A morte nunca me causou angústia. Testei o princípio em meio a desastres. Sou estoico: ela encerrará qualquer dor. Mas... “E se você ficar em uma cadeira de rodas, depois de uma doença ou acidente?” Bem, seria uma limitação, contudo eu continuaria lendo, escrevendo e até viajando. Quando se trata do risco nos olhos, eu fico mais apavorado. Cegueira é meu temor secreto.
A vida flui. Os olhos perdem acuidade. Passei a usar óculos tardiamente, com mais de 48 anos. Presbiopia, ou seja, “vista cansada”, foi o diagnóstico. Óculos com grau 0,75 é um pequeno passo para um homem. Depois, vamos crescendo a cada ano. Uso, hoje, 3,0. O problema? Já levei em viagem um único par de óculos, todavia ele quebrou, no coração da Ásia. Ficamos dependentes da ferramenta. Compro muitos e espalho-os pela casa. Quando o grau muda, é um investimento amplo.
Vejo mal de perto. Leituras sem lentes são impossíveis. Os dramas crescem: comecei a ter problemas com objetos mais distantes. Não me adaptei a bifocais (e tentei muito). A estrada da presbiopia é contínua, entretanto passa a ser uma realidade com que aprendemos a conviver.
A rosácea do meu rosto parece comunicar-se com a pálpebra. Tive crises de blefarite. O inchaço é confundido com terçol. Minha avó Maria acreditava curar o mal com aliança quente ou pétalas de rosas brancas. Dr. Marcelo Cunha recomendava luz pulsada e higiene regular. O olho claudicava; sua persiana, a pálpebra, dava sinais de exaustão de material. Fim de novela? Quem me dera...
No ano passado, senti dois sintomas muito específicos no olho esquerdo. Havia luzes como flashes de fotos atrás de mim. Aumentavam as “moscas volantes”, os sinais escuros da visão. Corri à Clínica Cunha novamente. Encaminharam-me ao dr. André Maia. Era o temido “descolamento de retina”. A cirurgia deveria ser imediata. Mesmo assim, palestrei em Goiânia e, depois, fui resolver. Optei pelo método com óleo, porque o gás implicava não viajar em avião por algum tempo. Três meses depois, o ônus do óleo: nova cirurgia para retirar o “suporte”. Retina no lugar. Saudade da blefarite e da presbiopia! A saúde funciona como a política: o novo faz o velho parecer algo aceitável.
Exames de rotina, colírios em profusão, dilatações infinitas da pupila: meu novo dia a dia. Um olho permaneceu com grau dois; o outro, o operado, saltou para grau cinco. Porém, tudo foi se ajeitando.
Tudo certo, pensei... Nada! Surgiu uma catarata ligada ao processo. Nova cirurgia, agora com a doutora Laura Cunha, filha do meu inesquecível amigo; outros aconselhamentos com a sábia doutora Rosana Cunha e... vamos lá! A cirurgia foi menos complexa e com recuperação mais rápida. Se presbiopia fazia eu me sentir velho, catarata me fez pensar que eu já estava caquético.
Uma sensação da idade é perceber-se como um carro antigo: conserta uma coisa hoje; na semana seguinte, outra parte quebra. Temos de substituir peças, dar uma demão de tinta, para passarmos a contemplar a vida útil que se aproxima do fim. Claro, você pode alegrar-se com a chance de ter contatos, tempo e recursos para a lanternagem constante. Sim, o problema de saúde é sempre desagradável, mas fica atenuado pelo acesso a centros de excelência.
Meus olhos não possuem nenhuma relevância histórica ou social para merecerem uma crônica. Escrevi esta para advertir os leitores: muito cuidado ao esfregar os olhos, tanto pelo risco mecânico como de contaminação. Na medida do possível, marquem exames regulares para verificar a pressão do olho e outras questões importantes. Sentindo sintomas, como as luzes laterais rápidas (fotopsia), aumento das “moscas volantes” e perda da visão periférica, corram para um profissional. O tempo determina uma parte do sucesso. Nunca contemplem sem muitos cuidados um eclipse. Mais uma vez: não esfreguem os olhos!
Agradeço sempre ao meu querido amigo Marcelo Cunha. Recebeu do pai e do avô uma prática científico-humana e ampliou a herança. Casou-se com Rosana e gerou mais duas médicas: Laura e Ana. Conheço e admiro os Cunha. Também tive contato com outros profissionais da clínica e com todo o pessoal do atendimento. Um obrigado especial à doutora Luciana Peixoto e ao doutor Francisco Canto. Agradeço, também, ao dr. André Maia, o mestre das retinas. Nos consultórios, convivi com as imagens de Santa Luzia e do Arcanjo Rafael.
As cataratas marcam o fluxo do tempo. O rio corre incessante nos cansaços do corpo, dos olhos e da mente. É sábio adaptar-se aos novos ritmos. As luzes do outono e do inverno alto possuem matizes novos que o clarão juvenil da primavera esconde.
Um objetivo desta crônica é registrar agradecimento aos meus excelentes oftalmologistas ou, como diria a mesma Vó Maria, oculistas. O outro é advertir sobre cuidados e sintomas do descolamento de retina. Lavem bem as mãos e nunca esfreguem com força os olhos. Sim, a morte é inevitável, mas tenho esperança de ver tudo até o fim.