Lições de Winston Churchill para líderes globais em tempos de crise


Em tempos de combate à pandemia, líderes mundiais deveriam se ater aos ensinamentos de ‘Memórias da Segunda Guerra Mundial’

Por Daniel Fernandes

Era 1945. A segunda grande guerra havia acabado. Havia acabado! E esse foi o sinal para uma explosão de alegria em todo mundo. O dever de deter o inimigo maior havia sido concluído com um desfecho pouco provável cinco anos antes, quando poucos se colocaram à frente de Hitler. Um desses homens era Winston Churchill. Naquele momento de vitória, se dirigindo à nação que havia sofrido o impensável, o primeiro-ministro surpreendeu. Como era habitual. “Gostaria de poder dizer-lhes esta noite que toda a nossa labuta e todos os nossos problemas estão terminados.” Não estavam, como a maioria testemunharia pelas décadas seguintes.

Nascido em 1874, morto em 1965, oito semanas após o seu 90º aniversário, a figura de Churchill bem que poderia emergir novamente para ensinar líderes que não sabem... liderar. Não conduzem a população mundial diante de outro inimigo mortal. Desta vez, um vírus. Um novo coronavírus

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'Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca', disse Churchill quando tudo ia mal para os aliados Foto: E. WING/INTERNATIONAL NEWS PHOTOS

Na falta que Churchill nos faz em vida, ler Memórias da Segunda Guerra Mundial – no Brasil há uma edição menor, resumida em dois volumes, editados em 2017 pela HarperCollins com 1,1 mil páginas – serviria como uma espécie de autoajuda de alto nível. De altíssimo nível, diga-se, aos políticos protagonistas da crise atual. Pensando em facilitar as coisas a eles, há uma série de passagens dessa autobiografia que merece destaque. Se a ONU fala que a pandemia é o maior desafio desde a Segunda Guerra, e a maioria dos países trata os tempos atuais como de guerra, nada melhor do que reler as ideias do seu principal protagonista.

O dia depois de amanhã

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Devastadora e aterradora, e por mais que assim seja, a crise provocada pelo vírus passará. Assim como, muito mais devastadora à humanidade, a crise da segunda grande guerra também findou. Em 1948, ainda no prefácio da edição, Churchill relembra conversa que teve com o presidente Franklin Roosevelt. Eis o nosso primeiro ensinamento. O norte-americano o pergunta sobre como a guerra deveria se chamar. “Retruquei de pronto: ‘a Guerra Desnecessária’. Nunca houve guerra mais fácil de impedir do que esta que acaba de destroçar o que restava do mundo após o conflito anterior.” Churchill, talvez fazendo uma de suas pausas dramáticas, retoma o raciocínio. “A tragédia humana atinge seu clímax no fato de que, após todos os esforços e sacrifícios de centenas de milhões de pessoas, e após as vitórias da Boa Causa, ainda não encontramos Paz ou Segurança e estejamos sujeitos a perigos ainda maiores do que aqueles que superamos.”

Conheça seu inimigo

É de Churchill, neste mesmo livro, uma análise bastante precisa daquele que seria seu principal inimigo durante cinco longos invernos. Sobre Adolf Hitler, o cabo alemão que perdera momentaneamente a visão durante a Primeira Guerra, o inglês adianta tratar-se de um inconformado com a derrota. Derrota que teria sido causada, na visão deturpada do soldado, por processos não convencionais. Teria de ter ocorrido uma traição em algum lugar. “Sozinho e ensimesmado, o soldadinho ponderou e especulou sobre as possíveis causas da catástrofe, guiado apenas por sua reduzida experiência pessoal.” O problema era que Hitler não estava sozinho. Encontra pares, nacionalistas alemães e radicais que sabem a quem culpar pela derrota. Churchill prevê a tempestade perfeita. “Em Viena, ele se misturara com grupos nacionalistas alemães radicais e ali ouvira histórias de atividades sinistras e sabotadoras de uma outra raça, inimiga e exploradora do mundo nórdico – os judeus”, conclui Churchill.

