Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Manual para se tornar (ou evitar se tornar) um ‘mala sem alça’


Inunde os grupos de WhatsApp com piadas, frases, fotos e mensagens edificantes. Reenvie tudo que você recebeu. Nem precisa refletir se as pessoas desejam ou se você mesmo já enviou. Aja sem medo!

Por Leandro Karnal

Mala define certo tipo de receptáculo para transporte de itens em momentos de transição denominados de viagem. Para que os jovens saibam, outrora, elas não tinham as providenciais “rodinhas” que parecem tão lógicas. No passado, além de pesadas, eram desprovidas das facilitadoras esferas de deslizamento. Mala tornou-se gíria para pessoas inconvenientes. Imagine uma antiga, de papelão ou produto hidrossolúvel similar, em dia de chuva, sem poder rodar sobre rolamentos harmônicos, começando a se dissolver com a ruptura de um suporte chamado alça? Daí surge o “mala sem alça”, epítome do chato em grau elevado, um degrau acima do simples chato. Já que o dia é de chuva, imaginemos o “chato de galochas com uma mala de papelão sem alça em dia de temporal” e teremos a exata dimensão do horror universal ao “mala”. A palavra também indica outra gíria, mais vulgar, como referência ao volume deixado na roupa masculina, mas, sendo este jornal destinado a todas as idades e ainda de tom familiar, ficaremos com a acepção de mala = chato. Aos jovens: procurem no dicionário a palavra galocha.

Aqui vão critérios que definem o clássico “mala sem alça”. Como virar um? É o seu projeto? Vou ajudá-lo. Primeiro passo: interfira na vida alheia com comentários e ações. Analise a decoração, a roupa, emita qualificações sobre o corpo, a família, os gostos e o carro das pessoas ao seu redor. Não aguarde ser chamado a opinar, seja rápido e diga logo o que você pensa. Toda a humanidade deseja, ansiosa, seu imenso cabedal de conhecimentos estéticos, éticos e psíquicos. Se a pessoa contestar, na verdade, ela o está convidando a desenvolver mais o tema. Não seja tímido e aproveite chances em mídias sociais para despejar a copiosa pororoca de conselhos que o solo árido do mundo ao seu redor aguarda com ansiedade.

Segundo passo: inunde os grupos de WhatsApp com piadas, frases, fotos e mensagens edificantes. Reenvie tudo que você recebeu. Nem precisa refletir se as pessoas desejam ou se você mesmo já enviou. Aja sem medo! Preencha o vazio existencial e cronológico, povoando de “bons-dias”, “sextei” e mensagens com animação. Se não comentarem, é porque estão impactados com a beleza e densidade dos envios. Dobre a quantidade!

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Terceiro passo: se você tem um campo de maior dedicação, como o futebol ou a música, dirija toda a conversa para ele. Explique em detalhes sua paixão. Se alguém não comentar, é porque foi emudecido pela beleza dos seus gostos. Insista! Fale! Logo todos torcerão para seu time, escutarão seu compositor ou votarão no seu candidato. Você só é convidado para os eventos familiares pelo desejo das aulas magnas que profere entre a cerveja e a picanha. Não decepcione as pessoas! Fale sempre e muito!

Quarto passo: o mundo tem sede de ouvi-lo. Assim, aproveite o cinema, o teatro e todas as ocasiões para falar ao celular ou comentar trechos do filme com a pessoa ao seu lado. O público está lá na sala escura da projeção, inquieto, sem entender a obra, até que sua inteligência resolva, com um único comentário, o nó da compreensão. Fale alto e muito: se alguém disser psiu!, entenda que, na verdade, é um louvor e pedido de mais análises certeiras.

Quinto passo: abaixo o Meridiano de Greenwich! Faça sua própria linha de horário ou de data. Convidaram para o meio-dia? Chegue às 15h, dando bom-dia, porque você ainda não almoçou e, enquanto não fizer sua refeição, sabemos todos, o planeta Terra não entrará no período da tarde. Chegue quando quiser e, se algum desavisado tiver a ousadia de ter começado a comer antes da sua entrada majestosa, recrimine como grosseria não ter aguardado umas horinhas a mais. Você é o relógio atômico do universo! Seu horário conduz e dirige tudo. Ignore os outros.

