Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Repetir histórias


Ouvir de novo deveria aguçar seu ouvido para sutilezas e fornecer novas inspirações

Por Leandro Karnal

Se você convive com alguém há algum tempo, sabe que ouvirá, pelo menos algumas vezes, narrativas repetidas. Casar ou ter amigos de anos implica a consequência necessária da duplicidade. Aceite que dói menos. Ninguém leva uma vida tão fabulosa que possua a condição de ser sempre original. Não existe humorista profissional que consiga, todas as noites no palco, contar coisas engraçadas 100% novas. O profissional do riso não consegue, quanto mais você e eu. 

A diversão surge em momentos inesperados, como nas viagens, com os altos e baixos. Na pintura, Portinari criou dois palhacinhos. Foto: Projeto Portinari

Viajou, houve um perrengue que visto a distância ficou divertido? Perfeito: fará parte do seu repertório. Você pode até melhorá-lo. Um conservador senhor de meia-idade que foi comigo ao Japão em um grupo contou-me que, ao abrir sua mala em busca de blazers escuros e calças tradicionais com meias pretas, encontrou farto sortimento de calcinhas de renda delicada. A cena é boa para cinema. Ele abriu a mala (não deu detalhes de como isso ocorreu com uma que não lhe pertencia) e, estupefato, viu emergir aquele festival de intimidades de uma mulher (ou de outro homem)... A mala trocada foi trazida no dia seguinte. O ocorrido foi contado ao grupo no café da manhã e a sisudez do nosso companheiro tradicionalista tornava tudo muito mais saboroso. Mais de uma alma zombeteira deve ter imaginado se ele teria tocado o conteúdo, quiçá inclusive experimentado algo... Bem, deixemos a picardia de lado.  Histórias de viagem são boas. Claro, não são novas sempre... Pode ser que, em alguma festa, o público seja novo e o fato cômico seja recebido com receptividade alegre. O provável, também, é que sua esposa olhe para cima resignada diante da sua tentativa de stand-up. Sim, foi dito o sim ao amor “na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza” no altar; ninguém falou “na repetição incessante e tediosa de tudo”.  Darei uma pista boa de psicanálise. Alguém que ouve um paciente nunca deve dizer: “Você já contou esta”. Se uma pessoa insiste na mesma narrativa, provavelmente, tem algum motivo para isso. Obsessões revelam muito. Mais importante: a cada nova recitação um detalhe muda e se torna, em si, uma pista do que está ocorrendo naquele momento. Ouvir de novo deveria aguçar seu ouvido para sutilezas e fornecer novas inspirações para conhecer alguém. Se você não estiver na vibe freudiana, pode, enfim, aceitar a dica de que tenha chegado a hora de viajar de novo e obter novas experiências inspiradoras. Lute, com esperança, pelo seu casamento. Amar também é ouvir.

Se você convive com alguém há algum tempo, sabe que ouvirá, pelo menos algumas vezes, narrativas repetidas. Casar ou ter amigos de anos implica a consequência necessária da duplicidade. Aceite que dói menos. Ninguém leva uma vida tão fabulosa que possua a condição de ser sempre original. Não existe humorista profissional que consiga, todas as noites no palco, contar coisas engraçadas 100% novas. O profissional do riso não consegue, quanto mais você e eu. 

A diversão surge em momentos inesperados, como nas viagens, com os altos e baixos. Na pintura, Portinari criou dois palhacinhos. Foto: Projeto Portinari

