Alta Books anuncia vencedores do 1º Prêmio Alta Literatura; conheça autores e leia trechos das obras


Primeira edição do concurso literário premiou livro de realismo mágico sobre o sertão nordestino, escrito por um advogado, e romance histórico sobre a epidemia da aids, que marca a estreia de um médico na literatura

Por Julia Queiroz
Atualização:

O Grupo Editorial Alta Books acaba de anunciar os vencedores da primeira edição do Prêmio Alta Literatura. Astério Moreira de Santana Neto ganhou a categoria não estreante com o livro A Morte da Finada, de realismo mágico. Já Marcelo Henrique Silva conquistou a categoria estreante com o romance histórico Sangue Neon. Leia trechos dos livros abaixo.

Alta Books anuncia vencedores do 1º Prêmio Alta Literatura. Foto: Tatsiana Yatsevich/Caftor/Adobe

Além da publicação das obras, o autor não estreante recebe um prêmio de R$ 60 mil, enquanto o estreante recebe R$ 20 mil. Neste segunda categoria, outros dez selecionados ganham uma oficina de escrita criativa. São eles:

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  • Adriane Garcia Pereira
  • Ana Maria da Silva Souza Rodrigues
  • Angela Issler Marsiaj
  • Carla Íria Perim Guerson
  • Guilherme Augusto Trigo Doin
  • João Matias de Oliveira Neto
  • Jordão Alves da Cruz Filho
  • Paulo Furnari Gama
  • Pedro Felipe Wosch de Carvalho
  • Raphael Geraldo Gomes

Ao todo, foram 850 inscrições, 60% homens e 40% mulheres. Os jurados da categoria não estrante foram Natalia Timerman, Socorro Acioli e Jeferson Tenório. Já os jurados que avaliaram os livros de estreantes foram Eliane Robert Moraes, Luiz Antonio de Assis Brasil e Luiz Ruffato.

Em comunicado à imprensa, Rodrigo de Faria e Silva, que idealizou o concurso com o CEO da Alta Books, Gorki Starlin, disse que a premiação “foi um sucesso tanto pelo número de inscritos quanto pela qualidade das obras submetidas, mostrando que a produção literária contemporânea brasileira está a todo vapor.”

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Quem são os vencedores do Prêmio Alta Literatura

Categoria não estreante - A Morte da Finada

Astério Moreira de Santana Neto nasceu em 1992 em Tucano, município do sertão baiano. Além de escritor, é advogado, formado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. Seu primeiro livro, Desgosto, foi publicado em 2022 pela editora Mondrongo e retrata uma vila na Bahia cujos habitantes sofrem de uma epidemia de desgosto.

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A Morte da Finada, livro que ganhou o prêmio, segue a história de uma jovem do sertão nordestino que conta sua vida a partir dos acontecimentos que levaram à sua morte. A obra aborda a experiência da mulher em um sertão marcado por “machismo, opressão financeira, religiosidade, superstição e moralismo severo.”

Categoria estreante - Sangue Neon

Marcelo Henrique Silva nasceu em Passos, no interior de Minas Gerais, mas hoje mora em Belo Horizonte. É médico e atuou na linha de frente durante a pandemia de covid-19. Tem como foco o cuidado de grupos vulneráveis, minorias e pacientes oncológicos.

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Sangue Neon é ambientado entre os anos 1970 e 1990, quando a epidemia de aids chegou ao Brasil. Inspirado em eventos reais, ele segue diferentes personagens que se cruzam na luta contra a doença e a discriminação sofrida naquele período.

Astério Moreira de Santana Neto (dir.) e Marcelo Henrique Silva (esq.), vencedores do 1º Prêmio Alta Literatura. Foto: Divulgação | Grupo Editorial Alta Books

Confira, a seguir, trechos dos livros - antes do lançamento, eles passarão por revisão e edição da editora.

