Antropoceno e Teoria do Ator-Rede: conheça livros de Bruno Latour


Obras como ‘Diante de Gaia’, ‘Onde Aterrar?’ e ‘Jamais Fomos Modernos’ ajudam a entender o pensamento do filósofo francês, que morreu aos 75 anos

Por Redação
Atualização:

Bruno Latour morreu aos 75 anos de idade neste domingo, 9. Considerado um dos principais nomes do pensamento ecológico contemporâneo e autor de livros relevantes em áreas como sociologia, antropologia e filosofia das ciências, se aprofundando em conceitos como o Antropoceno e a Teoria do Ator-Rede.

O sociólogo francês Bruno Latour Foto: Christopher Anderson/The New York Times
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Com livros publicados desde a década de 1980, também foi professor universidade francesa Sciences Po, onde pesquisava sobre como o homem se relaciona com seu ambiente e como o pensamento científico é formulado - Por essa razão, foi referência para as novas gerações de ambientalistas, políticos, pesquisadores e artistas que buscam solucionar a crise ambiental contemporânea.

Entre suas obras traduzidas para o português estão: Onde estou: Lições do confinamento para uso dos terrestres (Bazar do Tempo); Jubilo ou os tormentos do discurso religioso (Unesp); Jamais Fomos Modernos (34); Onde aterrar?: Como se orientar politicamente no antropoceno (Bazar do Tempo); Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede (Edufba e Edusc); Diante de Gaia: Oito conferências sobre a natureza no Antropoceno (Ubu) e Políticas da natureza: Como associar a ciência à democracia (Unesp). Conheça mais sobre algumas delas abaixo:

Diante de Gaia: Oito Conferências sobre a Natureza no Antropoceno

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Baseado em palestra do autor nas Gifford Lectures de Edimburgo, em 2013, ganhou tradução em português em 2020. Nele, Latour se dedica a analisar o cosmocolosso, misto de ciclone e de Leviatã, neologismo criado pelo autor para descrever os efeitos titânicos e devastadores com que o cosmos-Terra começa a presentear os humanos.

Onde Aterrar? Como se Orientar Politicamente no Antropoceno

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O livro empreende uma crítica da globalização. Propõe que o conceito de globo não faz sentido no Antropoceno. E demonstra que os eixos tradicionais direita/esquerda, global/local e progressista/conservador são resíduos da modernidade. Entraram em colapso e não funcionam mais. Por isso, a humanidade está sem saber como se orientar. Sugere então um novo vetor de orientação: Terrestre/Moderno. O livro inclui alguns esquemas visuais para didatizar essas alterações dos vetores.

O que é o Antropoceno?

Os dois livros citados acima abordam um mesmo conceito matricial: o Antropoceno. Este seria a nova (ceno) época da Terra sob a dominação do humano (anthropos). Há grandes reivindicações da comunidade científica internacional para essa redefinição do momento em que vivemos. Estaríamos saindo do Holoceno, época baseada na integração (holos) de todas as formas de vida e no equilíbrio climático, e cuja origem remonta há cerca de 12 mil anos. Esta nova época começaria agora por um motivo simples.

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Uma tônica em ambos os livros é a crítica à chamada “crise ecológica” e ao “meio ambiente”. Imaginar que vivemos uma crise é pensar que ela é passageira. Pensar os impasses globais a partir da ecologia e do meio ambiente, é pensar os problemas como se dissessem respeito à natureza.

Além disso, para Latour, a humanidade está perplexa porque os discursos que nos orientaram até agora não funcionam mais. Essa alteração atual é fruto de três fatores que começaram nos anos 1990: 1. A globalização. 2. O aumento das desigualdades sociais. 3. As mutações climáticas. E o pensador é categórico: nada no mundo vai mudar se não tivermos uma visão unificada destes três fenômenos ou se continuarmos a isolá-los, como se estivessem desconectados. Clique aqui para ler mais sobre as duas obras.

Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede

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Bruno Latour foi um dos idealizadores da teoria, nova na sociologia, do “ator-rede” que leva em conta, para além dos humanos, objetos (ou “não-humanos”) e discursos, sendo estes também considerados “atores”. No livro, ele busca mostrar a sociologia por um viés menos antropocêntrico, puxando os não-humanos não apenas como atores, mas também para o centro do debate sociológico, acreditando que para uma maior compreensão do ser humano, é necessário partir da ideia de que os objetos têm poder de ação.

Bruno Latour em foto de 10 de abril de 2010 (Foto: Miguel MEDINA / AFP) Foto: MIGUEL MEDINA

Onde estou?: Lições do confinamento para uso dos terrestres

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Lançado em setembro de 2021, cerca de um ano antes de sua morte, a obra é uma sequência de Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime. Aborda o período da pandemia de covid-19, em que Estados e indivíduos buscaram formas de sair da crise em busca de um mundo que existia antes. O autor destaca que é possível tirar outras lições deste momento, já que passamos por uma crise maior e mais séria, com o Novo Regime Climático, e busca dar um norte à reorientação de nossas vidas, abordando a metafísica do confinamento e o desconfinamento que ainda estamos tendo que enfrentar.