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Sexto passo: viva a catequese! Virou vegetariano ou vegano? Converteu-se a um grupo evangélico? Descobriu o pilates? Tomou chá de cipó? Reiki salvou sua vida? Passou a correr todas as manhãs? Sua família e amigos aguardam, com extrema ansiedade, sua homilia sobre o tema para que todos possam seguir seus passos. Pregue! Se redarguirem, insista! Entenda sua cadeira como o púlpito que salvará o mundo e use o poder da sua voz e do seu exemplo! Seu grupo tem o privilégio de ter alguém com opiniões perfeitas e universais. Mostre como eles estão abençoados pela sua presença.

Sétimo passo: faça listas como esta e distribua nas suas redes e familiares. Listas de mandamentos fazem a fama e a glória desde Moisés. Se são seu decálogo, obviamente, devem ser do mundo inteiro. E, assim, com consciência soberana, receba seu título de Mala Platinum. O “mala” tem um privilégio: ao chegar a um ambiente, torna-se exclusivo e VIP: todos fogem. É o famoso “dissolve grupo”. A esperança dele é nunca encontrar outro igualmente chato. Boa semana!

Malas em esteira de aeroporto Foto: José Patrício/Estadão

Mala define certo tipo de receptáculo para transporte de itens em momentos de transição denominados de viagem. Para que os jovens saibam, outrora, elas não tinham as providenciais “rodinhas” que parecem tão lógicas. No passado, além de pesadas, eram desprovidas das facilitadoras esferas de deslizamento. Mala tornou-se gíria para pessoas inconvenientes. Imagine uma antiga, de papelão ou produto hidrossolúvel similar, em dia de chuva, sem poder rodar sobre rolamentos harmônicos, começando a se dissolver com a ruptura de um suporte chamado alça? Daí surge o “mala sem alça”, epítome do chato em grau elevado, um degrau acima do simples chato. Já que o dia é de chuva, imaginemos o “chato de galochas com uma mala de papelão sem alça em dia de temporal” e teremos a exata dimensão do horror universal ao “mala”. A palavra também indica outra gíria, mais vulgar, como referência ao volume deixado na roupa masculina, mas, sendo este jornal destinado a todas as idades e ainda de tom familiar, ficaremos com a acepção de mala = chato. Aos jovens: procurem no dicionário a palavra galocha.

Aqui vão critérios que definem o clássico “mala sem alça”. Como virar um? É o seu projeto? Vou ajudá-lo. Primeiro passo: interfira na vida alheia com comentários e ações. Analise a decoração, a roupa, emita qualificações sobre o corpo, a família, os gostos e o carro das pessoas ao seu redor. Não aguarde ser chamado a opinar, seja rápido e diga logo o que você pensa. Toda a humanidade deseja, ansiosa, seu imenso cabedal de conhecimentos estéticos, éticos e psíquicos. Se a pessoa contestar, na verdade, ela o está convidando a desenvolver mais o tema. Não seja tímido e aproveite chances em mídias sociais para despejar a copiosa pororoca de conselhos que o solo árido do mundo ao seu redor aguarda com ansiedade.

Segundo passo: inunde os grupos de WhatsApp com piadas, frases, fotos e mensagens edificantes. Reenvie tudo que você recebeu. Nem precisa refletir se as pessoas desejam ou se você mesmo já enviou. Aja sem medo! Preencha o vazio existencial e cronológico, povoando de “bons-dias”, “sextei” e mensagens com animação. Se não comentarem, é porque estão impactados com a beleza e densidade dos envios. Dobre a quantidade!

Terceiro passo: se você tem um campo de maior dedicação, como o futebol ou a música, dirija toda a conversa para ele. Explique em detalhes sua paixão. Se alguém não comentar, é porque foi emudecido pela beleza dos seus gostos. Insista! Fale! Logo todos torcerão para seu time, escutarão seu compositor ou votarão no seu candidato. Você só é convidado para os eventos familiares pelo desejo das aulas magnas que profere entre a cerveja e a picanha. Não decepcione as pessoas! Fale sempre e muito!

Quarto passo: o mundo tem sede de ouvi-lo. Assim, aproveite o cinema, o teatro e todas as ocasiões para falar ao celular ou comentar trechos do filme com a pessoa ao seu lado. O público está lá na sala escura da projeção, inquieto, sem entender a obra, até que sua inteligência resolva, com um único comentário, o nó da compreensão. Fale alto e muito: se alguém disser psiu!, entenda que, na verdade, é um louvor e pedido de mais análises certeiras.

