Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Como será amanhã? Podemos esvaziar a carga ansiolítica do desconhecido à frente por meio de profecia


A profecia foi atributo exclusivo do Todo-Poderoso. Só Ele podia tratar sobre o futuro

Por Leandro Karnal

Um novo ano é uma convenção. Amanhã, estaremos em 2024. Quer pensar no artificialismo da data? Jesus não nasceu no ano 1 da nossa era. Se a natividade em Belém for nosso marco real, poderíamos estar comemorando algo entre 2028 e 2031. É sempre complicado explicar que houve um erro de cálculo, pois Jesus nasceu entre 7 e 4 antes de Cristo.

Pretende esvaziar mais o simbolismo? O Cristianismo atinge 2 bilhões dos quase 8 bilhões de seres humanos. Para nossos irmãos islâmicos, judeus, chineses, hindus e outros, o ano não começa no dia 1.º de janeiro. Nossa bolha ocidental cristã faz crer que a data seja, de fato, universal. Não é.

Para separar real de cultural, basta observar seu cachorro ou seu gato. Ele está com ansiedade pelo novo ano? Manifesta uma alegria especial ou melancolia marcante pelo que se foi ou o que o aguarda? Você sente que o olhar canino ou felino está alterado? A mudança dos nossos amados pets estará no horror aos fogos de artifício do ano-novo. Não é o ano-novo que estressa os bichos, mas nossa velha obstinação infeliz com pólvora.

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Princípio estoico tradicional: excesso de passado produz remorso; muito futuro gera ansiedade. Devemos viver o presente. Nosso cérebro entende isso, o coração resiste. Sim, o passado é irrecuperável. Todavia, podemos esvaziar a carga ansiolítica do desconhecido à frente por meio de... profecias.

Curiosa contradição aparente. A teologia dos monoteísmos costuma ser reticente com nossa consulta a astros, cartomantes, espíritos mortos ou outras formas. Deus condenou Saul por buscar uma necromante em Endor (1 Samuel 28). Para saber o resultado da luta contra os filisteus, o primeiro rei de Israel (que havia desterrado adivinhos) consultou a vidente para que o espírito de Samuel falasse sobre o que viria à frente. Deus desaprovou o ato. A profecia foi atributo exclusivo do Todo-Poderoso e seus enviados. A todo instante, Ele tratou sobre o futuro, mas não permitiu autonomia na busca dessa luz antecipada sobre fatos ainda não ocorridos. O início do Judaísmo foi uma profecia: “Eu farei de Abraão pai de uma grande nação”. A profecia ocorreu pela voz de Deus e de seus profetas oficiais; foi interditada ao desejo randômico dos fiéis comuns ou dos reis ungidos.

O preconceito contra adivinhos é forte no Cristianismo. Os judeus tinham vizinhos com muitas práticas de adivinhação; os cristãos enfrentavam o modelo greco-romano que adorava palpites sobre o amanhã. A pitonisa cheirava coisas estranhas e anunciava fatos vindouros. Sacerdotes pagãos abriam aves e animais e liam entranhas, os famosos arúspices. A maneira como os gansos sagrados do Capitólio, em Roma, comiam pela manhã determinava muito sobre o caráter fasto ou nefasto do dia. Tudo isso foi condenado pela nova religião cristã. A profecia era um dom de Deus concedido a seus representantes. O apóstolo Paulo lembra: profetizar é algo dado a alguns fiéis. Elimina-se a adivinhação do futuro, a granel e no atacado, para se preservar o profeta cadastrado e reconhecido. Toda instituição de poder deve zelar pela memória do passado e pela autorização dos profetas corretos. Nada mais perigoso do que alguém falando, sem alvará canônico, de coisas além do tempo.

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Antigo manuscrito 'As profecias de M. Michel' escrito em 1568 pelo astrólogo francês Michel de Nostredame, conhecido como Nostradamus. Foto: EFE/ Carabinieri

A picaretagem sobre aquilo que não existe ainda (o futuro) corre solta. Milhões leem o jornal, a cada alvorecer, em busca de uma disposição zodiacal. Outros consultam Nostradamus e suas centúrias inesgotáveis em delírios literários e simbólicos. Quer saber, com certeza, a linha de desenvolvimento do ano de 2024? A partir de fevereiro, começa o ano do Dragão no calendário chinês. Será um período de criatividade e de exuberância. A cor de sorte do novo ano do Dragão é o verde-primavera. Use jade a partir de fevereiro para concentrar boas energias. No final do ano, cobre dos chineses essa profecia.