Jamais Fomos Modernos

Ensaio publicado originalmente em 1991, ganhou nova edição em 2019, no Brasil. Para Bruno, o discurso não é um mundo em si, ou seja, a linguagem não é autônoma. Daí seu desabafo: “Não aguento mais ser acusado, eu e meus contemporâneos, de termos esquecido o Ser, de vivermos em um submundo esvaziado de toda substância, de todo sagrado, de toda arte”.

Quem são esses acusadores? Os filósofos e os cientistas modernos e pós-modernos, contra os quais ele anuncia a contrarrevolução não moderna. Pois, retrospectivamente, segundo o autor, percebemos agora que jamais fomos realmente modernos (o nosso pensamento não corresponde à nossa prática). É claro que Latour está se dirigindo aos europeus e não a nós, latino-americanos, embora seu ensaio pretenda revisar, entre outros conceitos, o de eurocentrismo -- por isso, aliás, ele deu ao livro um subtítulo que anuncia o fim de hierarquias consagradas: Ensaio de Antropologia Simétrica.

O autor faz a seguinte avaliação do complexo estado de espírito daqueles que se consideram modernos: “Não é apenas por arrogância que os ocidentais acreditam ser diferentes dos outros, mas também por desespero e autopunição. Gostam de sentir medo de seu próprio destino. Sua voz treme quando opõem os bárbaros aos gregos, o Centro à Periferia, ao celebrar a Morte de Deus ou a do Homem, (...). Por que sentimos tanto prazer em nos percebermos tão diferentes dos outros e também de nosso passado? Que psicólogo terá sutiliza suficiente para explicar este deleite moroso por estarmos em crise perpétua e pelo fim da história?”

Latour lança, a seguir, indagações cruciais: “Como trazer os modernos de volta à humanidade ordinária e à inumanidade ordinária sem, com isso, absolvê-los depressa demais dos crimes dos quais eles, com razão, querem se expiar (sic)? Como acreditar, de forma justa, que nossos crimes são hediondos mas que ainda assim são comuns; que nossas virtudes são grandes mas que também elas são muito comuns?”. Em suma, os modernos precisam se convencer definitivamente de que são apenas ordinários, mas sem a ironia ou o cinismo dos pós-modernos. Clique aqui para ler uma crítica completa sobre o livro.

Bruno Latour morreu aos 75 anos de idade neste domingo, 9. Considerado um dos principais nomes do pensamento ecológico contemporâneo e autor de livros relevantes em áreas como sociologia, antropologia e filosofia das ciências, se aprofundando em conceitos como o Antropoceno e a Teoria do Ator-Rede.

O sociólogo francês Bruno Latour Foto: Christopher Anderson/The New York Times

Com livros publicados desde a década de 1980, também foi professor universidade francesa Sciences Po, onde pesquisava sobre como o homem se relaciona com seu ambiente e como o pensamento científico é formulado - Por essa razão, foi referência para as novas gerações de ambientalistas, políticos, pesquisadores e artistas que buscam solucionar a crise ambiental contemporânea.

Entre suas obras traduzidas para o português estão: Onde estou: Lições do confinamento para uso dos terrestres (Bazar do Tempo); Jubilo ou os tormentos do discurso religioso (Unesp); Jamais Fomos Modernos (34); Onde aterrar?: Como se orientar politicamente no antropoceno (Bazar do Tempo); Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede (Edufba e Edusc); Diante de Gaia: Oito conferências sobre a natureza no Antropoceno (Ubu) e Políticas da natureza: Como associar a ciência à democracia (Unesp). Conheça mais sobre algumas delas abaixo:

Diante de Gaia: Oito Conferências sobre a Natureza no Antropoceno

Baseado em palestra do autor nas Gifford Lectures de Edimburgo, em 2013, ganhou tradução em português em 2020. Nele, Latour se dedica a analisar o cosmocolosso, misto de ciclone e de Leviatã, neologismo criado pelo autor para descrever os efeitos titânicos e devastadores com que o cosmos-Terra começa a presentear os humanos.

Onde Aterrar? Como se Orientar Politicamente no Antropoceno

O livro empreende uma crítica da globalização. Propõe que o conceito de globo não faz sentido no Antropoceno. E demonstra que os eixos tradicionais direita/esquerda, global/local e progressista/conservador são resíduos da modernidade. Entraram em colapso e não funcionam mais. Por isso, a humanidade está sem saber como se orientar. Sugere então um novo vetor de orientação: Terrestre/Moderno. O livro inclui alguns esquemas visuais para didatizar essas alterações dos vetores.