Quinto passo: abaixo o Meridiano de Greenwich! Faça sua própria linha de horário ou de data. Convidaram para o meio-dia? Chegue às 15h, dando bom-dia, porque você ainda não almoçou e, enquanto não fizer sua refeição, sabemos todos, o planeta Terra não entrará no período da tarde. Chegue quando quiser e, se algum desavisado tiver a ousadia de ter começado a comer antes da sua entrada majestosa, recrimine como grosseria não ter aguardado umas horinhas a mais. Você é o relógio atômico do universo! Seu horário conduz e dirige tudo. Ignore os outros.

Sexto passo: viva a catequese! Virou vegetariano ou vegano? Converteu-se a um grupo evangélico? Descobriu o pilates? Tomou chá de cipó? Reiki salvou sua vida? Passou a correr todas as manhãs? Sua família e amigos aguardam, com extrema ansiedade, sua homilia sobre o tema para que todos possam seguir seus passos. Pregue! Se redarguirem, insista! Entenda sua cadeira como o púlpito que salvará o mundo e use o poder da sua voz e do seu exemplo! Seu grupo tem o privilégio de ter alguém com opiniões perfeitas e universais. Mostre como eles estão abençoados pela sua presença.

Sétimo passo: faça listas como esta e distribua nas suas redes e familiares. Listas de mandamentos fazem a fama e a glória desde Moisés. Se são seu decálogo, obviamente, devem ser do mundo inteiro. E, assim, com consciência soberana, receba seu título de Mala Platinum. O “mala” tem um privilégio: ao chegar a um ambiente, torna-se exclusivo e VIP: todos fogem. É o famoso “dissolve grupo”. A esperança dele é nunca encontrar outro igualmente chato. Boa semana!

Malas em esteira de aeroporto Foto: José Patrício/Estadão

Mala define certo tipo de receptáculo para transporte de itens em momentos de transição denominados de viagem. Para que os jovens saibam, outrora, elas não tinham as providenciais “rodinhas” que parecem tão lógicas. No passado, além de pesadas, eram desprovidas das facilitadoras esferas de deslizamento. Mala tornou-se gíria para pessoas inconvenientes. Imagine uma antiga, de papelão ou produto hidrossolúvel similar, em dia de chuva, sem poder rodar sobre rolamentos harmônicos, começando a se dissolver com a ruptura de um suporte chamado alça? Daí surge o “mala sem alça”, epítome do chato em grau elevado, um degrau acima do simples chato. Já que o dia é de chuva, imaginemos o “chato de galochas com uma mala de papelão sem alça em dia de temporal” e teremos a exata dimensão do horror universal ao “mala”. A palavra também indica outra gíria, mais vulgar, como referência ao volume deixado na roupa masculina, mas, sendo este jornal destinado a todas as idades e ainda de tom familiar, ficaremos com a acepção de mala = chato. Aos jovens: procurem no dicionário a palavra galocha.

Aqui vão critérios que definem o clássico “mala sem alça”. Como virar um? É o seu projeto? Vou ajudá-lo. Primeiro passo: interfira na vida alheia com comentários e ações. Analise a decoração, a roupa, emita qualificações sobre o corpo, a família, os gostos e o carro das pessoas ao seu redor. Não aguarde ser chamado a opinar, seja rápido e diga logo o que você pensa. Toda a humanidade deseja, ansiosa, seu imenso cabedal de conhecimentos estéticos, éticos e psíquicos. Se a pessoa contestar, na verdade, ela o está convidando a desenvolver mais o tema. Não seja tímido e aproveite chances em mídias sociais para despejar a copiosa pororoca de conselhos que o solo árido do mundo ao seu redor aguarda com ansiedade.

Segundo passo: inunde os grupos de WhatsApp com piadas, frases, fotos e mensagens edificantes. Reenvie tudo que você recebeu. Nem precisa refletir se as pessoas desejam ou se você mesmo já enviou. Aja sem medo! Preencha o vazio existencial e cronológico, povoando de “bons-dias”, “sextei” e mensagens com animação. Se não comentarem, é porque estão impactados com a beleza e densidade dos envios. Dobre a quantidade!