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Leia trecho de A Morte da Finada

No papel amassado, conheci logo a letra desenhada que só tinha visto botar preço em açúcar, farinha e café. Letra treinada para ser bonita e figurar grande e redonda nos papéis das estantes do comércio. As maiúsculas grandes e cheias de rodeios, os O’s redondos e sem bigode, todos os pingos nos I’s. Li de uma vez, ouvindo a voz de quem me escrevia, aquela voz de algodão no meio de cada cristal. Depois de lido, fiz menção de rasgar tudo e jogar no mato, mas, tornei a ler no meu silêncio e li de novo e de novo e não sei quantas vezes. Tanto li que decorei. Porque queria atender ao pedido de rasgar, mas não queria perder o que ali estava escrito de jeito maneira. De tanto gostar, as coisas ficam gravadas com ferro em brasa na memória da gente.

Dizia assim “Lutei muito para escrever o que vai aqui e só isso é prova do meu sentimento forte e ariado. Espero que não leve susto nem tome por ofensa esta carta minha. Intenção nenhuma tenho eu em desatacar uma pessoa que tenho benquerer. Queria dizer muita coisa, mas sou homem de ignorância. Na cabeça, me falta qualquer dizer bonito de palavra certa e bem pesada para a ocasião. Queria poder pedir, mas sei que não posso. Se não rogo nada, se não peço explicação, é porque sei da sua condição e, por respeito e carinho, considero sua decisão. Mas quero que fique sabendo que te quero muito bem desde que vi pela primeira vez. Se aqui montei pouso, foi pensando que ia também apear no teu colo até a derradeira hora. Espero e rezo a Deus por tua felicidade. Esquecimento, eu não prometo, porque é paga que você não merece. Vá desculpando qualquer coisa e tendo piedade dessa alma que te escreve. Por tudo isto, quero que tome conhecimento de que me dando sinal, estou às ordens.”. E eu não dei sinal nenhum. Dali por diante, despassarinhei.

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Leia trecho de Sangue Neon

Antes do bisturi havia o corpo. Depois, o objeto. Uma vez abertas as fibras superficiais da pele e do tecido subcutâneo e expostos os feixes vásculo-fibrosos de acordo com a habilidade de dissecação do anatomista, não havia mais pessoa havia página. Era carne que se descortinava ao conhecimento como folhas de um livro definitivo. O que se deitava na maca não era alguém, mas algo. E como todo algo: passível de ser manuseado. Um brinquedo de montar e desmontar com instruções complicadas e peças redundantes. Para cada parte, um código sofisticado a ser decifrado. Naquele estudo havia um roteiro específico a se seguir: localizar o plexo e identificar seus componentes com alfinetes coloridos. Era preciso muito cuidado: um movimento errado, um apertar indelicado e o tecido se rebenta e se perde, torna-se inútil. E o que um dia foi corpo e depois se tornou objeto, torna-se por fim nada.

Míseros alunos àquele tempo, incomodavam-se somente com o bafo ácido do formol que lacrimejava pelas córneas e sugava a umidade das pontas dos dedos, como um veneno devorando tônus e impressões digitais. As figuras desenhadas pelos atlas eram comparadas com as peças expostas quase como quem compara uma obra de arte com o mundo real. Cada grupo de seis estudantes se reunia ao redor do corpo designado para si. Ouviam com atenção as demonstrações dos monitores e fingiam tomar notas. Grafites riscavam papeis em vão.

O plexo braquial era uma malha de troncos nervosos sob a axila que ora se ramificavam ora se confluíam à medida que ganhavam o membro, carregando em suas bainhas o que um dia foi uma intensa corrente elétrica que fazia aquele corpo levantar os braços, dançar e abraçar. Que conduziam aquelas pernas pelas ruas, que doía, que dava prazer e sentia medo. Somente meninos, não pensavam nessas coisas. O objetivo era decifrar o mistério do plexo e nada além. Alguns desenhavam, outros faziam esquemas e mnemônicos e uns simplesmente aceitavam: há coisas que não se podem entender. Depois da prova nem sabiam mais por onde andava o tal plexo e já procuravam decorar o próximo tópico da ementa.

