A literatura e o 11 de Setembro: como a ficção vem lidando com os atentados de 2001


Um olhar panorâmico sobre como o 11 de Setembro influenciou toda uma geração de escritores

Por André de Leones
Atualização:

A boutade “a literatura não dá conta da realidade” é sempre repetida quando nos vemos diante de eventos trágicos ou circunstâncias traumáticas. Grosso modo, nem mesmo o real dá conta do real, e a melhor literatura é sempre um tatear empreendido nos extremos da linguagem e a despeito de suas flagrantes limitações, procurando significados (ou sublinhando a ausência deles) para a história humana. Muitos escritores se dispuseram a abordar os atentados de 11/9 já no dia seguinte, por assim dizer, quando as coisas “não pareciam ter sua densidade normal” (como lemos em Homem em Queda, de Don DeLillo).

Autores de gerações, origens e estilos diversos mergulharam nas ruínas das torres e voltaram com obras obviamente díspares, mas que compartilham de estupefações e desarvoramentos similares. Procuro, aqui, traçar um panorama dessas investidas, já me desculpando pelas muitas omissões.

Ficção contemporânea reflete sobre os atentados de 11 de setembro Foto: Ting-Li Wang/The New York Times
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Começo por um romance que não aborda os atentados diretamente, mas transmite de forma ímpar o estado anímico de alguns norte-americanos nos anos imediatamente posteriores ao ocorrido. Em Fantasma Sai de Cena, Philip Roth recorreu ao seu alter ego Nathan Zuckerman para voltar à Nova York pós-11/9. Assim, ele nos fala das eleições de 2004 (com suas “emoções infantis e sofrimento adulto”) e das guerras ancoradas nas mentiras de Bush. E, logo no começo, refere-se a uma espécie de “ressecamento interior” que, de certo modo, ainda viceja por lá.

Por sua vez, DeLillo nos coloca no olho dos acontecimentos: Homem em Queda é propriamente um romance sobre o 11 de Setembro e suas consequências imediatas na vida de um sobrevivente e seus familiares, prejudicado pela domesticidade exagerada das situações que desenvolve. Em momentos, o autor dos soberbos Ruído Branco e Submundo soa fora do tom, como se ainda não tivesse processado o tema que desenvolve.

O britânico Martin Amis se saiu melhor ao recriar, em um conto magistral, Os Últimos Dias de Muhammad Atta (incluído no volume The Second Plane, foi publicado na segunda edição da Piauí). Apropriando-se de um personagem real, provável líder dos sequestradores e piloto do avião atirado contra a primeira das Torres Gêmeas, Amis propõe um mergulho ficcional na psiquê de um extremista de forma bem mais eficiente do que, por exemplo, John Updike em seu Terrorista.

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Claro que a “domesticidade” não é um problema em si, como demonstram Thomas Pynchon e Claire Messud. O primeiro nos oferece o belo parêntese emocional que encontramos no meio de O Último Grito, ao passo que, em Os Filhos do Imperador, Messud se ocupa de três amigos na Nova York de 2001; suas vidas já eram cindidas antes dos atentados, ressalte-se.

Além de Pynchon, à margem dessa enxurrada “realista”, há outros pontos fora da curva: a abordagem do quadrinista Art Spiegelman em À Sombra das Torres Ausentes; a prosa experimental de United States of Banana, de Giannina Braschi; a sátira The Man Who Wouldn’t Stand Up, de Jacob M. Appel; American Widow, graphic novel autobiográfica de Alissa Torres e Sungyoon Choi; Cidade Pequena, de Lawrence Block, onde um personagem “responde” aos atentados se tornando um assassino em série; o brilhante monólogo O Fundamentalista Relutante, de Mohsin Hamid; e Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer, cuja inventividade não esconde o sentimentalismo da narrativa.

Como se vê, entre erros e acertos, em registros variados, prosadores norte-americanos e de outros países seguem se debruçando sobre o 11/9. Em meio a tamanha variedade estilística, cabe dizer que, sim, a linguagem não dá conta da realidade, mas é justamente a contínua e paradoxal expressão dessa incapacidade que torna a literatura imprescindível para refletirmos acerca das tragédias e de seus desdobramentos.

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* André de Leones é autor do romance Eufrates (José Olympio), entre outros.