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Confiança para ir até o fim

Em outra passagem, já carregada pelo drama da guerra, Churchill havia acabado de conduzir com êxito a retirada de tropas – muitas delas, inúmeras delas, todas elas? – de Dunquerque. Poderia ter terminado ali, pouco depois de começar, a Segunda Guerra caso falhasse. Não falhou e, ao reunir-se com o parlamento, Churchill considera em suas memórias que era o momento de expor tudo que havia acontecido. A real situação das coisas, da hora mais escura. Ele conclui seu discurso assim: “Muito embora grandes pedaços da Europa e muitas nações antigas e famosas tenham caído ou venham a cair sob o jugo da Gestapo e de todo o odioso aparato de dominação nazista, não esmoreceremos nem fracassaremos. Vamos até o fim”. Foram.

Ouse pedir união

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Em dado momento da guerra, quando tudo ainda ia mal para os aliados, Churchill escreveu indicando que o leitor deveria compreender “quão espesso e desconcertante é o véu do desconhecido”. E acrescentaria: “Agora, à plena luz da posteridade, é fácil discernir onde fomos ignorantes ou alarmados demais, e onde fomos descuidados ou inábeis”. No espírito do momento, o primeiro-ministro sentencia: “Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca”.

Recomeçar e recomeçar

A França havia caído rapidamente diante da exuberante máquina de guerra conduzida por Hitler. Havia sido subjugada, porém, sem o disparo de quase nenhum tiro, quase sem resistência. Pelo rádio, devastado, Churchill não esconde a gravidade da situação. Mas reforça sua crença inabalável num futuro menos sombrio. “Defenderemos nossa ilha em casa e, junto com o Império Britânico, prosseguiremos na luta sem nos deixarmos conquistar, até que a maldição de Hitler seja retirada dos ombros da humanidade. Temos certeza que no fim tudo sairá bem.”

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Aguentar...

Ainda assim, só discursos não bastavam para conter o inimigo. E Londres não parava de ser bombardeada. Noite após noite. E a cidade ousava aguentar. Noite após noite. No primeiro volume das memórias sobre a grande guerra, o primeiro-ministro relembra uma visita trivial a um vilarejo quando sobrevém um ataque aéreo. O líder foi se abrigar em um túnel. Um túnel onde um imenso número de moradores viviam permanentemente. 

…e ajudar

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Quando Churchill sai da proteção, quinze minutos depois, contempla a destruição. Um pequeno hotel fora atingido. Ninguém ficara ferido, mas o lugar fora reduzido a uma pilha de louças, utensílios e móveis quebrados. “O proprietário, sua mulher e os cozinheiros e garçonetes estavam em prantos. Onde estava seu lar? Onde estava seu ganha-pão? Eis aqui um privilégio do poder. Tomei uma decisão imediata. No caminho de volta, em meu trem, ditei uma carta para o ministro das Finanças, Kingsley Wood, estabelecendo o princípio de que todos os danos resultantes do fogo inimigo ficassem por conta do estado, e de que se pagassem indenizações integrais em caráter imediato. Assim, o ônus não recairia apenas sobre aqueles cujas casas e estabelecimentos comerciais fossem atingidos, mas seria equanimemente distribuído sobre os ombros da nação.”

Sobre liderar

Em meio à euforia da vitória, Churchill se dirige novamente à nação. Celebra, mas chama todos à responsabilidade que o amanhã reserva. “Mas, ao contrário, devo adverti-los, como fiz ao iniciar esta missão de cinco anos – e ninguém sabia, na época, que ela duraria tanto – de que ainda há muito por fazer, e de que vocês devem estar preparados para novos esforços da mente e do corpo e para novos sacrifícios em nome de causas grandiosas, se não quiserem recair na vala da inércia, da confusão de objetivos e do medo covarde de serem grandes.”

Por fim, sobre ser grande

Mesmo tão próximo da história, e como sabemos, é preciso distanciamento para compreender com exatidão qualquer acontecimento da natureza daquele confronto. Churchill entende o que foi e poderia ter sido do mundo – não foi, como todos testemunhamos. “É meu objetivo, sendo alguém que viveu e foi atuante nesses dias, mostrar com que facilidade a tragédia da Segunda Guerra Mundial poderia ter sido evitada; como a maldade dos perversos foi reforçada pela fraqueza dos virtuosos; como faltam à estrutura e aos hábitos das nações democráticas, a menos que elas se agreguem em organismos maiores, os elementos de persistência e convicção que são os únicos capazes de dar segurança às massas humildes; e como, mesmo nas questões de autopreservação, nenhuma política é seguida sequer por períodos de dez ou 15 anos de cada vez.”

