Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|O restaurante instagramável


Sob a aparência oval, jaziam camadas sucessivas de caldos gelatinosos com sabores exóticos

Por Leandro Karnal

No início deste ano, na Europa, fui a vários restaurantes bem cotados de Lisboa, Barcelona e Madri. A experiência solidificou uma questão muito pessoal sobre o que gosto ou não à mesa. Vou expor, querida leitora e estimado leitor, para que todo mundo faça seu próprio julgamento.  Em alguns lugares, não existe a escolha de pratos, porém, de um ou dois “menus-degustação”. Imaginei ir a um teatro shakespeariano e poder optar entre ver um pequeno trecho de nove comédias ou um pedaço de todas as peças históricas. Sempre preferi uma peça inteira. O quadro me anima mais do que pinceladas.  Já sabemos: em algum momento surgirá uma espuma, uma nuvem de nitrogênio e uma louça tão exótica que necessite de reflexão para procurar o sentido. O impacto é mais importante, uma espécie de Cirque du Soleil competente e variado que deve manter a plateia inundada de sensações variadas. 

Pad thai goong no delivery do Obá Foto: Henrique Peron

Quando criança, achávamos graça nas coisas que eram flambadas à nossa frente. Hoje, o maçarico virou peça universal e os auxiliares de mesa transformaram-se em perfeitos “soldadores”. Fogo é sempre lúdico e, talvez, dialogue com uma infantilização do público sedento de pirotecnia. Ah! O mundo das aparências... O prestativo garçom perguntava o que achávamos que era aquilo? Sim, parecia um ovo cozido. Um trivial ovo colocado na água quente por algum tempo. Ledo engano! Sob a aparência oval, jaziam camadas sucessivas de caldos gelatinosos com sabores exóticos. Pasmem comensais: aqui estamos no mundo de Alice no País do Espelho e tudo pode ser distinto do que penso ser.  Lembrando-me de um episódio de Porta dos Fundos (Restaurante Moderno), tive medo de um tapa no rosto para, segundo o esquete cômico, estimular as papilas gustativas para perceber melhor o sabor da baunilha. 

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Gosto de inovação e não considero a porção gigantesca o indicativo de qualidade. Adoro chefs ousados que buscam cruzar tradições e mostrar que o mundo é, cada vez mais, fusion. Valorizo a boa apresentação. Confesso: depois do quarto restaurante bem estrelado com pratos contemporâneos em louças de design futurista, tive um profundo desejo de comida quente, “garfável”, com aroma forte e que seja melhor na boca do que no Instagram. Seriam as redes as responsáveis pelo novo conceito de comer? Seriam, como na crítica conservadora de Monteiro Lobato, uma estética que consagra um “furúnculo de cultura hipertrofiada”? Sempre tenho esperança que cozinhar seja um ato sacramental de prazer. Esperança de gente que cozinhe para mim e não para o celular...

No início deste ano, na Europa, fui a vários restaurantes bem cotados de Lisboa, Barcelona e Madri. A experiência solidificou uma questão muito pessoal sobre o que gosto ou não à mesa. Vou expor, querida leitora e estimado leitor, para que todo mundo faça seu próprio julgamento.  Em alguns lugares, não existe a escolha de pratos, porém, de um ou dois “menus-degustação”. Imaginei ir a um teatro shakespeariano e poder optar entre ver um pequeno trecho de nove comédias ou um pedaço de todas as peças históricas. Sempre preferi uma peça inteira. O quadro me anima mais do que pinceladas.  Já sabemos: em algum momento surgirá uma espuma, uma nuvem de nitrogênio e uma louça tão exótica que necessite de reflexão para procurar o sentido. O impacto é mais importante, uma espécie de Cirque du Soleil competente e variado que deve manter a plateia inundada de sensações variadas. 