Os monitores eram sempre os últimos a deixar o anatômico, guardiões responsáveis por organizar as pranchetas e recolher as peças. Saíam os calouros todos rapidamente, tinham fome e sede, queriam comer o ar, jogar água na cara e lavar o cabelo. Queriam ver gente viva e se sentirem vivos por ainda não estarem dissecados, por ainda não serem páginas. A padiola rangeu e ela olhou, curiosa. A maca possuía duas alças articuladas em aço inox, facilitando o manuseio do cadáver para a carga e descarga daqueles corpos no tanque.

Não aquele, mas aquilo, como toda matéria, como toda substância. Ordinária em vida, infundado conjunto de células e tecidos e sistemas e organismos desprovidos de significado, a não ser o que faziam de si mesmos. Mas que depois de dissecada era enfim útil, tornava-se nobre, conveniente, ganhava status divino. A peça sobre a qual se extraía a dádiva do aprendizado.

A caloura arriscou perguntar quem era, tentando imputar alguma essência à ideia de identidade. O monitor olhou confuso para a face das duas figuras femininas, a viva e a morta, como se comparasse os traços e tentasse identificar assimetrias. Depois estacionou a visão sobre a genitália _ da morta, não da viva _ ocultando um sorriso cínico de quem faz uma descoberta. Não moça, era uma traveca, viviam matando e morrendo.

A figura sorriu _ a viva, não a morta _ e rezou para que seu caminho nunca se cruzasse com uma daquelas _ viva.

O Grupo Editorial Alta Books acaba de anunciar os vencedores da primeira edição do Prêmio Alta Literatura. Astério Moreira de Santana Neto ganhou a categoria não estreante com o livro A Morte da Finada, de realismo mágico. Já Marcelo Henrique Silva conquistou a categoria estreante com o romance histórico Sangue Neon. Leia trechos dos livros abaixo.

Alta Books anuncia vencedores do 1º Prêmio Alta Literatura. Foto: Tatsiana Yatsevich/Caftor/Adobe

Além da publicação das obras, o autor não estreante recebe um prêmio de R$ 60 mil, enquanto o estreante recebe R$ 20 mil. Neste segunda categoria, outros dez selecionados ganham uma oficina de escrita criativa. São eles:

  • Adriane Garcia Pereira
  • Ana Maria da Silva Souza Rodrigues
  • Angela Issler Marsiaj
  • Carla Íria Perim Guerson
  • Guilherme Augusto Trigo Doin
  • João Matias de Oliveira Neto
  • Jordão Alves da Cruz Filho
  • Paulo Furnari Gama
  • Pedro Felipe Wosch de Carvalho
  • Raphael Geraldo Gomes

Ao todo, foram 850 inscrições, 60% homens e 40% mulheres. Os jurados da categoria não estrante foram Natalia Timerman, Socorro Acioli e Jeferson Tenório. Já os jurados que avaliaram os livros de estreantes foram Eliane Robert Moraes, Luiz Antonio de Assis Brasil e Luiz Ruffato.

Em comunicado à imprensa, Rodrigo de Faria e Silva, que idealizou o concurso com o CEO da Alta Books, Gorki Starlin, disse que a premiação “foi um sucesso tanto pelo número de inscritos quanto pela qualidade das obras submetidas, mostrando que a produção literária contemporânea brasileira está a todo vapor.”

Quem são os vencedores do Prêmio Alta Literatura

Categoria não estreante - A Morte da Finada

Astério Moreira de Santana Neto nasceu em 1992 em Tucano, município do sertão baiano. Além de escritor, é advogado, formado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. Seu primeiro livro, Desgosto, foi publicado em 2022 pela editora Mondrongo e retrata uma vila na Bahia cujos habitantes sofrem de uma epidemia de desgosto.