Se quiser uma profecia mestiça, some 2024 e encontrará o número 8, o mais afortunado para os orientais. Ano ocidental, em numerologia chinesa, parece indicar um recorte de tempo especialmente feliz. Claro, sabemos que merecemos uma pausa depois de anos de pandemia e de instabilidade político-econômica. Toda boa cartomante (e nosso querido Machado de Assis) sabe que o segredo é dizer aquilo que a pessoa quer ouvir. A chave de toda profecia é o cliente, mas não o profeta. Cuidado com as perguntas que você fará sobre o tempo à frente: elas condicionarão toda e qualquer resposta. Em resumo: você é a chave do futuro!

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Em ambiente de explosão profética, junto-me aos seguidores da necromante de Endor e aos fãs de pitonisas. Se você ler e estudar, 2024 será um ano de aprendizado. Se comer com consciência e fizer atividade física supervisionada, será um ano de boa forma. Se você construir algo, o futuro terá mais chance matemática de chegar positivo. Já vi muitos dragões chegando aos céus do Brasil. O segredo é sobreviver com esforço intenso. Esperança? Bem... coma lentilha, ingira algumas sementes de romã e pule sete ondinhas. De branco, é claro! O resto pertence ao insondável futuro. Feliz ano-novo!

Um novo ano é uma convenção. Amanhã, estaremos em 2024. Quer pensar no artificialismo da data? Jesus não nasceu no ano 1 da nossa era. Se a natividade em Belém for nosso marco real, poderíamos estar comemorando algo entre 2028 e 2031. É sempre complicado explicar que houve um erro de cálculo, pois Jesus nasceu entre 7 e 4 antes de Cristo.

Pretende esvaziar mais o simbolismo? O Cristianismo atinge 2 bilhões dos quase 8 bilhões de seres humanos. Para nossos irmãos islâmicos, judeus, chineses, hindus e outros, o ano não começa no dia 1.º de janeiro. Nossa bolha ocidental cristã faz crer que a data seja, de fato, universal. Não é.

Para separar real de cultural, basta observar seu cachorro ou seu gato. Ele está com ansiedade pelo novo ano? Manifesta uma alegria especial ou melancolia marcante pelo que se foi ou o que o aguarda? Você sente que o olhar canino ou felino está alterado? A mudança dos nossos amados pets estará no horror aos fogos de artifício do ano-novo. Não é o ano-novo que estressa os bichos, mas nossa velha obstinação infeliz com pólvora.

Princípio estoico tradicional: excesso de passado produz remorso; muito futuro gera ansiedade. Devemos viver o presente. Nosso cérebro entende isso, o coração resiste. Sim, o passado é irrecuperável. Todavia, podemos esvaziar a carga ansiolítica do desconhecido à frente por meio de... profecias.

Curiosa contradição aparente. A teologia dos monoteísmos costuma ser reticente com nossa consulta a astros, cartomantes, espíritos mortos ou outras formas. Deus condenou Saul por buscar uma necromante em Endor (1 Samuel 28). Para saber o resultado da luta contra os filisteus, o primeiro rei de Israel (que havia desterrado adivinhos) consultou a vidente para que o espírito de Samuel falasse sobre o que viria à frente. Deus desaprovou o ato. A profecia foi atributo exclusivo do Todo-Poderoso e seus enviados. A todo instante, Ele tratou sobre o futuro, mas não permitiu autonomia na busca dessa luz antecipada sobre fatos ainda não ocorridos. O início do Judaísmo foi uma profecia: “Eu farei de Abraão pai de uma grande nação”. A profecia ocorreu pela voz de Deus e de seus profetas oficiais; foi interditada ao desejo randômico dos fiéis comuns ou dos reis ungidos.

O preconceito contra adivinhos é forte no Cristianismo. Os judeus tinham vizinhos com muitas práticas de adivinhação; os cristãos enfrentavam o modelo greco-romano que adorava palpites sobre o amanhã. A pitonisa cheirava coisas estranhas e anunciava fatos vindouros. Sacerdotes pagãos abriam aves e animais e liam entranhas, os famosos arúspices. A maneira como os gansos sagrados do Capitólio, em Roma, comiam pela manhã determinava muito sobre o caráter fasto ou nefasto do dia. Tudo isso foi condenado pela nova religião cristã. A profecia era um dom de Deus concedido a seus representantes. O apóstolo Paulo lembra: profetizar é algo dado a alguns fiéis. Elimina-se a adivinhação do futuro, a granel e no atacado, para se preservar o profeta cadastrado e reconhecido. Toda instituição de poder deve zelar pela memória do passado e pela autorização dos profetas corretos. Nada mais perigoso do que alguém falando, sem alvará canônico, de coisas além do tempo.