Acompanhe a conversa entre o escritor e crítico André de Leones e a equipe de Cultura do Estadão (Ubiratan Brasil e Maria Fernanda Rodrigues) sobre como a literatura vem lidando com o trauma do 11 de Setembro:

Parte 1:

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Parte 2:

A boutade “a literatura não dá conta da realidade” é sempre repetida quando nos vemos diante de eventos trágicos ou circunstâncias traumáticas. Grosso modo, nem mesmo o real dá conta do real, e a melhor literatura é sempre um tatear empreendido nos extremos da linguagem e a despeito de suas flagrantes limitações, procurando significados (ou sublinhando a ausência deles) para a história humana. Muitos escritores se dispuseram a abordar os atentados de 11/9 já no dia seguinte, por assim dizer, quando as coisas “não pareciam ter sua densidade normal” (como lemos em Homem em Queda, de Don DeLillo).

Autores de gerações, origens e estilos diversos mergulharam nas ruínas das torres e voltaram com obras obviamente díspares, mas que compartilham de estupefações e desarvoramentos similares. Procuro, aqui, traçar um panorama dessas investidas, já me desculpando pelas muitas omissões.

Ficção contemporânea reflete sobre os atentados de 11 de setembro Foto: Ting-Li Wang/The New York Times

Começo por um romance que não aborda os atentados diretamente, mas transmite de forma ímpar o estado anímico de alguns norte-americanos nos anos imediatamente posteriores ao ocorrido. Em Fantasma Sai de Cena, Philip Roth recorreu ao seu alter ego Nathan Zuckerman para voltar à Nova York pós-11/9. Assim, ele nos fala das eleições de 2004 (com suas “emoções infantis e sofrimento adulto”) e das guerras ancoradas nas mentiras de Bush. E, logo no começo, refere-se a uma espécie de “ressecamento interior” que, de certo modo, ainda viceja por lá.

Por sua vez, DeLillo nos coloca no olho dos acontecimentos: Homem em Queda é propriamente um romance sobre o 11 de Setembro e suas consequências imediatas na vida de um sobrevivente e seus familiares, prejudicado pela domesticidade exagerada das situações que desenvolve. Em momentos, o autor dos soberbos Ruído Branco e Submundo soa fora do tom, como se ainda não tivesse processado o tema que desenvolve.

O britânico Martin Amis se saiu melhor ao recriar, em um conto magistral, Os Últimos Dias de Muhammad Atta (incluído no volume The Second Plane, foi publicado na segunda edição da Piauí). Apropriando-se de um personagem real, provável líder dos sequestradores e piloto do avião atirado contra a primeira das Torres Gêmeas, Amis propõe um mergulho ficcional na psiquê de um extremista de forma bem mais eficiente do que, por exemplo, John Updike em seu Terrorista.

Claro que a “domesticidade” não é um problema em si, como demonstram Thomas Pynchon e Claire Messud. O primeiro nos oferece o belo parêntese emocional que encontramos no meio de O Último Grito, ao passo que, em Os Filhos do Imperador, Messud se ocupa de três amigos na Nova York de 2001; suas vidas já eram cindidas antes dos atentados, ressalte-se.

Além de Pynchon, à margem dessa enxurrada “realista”, há outros pontos fora da curva: a abordagem do quadrinista Art Spiegelman em À Sombra das Torres Ausentes; a prosa experimental de United States of Banana, de Giannina Braschi; a sátira The Man Who Wouldn’t Stand Up, de Jacob M. Appel; American Widow, graphic novel autobiográfica de Alissa Torres e Sungyoon Choi; Cidade Pequena, de Lawrence Block, onde um personagem “responde” aos atentados se tornando um assassino em série; o brilhante monólogo O Fundamentalista Relutante, de Mohsin Hamid; e Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer, cuja inventividade não esconde o sentimentalismo da narrativa.

Como se vê, entre erros e acertos, em registros variados, prosadores norte-americanos e de outros países seguem se debruçando sobre o 11/9. Em meio a tamanha variedade estilística, cabe dizer que, sim, a linguagem não dá conta da realidade, mas é justamente a contínua e paradoxal expressão dessa incapacidade que torna a literatura imprescindível para refletirmos acerca das tragédias e de seus desdobramentos.

* André de Leones é autor do romance Eufrates (José Olympio), entre outros.