Viajou, houve um perrengue que visto a distância ficou divertido? Perfeito: fará parte do seu repertório. Você pode até melhorá-lo. Um conservador senhor de meia-idade que foi comigo ao Japão em um grupo contou-me que, ao abrir sua mala em busca de blazers escuros e calças tradicionais com meias pretas, encontrou farto sortimento de calcinhas de renda delicada. A cena é boa para cinema. Ele abriu a mala (não deu detalhes de como isso ocorreu com uma que não lhe pertencia) e, estupefato, viu emergir aquele festival de intimidades de uma mulher (ou de outro homem)... A mala trocada foi trazida no dia seguinte. O ocorrido foi contado ao grupo no café da manhã e a sisudez do nosso companheiro tradicionalista tornava tudo muito mais saboroso. Mais de uma alma zombeteira deve ter imaginado se ele teria tocado o conteúdo, quiçá inclusive experimentado algo... Bem, deixemos a picardia de lado.  Histórias de viagem são boas. Claro, não são novas sempre... Pode ser que, em alguma festa, o público seja novo e o fato cômico seja recebido com receptividade alegre. O provável, também, é que sua esposa olhe para cima resignada diante da sua tentativa de stand-up. Sim, foi dito o sim ao amor “na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza” no altar; ninguém falou “na repetição incessante e tediosa de tudo”.  Darei uma pista boa de psicanálise. Alguém que ouve um paciente nunca deve dizer: “Você já contou esta”. Se uma pessoa insiste na mesma narrativa, provavelmente, tem algum motivo para isso. Obsessões revelam muito. Mais importante: a cada nova recitação um detalhe muda e se torna, em si, uma pista do que está ocorrendo naquele momento. Ouvir de novo deveria aguçar seu ouvido para sutilezas e fornecer novas inspirações para conhecer alguém. Se você não estiver na vibe freudiana, pode, enfim, aceitar a dica de que tenha chegado a hora de viajar de novo e obter novas experiências inspiradoras. Lute, com esperança, pelo seu casamento. Amar também é ouvir.

Se você convive com alguém há algum tempo, sabe que ouvirá, pelo menos algumas vezes, narrativas repetidas. Casar ou ter amigos de anos implica a consequência necessária da duplicidade. Aceite que dói menos. Ninguém leva uma vida tão fabulosa que possua a condição de ser sempre original. Não existe humorista profissional que consiga, todas as noites no palco, contar coisas engraçadas 100% novas. O profissional do riso não consegue, quanto mais você e eu. 

A diversão surge em momentos inesperados, como nas viagens, com os altos e baixos. Na pintura, Portinari criou dois palhacinhos. Foto: Projeto Portinari

Viajou, houve um perrengue que visto a distância ficou divertido? Perfeito: fará parte do seu repertório. Você pode até melhorá-lo. Um conservador senhor de meia-idade que foi comigo ao Japão em um grupo contou-me que, ao abrir sua mala em busca de blazers escuros e calças tradicionais com meias pretas, encontrou farto sortimento de calcinhas de renda delicada. A cena é boa para cinema. Ele abriu a mala (não deu detalhes de como isso ocorreu com uma que não lhe pertencia) e, estupefato, viu emergir aquele festival de intimidades de uma mulher (ou de outro homem)... A mala trocada foi trazida no dia seguinte. O ocorrido foi contado ao grupo no café da manhã e a sisudez do nosso companheiro tradicionalista tornava tudo muito mais saboroso. Mais de uma alma zombeteira deve ter imaginado se ele teria tocado o conteúdo, quiçá inclusive experimentado algo... Bem, deixemos a picardia de lado.  Histórias de viagem são boas. Claro, não são novas sempre... Pode ser que, em alguma festa, o público seja novo e o fato cômico seja recebido com receptividade alegre. O provável, também, é que sua esposa olhe para cima resignada diante da sua tentativa de stand-up. Sim, foi dito o sim ao amor “na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza” no altar; ninguém falou “na repetição incessante e tediosa de tudo”.  Darei uma pista boa de psicanálise. Alguém que ouve um paciente nunca deve dizer: “Você já contou esta”. Se uma pessoa insiste na mesma narrativa, provavelmente, tem algum motivo para isso. Obsessões revelam muito. Mais importante: a cada nova recitação um detalhe muda e se torna, em si, uma pista do que está ocorrendo naquele momento. Ouvir de novo deveria aguçar seu ouvido para sutilezas e fornecer novas inspirações para conhecer alguém. Se você não estiver na vibe freudiana, pode, enfim, aceitar a dica de que tenha chegado a hora de viajar de novo e obter novas experiências inspiradoras. Lute, com esperança, pelo seu casamento. Amar também é ouvir.

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