Antigo manuscrito 'As profecias de M. Michel' escrito em 1568 pelo astrólogo francês Michel de Nostredame, conhecido como Nostradamus. Foto: EFE/ Carabinieri

A picaretagem sobre aquilo que não existe ainda (o futuro) corre solta. Milhões leem o jornal, a cada alvorecer, em busca de uma disposição zodiacal. Outros consultam Nostradamus e suas centúrias inesgotáveis em delírios literários e simbólicos. Quer saber, com certeza, a linha de desenvolvimento do ano de 2024? A partir de fevereiro, começa o ano do Dragão no calendário chinês. Será um período de criatividade e de exuberância. A cor de sorte do novo ano do Dragão é o verde-primavera. Use jade a partir de fevereiro para concentrar boas energias. No final do ano, cobre dos chineses essa profecia.

Se quiser uma profecia mestiça, some 2024 e encontrará o número 8, o mais afortunado para os orientais. Ano ocidental, em numerologia chinesa, parece indicar um recorte de tempo especialmente feliz. Claro, sabemos que merecemos uma pausa depois de anos de pandemia e de instabilidade político-econômica. Toda boa cartomante (e nosso querido Machado de Assis) sabe que o segredo é dizer aquilo que a pessoa quer ouvir. A chave de toda profecia é o cliente, mas não o profeta. Cuidado com as perguntas que você fará sobre o tempo à frente: elas condicionarão toda e qualquer resposta. Em resumo: você é a chave do futuro!

Em ambiente de explosão profética, junto-me aos seguidores da necromante de Endor e aos fãs de pitonisas. Se você ler e estudar, 2024 será um ano de aprendizado. Se comer com consciência e fizer atividade física supervisionada, será um ano de boa forma. Se você construir algo, o futuro terá mais chance matemática de chegar positivo. Já vi muitos dragões chegando aos céus do Brasil. O segredo é sobreviver com esforço intenso. Esperança? Bem... coma lentilha, ingira algumas sementes de romã e pule sete ondinhas. De branco, é claro! O resto pertence ao insondável futuro. Feliz ano-novo!

Um novo ano é uma convenção. Amanhã, estaremos em 2024. Quer pensar no artificialismo da data? Jesus não nasceu no ano 1 da nossa era. Se a natividade em Belém for nosso marco real, poderíamos estar comemorando algo entre 2028 e 2031. É sempre complicado explicar que houve um erro de cálculo, pois Jesus nasceu entre 7 e 4 antes de Cristo.

Pretende esvaziar mais o simbolismo? O Cristianismo atinge 2 bilhões dos quase 8 bilhões de seres humanos. Para nossos irmãos islâmicos, judeus, chineses, hindus e outros, o ano não começa no dia 1.º de janeiro. Nossa bolha ocidental cristã faz crer que a data seja, de fato, universal. Não é.

Para separar real de cultural, basta observar seu cachorro ou seu gato. Ele está com ansiedade pelo novo ano? Manifesta uma alegria especial ou melancolia marcante pelo que se foi ou o que o aguarda? Você sente que o olhar canino ou felino está alterado? A mudança dos nossos amados pets estará no horror aos fogos de artifício do ano-novo. Não é o ano-novo que estressa os bichos, mas nossa velha obstinação infeliz com pólvora.

Princípio estoico tradicional: excesso de passado produz remorso; muito futuro gera ansiedade. Devemos viver o presente. Nosso cérebro entende isso, o coração resiste. Sim, o passado é irrecuperável. Todavia, podemos esvaziar a carga ansiolítica do desconhecido à frente por meio de... profecias.

Curiosa contradição aparente. A teologia dos monoteísmos costuma ser reticente com nossa consulta a astros, cartomantes, espíritos mortos ou outras formas. Deus condenou Saul por buscar uma necromante em Endor (1 Samuel 28). Para saber o resultado da luta contra os filisteus, o primeiro rei de Israel (que havia desterrado adivinhos) consultou a vidente para que o espírito de Samuel falasse sobre o que viria à frente. Deus desaprovou o ato. A profecia foi atributo exclusivo do Todo-Poderoso e seus enviados. A todo instante, Ele tratou sobre o futuro, mas não permitiu autonomia na busca dessa luz antecipada sobre fatos ainda não ocorridos. O início do Judaísmo foi uma profecia: “Eu farei de Abraão pai de uma grande nação”. A profecia ocorreu pela voz de Deus e de seus profetas oficiais; foi interditada ao desejo randômico dos fiéis comuns ou dos reis ungidos.