A Morte da Finada, livro que ganhou o prêmio, segue a história de uma jovem do sertão nordestino que conta sua vida a partir dos acontecimentos que levaram à sua morte. A obra aborda a experiência da mulher em um sertão marcado por “machismo, opressão financeira, religiosidade, superstição e moralismo severo.”

Categoria estreante - Sangue Neon

Marcelo Henrique Silva nasceu em Passos, no interior de Minas Gerais, mas hoje mora em Belo Horizonte. É médico e atuou na linha de frente durante a pandemia de covid-19. Tem como foco o cuidado de grupos vulneráveis, minorias e pacientes oncológicos.

Sangue Neon é ambientado entre os anos 1970 e 1990, quando a epidemia de aids chegou ao Brasil. Inspirado em eventos reais, ele segue diferentes personagens que se cruzam na luta contra a doença e a discriminação sofrida naquele período.

Astério Moreira de Santana Neto (dir.) e Marcelo Henrique Silva (esq.), vencedores do 1º Prêmio Alta Literatura. Foto: Divulgação | Grupo Editorial Alta Books

Confira, a seguir, trechos dos livros - antes do lançamento, eles passarão por revisão e edição da editora.

Leia trecho de A Morte da Finada

No papel amassado, conheci logo a letra desenhada que só tinha visto botar preço em açúcar, farinha e café. Letra treinada para ser bonita e figurar grande e redonda nos papéis das estantes do comércio. As maiúsculas grandes e cheias de rodeios, os O’s redondos e sem bigode, todos os pingos nos I’s. Li de uma vez, ouvindo a voz de quem me escrevia, aquela voz de algodão no meio de cada cristal. Depois de lido, fiz menção de rasgar tudo e jogar no mato, mas, tornei a ler no meu silêncio e li de novo e de novo e não sei quantas vezes. Tanto li que decorei. Porque queria atender ao pedido de rasgar, mas não queria perder o que ali estava escrito de jeito maneira. De tanto gostar, as coisas ficam gravadas com ferro em brasa na memória da gente.

Dizia assim “Lutei muito para escrever o que vai aqui e só isso é prova do meu sentimento forte e ariado. Espero que não leve susto nem tome por ofensa esta carta minha. Intenção nenhuma tenho eu em desatacar uma pessoa que tenho benquerer. Queria dizer muita coisa, mas sou homem de ignorância. Na cabeça, me falta qualquer dizer bonito de palavra certa e bem pesada para a ocasião. Queria poder pedir, mas sei que não posso. Se não rogo nada, se não peço explicação, é porque sei da sua condição e, por respeito e carinho, considero sua decisão. Mas quero que fique sabendo que te quero muito bem desde que vi pela primeira vez. Se aqui montei pouso, foi pensando que ia também apear no teu colo até a derradeira hora. Espero e rezo a Deus por tua felicidade. Esquecimento, eu não prometo, porque é paga que você não merece. Vá desculpando qualquer coisa e tendo piedade dessa alma que te escreve. Por tudo isto, quero que tome conhecimento de que me dando sinal, estou às ordens.”. E eu não dei sinal nenhum. Dali por diante, despassarinhei.

Leia trecho de Sangue Neon

Antes do bisturi havia o corpo. Depois, o objeto. Uma vez abertas as fibras superficiais da pele e do tecido subcutâneo e expostos os feixes vásculo-fibrosos de acordo com a habilidade de dissecação do anatomista, não havia mais pessoa havia página. Era carne que se descortinava ao conhecimento como folhas de um livro definitivo. O que se deitava na maca não era alguém, mas algo. E como todo algo: passível de ser manuseado. Um brinquedo de montar e desmontar com instruções complicadas e peças redundantes. Para cada parte, um código sofisticado a ser decifrado. Naquele estudo havia um roteiro específico a se seguir: localizar o plexo e identificar seus componentes com alfinetes coloridos. Era preciso muito cuidado: um movimento errado, um apertar indelicado e o tecido se rebenta e se perde, torna-se inútil. E o que um dia foi corpo e depois se tornou objeto, torna-se por fim nada.

