Pergunta direta: o que você quer ler perto do Natal? Hoje, querida leitora e estimado leitor, gostaria de rogar licença e bater à porta principal da sua mente. Quais são seus desejos declarados ou reprimidos em um texto natalino? Uma crônica com a glória de ser enviada para amigos nos grupos de difusão eletrônicos? Vou ser sincero: se eu não conseguir prender sua atenção, meus índices caem aqui no jornal e, sendo o fim de ano uma época de cortes, posso perder esta vaga. Colabore, por favor. Como dizem os vendedores em transportes públicos, eu poderia estar roubando, mas estou aqui escrevendo... Bem, consegui trazer sua atenção até o fim do primeiro parágrafo? Garanto que os seguintes serão ainda mais sedutores...
Terei de imaginar. Dezembro: ninguém quer coisas pesadas. Você está cansado e ainda enfrentará uma maratona de festas e comidas pensadas para o inverno da Noruega, todavia terríveis para o mundo tropical. Jesus nasceu no frio do hemisfério norte. Tivesse chegado ao mundo em Belém do Pará, Maria e José teriam corrido com os animais da manjedoura. Você quer algo leve e bonito no fim do ano. Acertei? Ufa! Dois parágrafos lidos.
O Natal evoca o melhor de todos nós. Por isso, os mais populares textos desta época falam de generosidade. Penso em William Sidney Porter (1862-1910), que escreveu sob o pseudônimo O. Henry: O Presente dos Magos. Resumão da história linda: há um casal muito apaixonado e sem recursos para qualquer presente. James (Jim) tem apenas um bem: um relógio de bolso, de família, de ouro e sem corrente. Decide que vai vendê-lo para conseguir algo especial para sua amada, que se chama Della. É Natal. O generoso de cada pessoa está aflorando. Jim se desfaz da herança do seu pai e do avô e, com o dinheiro, compra preciosos pentes e enfeites de tartaruga com detalhes em prata, pois o cabelo da sua querida é comprido e sedoso. Está satisfeito com a escolha e leva o pacote para casa. A amada também está ansiosa. Faz seu próprio sacrifício. Quando ele dá o presente que custou o relógio de família, percebe que Della está com as madeixas curtas. Ela oferece a sua retribuição: uma corrente de ouro para o relógio que não mais pertence a ele. Custo do mimo? A venda dos cabelos para uma loja de perucas. Cada um se desfaz do que amava em nome de um amor maior; o casal está com dois presentes inúteis, mas muito simbólicos. Gostou? Há um detalhe: por que o conto faz referência à oferta dos sábios do Oriente para Jesus? Porque, tal como Jim e Della, Maria e José estavam passando frio naquela noite e receberam ouro, incenso e mirra, três coisas pouco práticas. É claro, todos sabem: ouro porque o menino era rei, incenso por ser Deus e mirra porque morreria por nós. Mas... os presentes não poderiam ser usados imediatamente. Um sanduíche quente, uma sopa, um cobertor teriam sido mais úteis. Incenso em lugar pobre? Seria para afastar o bodum do pequeno rebanho ao redor? Mirra para preparar cadáveres diante de uma criança recém-nascida? Mau gosto! Ouro poderia virar comida, porém não tem liquidez imediata. Um Pix seria mais prático, mas, na narrativa de Lucas, nem uma TED funcionaria...
Presentear não é um ato racional, todavia uma celebração de afeto. O pente de tartaruga e a corrente não possuíam mais utilidade, mas conservaram a marca da doação de ambos. Inúteis e significativos – os melhores dons possíveis. Um vinho ou queijo (imbatíveis no quesito utilidade) seriam consumidos logo. Naquela noite de Natal, os dois deram a si, mais do que um embrulho. Um se desfez da memória ancestral, simbolizando que a nova família dele, a única que importava, era sua esposa. Sem duplicidade: ele era, de fato, um homem casado. A outra deu parte da sua beleza, dizendo ao marido: “Mesmo não tendo a moldura capilar que lhe encantou, sei que você continuará apaixonado por mim, pois nós nos amamos além da aparência”. Os dois disseram: “Você é minha opção primeira, minha prioridade, meu amor além do que é externo. Formamos um casal de verdade, espírito e carne unidos. Somos um, nós, além da soma de um eu com um você. Formamos uma unidade maravilhosa: um casal que se ama. Nosso afeto nos incentiva ao melhor dentro de cada escaninho da alma e, assim, aproveitamos o Natal. Nosso equívoco conjunto da escolha do presente deriva do amor. Um coração sincero é o presente por excelência.
O autor descreveu o episódio. Porém, eu completarei a narrativa. O cabelo de uma jovem mulher cresce. Os pentes serão úteis em breve. O relógio não existe mais, mas o ouro da nova corrente pode ser trocado por comida, um relógio de aço mais em conta ou um jantar extraordinário a dois. Apaixonados e sem joguinhos, Jim e Della não precisam de presentes: já se entregaram de verdade. Podem dar-se ao luxo de visitar a loja de perucas de Madame Sofronie, contemplando as madeixas expostas e à venda. Poderiam rir de mãos dadas: presentes podem ser comprados, cabelo cresce, amor é uma conquista. Tenho muita esperança de que você tenha vindo até aqui: Feliz Natal a todos que amam! E, mais uma vez, obrigado pelo privilégio da leitura ao longo deste ano.