camarins em que eu estiver, haverá comida à disposição. Caso precise comer, diminuirei o dano com as escolhas mais acertadas. Jejum sob determinadas condições poderá ser até saudável”. Repito esses mantras antes do evento.

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Fora comida e atividade física, como lidar com o desânimo com decisões mais intelectuais, como estudar uma língua ou um instrumento? Meu método é ter em mente o prazer maior e futuro. Acordar cedo para decorar verbos é ruim, mas falar bem uma língua é muito bom. Miro no benefício maior. Repito-o à exaustão. Imagino-me naquela situação, com a mesma devoção estimulante com que alguém coloca um corpo definido na porta do refrigerador. Trata-se de antecipar prazeres futuros e diminuir incômodos atuais. Não enfatizo a renúncia ou o desconforto: exponho a alegria maior e que está à frente. Destaco o “gain” em detrimento do “pain”. Aqui está o “pulo do gato” das resoluções: entrar na verdadeira zona de conforto que eu desejo. É excelente ter um corpo bom, dominar uma língua ou aprender um instrumento musical. Eu desejo estar confortável! Usando uma expressão francesa que adoro, eu quero estar “bien dans ma peau”, bem na minha pele. Quero tranquilidade com quem eu sou, vestindo a pele que eu desejo.

Outra coisa ajuda a manter a resiliência diante da decisão tomada - todos nós devemos parar de mirar apenas o processo final. Nada de “estudarei português porque quero falar muito bem e de forma adequada”. Esse é um espírito amplo e correto. Porém, neste sábado, quero aprender de verdade as regras sobre crase para não errar mais. Assim, um degrau bom e concreto, que pode ser atingido em uma tarde de estudo ou um pouco mais, dará ânimo no projeto geral de sintaxe perfeita. Quero aprender a tocar bem a escala de Mi maior, hoje. Desejo perder dois quilos. Vou ler um conto de Machado de Assis. Saberei dez phrasal verbs nesta próxima semana. Guardarei 500 reais. Em projetos de progresso, ir por partes. “Leandro, você virou coach?” Evite classificar o mundo. Julgue o que é bom ou não para você e faça. Eu ou meus rótulos somos irrelevantes. Você é o centro da sua vida. Faltam dois meses para o fim do ano de 2024. Reavive sua esperança... com ações!

Atribui-se ao estoico imperador Marco Aurélio a ideia de que o conforto seria um vício, o pior de todos. A frase é filosófica e forte também em meios empresariais. Haveria um lugar onde o esforço é pequeno, mas o hábito forte? Este lugar, sem desafios notáveis, repetido e seguro, “quentinho”, seria a famigerada “zona de conforto”.

Vamos por partes. O estoicismo foi adotado e reformulado pelo cristianismo, porque desconfiava de prazeres como o conforto. Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? No discurso, parece que sim. O dentista bem-sucedido diz aos estagiários: “Eu passei por todos os desafios. Hoje, sou vitorioso”. O atleta expõe suas renúncias para obter aquele corpo. A mãe da família unida indica à filha todos os “sapos” engolidos por ela para chegar às bodas de pérola. Quando eu, Leandro, dou uma palestra para professores, perguntam-me: “Mas o senhor já deu aula em escola estadual noturna, usando transporte público?” Quando eu confirmo que sim, todos os colegas ficam felizes: “Esse sabe, então, das coisas...” São atualizações profanas do “no pain, no gain”.

Por que é tão complicado seguir uma resolução boa? Uma dieta, uma atividade física, um estudo de inglês, um curso novo: todos começam bem, perdem o entusiasmo e, se não houver reação, desaparecem. Por que o hábito antigo (não treinar, não ler, comer doces e beber bastante) é forte? Há muitas respostas, querida leitora e estimado leitor. Darei algumas.

Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? O atleta, por exemplo, expõe suas renúncias para obter aquele corpo. [Obra 'Between Rounds', de Thomas Eakins (1898).] Foto: Philadelphia Museum of Art

Que homens primitivos sobreviviam nas savanas da África na aurora da Humanidade? Os que comiam o máximo possível e gastavam pouca energia. Comer e dormir muito: a fórmula para chegar à vida adulta por milhões de anos. Isso moldou nosso cérebro a buscar comidas calóricas e descanso. Restringir alimentação e gastar energia em uma esteira contraria não a minha biografia limitada, todavia toda a espécie humana na maior parte da sua trajetória. Exemplo: comi em casa antes de pegar o avião. No voo curto de 45 minutos, oferecem um sanduíche sofrível. Não tenho fome. Não preciso daquelas calorias. Porém... meu cérebro acende a luz vermelha e dispara: “Talvez falte comida depois. Coma agora o que puder! Você poderá morrer de inanição se recusar o pacote medonho de salgadinhos ultramegablaster processados. Comida é vida. Aproveite!” Tenha ou não consciência, a luta iniciada na África segue na ponte aérea.

