Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Excesso de estímulos mudou como experimentamos a arte


A saturação da experiência artística é uma tendência antiga

Por Leandro Karnal

Você já viu uma “exposição imersiva”? São experiências audiovisuais de projeção sofisticada sobre a obra de um pintor. Você, literalmente, “entra na tela”. O chão, o teto e as paredes se movimentam... a música de fundo ajuda. Quero refletir sobre o costume crescente dessa “realidade ampliada”.

A tecnologia permite: os pássaros de Van Gogh ou Monet voam, o mar de Turner se agita, as personagens de Dali flutuam. Muita tecnologia aplicada com extrema maestria, impactando até o mais resistente ser avesso à arte. As crianças amam a ponto de gritarem na sala. Adultos choram, fotografam, postam. É como entrar no mundo estético, sem aquela cena fria e dura de um museu tradicional. Quero pensar a tendência para que você faça, querida leitora e estimado leitor, suas próprias considerações.

De forma geral, a saturação da experiência artística é uma tendência antiga. Ao fazer um teto imitando cúpulas e cenas celestes, como na Igreja de Gesù em Roma, reforçar a experiência com música sacra e o cheiro do incenso, eu nada mais faço do que teatralizar de forma sensorial e aumentar o impacto, no caso, pedagógico da Contrarreforma. A adesão emocional à mensagem catequética é o objetivo. O fiel deve ser transformado por tudo, até pela luz que possa entrar de um vitral na Santa Capela de Paris. Saturar os sentidos, para impedir resistências ou críticas, afogar na beleza, imergir em um todo físico e psíquico. Isso é feito em igrejas barrocas ou na Disney. Em alguns brinquedos da Flórida, existem cheiros para reforçar a hiper-realidade.

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Van Gogh foi tema de exposição imersiva 

Não há mais uma estética contemplativa com o foco de um museu. Mesmo que não seja uma experiência imersiva, fazer a selfie diante do quadro famoso é obrigatório. Artistas que usam temas mais “instagramáveis”, como as maravilhosas composições com bolas de Yayoi Kusama, são ainda de maior adesão. Não estou lá para exercitar um raciocínio analítico ou um êxtase estético tradicional: quero postar!

Esvaziando-se o sentido mais comum de um quadro de uma exposição, aumento de forma compensatória o impacto sensorial. Os sentidos estão saturados há muito tempo e de quase todas as pessoas. Com o excesso de doces ou de luz, precisamos aumentar a intensidade para perceber algo. Perdemos a primeira sensibilidade; a música deve ser executada em alto volume e com a maior quantidade possível de efeitos. O show precisa ter um telão que reforce a experiência. Em algum momento, a luz deve surgir, para ser criado um “clima”.

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A arte não é mais, exatamente, o que está em jogo. Assim como na culinária de menus circenses, a fumaça filmada do prato causará mais deleites aos olhos e aos celulares do que impactos gustativos. Muita gente está lá para filmar e publicar, poucos para comer como escopo fundamental. Dessa mesma forma, são as exposições imersivas.

Não quero ser o “Velho do Restelo” a lamentar as novidades e a construir um suposto passado idealizado no qual todos eram mais analíticos. Nunca houve isso. Jamais existiu uma era idílica na qual todos ficavam horas vendo um quadro e tecendo análises. Acho positivo o experimento da imersão para crianças, iniciantes e até resistentes à arte. Projetar em todas as superfícies não é a causa do declínio público da arte, antes um sintoma de uma nova forma de perceber o mundo.

A fruição estética média do público exige realidade aumentada. Vamos voltar ao século 19, quando Stendhal está em Florença. Ele vê as obras do Renascimento e tem sintomas físicos: palpitação, respiração ofegante, perda dos sentidos. Até hoje, quando diante da beleza da arte alguém se sente transformado a ponto de ter reações orgânicas, chamamos de “síndrome de Stendhal”. Hoje, para provocar uma emoção intensa, precisamos de muitos estímulos. Estamos resistentes, e a dose da droga deve ser aumentada. Este é o fator atual – mais e mais emoções como uma montanha-russa contínua de dopamina.