Senhor de um outro tempo, seu Memórias da Segunda Guerra Mundial tem, inclusive, uma moral. É certamente para facilitar as coisas para nossos líderes leitores em tempo de coronavírus. “Na guerra: determinação; Na derrota: desafio; Na vitória: magnanimidade; Na paz: boa vontade.”

Era 1945. A segunda grande guerra havia acabado. Havia acabado! E esse foi o sinal para uma explosão de alegria em todo mundo. O dever de deter o inimigo maior havia sido concluído com um desfecho pouco provável cinco anos antes, quando poucos se colocaram à frente de Hitler. Um desses homens era Winston Churchill. Naquele momento de vitória, se dirigindo à nação que havia sofrido o impensável, o primeiro-ministro surpreendeu. Como era habitual. “Gostaria de poder dizer-lhes esta noite que toda a nossa labuta e todos os nossos problemas estão terminados.” Não estavam, como a maioria testemunharia pelas décadas seguintes.

Nascido em 1874, morto em 1965, oito semanas após o seu 90º aniversário, a figura de Churchill bem que poderia emergir novamente para ensinar líderes que não sabem... liderar. Não conduzem a população mundial diante de outro inimigo mortal. Desta vez, um vírus. Um novo coronavírus

'Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca', disse Churchill quando tudo ia mal para os aliados Foto: E. WING/INTERNATIONAL NEWS PHOTOS

Na falta que Churchill nos faz em vida, ler Memórias da Segunda Guerra Mundial – no Brasil há uma edição menor, resumida em dois volumes, editados em 2017 pela HarperCollins com 1,1 mil páginas – serviria como uma espécie de autoajuda de alto nível. De altíssimo nível, diga-se, aos políticos protagonistas da crise atual. Pensando em facilitar as coisas a eles, há uma série de passagens dessa autobiografia que merece destaque. Se a ONU fala que a pandemia é o maior desafio desde a Segunda Guerra, e a maioria dos países trata os tempos atuais como de guerra, nada melhor do que reler as ideias do seu principal protagonista.

O dia depois de amanhã

Devastadora e aterradora, e por mais que assim seja, a crise provocada pelo vírus passará. Assim como, muito mais devastadora à humanidade, a crise da segunda grande guerra também findou. Em 1948, ainda no prefácio da edição, Churchill relembra conversa que teve com o presidente Franklin Roosevelt. Eis o nosso primeiro ensinamento. O norte-americano o pergunta sobre como a guerra deveria se chamar. “Retruquei de pronto: ‘a Guerra Desnecessária’. Nunca houve guerra mais fácil de impedir do que esta que acaba de destroçar o que restava do mundo após o conflito anterior.” Churchill, talvez fazendo uma de suas pausas dramáticas, retoma o raciocínio. “A tragédia humana atinge seu clímax no fato de que, após todos os esforços e sacrifícios de centenas de milhões de pessoas, e após as vitórias da Boa Causa, ainda não encontramos Paz ou Segurança e estejamos sujeitos a perigos ainda maiores do que aqueles que superamos.”

Conheça seu inimigo

É de Churchill, neste mesmo livro, uma análise bastante precisa daquele que seria seu principal inimigo durante cinco longos invernos. Sobre Adolf Hitler, o cabo alemão que perdera momentaneamente a visão durante a Primeira Guerra, o inglês adianta tratar-se de um inconformado com a derrota. Derrota que teria sido causada, na visão deturpada do soldado, por processos não convencionais. Teria de ter ocorrido uma traição em algum lugar. “Sozinho e ensimesmado, o soldadinho ponderou e especulou sobre as possíveis causas da catástrofe, guiado apenas por sua reduzida experiência pessoal.” O problema era que Hitler não estava sozinho. Encontra pares, nacionalistas alemães e radicais que sabem a quem culpar pela derrota. Churchill prevê a tempestade perfeita. “Em Viena, ele se misturara com grupos nacionalistas alemães radicais e ali ouvira histórias de atividades sinistras e sabotadoras de uma outra raça, inimiga e exploradora do mundo nórdico – os judeus”, conclui Churchill.

Confiança para ir até o fim

Em outra passagem, já carregada pelo drama da guerra, Churchill havia acabado de conduzir com êxito a retirada de tropas – muitas delas, inúmeras delas, todas elas? – de Dunquerque. Poderia ter terminado ali, pouco depois de começar, a Segunda Guerra caso falhasse. Não falhou e, ao reunir-se com o parlamento, Churchill considera em suas memórias que era o momento de expor tudo que havia acontecido. A real situação das coisas, da hora mais escura. Ele conclui seu discurso assim: “Muito embora grandes pedaços da Europa e muitas nações antigas e famosas tenham caído ou venham a cair sob o jugo da Gestapo e de todo o odioso aparato de dominação nazista, não esmoreceremos nem fracassaremos. Vamos até o fim”. Foram.