Acompanhe a conversa entre o escritor e crítico André de Leones e a equipe de Cultura do Estadão (Ubiratan Brasil e Maria Fernanda Rodrigues) sobre como a literatura vem lidando com o trauma do 11 de Setembro:

Parte 1:

Parte 2:

A boutade “a literatura não dá conta da realidade” é sempre repetida quando nos vemos diante de eventos trágicos ou circunstâncias traumáticas. Grosso modo, nem mesmo o real dá conta do real, e a melhor literatura é sempre um tatear empreendido nos extremos da linguagem e a despeito de suas flagrantes limitações, procurando significados (ou sublinhando a ausência deles) para a história humana. Muitos escritores se dispuseram a abordar os atentados de 11/9 já no dia seguinte, por assim dizer, quando as coisas “não pareciam ter sua densidade normal” (como lemos em Homem em Queda, de Don DeLillo).

Autores de gerações, origens e estilos diversos mergulharam nas ruínas das torres e voltaram com obras obviamente díspares, mas que compartilham de estupefações e desarvoramentos similares. Procuro, aqui, traçar um panorama dessas investidas, já me desculpando pelas muitas omissões.

Ficção contemporânea reflete sobre os atentados de 11 de setembro Foto: Ting-Li Wang/The New York Times

Começo por um romance que não aborda os atentados diretamente, mas transmite de forma ímpar o estado anímico de alguns norte-americanos nos anos imediatamente posteriores ao ocorrido. Em Fantasma Sai de Cena, Philip Roth recorreu ao seu alter ego Nathan Zuckerman para voltar à Nova York pós-11/9. Assim, ele nos fala das eleições de 2004 (com suas “emoções infantis e sofrimento adulto”) e das guerras ancoradas nas mentiras de Bush. E, logo no começo, refere-se a uma espécie de “ressecamento interior” que, de certo modo, ainda viceja por lá.

Por sua vez, DeLillo nos coloca no olho dos acontecimentos: Homem em Queda é propriamente um romance sobre o 11 de Setembro e suas consequências imediatas na vida de um sobrevivente e seus familiares, prejudicado pela domesticidade exagerada das situações que desenvolve. Em momentos, o autor dos soberbos Ruído Branco e Submundo soa fora do tom, como se ainda não tivesse processado o tema que desenvolve.

O britânico Martin Amis se saiu melhor ao recriar, em um conto magistral, Os Últimos Dias de Muhammad Atta (incluído no volume The Second Plane, foi publicado na segunda edição da Piauí). Apropriando-se de um personagem real, provável líder dos sequestradores e piloto do avião atirado contra a primeira das Torres Gêmeas, Amis propõe um mergulho ficcional na psiquê de um extremista de forma bem mais eficiente do que, por exemplo, John Updike em seu Terrorista.

Claro que a “domesticidade” não é um problema em si, como demonstram Thomas Pynchon e Claire Messud. O primeiro nos oferece o belo parêntese emocional que encontramos no meio de O Último Grito, ao passo que, em Os Filhos do Imperador, Messud se ocupa de três amigos na Nova York de 2001; suas vidas já eram cindidas antes dos atentados, ressalte-se.

Além de Pynchon, à margem dessa enxurrada “realista”, há outros pontos fora da curva: a abordagem do quadrinista Art Spiegelman em À Sombra das Torres Ausentes; a prosa experimental de United States of Banana, de Giannina Braschi; a sátira The Man Who Wouldn’t Stand Up, de Jacob M. Appel; American Widow, graphic novel autobiográfica de Alissa Torres e Sungyoon Choi; Cidade Pequena, de Lawrence Block, onde um personagem “responde” aos atentados se tornando um assassino em série; o brilhante monólogo O Fundamentalista Relutante, de Mohsin Hamid; e Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer, cuja inventividade não esconde o sentimentalismo da narrativa.

Como se vê, entre erros e acertos, em registros variados, prosadores norte-americanos e de outros países seguem se debruçando sobre o 11/9. Em meio a tamanha variedade estilística, cabe dizer que, sim, a linguagem não dá conta da realidade, mas é justamente a contínua e paradoxal expressão dessa incapacidade que torna a literatura imprescindível para refletirmos acerca das tragédias e de seus desdobramentos.

* André de Leones é autor do romance Eufrates (José Olympio), entre outros.