O que é o Antropoceno?

Os dois livros citados acima abordam um mesmo conceito matricial: o Antropoceno. Este seria a nova (ceno) época da Terra sob a dominação do humano (anthropos). Há grandes reivindicações da comunidade científica internacional para essa redefinição do momento em que vivemos. Estaríamos saindo do Holoceno, época baseada na integração (holos) de todas as formas de vida e no equilíbrio climático, e cuja origem remonta há cerca de 12 mil anos. Esta nova época começaria agora por um motivo simples.

Uma tônica em ambos os livros é a crítica à chamada “crise ecológica” e ao “meio ambiente”. Imaginar que vivemos uma crise é pensar que ela é passageira. Pensar os impasses globais a partir da ecologia e do meio ambiente, é pensar os problemas como se dissessem respeito à natureza.

Além disso, para Latour, a humanidade está perplexa porque os discursos que nos orientaram até agora não funcionam mais. Essa alteração atual é fruto de três fatores que começaram nos anos 1990: 1. A globalização. 2. O aumento das desigualdades sociais. 3. As mutações climáticas. E o pensador é categórico: nada no mundo vai mudar se não tivermos uma visão unificada destes três fenômenos ou se continuarmos a isolá-los, como se estivessem desconectados. Clique aqui para ler mais sobre as duas obras.

Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede

Bruno Latour foi um dos idealizadores da teoria, nova na sociologia, do “ator-rede” que leva em conta, para além dos humanos, objetos (ou “não-humanos”) e discursos, sendo estes também considerados “atores”. No livro, ele busca mostrar a sociologia por um viés menos antropocêntrico, puxando os não-humanos não apenas como atores, mas também para o centro do debate sociológico, acreditando que para uma maior compreensão do ser humano, é necessário partir da ideia de que os objetos têm poder de ação.

Bruno Latour em foto de 10 de abril de 2010 (Foto: Miguel MEDINA / AFP) Foto: MIGUEL MEDINA

Onde estou?: Lições do confinamento para uso dos terrestres

Lançado em setembro de 2021, cerca de um ano antes de sua morte, a obra é uma sequência de Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime. Aborda o período da pandemia de covid-19, em que Estados e indivíduos buscaram formas de sair da crise em busca de um mundo que existia antes. O autor destaca que é possível tirar outras lições deste momento, já que passamos por uma crise maior e mais séria, com o Novo Regime Climático, e busca dar um norte à reorientação de nossas vidas, abordando a metafísica do confinamento e o desconfinamento que ainda estamos tendo que enfrentar.

Jamais Fomos Modernos

Ensaio publicado originalmente em 1991, ganhou nova edição em 2019, no Brasil. Para Bruno, o discurso não é um mundo em si, ou seja, a linguagem não é autônoma. Daí seu desabafo: “Não aguento mais ser acusado, eu e meus contemporâneos, de termos esquecido o Ser, de vivermos em um submundo esvaziado de toda substância, de todo sagrado, de toda arte”.

Quem são esses acusadores? Os filósofos e os cientistas modernos e pós-modernos, contra os quais ele anuncia a contrarrevolução não moderna. Pois, retrospectivamente, segundo o autor, percebemos agora que jamais fomos realmente modernos (o nosso pensamento não corresponde à nossa prática). É claro que Latour está se dirigindo aos europeus e não a nós, latino-americanos, embora seu ensaio pretenda revisar, entre outros conceitos, o de eurocentrismo -- por isso, aliás, ele deu ao livro um subtítulo que anuncia o fim de hierarquias consagradas: Ensaio de Antropologia Simétrica.

O autor faz a seguinte avaliação do complexo estado de espírito daqueles que se consideram modernos: “Não é apenas por arrogância que os ocidentais acreditam ser diferentes dos outros, mas também por desespero e autopunição. Gostam de sentir medo de seu próprio destino. Sua voz treme quando opõem os bárbaros aos gregos, o Centro à Periferia, ao celebrar a Morte de Deus ou a do Homem, (...). Por que sentimos tanto prazer em nos percebermos tão diferentes dos outros e também de nosso passado? Que psicólogo terá sutiliza suficiente para explicar este deleite moroso por estarmos em crise perpétua e pelo fim da história?”

Latour lança, a seguir, indagações cruciais: “Como trazer os modernos de volta à humanidade ordinária e à inumanidade ordinária sem, com isso, absolvê-los depressa demais dos crimes dos quais eles, com razão, querem se expiar (sic)? Como acreditar, de forma justa, que nossos crimes são hediondos mas que ainda assim são comuns; que nossas virtudes são grandes mas que também elas são muito comuns?”. Em suma, os modernos precisam se convencer definitivamente de que são apenas ordinários, mas sem a ironia ou o cinismo dos pós-modernos. Clique aqui para ler uma crítica completa sobre o livro.