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A dúvida pode surgir: se eu introduzir arte para crianças, por meio de experiências tecnológicas imersivas, estarei já criando o vício do excesso? Tal público infantil oscilará para um minimalismo estético? Menos informações seriam mais refinadas do que um campo mais opulento? Seriam sequer desejáveis?

Sou experiente no campo de apresentar museus para pessoas variadas. Minha ideia? Surgiu uma experiência imersiva com algum pintor? Leve crianças e adolescentes. Deixe-os na vivência lúdica e nas postagens infindas. Depois, com a atenção despertada, mostre um quadro real, do mesmo autor, em um grande museu ou mesmo uma reprodução na internet. Quando a criança identificar “é de Van Gogh”, estimule que ela enuncie os estilemas, ou seja, quais as marcas autorais: uso abundante de tinta, espátula, cores fortes, linhas definidas, girassóis, etc. Não desenvolva muito. Não dê uma aula. Não “torre”. Só indique e elogie que houve uma identificação. Em outra ocasião, mostre mais, compre uma reprodução, amplie para pintores da mesma geração ou estética. Compare: “Veja, Enzo, Monet não faz linhas, mas Van Gogh, Cézanne e Gauguin têm linhas definidas. De qual você gosta mais?” Não me irrito com recursos teatrais em exposições se forem o começo do interesse, contudo quero apenas que não sejam o fim. Tenho esperança na arte e nas crianças.

Você já viu uma “exposição imersiva”? São experiências audiovisuais de projeção sofisticada sobre a obra de um pintor. Você, literalmente, “entra na tela”. O chão, o teto e as paredes se movimentam... a música de fundo ajuda. Quero refletir sobre o costume crescente dessa “realidade ampliada”.

A tecnologia permite: os pássaros de Van Gogh ou Monet voam, o mar de Turner se agita, as personagens de Dali flutuam. Muita tecnologia aplicada com extrema maestria, impactando até o mais resistente ser avesso à arte. As crianças amam a ponto de gritarem na sala. Adultos choram, fotografam, postam. É como entrar no mundo estético, sem aquela cena fria e dura de um museu tradicional. Quero pensar a tendência para que você faça, querida leitora e estimado leitor, suas próprias considerações.

De forma geral, a saturação da experiência artística é uma tendência antiga. Ao fazer um teto imitando cúpulas e cenas celestes, como na Igreja de Gesù em Roma, reforçar a experiência com música sacra e o cheiro do incenso, eu nada mais faço do que teatralizar de forma sensorial e aumentar o impacto, no caso, pedagógico da Contrarreforma. A adesão emocional à mensagem catequética é o objetivo. O fiel deve ser transformado por tudo, até pela luz que possa entrar de um vitral na Santa Capela de Paris. Saturar os sentidos, para impedir resistências ou críticas, afogar na beleza, imergir em um todo físico e psíquico. Isso é feito em igrejas barrocas ou na Disney. Em alguns brinquedos da Flórida, existem cheiros para reforçar a hiper-realidade.

Van Gogh foi tema de exposição imersiva 

Não há mais uma estética contemplativa com o foco de um museu. Mesmo que não seja uma experiência imersiva, fazer a selfie diante do quadro famoso é obrigatório. Artistas que usam temas mais “instagramáveis”, como as maravilhosas composições com bolas de Yayoi Kusama, são ainda de maior adesão. Não estou lá para exercitar um raciocínio analítico ou um êxtase estético tradicional: quero postar!

Esvaziando-se o sentido mais comum de um quadro de uma exposição, aumento de forma compensatória o impacto sensorial. Os sentidos estão saturados há muito tempo e de quase todas as pessoas. Com o excesso de doces ou de luz, precisamos aumentar a intensidade para perceber algo. Perdemos a primeira sensibilidade; a música deve ser executada em alto volume e com a maior quantidade possível de efeitos. O show precisa ter um telão que reforce a experiência. Em algum momento, a luz deve surgir, para ser criado um “clima”.