Acompanhe a conversa entre o escritor e crítico André de Leones e a equipe de Cultura do Estadão (Ubiratan Brasil e Maria Fernanda Rodrigues) sobre como a literatura vem lidando com o trauma do 11 de Setembro:

Parte 1:

Parte 2:

A boutade “a literatura não dá conta da realidade” é sempre repetida quando nos vemos diante de eventos trágicos ou circunstâncias traumáticas. Grosso modo, nem mesmo o real dá conta do real, e a melhor literatura é sempre um tatear empreendido nos extremos da linguagem e a despeito de suas flagrantes limitações, procurando significados (ou sublinhando a ausência deles) para a história humana. Muitos escritores se dispuseram a abordar os atentados de 11/9 já no dia seguinte, por assim dizer, quando as coisas “não pareciam ter sua densidade normal” (como lemos em Homem em Queda, de Don DeLillo).

Autores de gerações, origens e estilos diversos mergulharam nas ruínas das torres e voltaram com obras obviamente díspares, mas que compartilham de estupefações e desarvoramentos similares. Procuro, aqui, traçar um panorama dessas investidas, já me desculpando pelas muitas omissões.

Ficção contemporânea reflete sobre os atentados de 11 de setembro Foto: Ting-Li Wang/The New York Times

Começo por um romance que não aborda os atentados diretamente, mas transmite de forma ímpar o estado anímico de alguns norte-americanos nos anos imediatamente posteriores ao ocorrido. Em Fantasma Sai de Cena, Philip Roth recorreu ao seu alter ego Nathan Zuckerman para voltar à Nova York pós-11/9. Assim, ele nos fala das eleições de 2004 (com suas “emoções infantis e sofrimento adulto”) e das guerras ancoradas nas mentiras de Bush. E, logo no começo, refere-se a uma espécie de “ressecamento interior” que, de certo modo, ainda viceja por lá.

Por sua vez, DeLillo nos coloca no olho dos acontecimentos: Homem em Queda é propriamente um romance sobre o 11 de Setembro e suas consequências imediatas na vida de um sobrevivente e seus familiares, prejudicado pela domesticidade exagerada das situações que desenvolve. Em momentos, o autor dos soberbos Ruído Branco e Submundo soa fora do tom, como se ainda não tivesse processado o tema que desenvolve.

O britânico Martin Amis se saiu melhor ao recriar, em um conto magistral, Os Últimos Dias de Muhammad Atta (incluído no volume The Second Plane, foi publicado na segunda edição da Piauí). Apropriando-se de um personagem real, provável líder dos sequestradores e piloto do avião atirado contra a primeira das Torres Gêmeas, Amis propõe um mergulho ficcional na psiquê de um extremista de forma bem mais eficiente do que, por exemplo, John Updike em seu Terrorista.

Claro que a “domesticidade” não é um problema em si, como demonstram Thomas Pynchon e Claire Messud. O primeiro nos oferece o belo parêntese emocional que encontramos no meio de O Último Grito, ao passo que, em Os Filhos do Imperador, Messud se ocupa de três amigos na Nova York de 2001; suas vidas já eram cindidas antes dos atentados, ressalte-se.

Além de Pynchon, à margem dessa enxurrada “realista”, há outros pontos fora da curva: a abordagem do quadrinista Art Spiegelman em À Sombra das Torres Ausentes; a prosa experimental de United States of Banana, de Giannina Braschi; a sátira The Man Who Wouldn’t Stand Up, de Jacob M. Appel; American Widow, graphic novel autobiográfica de Alissa Torres e Sungyoon Choi; Cidade Pequena, de Lawrence Block, onde um personagem “responde” aos atentados se tornando um assassino em série; o brilhante monólogo O Fundamentalista Relutante, de Mohsin Hamid; e Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer, cuja inventividade não esconde o sentimentalismo da narrativa.

Como se vê, entre erros e acertos, em registros variados, prosadores norte-americanos e de outros países seguem se debruçando sobre o 11/9. Em meio a tamanha variedade estilística, cabe dizer que, sim, a linguagem não dá conta da realidade, mas é justamente a contínua e paradoxal expressão dessa incapacidade que torna a literatura imprescindível para refletirmos acerca das tragédias e de seus desdobramentos.

* André de Leones é autor do romance Eufrates (José Olympio), entre outros.

Acompanhe a conversa entre o escritor e crítico André de Leones e a equipe de Cultura do Estadão (Ubiratan Brasil e Maria Fernanda Rodrigues) sobre como a literatura vem lidando com o trauma do 11 de Setembro:

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