Terceiro passo: se você tem um campo de maior dedicação, como o futebol ou a música, dirija toda a conversa para ele. Explique em detalhes sua paixão. Se alguém não comentar, é porque foi emudecido pela beleza dos seus gostos. Insista! Fale! Logo todos torcerão para seu time, escutarão seu compositor ou votarão no seu candidato. Você só é convidado para os eventos familiares pelo desejo das aulas magnas que profere entre a cerveja e a picanha. Não decepcione as pessoas! Fale sempre e muito!

Quarto passo: o mundo tem sede de ouvi-lo. Assim, aproveite o cinema, o teatro e todas as ocasiões para falar ao celular ou comentar trechos do filme com a pessoa ao seu lado. O público está lá na sala escura da projeção, inquieto, sem entender a obra, até que sua inteligência resolva, com um único comentário, o nó da compreensão. Fale alto e muito: se alguém disser psiu!, entenda que, na verdade, é um louvor e pedido de mais análises certeiras.

Quinto passo: abaixo o Meridiano de Greenwich! Faça sua própria linha de horário ou de data. Convidaram para o meio-dia? Chegue às 15h, dando bom-dia, porque você ainda não almoçou e, enquanto não fizer sua refeição, sabemos todos, o planeta Terra não entrará no período da tarde. Chegue quando quiser e, se algum desavisado tiver a ousadia de ter começado a comer antes da sua entrada majestosa, recrimine como grosseria não ter aguardado umas horinhas a mais. Você é o relógio atômico do universo! Seu horário conduz e dirige tudo. Ignore os outros.

Sexto passo: viva a catequese! Virou vegetariano ou vegano? Converteu-se a um grupo evangélico? Descobriu o pilates? Tomou chá de cipó? Reiki salvou sua vida? Passou a correr todas as manhãs? Sua família e amigos aguardam, com extrema ansiedade, sua homilia sobre o tema para que todos possam seguir seus passos. Pregue! Se redarguirem, insista! Entenda sua cadeira como o púlpito que salvará o mundo e use o poder da sua voz e do seu exemplo! Seu grupo tem o privilégio de ter alguém com opiniões perfeitas e universais. Mostre como eles estão abençoados pela sua presença.

Sétimo passo: faça listas como esta e distribua nas suas redes e familiares. Listas de mandamentos fazem a fama e a glória desde Moisés. Se são seu decálogo, obviamente, devem ser do mundo inteiro. E, assim, com consciência soberana, receba seu título de Mala Platinum. O “mala” tem um privilégio: ao chegar a um ambiente, torna-se exclusivo e VIP: todos fogem. É o famoso “dissolve grupo”. A esperança dele é nunca encontrar outro igualmente chato. Boa semana!

Malas em esteira de aeroporto Foto: José Patrício/Estadão

Mala define certo tipo de receptáculo para transporte de itens em momentos de transição denominados de viagem. Para que os jovens saibam, outrora, elas não tinham as providenciais “rodinhas” que parecem tão lógicas. No passado, além de pesadas, eram desprovidas das facilitadoras esferas de deslizamento. Mala tornou-se gíria para pessoas inconvenientes. Imagine uma antiga, de papelão ou produto hidrossolúvel similar, em dia de chuva, sem poder rodar sobre rolamentos harmônicos, começando a se dissolver com a ruptura de um suporte chamado alça? Daí surge o “mala sem alça”, epítome do chato em grau elevado, um degrau acima do simples chato. Já que o dia é de chuva, imaginemos o “chato de galochas com uma mala de papelão sem alça em dia de temporal” e teremos a exata dimensão do horror universal ao “mala”. A palavra também indica outra gíria, mais vulgar, como referência ao volume deixado na roupa masculina, mas, sendo este jornal destinado a todas as idades e ainda de tom familiar, ficaremos com a acepção de mala = chato. Aos jovens: procurem no dicionário a palavra galocha.

Aqui vão critérios que definem o clássico “mala sem alça”. Como virar um? É o seu projeto? Vou ajudá-lo. Primeiro passo: interfira na vida alheia com comentários e ações. Analise a decoração, a roupa, emita qualificações sobre o corpo, a família, os gostos e o carro das pessoas ao seu redor. Não aguarde ser chamado a opinar, seja rápido e diga logo o que você pensa. Toda a humanidade deseja, ansiosa, seu imenso cabedal de conhecimentos estéticos, éticos e psíquicos. Se a pessoa contestar, na verdade, ela o está convidando a desenvolver mais o tema. Não seja tímido e aproveite chances em mídias sociais para despejar a copiosa pororoca de conselhos que o solo árido do mundo ao seu redor aguarda com ansiedade.

