O fim de ano é uma época boa para sonhar e manifestar boas expectativas. Vou sugerir uma espécie de jogo. É um exercício lúdico sobre desejo e autoconhecimento. Se lhe fosse dado mudar algumas coisas, livremente, o que você faria? Explico-me.
Raramente os seres humanos estão satisfeitos com a estatura, por exemplo. Tirando alguns gigantes, a maioria absoluta parece desejar alguns (ou muitos) centímetros a mais. Se fosse livre para escolher, qual seria seu tamanho exato? Já fez essa conta?
Sei! Diante do seu círculo íntimo, você pode até dizer: “Estou satisfeito com a medida vertical do meu corpo”. Sim! É correto dizer isso.
Agora, fora da cena social, qual a altura exata você desejaria a si? Eu tenho 1m82cm. Pareço estar diminuindo com a idade; logo, quando a crônica for publicada, posso estar com um pouco menos.... Hoje, eu diria que meu desejo é de 1m88cm. Mais do que isso, em carros e aviões, traria desconforto. Não sei explicar de forma racional, mas 1m88cm é a altura que sempre desejei.
E você, querida leitora e caro leitor? Onde você, no mundo dos sonhos, deveria bater na fita métrica?
Fisicamente, aumentaria ou diminuiria alguma parte sua? Mudaria seu peso atual? Trocaria a cor dos olhos? Imagine-se nu, nua, diante do espelho e com o dom de mudar. O que alargaria, aumentaria, encorparia ou eliminaria?
Eu assumi uma identidade de cabeça raspada. Vivo assim e sem grandes dores. Porém... surpreendo-me, vendo minhas fotos aos 18 anos e imaginando... meus cabelos originais. Estão na terra de Nárnia, provavelmente.
E... se você pudesse escolher sobre renda a mais? Sabemos que excesso de dinheiro não é sinônimo de felicidade. Se pudesse aumentar sua renda, qual seria o valor associado à plenitude da felicidade? Cem mil? Um milhão por mês? Isso define um pouco do seu horizonte de ambição.
Uma pergunta delicada que terá uma resposta social e outra íntima: estaria com a pessoa que você está hoje? Ao menos, mudaria algo estrutural nela ou nele? Gostaria de uma esposa com reengenharia ou de um marido 2.0? Se não mudasse o corpo, transformaria algo do caráter do cônjuge?
À moda do gênio da lâmpada, indago os seus desejos neste final de 2022. O ano foi complicado, eu sei. Mais do que nunca, merecemos sonhar.
E... se pudesse ter fluência em várias línguas, quantas desejaria? Imagina-se hábil em um instrumento musical? Que modelos de carros você teria na garagem? Que defeito seu corrigiria? Aumentaria sua fama? Expandiria seu carisma? Imaginaria um modelo de casa ou apartamento ideal? Teria amizade, em com uma pessoa?
E... na noite de hoje, se fosse livre para supor um paraíso sexual perfeito, como ele seria habitado? Em qual ambiente? Com uma ou várias pessoas? Como seriam os corpos no devaneio erótico que sugiro realizar?
Aproxima-se o fim do ano. Qual seria seu Ano-Novo ideal? Onde? Com quem? O que existiria para comer e para beber? Qual a vista? Como seriam os fogos? Sua roupa? Haveria qual música a embalar a cena irretocável?
Fantasias incluem aumentar coisas (renda, força, estatura) e diminuir outras (pessoas chatas, neuroses, boletos). A mais ou a menos são os passos iniciais.
E... podemos pensar em um mundo sem doenças ou morte? Imaginaria um metabolismo em que você ficaria cada vez mais definido, comendo fios de ovos, torresmos crocantes, bebendo sem parar, sem nunca perder a dignidade?
Algumas pessoas (sei de várias) suporiam um paraíso isolado, sem outros seres humanos. Um mundo de isolamento e ausência de perturbações. Sim, muita gente imagina que o ideal é a solidão.
Muitos que estão lendo estas palavras dirão na sala: “Bobagem do Karnal, tenho tudo o que eu quero e não mudaria as coisas e as pessoas. Sou plenamente satisfeito”.
Podemos ter no mundo alguém sábio, estoico, satisfeito e inteiramente feliz. Também temos, com mais frequência, mentirosos. Devaneios sobre nossos desejos confessáveis e inconfessáveis são exercícios psicanalíticos. Sem fantasias, pouco saberemos de uma pessoa. O que somos e o que desejaríamos são fronteiras plásticas do nosso ser.
Caminhoneiros já traduziram o melhor do conformismo religioso: “Não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho”. É uma ideia bonita e muito equilibrada. Já vi essa frase na traseira de um caminhão. Nessa hora, no entanto, o cara dirigia de forma pouco amorosa o veículo e sua vida.
A insatisfação é uma boa alavanca de mudança e também fonte de frustração, se for generalizada e sem plano de ação estratégico. Ulisses fugiu da ilha perfeita de Calipso. A vida como projeto de aperfeiçoamento é uma boa meta. A dor amarga de ser o que é, e sem horizontes, pode azedar muita gente.
Curiosamente, atingir os sonhos oferecidos pelo gênio, na literatura, quase sempre implica maiores problemas. O jeito? É continuar tentando. Quem sabe em 2023... A esperança, sabemos, é a última que morre. Ousa imaginar? Imagina uma fantasia?