O primeiro passo é educar um novo hábito e dialogar com seu cérebro hábil. Observar o observador, ou seja, entender que há forças conflitantes dentro de você. Uma é ancestral; a outra (mais recente) é a racional. Para isso, precisamos entender o mecanismo do hábito (a segunda natureza, segundo Aristóteles). Meu exemplo: “Em todos os camarins em que eu estiver, haverá comida à disposição. Caso precise comer, diminuirei o dano com as escolhas mais acertadas. Jejum sob determinadas condições poderá ser até saudável”. Repito esses mantras antes do evento.

Fora comida e atividade física, como lidar com o desânimo com decisões mais intelectuais, como estudar uma língua ou um instrumento? Meu método é ter em mente o prazer maior e futuro. Acordar cedo para decorar verbos é ruim, mas falar bem uma língua é muito bom. Miro no benefício maior. Repito-o à exaustão. Imagino-me naquela situação, com a mesma devoção estimulante com que alguém coloca um corpo definido na porta do refrigerador. Trata-se de antecipar prazeres futuros e diminuir incômodos atuais. Não enfatizo a renúncia ou o desconforto: exponho a alegria maior e que está à frente. Destaco o “gain” em detrimento do “pain”. Aqui está o “pulo do gato” das resoluções: entrar na verdadeira zona de conforto que eu desejo. É excelente ter um corpo bom, dominar uma língua ou aprender um instrumento musical. Eu desejo estar confortável! Usando uma expressão francesa que adoro, eu quero estar “bien dans ma peau”, bem na minha pele. Quero tranquilidade com quem eu sou, vestindo a pele que eu desejo.

Outra coisa ajuda a manter a resiliência diante da decisão tomada - todos nós devemos parar de mirar apenas o processo final. Nada de “estudarei português porque quero falar muito bem e de forma adequada”. Esse é um espírito amplo e correto. Porém, neste sábado, quero aprender de verdade as regras sobre crase para não errar mais. Assim, um degrau bom e concreto, que pode ser atingido em uma tarde de estudo ou um pouco mais, dará ânimo no projeto geral de sintaxe perfeita. Quero aprender a tocar bem a escala de Mi maior, hoje. Desejo perder dois quilos. Vou ler um conto de Machado de Assis. Saberei dez phrasal verbs nesta próxima semana. Guardarei 500 reais. Em projetos de progresso, ir por partes. “Leandro, você virou coach?” Evite classificar o mundo. Julgue o que é bom ou não para você e faça. Eu ou meus rótulos somos irrelevantes. Você é o centro da sua vida. Faltam dois meses para o fim do ano de 2024. Reavive sua esperança... com ações!

Atribui-se ao estoico imperador Marco Aurélio a ideia de que o conforto seria um vício, o pior de todos. A frase é filosófica e forte também em meios empresariais. Haveria um lugar onde o esforço é pequeno, mas o hábito forte? Este lugar, sem desafios notáveis, repetido e seguro, “quentinho”, seria a famigerada “zona de conforto”.

Vamos por partes. O estoicismo foi adotado e reformulado pelo cristianismo, porque desconfiava de prazeres como o conforto. Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? No discurso, parece que sim. O dentista bem-sucedido diz aos estagiários: “Eu passei por todos os desafios. Hoje, sou vitorioso”. O atleta expõe suas renúncias para obter aquele corpo. A mãe da família unida indica à filha todos os “sapos” engolidos por ela para chegar às bodas de pérola. Quando eu, Leandro, dou uma palestra para professores, perguntam-me: “Mas o senhor já deu aula em escola estadual noturna, usando transporte público?” Quando eu confirmo que sim, todos os colegas ficam felizes: “Esse sabe, então, das coisas...” São atualizações profanas do “no pain, no gain”.

Por que é tão complicado seguir uma resolução boa? Uma dieta, uma atividade física, um estudo de inglês, um curso novo: todos começam bem, perdem o entusiasmo e, se não houver reação, desaparecem. Por que o hábito antigo (não treinar, não ler, comer doces e beber bastante) é forte? Há muitas respostas, querida leitora e estimado leitor. Darei algumas.

Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? O atleta, por exemplo, expõe suas renúncias para obter aquele corpo. [Obra 'Between Rounds', de Thomas Eakins (1898).] Foto: Philadelphia Museum of Art

Que homens primitivos sobreviviam nas savanas da África na aurora da Humanidade? Os que comiam o máximo possível e gastavam pouca energia. Comer e dormir muito: a fórmula para chegar à vida adulta por milhões de anos. Isso moldou nosso cérebro a buscar comidas calóricas e descanso. Restringir alimentação e gastar energia em uma esteira contraria não a minha biografia limitada, todavia toda a espécie humana na maior parte da sua trajetória. Exemplo: comi em casa antes de pegar o avião. No voo curto de 45 minutos, oferecem um sanduíche sofrível. Não tenho fome. Não preciso daquelas calorias. Porém... meu cérebro acende a luz vermelha e dispara: “Talvez falte comida depois. Coma agora o que puder! Você poderá morrer de inanição se recusar o pacote medonho de salgadinhos ultramegablaster processados. Comida é vida. Aproveite!” Tenha ou não consciência, a luta iniciada na África segue na ponte aérea.

O primeiro passo é educar um novo hábito e dialogar com seu cérebro hábil. Observar o observador, ou seja, entender que há forças conflitantes dentro de você. Uma é ancestral; a outra (mais recente) é a racional. Para isso, precisamos entender o mecanismo do hábito (a segunda natureza, segundo Aristóteles). Meu exemplo: “Em todos os camarins em que eu estiver, haverá comida à disposição. Caso precise comer, diminuirei o dano com as escolhas mais acertadas. Jejum sob determinadas condições poderá ser até saudável”. Repito esses mantras antes do evento.

Fora comida e atividade física, como lidar com o desânimo com decisões mais intelectuais, como estudar uma língua ou um instrumento? Meu método é ter em mente o prazer maior e futuro. Acordar cedo para decorar verbos é ruim, mas falar bem uma língua é muito bom. Miro no benefício maior. Repito-o à exaustão. Imagino-me naquela situação, com a mesma devoção estimulante com que alguém coloca um corpo definido na porta do refrigerador. Trata-se de antecipar prazeres futuros e diminuir incômodos atuais. Não enfatizo a renúncia ou o desconforto: exponho a alegria maior e que está à frente. Destaco o “gain” em detrimento do “pain”. Aqui está o “pulo do gato” das resoluções: entrar na verdadeira zona de conforto que eu desejo. É excelente ter um corpo bom, dominar uma língua ou aprender um instrumento musical. Eu desejo estar confortável! Usando uma expressão francesa que adoro, eu quero estar “bien dans ma peau”, bem na minha pele. Quero tranquilidade com quem eu sou, vestindo a pele que eu desejo.

Outra coisa ajuda a manter a resiliência diante da decisão tomada - todos nós devemos parar de mirar apenas o processo final. Nada de “estudarei português porque quero falar muito bem e de forma adequada”. Esse é um espírito amplo e correto. Porém, neste sábado, quero aprender de verdade as regras sobre crase para não errar mais. Assim, um degrau bom e concreto, que pode ser atingido em uma tarde de estudo ou um pouco mais, dará ânimo no projeto geral de sintaxe perfeita. Quero aprender a tocar bem a escala de Mi maior, hoje. Desejo perder dois quilos. Vou ler um conto de Machado de Assis. Saberei dez phrasal verbs nesta próxima semana. Guardarei 500 reais. Em projetos de progresso, ir por partes. “Leandro, você virou coach?” Evite classificar o mundo. Julgue o que é bom ou não para você e faça. Eu ou meus rótulos somos irrelevantes. Você é o centro da sua vida. Faltam dois meses para o fim do ano de 2024. Reavive sua esperança... com ações!

Atribui-se ao estoico imperador Marco Aurélio a ideia de que o conforto seria um vício, o pior de todos. A frase é filosófica e forte também em meios empresariais. Haveria um lugar onde o esforço é pequeno, mas o hábito forte? Este lugar, sem desafios notáveis, repetido e seguro, “quentinho”, seria a famigerada “zona de conforto”.

Vamos por partes. O estoicismo foi adotado e reformulado pelo cristianismo, porque desconfiava de prazeres como o conforto. Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? No discurso, parece que sim. O dentista bem-sucedido diz aos estagiários: “Eu passei por todos os desafios. Hoje, sou vitorioso”. O atleta expõe suas renúncias para obter aquele corpo. A mãe da família unida indica à filha todos os “sapos” engolidos por ela para chegar às bodas de pérola. Quando eu, Leandro, dou uma palestra para professores, perguntam-me: “Mas o senhor já deu aula em escola estadual noturna, usando transporte público?” Quando eu confirmo que sim, todos os colegas ficam felizes: “Esse sabe, então, das coisas...” São atualizações profanas do “no pain, no gain”.