O preconceito contra adivinhos é forte no Cristianismo. Os judeus tinham vizinhos com muitas práticas de adivinhação; os cristãos enfrentavam o modelo greco-romano que adorava palpites sobre o amanhã. A pitonisa cheirava coisas estranhas e anunciava fatos vindouros. Sacerdotes pagãos abriam aves e animais e liam entranhas, os famosos arúspices. A maneira como os gansos sagrados do Capitólio, em Roma, comiam pela manhã determinava muito sobre o caráter fasto ou nefasto do dia. Tudo isso foi condenado pela nova religião cristã. A profecia era um dom de Deus concedido a seus representantes. O apóstolo Paulo lembra: profetizar é algo dado a alguns fiéis. Elimina-se a adivinhação do futuro, a granel e no atacado, para se preservar o profeta cadastrado e reconhecido. Toda instituição de poder deve zelar pela memória do passado e pela autorização dos profetas corretos. Nada mais perigoso do que alguém falando, sem alvará canônico, de coisas além do tempo.

Antigo manuscrito 'As profecias de M. Michel' escrito em 1568 pelo astrólogo francês Michel de Nostredame, conhecido como Nostradamus. Foto: EFE/ Carabinieri

A picaretagem sobre aquilo que não existe ainda (o futuro) corre solta. Milhões leem o jornal, a cada alvorecer, em busca de uma disposição zodiacal. Outros consultam Nostradamus e suas centúrias inesgotáveis em delírios literários e simbólicos. Quer saber, com certeza, a linha de desenvolvimento do ano de 2024? A partir de fevereiro, começa o ano do Dragão no calendário chinês. Será um período de criatividade e de exuberância. A cor de sorte do novo ano do Dragão é o verde-primavera. Use jade a partir de fevereiro para concentrar boas energias. No final do ano, cobre dos chineses essa profecia.

Se quiser uma profecia mestiça, some 2024 e encontrará o número 8, o mais afortunado para os orientais. Ano ocidental, em numerologia chinesa, parece indicar um recorte de tempo especialmente feliz. Claro, sabemos que merecemos uma pausa depois de anos de pandemia e de instabilidade político-econômica. Toda boa cartomante (e nosso querido Machado de Assis) sabe que o segredo é dizer aquilo que a pessoa quer ouvir. A chave de toda profecia é o cliente, mas não o profeta. Cuidado com as perguntas que você fará sobre o tempo à frente: elas condicionarão toda e qualquer resposta. Em resumo: você é a chave do futuro!

Em ambiente de explosão profética, junto-me aos seguidores da necromante de Endor e aos fãs de pitonisas. Se você ler e estudar, 2024 será um ano de aprendizado. Se comer com consciência e fizer atividade física supervisionada, será um ano de boa forma. Se você construir algo, o futuro terá mais chance matemática de chegar positivo. Já vi muitos dragões chegando aos céus do Brasil. O segredo é sobreviver com esforço intenso. Esperança? Bem... coma lentilha, ingira algumas sementes de romã e pule sete ondinhas. De branco, é claro! O resto pertence ao insondável futuro. Feliz ano-novo!

Um novo ano é uma convenção. Amanhã, estaremos em 2024. Quer pensar no artificialismo da data? Jesus não nasceu no ano 1 da nossa era. Se a natividade em Belém for nosso marco real, poderíamos estar comemorando algo entre 2028 e 2031. É sempre complicado explicar que houve um erro de cálculo, pois Jesus nasceu entre 7 e 4 antes de Cristo.

Pretende esvaziar mais o simbolismo? O Cristianismo atinge 2 bilhões dos quase 8 bilhões de seres humanos. Para nossos irmãos islâmicos, judeus, chineses, hindus e outros, o ano não começa no dia 1.º de janeiro. Nossa bolha ocidental cristã faz crer que a data seja, de fato, universal. Não é.

Para separar real de cultural, basta observar seu cachorro ou seu gato. Ele está com ansiedade pelo novo ano? Manifesta uma alegria especial ou melancolia marcante pelo que se foi ou o que o aguarda? Você sente que o olhar canino ou felino está alterado? A mudança dos nossos amados pets estará no horror aos fogos de artifício do ano-novo. Não é o ano-novo que estressa os bichos, mas nossa velha obstinação infeliz com pólvora.