Míseros alunos àquele tempo, incomodavam-se somente com o bafo ácido do formol que lacrimejava pelas córneas e sugava a umidade das pontas dos dedos, como um veneno devorando tônus e impressões digitais. As figuras desenhadas pelos atlas eram comparadas com as peças expostas quase como quem compara uma obra de arte com o mundo real. Cada grupo de seis estudantes se reunia ao redor do corpo designado para si. Ouviam com atenção as demonstrações dos monitores e fingiam tomar notas. Grafites riscavam papeis em vão.

O plexo braquial era uma malha de troncos nervosos sob a axila que ora se ramificavam ora se confluíam à medida que ganhavam o membro, carregando em suas bainhas o que um dia foi uma intensa corrente elétrica que fazia aquele corpo levantar os braços, dançar e abraçar. Que conduziam aquelas pernas pelas ruas, que doía, que dava prazer e sentia medo. Somente meninos, não pensavam nessas coisas. O objetivo era decifrar o mistério do plexo e nada além. Alguns desenhavam, outros faziam esquemas e mnemônicos e uns simplesmente aceitavam: há coisas que não se podem entender. Depois da prova nem sabiam mais por onde andava o tal plexo e já procuravam decorar o próximo tópico da ementa.

Os monitores eram sempre os últimos a deixar o anatômico, guardiões responsáveis por organizar as pranchetas e recolher as peças. Saíam os calouros todos rapidamente, tinham fome e sede, queriam comer o ar, jogar água na cara e lavar o cabelo. Queriam ver gente viva e se sentirem vivos por ainda não estarem dissecados, por ainda não serem páginas. A padiola rangeu e ela olhou, curiosa. A maca possuía duas alças articuladas em aço inox, facilitando o manuseio do cadáver para a carga e descarga daqueles corpos no tanque.

Não aquele, mas aquilo, como toda matéria, como toda substância. Ordinária em vida, infundado conjunto de células e tecidos e sistemas e organismos desprovidos de significado, a não ser o que faziam de si mesmos. Mas que depois de dissecada era enfim útil, tornava-se nobre, conveniente, ganhava status divino. A peça sobre a qual se extraía a dádiva do aprendizado.

A caloura arriscou perguntar quem era, tentando imputar alguma essência à ideia de identidade. O monitor olhou confuso para a face das duas figuras femininas, a viva e a morta, como se comparasse os traços e tentasse identificar assimetrias. Depois estacionou a visão sobre a genitália _ da morta, não da viva _ ocultando um sorriso cínico de quem faz uma descoberta. Não moça, era uma traveca, viviam matando e morrendo.

A figura sorriu _ a viva, não a morta _ e rezou para que seu caminho nunca se cruzasse com uma daquelas _ viva.

O Grupo Editorial Alta Books acaba de anunciar os vencedores da primeira edição do Prêmio Alta Literatura. Astério Moreira de Santana Neto ganhou a categoria não estreante com o livro A Morte da Finada, de realismo mágico. Já Marcelo Henrique Silva conquistou a categoria estreante com o romance histórico Sangue Neon. Leia trechos dos livros abaixo.

Alta Books anuncia vencedores do 1º Prêmio Alta Literatura. Foto: Tatsiana Yatsevich/Caftor/Adobe

Além da publicação das obras, o autor não estreante recebe um prêmio de R$ 60 mil, enquanto o estreante recebe R$ 20 mil. Neste segunda categoria, outros dez selecionados ganham uma oficina de escrita criativa. São eles:

  • Adriane Garcia Pereira
  • Ana Maria da Silva Souza Rodrigues
  • Angela Issler Marsiaj
  • Carla Íria Perim Guerson
  • Guilherme Augusto Trigo Doin
  • João Matias de Oliveira Neto
  • Jordão Alves da Cruz Filho
  • Paulo Furnari Gama
  • Pedro Felipe Wosch de Carvalho
  • Raphael Geraldo Gomes

Ao todo, foram 850 inscrições, 60% homens e 40% mulheres. Os jurados da categoria não estrante foram Natalia Timerman, Socorro Acioli e Jeferson Tenório. Já os jurados que avaliaram os livros de estreantes foram Eliane Robert Moraes, Luiz Antonio de Assis Brasil e Luiz Ruffato.