Pad thai goong no delivery do Obá Foto: Henrique Peron

Quando criança, achávamos graça nas coisas que eram flambadas à nossa frente. Hoje, o maçarico virou peça universal e os auxiliares de mesa transformaram-se em perfeitos “soldadores”. Fogo é sempre lúdico e, talvez, dialogue com uma infantilização do público sedento de pirotecnia. Ah! O mundo das aparências... O prestativo garçom perguntava o que achávamos que era aquilo? Sim, parecia um ovo cozido. Um trivial ovo colocado na água quente por algum tempo. Ledo engano! Sob a aparência oval, jaziam camadas sucessivas de caldos gelatinosos com sabores exóticos. Pasmem comensais: aqui estamos no mundo de Alice no País do Espelho e tudo pode ser distinto do que penso ser.  Lembrando-me de um episódio de Porta dos Fundos (Restaurante Moderno), tive medo de um tapa no rosto para, segundo o esquete cômico, estimular as papilas gustativas para perceber melhor o sabor da baunilha. 

Gosto de inovação e não considero a porção gigantesca o indicativo de qualidade. Adoro chefs ousados que buscam cruzar tradições e mostrar que o mundo é, cada vez mais, fusion. Valorizo a boa apresentação. Confesso: depois do quarto restaurante bem estrelado com pratos contemporâneos em louças de design futurista, tive um profundo desejo de comida quente, “garfável”, com aroma forte e que seja melhor na boca do que no Instagram. Seriam as redes as responsáveis pelo novo conceito de comer? Seriam, como na crítica conservadora de Monteiro Lobato, uma estética que consagra um “furúnculo de cultura hipertrofiada”? Sempre tenho esperança que cozinhar seja um ato sacramental de prazer. Esperança de gente que cozinhe para mim e não para o celular...

No início deste ano, na Europa, fui a vários restaurantes bem cotados de Lisboa, Barcelona e Madri. A experiência solidificou uma questão muito pessoal sobre o que gosto ou não à mesa. Vou expor, querida leitora e estimado leitor, para que todo mundo faça seu próprio julgamento.  Em alguns lugares, não existe a escolha de pratos, porém, de um ou dois “menus-degustação”. Imaginei ir a um teatro shakespeariano e poder optar entre ver um pequeno trecho de nove comédias ou um pedaço de todas as peças históricas. Sempre preferi uma peça inteira. O quadro me anima mais do que pinceladas.  Já sabemos: em algum momento surgirá uma espuma, uma nuvem de nitrogênio e uma louça tão exótica que necessite de reflexão para procurar o sentido. O impacto é mais importante, uma espécie de Cirque du Soleil competente e variado que deve manter a plateia inundada de sensações variadas. 

Pad thai goong no delivery do Obá Foto: Henrique Peron

Quando criança, achávamos graça nas coisas que eram flambadas à nossa frente. Hoje, o maçarico virou peça universal e os auxiliares de mesa transformaram-se em perfeitos “soldadores”. Fogo é sempre lúdico e, talvez, dialogue com uma infantilização do público sedento de pirotecnia. Ah! O mundo das aparências... O prestativo garçom perguntava o que achávamos que era aquilo? Sim, parecia um ovo cozido. Um trivial ovo colocado na água quente por algum tempo. Ledo engano! Sob a aparência oval, jaziam camadas sucessivas de caldos gelatinosos com sabores exóticos. Pasmem comensais: aqui estamos no mundo de Alice no País do Espelho e tudo pode ser distinto do que penso ser.  Lembrando-me de um episódio de Porta dos Fundos (Restaurante Moderno), tive medo de um tapa no rosto para, segundo o esquete cômico, estimular as papilas gustativas para perceber melhor o sabor da baunilha. 

Gosto de inovação e não considero a porção gigantesca o indicativo de qualidade. Adoro chefs ousados que buscam cruzar tradições e mostrar que o mundo é, cada vez mais, fusion. Valorizo a boa apresentação. Confesso: depois do quarto restaurante bem estrelado com pratos contemporâneos em louças de design futurista, tive um profundo desejo de comida quente, “garfável”, com aroma forte e que seja melhor na boca do que no Instagram. Seriam as redes as responsáveis pelo novo conceito de comer? Seriam, como na crítica conservadora de Monteiro Lobato, uma estética que consagra um “furúnculo de cultura hipertrofiada”? Sempre tenho esperança que cozinhar seja um ato sacramental de prazer. Esperança de gente que cozinhe para mim e não para o celular...

Opinião por Leandro Karnal

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