A arte não é mais, exatamente, o que está em jogo. Assim como na culinária de menus circenses, a fumaça filmada do prato causará mais deleites aos olhos e aos celulares do que impactos gustativos. Muita gente está lá para filmar e publicar, poucos para comer como escopo fundamental. Dessa mesma forma, são as exposições imersivas.

Não quero ser o “Velho do Restelo” a lamentar as novidades e a construir um suposto passado idealizado no qual todos eram mais analíticos. Nunca houve isso. Jamais existiu uma era idílica na qual todos ficavam horas vendo um quadro e tecendo análises. Acho positivo o experimento da imersão para crianças, iniciantes e até resistentes à arte. Projetar em todas as superfícies não é a causa do declínio público da arte, antes um sintoma de uma nova forma de perceber o mundo.

A fruição estética média do público exige realidade aumentada. Vamos voltar ao século 19, quando Stendhal está em Florença. Ele vê as obras do Renascimento e tem sintomas físicos: palpitação, respiração ofegante, perda dos sentidos. Até hoje, quando diante da beleza da arte alguém se sente transformado a ponto de ter reações orgânicas, chamamos de “síndrome de Stendhal”. Hoje, para provocar uma emoção intensa, precisamos de muitos estímulos. Estamos resistentes, e a dose da droga deve ser aumentada. Este é o fator atual – mais e mais emoções como uma montanha-russa contínua de dopamina.

A dúvida pode surgir: se eu introduzir arte para crianças, por meio de experiências tecnológicas imersivas, estarei já criando o vício do excesso? Tal público infantil oscilará para um minimalismo estético? Menos informações seriam mais refinadas do que um campo mais opulento? Seriam sequer desejáveis?

Sou experiente no campo de apresentar museus para pessoas variadas. Minha ideia? Surgiu uma experiência imersiva com algum pintor? Leve crianças e adolescentes. Deixe-os na vivência lúdica e nas postagens infindas. Depois, com a atenção despertada, mostre um quadro real, do mesmo autor, em um grande museu ou mesmo uma reprodução na internet. Quando a criança identificar “é de Van Gogh”, estimule que ela enuncie os estilemas, ou seja, quais as marcas autorais: uso abundante de tinta, espátula, cores fortes, linhas definidas, girassóis, etc. Não desenvolva muito. Não dê uma aula. Não “torre”. Só indique e elogie que houve uma identificação. Em outra ocasião, mostre mais, compre uma reprodução, amplie para pintores da mesma geração ou estética. Compare: “Veja, Enzo, Monet não faz linhas, mas Van Gogh, Cézanne e Gauguin têm linhas definidas. De qual você gosta mais?” Não me irrito com recursos teatrais em exposições se forem o começo do interesse, contudo quero apenas que não sejam o fim. Tenho esperança na arte e nas crianças.

Você já viu uma “exposição imersiva”? São experiências audiovisuais de projeção sofisticada sobre a obra de um pintor. Você, literalmente, “entra na tela”. O chão, o teto e as paredes se movimentam... a música de fundo ajuda. Quero refletir sobre o costume crescente dessa “realidade ampliada”.

A tecnologia permite: os pássaros de Van Gogh ou Monet voam, o mar de Turner se agita, as personagens de Dali flutuam. Muita tecnologia aplicada com extrema maestria, impactando até o mais resistente ser avesso à arte. As crianças amam a ponto de gritarem na sala. Adultos choram, fotografam, postam. É como entrar no mundo estético, sem aquela cena fria e dura de um museu tradicional. Quero pensar a tendência para que você faça, querida leitora e estimado leitor, suas próprias considerações.

De forma geral, a saturação da experiência artística é uma tendência antiga. Ao fazer um teto imitando cúpulas e cenas celestes, como na Igreja de Gesù em Roma, reforçar a experiência com música sacra e o cheiro do incenso, eu nada mais faço do que teatralizar de forma sensorial e aumentar o impacto, no caso, pedagógico da Contrarreforma. A adesão emocional à mensagem catequética é o objetivo. O fiel deve ser transformado por tudo, até pela luz que possa entrar de um vitral na Santa Capela de Paris. Saturar os sentidos, para impedir resistências ou críticas, afogar na beleza, imergir em um todo físico e psíquico. Isso é feito em igrejas barrocas ou na Disney. Em alguns brinquedos da Flórida, existem cheiros para reforçar a hiper-realidade.