Ouse pedir união

Em dado momento da guerra, quando tudo ainda ia mal para os aliados, Churchill escreveu indicando que o leitor deveria compreender “quão espesso e desconcertante é o véu do desconhecido”. E acrescentaria: “Agora, à plena luz da posteridade, é fácil discernir onde fomos ignorantes ou alarmados demais, e onde fomos descuidados ou inábeis”. No espírito do momento, o primeiro-ministro sentencia: “Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca”.

Recomeçar e recomeçar

A França havia caído rapidamente diante da exuberante máquina de guerra conduzida por Hitler. Havia sido subjugada, porém, sem o disparo de quase nenhum tiro, quase sem resistência. Pelo rádio, devastado, Churchill não esconde a gravidade da situação. Mas reforça sua crença inabalável num futuro menos sombrio. “Defenderemos nossa ilha em casa e, junto com o Império Britânico, prosseguiremos na luta sem nos deixarmos conquistar, até que a maldição de Hitler seja retirada dos ombros da humanidade. Temos certeza que no fim tudo sairá bem.”

Aguentar...

Ainda assim, só discursos não bastavam para conter o inimigo. E Londres não parava de ser bombardeada. Noite após noite. E a cidade ousava aguentar. Noite após noite. No primeiro volume das memórias sobre a grande guerra, o primeiro-ministro relembra uma visita trivial a um vilarejo quando sobrevém um ataque aéreo. O líder foi se abrigar em um túnel. Um túnel onde um imenso número de moradores viviam permanentemente. 

…e ajudar

Quando Churchill sai da proteção, quinze minutos depois, contempla a destruição. Um pequeno hotel fora atingido. Ninguém ficara ferido, mas o lugar fora reduzido a uma pilha de louças, utensílios e móveis quebrados. “O proprietário, sua mulher e os cozinheiros e garçonetes estavam em prantos. Onde estava seu lar? Onde estava seu ganha-pão? Eis aqui um privilégio do poder. Tomei uma decisão imediata. No caminho de volta, em meu trem, ditei uma carta para o ministro das Finanças, Kingsley Wood, estabelecendo o princípio de que todos os danos resultantes do fogo inimigo ficassem por conta do estado, e de que se pagassem indenizações integrais em caráter imediato. Assim, o ônus não recairia apenas sobre aqueles cujas casas e estabelecimentos comerciais fossem atingidos, mas seria equanimemente distribuído sobre os ombros da nação.”

Sobre liderar

Em meio à euforia da vitória, Churchill se dirige novamente à nação. Celebra, mas chama todos à responsabilidade que o amanhã reserva. “Mas, ao contrário, devo adverti-los, como fiz ao iniciar esta missão de cinco anos – e ninguém sabia, na época, que ela duraria tanto – de que ainda há muito por fazer, e de que vocês devem estar preparados para novos esforços da mente e do corpo e para novos sacrifícios em nome de causas grandiosas, se não quiserem recair na vala da inércia, da confusão de objetivos e do medo covarde de serem grandes.”

Por fim, sobre ser grande

Mesmo tão próximo da história, e como sabemos, é preciso distanciamento para compreender com exatidão qualquer acontecimento da natureza daquele confronto. Churchill entende o que foi e poderia ter sido do mundo – não foi, como todos testemunhamos. “É meu objetivo, sendo alguém que viveu e foi atuante nesses dias, mostrar com que facilidade a tragédia da Segunda Guerra Mundial poderia ter sido evitada; como a maldade dos perversos foi reforçada pela fraqueza dos virtuosos; como faltam à estrutura e aos hábitos das nações democráticas, a menos que elas se agreguem em organismos maiores, os elementos de persistência e convicção que são os únicos capazes de dar segurança às massas humildes; e como, mesmo nas questões de autopreservação, nenhuma política é seguida sequer por períodos de dez ou 15 anos de cada vez.”

Senhor de um outro tempo, seu Memórias da Segunda Guerra Mundial tem, inclusive, uma moral. É certamente para facilitar as coisas para nossos líderes leitores em tempo de coronavírus. “Na guerra: determinação; Na derrota: desafio; Na vitória: magnanimidade; Na paz: boa vontade.”