Princípio estoico tradicional: excesso de passado produz remorso; muito futuro gera ansiedade. Devemos viver o presente. Nosso cérebro entende isso, o coração resiste. Sim, o passado é irrecuperável. Todavia, podemos esvaziar a carga ansiolítica do desconhecido à frente por meio de... profecias.

Curiosa contradição aparente. A teologia dos monoteísmos costuma ser reticente com nossa consulta a astros, cartomantes, espíritos mortos ou outras formas. Deus condenou Saul por buscar uma necromante em Endor (1 Samuel 28). Para saber o resultado da luta contra os filisteus, o primeiro rei de Israel (que havia desterrado adivinhos) consultou a vidente para que o espírito de Samuel falasse sobre o que viria à frente. Deus desaprovou o ato. A profecia foi atributo exclusivo do Todo-Poderoso e seus enviados. A todo instante, Ele tratou sobre o futuro, mas não permitiu autonomia na busca dessa luz antecipada sobre fatos ainda não ocorridos. O início do Judaísmo foi uma profecia: “Eu farei de Abraão pai de uma grande nação”. A profecia ocorreu pela voz de Deus e de seus profetas oficiais; foi interditada ao desejo randômico dos fiéis comuns ou dos reis ungidos.

O preconceito contra adivinhos é forte no Cristianismo. Os judeus tinham vizinhos com muitas práticas de adivinhação; os cristãos enfrentavam o modelo greco-romano que adorava palpites sobre o amanhã. A pitonisa cheirava coisas estranhas e anunciava fatos vindouros. Sacerdotes pagãos abriam aves e animais e liam entranhas, os famosos arúspices. A maneira como os gansos sagrados do Capitólio, em Roma, comiam pela manhã determinava muito sobre o caráter fasto ou nefasto do dia. Tudo isso foi condenado pela nova religião cristã. A profecia era um dom de Deus concedido a seus representantes. O apóstolo Paulo lembra: profetizar é algo dado a alguns fiéis. Elimina-se a adivinhação do futuro, a granel e no atacado, para se preservar o profeta cadastrado e reconhecido. Toda instituição de poder deve zelar pela memória do passado e pela autorização dos profetas corretos. Nada mais perigoso do que alguém falando, sem alvará canônico, de coisas além do tempo.

Antigo manuscrito 'As profecias de M. Michel' escrito em 1568 pelo astrólogo francês Michel de Nostredame, conhecido como Nostradamus. Foto: EFE/ Carabinieri

A picaretagem sobre aquilo que não existe ainda (o futuro) corre solta. Milhões leem o jornal, a cada alvorecer, em busca de uma disposição zodiacal. Outros consultam Nostradamus e suas centúrias inesgotáveis em delírios literários e simbólicos. Quer saber, com certeza, a linha de desenvolvimento do ano de 2024? A partir de fevereiro, começa o ano do Dragão no calendário chinês. Será um período de criatividade e de exuberância. A cor de sorte do novo ano do Dragão é o verde-primavera. Use jade a partir de fevereiro para concentrar boas energias. No final do ano, cobre dos chineses essa profecia.

Se quiser uma profecia mestiça, some 2024 e encontrará o número 8, o mais afortunado para os orientais. Ano ocidental, em numerologia chinesa, parece indicar um recorte de tempo especialmente feliz. Claro, sabemos que merecemos uma pausa depois de anos de pandemia e de instabilidade político-econômica. Toda boa cartomante (e nosso querido Machado de Assis) sabe que o segredo é dizer aquilo que a pessoa quer ouvir. A chave de toda profecia é o cliente, mas não o profeta. Cuidado com as perguntas que você fará sobre o tempo à frente: elas condicionarão toda e qualquer resposta. Em resumo: você é a chave do futuro!

Em ambiente de explosão profética, junto-me aos seguidores da necromante de Endor e aos fãs de pitonisas. Se você ler e estudar, 2024 será um ano de aprendizado. Se comer com consciência e fizer atividade física supervisionada, será um ano de boa forma. Se você construir algo, o futuro terá mais chance matemática de chegar positivo. Já vi muitos dragões chegando aos céus do Brasil. O segredo é sobreviver com esforço intenso. Esperança? Bem... coma lentilha, ingira algumas sementes de romã e pule sete ondinhas. De branco, é claro! O resto pertence ao insondável futuro. Feliz ano-novo!

Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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