Em comunicado à imprensa, Rodrigo de Faria e Silva, que idealizou o concurso com o CEO da Alta Books, Gorki Starlin, disse que a premiação “foi um sucesso tanto pelo número de inscritos quanto pela qualidade das obras submetidas, mostrando que a produção literária contemporânea brasileira está a todo vapor.”

Quem são os vencedores do Prêmio Alta Literatura

Categoria não estreante - A Morte da Finada

Astério Moreira de Santana Neto nasceu em 1992 em Tucano, município do sertão baiano. Além de escritor, é advogado, formado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. Seu primeiro livro, Desgosto, foi publicado em 2022 pela editora Mondrongo e retrata uma vila na Bahia cujos habitantes sofrem de uma epidemia de desgosto.

A Morte da Finada, livro que ganhou o prêmio, segue a história de uma jovem do sertão nordestino que conta sua vida a partir dos acontecimentos que levaram à sua morte. A obra aborda a experiência da mulher em um sertão marcado por “machismo, opressão financeira, religiosidade, superstição e moralismo severo.”

Categoria estreante - Sangue Neon

Marcelo Henrique Silva nasceu em Passos, no interior de Minas Gerais, mas hoje mora em Belo Horizonte. É médico e atuou na linha de frente durante a pandemia de covid-19. Tem como foco o cuidado de grupos vulneráveis, minorias e pacientes oncológicos.

Sangue Neon é ambientado entre os anos 1970 e 1990, quando a epidemia de aids chegou ao Brasil. Inspirado em eventos reais, ele segue diferentes personagens que se cruzam na luta contra a doença e a discriminação sofrida naquele período.

Astério Moreira de Santana Neto (dir.) e Marcelo Henrique Silva (esq.), vencedores do 1º Prêmio Alta Literatura. Foto: Divulgação | Grupo Editorial Alta Books

Confira, a seguir, trechos dos livros - antes do lançamento, eles passarão por revisão e edição da editora.

Leia trecho de A Morte da Finada

No papel amassado, conheci logo a letra desenhada que só tinha visto botar preço em açúcar, farinha e café. Letra treinada para ser bonita e figurar grande e redonda nos papéis das estantes do comércio. As maiúsculas grandes e cheias de rodeios, os O’s redondos e sem bigode, todos os pingos nos I’s. Li de uma vez, ouvindo a voz de quem me escrevia, aquela voz de algodão no meio de cada cristal. Depois de lido, fiz menção de rasgar tudo e jogar no mato, mas, tornei a ler no meu silêncio e li de novo e de novo e não sei quantas vezes. Tanto li que decorei. Porque queria atender ao pedido de rasgar, mas não queria perder o que ali estava escrito de jeito maneira. De tanto gostar, as coisas ficam gravadas com ferro em brasa na memória da gente.

Dizia assim “Lutei muito para escrever o que vai aqui e só isso é prova do meu sentimento forte e ariado. Espero que não leve susto nem tome por ofensa esta carta minha. Intenção nenhuma tenho eu em desatacar uma pessoa que tenho benquerer. Queria dizer muita coisa, mas sou homem de ignorância. Na cabeça, me falta qualquer dizer bonito de palavra certa e bem pesada para a ocasião. Queria poder pedir, mas sei que não posso. Se não rogo nada, se não peço explicação, é porque sei da sua condição e, por respeito e carinho, considero sua decisão. Mas quero que fique sabendo que te quero muito bem desde que vi pela primeira vez. Se aqui montei pouso, foi pensando que ia também apear no teu colo até a derradeira hora. Espero e rezo a Deus por tua felicidade. Esquecimento, eu não prometo, porque é paga que você não merece. Vá desculpando qualquer coisa e tendo piedade dessa alma que te escreve. Por tudo isto, quero que tome conhecimento de que me dando sinal, estou às ordens.”. E eu não dei sinal nenhum. Dali por diante, despassarinhei.