Segundo passo: inunde os grupos de WhatsApp com piadas, frases, fotos e mensagens edificantes. Reenvie tudo que você recebeu. Nem precisa refletir se as pessoas desejam ou se você mesmo já enviou. Aja sem medo! Preencha o vazio existencial e cronológico, povoando de “bons-dias”, “sextei” e mensagens com animação. Se não comentarem, é porque estão impactados com a beleza e densidade dos envios. Dobre a quantidade!

Terceiro passo: se você tem um campo de maior dedicação, como o futebol ou a música, dirija toda a conversa para ele. Explique em detalhes sua paixão. Se alguém não comentar, é porque foi emudecido pela beleza dos seus gostos. Insista! Fale! Logo todos torcerão para seu time, escutarão seu compositor ou votarão no seu candidato. Você só é convidado para os eventos familiares pelo desejo das aulas magnas que profere entre a cerveja e a picanha. Não decepcione as pessoas! Fale sempre e muito!

Quarto passo: o mundo tem sede de ouvi-lo. Assim, aproveite o cinema, o teatro e todas as ocasiões para falar ao celular ou comentar trechos do filme com a pessoa ao seu lado. O público está lá na sala escura da projeção, inquieto, sem entender a obra, até que sua inteligência resolva, com um único comentário, o nó da compreensão. Fale alto e muito: se alguém disser psiu!, entenda que, na verdade, é um louvor e pedido de mais análises certeiras.

Quinto passo: abaixo o Meridiano de Greenwich! Faça sua própria linha de horário ou de data. Convidaram para o meio-dia? Chegue às 15h, dando bom-dia, porque você ainda não almoçou e, enquanto não fizer sua refeição, sabemos todos, o planeta Terra não entrará no período da tarde. Chegue quando quiser e, se algum desavisado tiver a ousadia de ter começado a comer antes da sua entrada majestosa, recrimine como grosseria não ter aguardado umas horinhas a mais. Você é o relógio atômico do universo! Seu horário conduz e dirige tudo. Ignore os outros.

Sexto passo: viva a catequese! Virou vegetariano ou vegano? Converteu-se a um grupo evangélico? Descobriu o pilates? Tomou chá de cipó? Reiki salvou sua vida? Passou a correr todas as manhãs? Sua família e amigos aguardam, com extrema ansiedade, sua homilia sobre o tema para que todos possam seguir seus passos. Pregue! Se redarguirem, insista! Entenda sua cadeira como o púlpito que salvará o mundo e use o poder da sua voz e do seu exemplo! Seu grupo tem o privilégio de ter alguém com opiniões perfeitas e universais. Mostre como eles estão abençoados pela sua presença.

Sétimo passo: faça listas como esta e distribua nas suas redes e familiares. Listas de mandamentos fazem a fama e a glória desde Moisés. Se são seu decálogo, obviamente, devem ser do mundo inteiro. E, assim, com consciência soberana, receba seu título de Mala Platinum. O “mala” tem um privilégio: ao chegar a um ambiente, torna-se exclusivo e VIP: todos fogem. É o famoso “dissolve grupo”. A esperança dele é nunca encontrar outro igualmente chato. Boa semana!

Malas em esteira de aeroporto Foto: José Patrício/Estadão

Mala define certo tipo de receptáculo para transporte de itens em momentos de transição denominados de viagem. Para que os jovens saibam, outrora, elas não tinham as providenciais “rodinhas” que parecem tão lógicas. No passado, além de pesadas, eram desprovidas das facilitadoras esferas de deslizamento. Mala tornou-se gíria para pessoas inconvenientes. Imagine uma antiga, de papelão ou produto hidrossolúvel similar, em dia de chuva, sem poder rodar sobre rolamentos harmônicos, começando a se dissolver com a ruptura de um suporte chamado alça? Daí surge o “mala sem alça”, epítome do chato em grau elevado, um degrau acima do simples chato. Já que o dia é de chuva, imaginemos o “chato de galochas com uma mala de papelão sem alça em dia de temporal” e teremos a exata dimensão do horror universal ao “mala”. A palavra também indica outra gíria, mais vulgar, como referência ao volume deixado na roupa masculina, mas, sendo este jornal destinado a todas as idades e ainda de tom familiar, ficaremos com a acepção de mala = chato. Aos jovens: procurem no dicionário a palavra galocha.