Por que é tão complicado seguir uma resolução boa? Uma dieta, uma atividade física, um estudo de inglês, um curso novo: todos começam bem, perdem o entusiasmo e, se não houver reação, desaparecem. Por que o hábito antigo (não treinar, não ler, comer doces e beber bastante) é forte? Há muitas respostas, querida leitora e estimado leitor. Darei algumas.

Seria a dor gestora do aperfeiçoamento humano? O atleta, por exemplo, expõe suas renúncias para obter aquele corpo. [Obra 'Between Rounds', de Thomas Eakins (1898).] Foto: Philadelphia Museum of Art

Que homens primitivos sobreviviam nas savanas da África na aurora da Humanidade? Os que comiam o máximo possível e gastavam pouca energia. Comer e dormir muito: a fórmula para chegar à vida adulta por milhões de anos. Isso moldou nosso cérebro a buscar comidas calóricas e descanso. Restringir alimentação e gastar energia em uma esteira contraria não a minha biografia limitada, todavia toda a espécie humana na maior parte da sua trajetória. Exemplo: comi em casa antes de pegar o avião. No voo curto de 45 minutos, oferecem um sanduíche sofrível. Não tenho fome. Não preciso daquelas calorias. Porém... meu cérebro acende a luz vermelha e dispara: “Talvez falte comida depois. Coma agora o que puder! Você poderá morrer de inanição se recusar o pacote medonho de salgadinhos ultramegablaster processados. Comida é vida. Aproveite!” Tenha ou não consciência, a luta iniciada na África segue na ponte aérea.

O primeiro passo é educar um novo hábito e dialogar com seu cérebro hábil. Observar o observador, ou seja, entender que há forças conflitantes dentro de você. Uma é ancestral; a outra (mais recente) é a racional. Para isso, precisamos entender o mecanismo do hábito (a segunda natureza, segundo Aristóteles). Meu exemplo: “Em todos os camarins em que eu estiver, haverá comida à disposição. Caso precise comer, diminuirei o dano com as escolhas mais acertadas. Jejum sob determinadas condições poderá ser até saudável”. Repito esses mantras antes do evento.

Fora comida e atividade física, como lidar com o desânimo com decisões mais intelectuais, como estudar uma língua ou um instrumento? Meu método é ter em mente o prazer maior e futuro. Acordar cedo para decorar verbos é ruim, mas falar bem uma língua é muito bom. Miro no benefício maior. Repito-o à exaustão. Imagino-me naquela situação, com a mesma devoção estimulante com que alguém coloca um corpo definido na porta do refrigerador. Trata-se de antecipar prazeres futuros e diminuir incômodos atuais. Não enfatizo a renúncia ou o desconforto: exponho a alegria maior e que está à frente. Destaco o “gain” em detrimento do “pain”. Aqui está o “pulo do gato” das resoluções: entrar na verdadeira zona de conforto que eu desejo. É excelente ter um corpo bom, dominar uma língua ou aprender um instrumento musical. Eu desejo estar confortável! Usando uma expressão francesa que adoro, eu quero estar “bien dans ma peau”, bem na minha pele. Quero tranquilidade com quem eu sou, vestindo a pele que eu desejo.

Outra coisa ajuda a manter a resiliência diante da decisão tomada - todos nós devemos parar de mirar apenas o processo final. Nada de “estudarei português porque quero falar muito bem e de forma adequada”. Esse é um espírito amplo e correto. Porém, neste sábado, quero aprender de verdade as regras sobre crase para não errar mais. Assim, um degrau bom e concreto, que pode ser atingido em uma tarde de estudo ou um pouco mais, dará ânimo no projeto geral de sintaxe perfeita. Quero aprender a tocar bem a escala de Mi maior, hoje. Desejo perder dois quilos. Vou ler um conto de Machado de Assis. Saberei dez phrasal verbs nesta próxima semana. Guardarei 500 reais. Em projetos de progresso, ir por partes. “Leandro, você virou coach?” Evite classificar o mundo. Julgue o que é bom ou não para você e faça. Eu ou meus rótulos somos irrelevantes. Você é o centro da sua vida. Faltam dois meses para o fim do ano de 2024. Reavive sua esperança... com ações!

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Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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