Era 1945. A segunda grande guerra havia acabado. Havia acabado! E esse foi o sinal para uma explosão de alegria em todo mundo. O dever de deter o inimigo maior havia sido concluído com um desfecho pouco provável cinco anos antes, quando poucos se colocaram à frente de Hitler. Um desses homens era Winston Churchill. Naquele momento de vitória, se dirigindo à nação que havia sofrido o impensável, o primeiro-ministro surpreendeu. Como era habitual. “Gostaria de poder dizer-lhes esta noite que toda a nossa labuta e todos os nossos problemas estão terminados.” Não estavam, como a maioria testemunharia pelas décadas seguintes.

Nascido em 1874, morto em 1965, oito semanas após o seu 90º aniversário, a figura de Churchill bem que poderia emergir novamente para ensinar líderes que não sabem... liderar. Não conduzem a população mundial diante de outro inimigo mortal. Desta vez, um vírus. Um novo coronavírus

'Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca', disse Churchill quando tudo ia mal para os aliados Foto: E. WING/INTERNATIONAL NEWS PHOTOS

Na falta que Churchill nos faz em vida, ler Memórias da Segunda Guerra Mundial – no Brasil há uma edição menor, resumida em dois volumes, editados em 2017 pela HarperCollins com 1,1 mil páginas – serviria como uma espécie de autoajuda de alto nível. De altíssimo nível, diga-se, aos políticos protagonistas da crise atual. Pensando em facilitar as coisas a eles, há uma série de passagens dessa autobiografia que merece destaque. Se a ONU fala que a pandemia é o maior desafio desde a Segunda Guerra, e a maioria dos países trata os tempos atuais como de guerra, nada melhor do que reler as ideias do seu principal protagonista.

O dia depois de amanhã

Devastadora e aterradora, e por mais que assim seja, a crise provocada pelo vírus passará. Assim como, muito mais devastadora à humanidade, a crise da segunda grande guerra também findou. Em 1948, ainda no prefácio da edição, Churchill relembra conversa que teve com o presidente Franklin Roosevelt. Eis o nosso primeiro ensinamento. O norte-americano o pergunta sobre como a guerra deveria se chamar. “Retruquei de pronto: ‘a Guerra Desnecessária’. Nunca houve guerra mais fácil de impedir do que esta que acaba de destroçar o que restava do mundo após o conflito anterior.” Churchill, talvez fazendo uma de suas pausas dramáticas, retoma o raciocínio. “A tragédia humana atinge seu clímax no fato de que, após todos os esforços e sacrifícios de centenas de milhões de pessoas, e após as vitórias da Boa Causa, ainda não encontramos Paz ou Segurança e estejamos sujeitos a perigos ainda maiores do que aqueles que superamos.”

Conheça seu inimigo

É de Churchill, neste mesmo livro, uma análise bastante precisa daquele que seria seu principal inimigo durante cinco longos invernos. Sobre Adolf Hitler, o cabo alemão que perdera momentaneamente a visão durante a Primeira Guerra, o inglês adianta tratar-se de um inconformado com a derrota. Derrota que teria sido causada, na visão deturpada do soldado, por processos não convencionais. Teria de ter ocorrido uma traição em algum lugar. “Sozinho e ensimesmado, o soldadinho ponderou e especulou sobre as possíveis causas da catástrofe, guiado apenas por sua reduzida experiência pessoal.” O problema era que Hitler não estava sozinho. Encontra pares, nacionalistas alemães e radicais que sabem a quem culpar pela derrota. Churchill prevê a tempestade perfeita. “Em Viena, ele se misturara com grupos nacionalistas alemães radicais e ali ouvira histórias de atividades sinistras e sabotadoras de uma outra raça, inimiga e exploradora do mundo nórdico – os judeus”, conclui Churchill.

Confiança para ir até o fim

Em outra passagem, já carregada pelo drama da guerra, Churchill havia acabado de conduzir com êxito a retirada de tropas – muitas delas, inúmeras delas, todas elas? – de Dunquerque. Poderia ter terminado ali, pouco depois de começar, a Segunda Guerra caso falhasse. Não falhou e, ao reunir-se com o parlamento, Churchill considera em suas memórias que era o momento de expor tudo que havia acontecido. A real situação das coisas, da hora mais escura. Ele conclui seu discurso assim: “Muito embora grandes pedaços da Europa e muitas nações antigas e famosas tenham caído ou venham a cair sob o jugo da Gestapo e de todo o odioso aparato de dominação nazista, não esmoreceremos nem fracassaremos. Vamos até o fim”. Foram.