Aqui vão critérios que definem o clássico “mala sem alça”. Como virar um? É o seu projeto? Vou ajudá-lo. Primeiro passo: interfira na vida alheia com comentários e ações. Analise a decoração, a roupa, emita qualificações sobre o corpo, a família, os gostos e o carro das pessoas ao seu redor. Não aguarde ser chamado a opinar, seja rápido e diga logo o que você pensa. Toda a humanidade deseja, ansiosa, seu imenso cabedal de conhecimentos estéticos, éticos e psíquicos. Se a pessoa contestar, na verdade, ela o está convidando a desenvolver mais o tema. Não seja tímido e aproveite chances em mídias sociais para despejar a copiosa pororoca de conselhos que o solo árido do mundo ao seu redor aguarda com ansiedade.

Segundo passo: inunde os grupos de WhatsApp com piadas, frases, fotos e mensagens edificantes. Reenvie tudo que você recebeu. Nem precisa refletir se as pessoas desejam ou se você mesmo já enviou. Aja sem medo! Preencha o vazio existencial e cronológico, povoando de “bons-dias”, “sextei” e mensagens com animação. Se não comentarem, é porque estão impactados com a beleza e densidade dos envios. Dobre a quantidade!

Terceiro passo: se você tem um campo de maior dedicação, como o futebol ou a música, dirija toda a conversa para ele. Explique em detalhes sua paixão. Se alguém não comentar, é porque foi emudecido pela beleza dos seus gostos. Insista! Fale! Logo todos torcerão para seu time, escutarão seu compositor ou votarão no seu candidato. Você só é convidado para os eventos familiares pelo desejo das aulas magnas que profere entre a cerveja e a picanha. Não decepcione as pessoas! Fale sempre e muito!

Quarto passo: o mundo tem sede de ouvi-lo. Assim, aproveite o cinema, o teatro e todas as ocasiões para falar ao celular ou comentar trechos do filme com a pessoa ao seu lado. O público está lá na sala escura da projeção, inquieto, sem entender a obra, até que sua inteligência resolva, com um único comentário, o nó da compreensão. Fale alto e muito: se alguém disser psiu!, entenda que, na verdade, é um louvor e pedido de mais análises certeiras.

Quinto passo: abaixo o Meridiano de Greenwich! Faça sua própria linha de horário ou de data. Convidaram para o meio-dia? Chegue às 15h, dando bom-dia, porque você ainda não almoçou e, enquanto não fizer sua refeição, sabemos todos, o planeta Terra não entrará no período da tarde. Chegue quando quiser e, se algum desavisado tiver a ousadia de ter começado a comer antes da sua entrada majestosa, recrimine como grosseria não ter aguardado umas horinhas a mais. Você é o relógio atômico do universo! Seu horário conduz e dirige tudo. Ignore os outros.

Sexto passo: viva a catequese! Virou vegetariano ou vegano? Converteu-se a um grupo evangélico? Descobriu o pilates? Tomou chá de cipó? Reiki salvou sua vida? Passou a correr todas as manhãs? Sua família e amigos aguardam, com extrema ansiedade, sua homilia sobre o tema para que todos possam seguir seus passos. Pregue! Se redarguirem, insista! Entenda sua cadeira como o púlpito que salvará o mundo e use o poder da sua voz e do seu exemplo! Seu grupo tem o privilégio de ter alguém com opiniões perfeitas e universais. Mostre como eles estão abençoados pela sua presença.

Sétimo passo: faça listas como esta e distribua nas suas redes e familiares. Listas de mandamentos fazem a fama e a glória desde Moisés. Se são seu decálogo, obviamente, devem ser do mundo inteiro. E, assim, com consciência soberana, receba seu título de Mala Platinum. O “mala” tem um privilégio: ao chegar a um ambiente, torna-se exclusivo e VIP: todos fogem. É o famoso “dissolve grupo”. A esperança dele é nunca encontrar outro igualmente chato. Boa semana!

Malas em esteira de aeroporto Foto: José Patrício/Estadão
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Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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