Van Gogh foi tema de exposição imersiva 

Não há mais uma estética contemplativa com o foco de um museu. Mesmo que não seja uma experiência imersiva, fazer a selfie diante do quadro famoso é obrigatório. Artistas que usam temas mais “instagramáveis”, como as maravilhosas composições com bolas de Yayoi Kusama, são ainda de maior adesão. Não estou lá para exercitar um raciocínio analítico ou um êxtase estético tradicional: quero postar!

Esvaziando-se o sentido mais comum de um quadro de uma exposição, aumento de forma compensatória o impacto sensorial. Os sentidos estão saturados há muito tempo e de quase todas as pessoas. Com o excesso de doces ou de luz, precisamos aumentar a intensidade para perceber algo. Perdemos a primeira sensibilidade; a música deve ser executada em alto volume e com a maior quantidade possível de efeitos. O show precisa ter um telão que reforce a experiência. Em algum momento, a luz deve surgir, para ser criado um “clima”.

A arte não é mais, exatamente, o que está em jogo. Assim como na culinária de menus circenses, a fumaça filmada do prato causará mais deleites aos olhos e aos celulares do que impactos gustativos. Muita gente está lá para filmar e publicar, poucos para comer como escopo fundamental. Dessa mesma forma, são as exposições imersivas.

Não quero ser o “Velho do Restelo” a lamentar as novidades e a construir um suposto passado idealizado no qual todos eram mais analíticos. Nunca houve isso. Jamais existiu uma era idílica na qual todos ficavam horas vendo um quadro e tecendo análises. Acho positivo o experimento da imersão para crianças, iniciantes e até resistentes à arte. Projetar em todas as superfícies não é a causa do declínio público da arte, antes um sintoma de uma nova forma de perceber o mundo.

A fruição estética média do público exige realidade aumentada. Vamos voltar ao século 19, quando Stendhal está em Florença. Ele vê as obras do Renascimento e tem sintomas físicos: palpitação, respiração ofegante, perda dos sentidos. Até hoje, quando diante da beleza da arte alguém se sente transformado a ponto de ter reações orgânicas, chamamos de “síndrome de Stendhal”. Hoje, para provocar uma emoção intensa, precisamos de muitos estímulos. Estamos resistentes, e a dose da droga deve ser aumentada. Este é o fator atual – mais e mais emoções como uma montanha-russa contínua de dopamina.

A dúvida pode surgir: se eu introduzir arte para crianças, por meio de experiências tecnológicas imersivas, estarei já criando o vício do excesso? Tal público infantil oscilará para um minimalismo estético? Menos informações seriam mais refinadas do que um campo mais opulento? Seriam sequer desejáveis?

Sou experiente no campo de apresentar museus para pessoas variadas. Minha ideia? Surgiu uma experiência imersiva com algum pintor? Leve crianças e adolescentes. Deixe-os na vivência lúdica e nas postagens infindas. Depois, com a atenção despertada, mostre um quadro real, do mesmo autor, em um grande museu ou mesmo uma reprodução na internet. Quando a criança identificar “é de Van Gogh”, estimule que ela enuncie os estilemas, ou seja, quais as marcas autorais: uso abundante de tinta, espátula, cores fortes, linhas definidas, girassóis, etc. Não desenvolva muito. Não dê uma aula. Não “torre”. Só indique e elogie que houve uma identificação. Em outra ocasião, mostre mais, compre uma reprodução, amplie para pintores da mesma geração ou estética. Compare: “Veja, Enzo, Monet não faz linhas, mas Van Gogh, Cézanne e Gauguin têm linhas definidas. De qual você gosta mais?” Não me irrito com recursos teatrais em exposições se forem o começo do interesse, contudo quero apenas que não sejam o fim. Tenho esperança na arte e nas crianças.

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Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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