Leia trecho de Sangue Neon

Antes do bisturi havia o corpo. Depois, o objeto. Uma vez abertas as fibras superficiais da pele e do tecido subcutâneo e expostos os feixes vásculo-fibrosos de acordo com a habilidade de dissecação do anatomista, não havia mais pessoa havia página. Era carne que se descortinava ao conhecimento como folhas de um livro definitivo. O que se deitava na maca não era alguém, mas algo. E como todo algo: passível de ser manuseado. Um brinquedo de montar e desmontar com instruções complicadas e peças redundantes. Para cada parte, um código sofisticado a ser decifrado. Naquele estudo havia um roteiro específico a se seguir: localizar o plexo e identificar seus componentes com alfinetes coloridos. Era preciso muito cuidado: um movimento errado, um apertar indelicado e o tecido se rebenta e se perde, torna-se inútil. E o que um dia foi corpo e depois se tornou objeto, torna-se por fim nada.

Míseros alunos àquele tempo, incomodavam-se somente com o bafo ácido do formol que lacrimejava pelas córneas e sugava a umidade das pontas dos dedos, como um veneno devorando tônus e impressões digitais. As figuras desenhadas pelos atlas eram comparadas com as peças expostas quase como quem compara uma obra de arte com o mundo real. Cada grupo de seis estudantes se reunia ao redor do corpo designado para si. Ouviam com atenção as demonstrações dos monitores e fingiam tomar notas. Grafites riscavam papeis em vão.

O plexo braquial era uma malha de troncos nervosos sob a axila que ora se ramificavam ora se confluíam à medida que ganhavam o membro, carregando em suas bainhas o que um dia foi uma intensa corrente elétrica que fazia aquele corpo levantar os braços, dançar e abraçar. Que conduziam aquelas pernas pelas ruas, que doía, que dava prazer e sentia medo. Somente meninos, não pensavam nessas coisas. O objetivo era decifrar o mistério do plexo e nada além. Alguns desenhavam, outros faziam esquemas e mnemônicos e uns simplesmente aceitavam: há coisas que não se podem entender. Depois da prova nem sabiam mais por onde andava o tal plexo e já procuravam decorar o próximo tópico da ementa.

Os monitores eram sempre os últimos a deixar o anatômico, guardiões responsáveis por organizar as pranchetas e recolher as peças. Saíam os calouros todos rapidamente, tinham fome e sede, queriam comer o ar, jogar água na cara e lavar o cabelo. Queriam ver gente viva e se sentirem vivos por ainda não estarem dissecados, por ainda não serem páginas. A padiola rangeu e ela olhou, curiosa. A maca possuía duas alças articuladas em aço inox, facilitando o manuseio do cadáver para a carga e descarga daqueles corpos no tanque.

Não aquele, mas aquilo, como toda matéria, como toda substância. Ordinária em vida, infundado conjunto de células e tecidos e sistemas e organismos desprovidos de significado, a não ser o que faziam de si mesmos. Mas que depois de dissecada era enfim útil, tornava-se nobre, conveniente, ganhava status divino. A peça sobre a qual se extraía a dádiva do aprendizado.

A caloura arriscou perguntar quem era, tentando imputar alguma essência à ideia de identidade. O monitor olhou confuso para a face das duas figuras femininas, a viva e a morta, como se comparasse os traços e tentasse identificar assimetrias. Depois estacionou a visão sobre a genitália _ da morta, não da viva _ ocultando um sorriso cínico de quem faz uma descoberta. Não moça, era uma traveca, viviam matando e morrendo.

A figura sorriu _ a viva, não a morta _ e rezou para que seu caminho nunca se cruzasse com uma daquelas _ viva.

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