Ouse pedir união

Em dado momento da guerra, quando tudo ainda ia mal para os aliados, Churchill escreveu indicando que o leitor deveria compreender “quão espesso e desconcertante é o véu do desconhecido”. E acrescentaria: “Agora, à plena luz da posteridade, é fácil discernir onde fomos ignorantes ou alarmados demais, e onde fomos descuidados ou inábeis”. No espírito do momento, o primeiro-ministro sentencia: “Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca”.

Recomeçar e recomeçar

A França havia caído rapidamente diante da exuberante máquina de guerra conduzida por Hitler. Havia sido subjugada, porém, sem o disparo de quase nenhum tiro, quase sem resistência. Pelo rádio, devastado, Churchill não esconde a gravidade da situação. Mas reforça sua crença inabalável num futuro menos sombrio. “Defenderemos nossa ilha em casa e, junto com o Império Britânico, prosseguiremos na luta sem nos deixarmos conquistar, até que a maldição de Hitler seja retirada dos ombros da humanidade. Temos certeza que no fim tudo sairá bem.”

Aguentar...

Ainda assim, só discursos não bastavam para conter o inimigo. E Londres não parava de ser bombardeada. Noite após noite. E a cidade ousava aguentar. Noite após noite. No primeiro volume das memórias sobre a grande guerra, o primeiro-ministro relembra uma visita trivial a um vilarejo quando sobrevém um ataque aéreo. O líder foi se abrigar em um túnel. Um túnel onde um imenso número de moradores viviam permanentemente. 

…e ajudar

Quando Churchill sai da proteção, quinze minutos depois, contempla a destruição. Um pequeno hotel fora atingido. Ninguém ficara ferido, mas o lugar fora reduzido a uma pilha de louças, utensílios e móveis quebrados. “O proprietário, sua mulher e os cozinheiros e garçonetes estavam em prantos. Onde estava seu lar? Onde estava seu ganha-pão? Eis aqui um privilégio do poder. Tomei uma decisão imediata. No caminho de volta, em meu trem, ditei uma carta para o ministro das Finanças, Kingsley Wood, estabelecendo o princípio de que todos os danos resultantes do fogo inimigo ficassem por conta do estado, e de que se pagassem indenizações integrais em caráter imediato. Assim, o ônus não recairia apenas sobre aqueles cujas casas e estabelecimentos comerciais fossem atingidos, mas seria equanimemente distribuído sobre os ombros da nação.”

Sobre liderar

Em meio à euforia da vitória, Churchill se dirige novamente à nação. Celebra, mas chama todos à responsabilidade que o amanhã reserva. “Mas, ao contrário, devo adverti-los, como fiz ao iniciar esta missão de cinco anos – e ninguém sabia, na época, que ela duraria tanto – de que ainda há muito por fazer, e de que vocês devem estar preparados para novos esforços da mente e do corpo e para novos sacrifícios em nome de causas grandiosas, se não quiserem recair na vala da inércia, da confusão de objetivos e do medo covarde de serem grandes.”

Por fim, sobre ser grande

Mesmo tão próximo da história, e como sabemos, é preciso distanciamento para compreender com exatidão qualquer acontecimento da natureza daquele confronto. Churchill entende o que foi e poderia ter sido do mundo – não foi, como todos testemunhamos. “É meu objetivo, sendo alguém que viveu e foi atuante nesses dias, mostrar com que facilidade a tragédia da Segunda Guerra Mundial poderia ter sido evitada; como a maldade dos perversos foi reforçada pela fraqueza dos virtuosos; como faltam à estrutura e aos hábitos das nações democráticas, a menos que elas se agreguem em organismos maiores, os elementos de persistência e convicção que são os únicos capazes de dar segurança às massas humildes; e como, mesmo nas questões de autopreservação, nenhuma política é seguida sequer por períodos de dez ou 15 anos de cada vez.”

Senhor de um outro tempo, seu Memórias da Segunda Guerra Mundial tem, inclusive, uma moral. É certamente para facilitar as coisas para nossos líderes leitores em tempo de coronavírus. “Na guerra: determinação; Na derrota: desafio; Na vitória: magnanimidade; Na paz: boa vontade.”

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