Bruno Latour morreu aos 75 anos de idade neste domingo, 9. Considerado um dos principais nomes do pensamento ecológico contemporâneo e autor de livros relevantes em áreas como sociologia, antropologia e filosofia das ciências, se aprofundando em conceitos como o Antropoceno e a Teoria do Ator-Rede.

O sociólogo francês Bruno Latour Foto: Christopher Anderson/The New York Times

Com livros publicados desde a década de 1980, também foi professor universidade francesa Sciences Po, onde pesquisava sobre como o homem se relaciona com seu ambiente e como o pensamento científico é formulado - Por essa razão, foi referência para as novas gerações de ambientalistas, políticos, pesquisadores e artistas que buscam solucionar a crise ambiental contemporânea.

Entre suas obras traduzidas para o português estão: Onde estou: Lições do confinamento para uso dos terrestres (Bazar do Tempo); Jubilo ou os tormentos do discurso religioso (Unesp); Jamais Fomos Modernos (34); Onde aterrar?: Como se orientar politicamente no antropoceno (Bazar do Tempo); Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede (Edufba e Edusc); Diante de Gaia: Oito conferências sobre a natureza no Antropoceno (Ubu) e Políticas da natureza: Como associar a ciência à democracia (Unesp). Conheça mais sobre algumas delas abaixo:

Diante de Gaia: Oito Conferências sobre a Natureza no Antropoceno

Baseado em palestra do autor nas Gifford Lectures de Edimburgo, em 2013, ganhou tradução em português em 2020. Nele, Latour se dedica a analisar o cosmocolosso, misto de ciclone e de Leviatã, neologismo criado pelo autor para descrever os efeitos titânicos e devastadores com que o cosmos-Terra começa a presentear os humanos.

Onde Aterrar? Como se Orientar Politicamente no Antropoceno

O livro empreende uma crítica da globalização. Propõe que o conceito de globo não faz sentido no Antropoceno. E demonstra que os eixos tradicionais direita/esquerda, global/local e progressista/conservador são resíduos da modernidade. Entraram em colapso e não funcionam mais. Por isso, a humanidade está sem saber como se orientar. Sugere então um novo vetor de orientação: Terrestre/Moderno. O livro inclui alguns esquemas visuais para didatizar essas alterações dos vetores.

O que é o Antropoceno?

Os dois livros citados acima abordam um mesmo conceito matricial: o Antropoceno. Este seria a nova (ceno) época da Terra sob a dominação do humano (anthropos). Há grandes reivindicações da comunidade científica internacional para essa redefinição do momento em que vivemos. Estaríamos saindo do Holoceno, época baseada na integração (holos) de todas as formas de vida e no equilíbrio climático, e cuja origem remonta há cerca de 12 mil anos. Esta nova época começaria agora por um motivo simples.

Uma tônica em ambos os livros é a crítica à chamada “crise ecológica” e ao “meio ambiente”. Imaginar que vivemos uma crise é pensar que ela é passageira. Pensar os impasses globais a partir da ecologia e do meio ambiente, é pensar os problemas como se dissessem respeito à natureza.

Além disso, para Latour, a humanidade está perplexa porque os discursos que nos orientaram até agora não funcionam mais. Essa alteração atual é fruto de três fatores que começaram nos anos 1990: 1. A globalização. 2. O aumento das desigualdades sociais. 3. As mutações climáticas. E o pensador é categórico: nada no mundo vai mudar se não tivermos uma visão unificada destes três fenômenos ou se continuarmos a isolá-los, como se estivessem desconectados. Clique aqui para ler mais sobre as duas obras.

Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede

Bruno Latour foi um dos idealizadores da teoria, nova na sociologia, do “ator-rede” que leva em conta, para além dos humanos, objetos (ou “não-humanos”) e discursos, sendo estes também considerados “atores”. No livro, ele busca mostrar a sociologia por um viés menos antropocêntrico, puxando os não-humanos não apenas como atores, mas também para o centro do debate sociológico, acreditando que para uma maior compreensão do ser humano, é necessário partir da ideia de que os objetos têm poder de ação.

Bruno Latour em foto de 10 de abril de 2010 (Foto: Miguel MEDINA / AFP) Foto: MIGUEL MEDINA

Onde estou?: Lições do confinamento para uso dos terrestres

Lançado em setembro de 2021, cerca de um ano antes de sua morte, a obra é uma sequência de Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime. Aborda o período da pandemia de covid-19, em que Estados e indivíduos buscaram formas de sair da crise em busca de um mundo que existia antes. O autor destaca que é possível tirar outras lições deste momento, já que passamos por uma crise maior e mais séria, com o Novo Regime Climático, e busca dar um norte à reorientação de nossas vidas, abordando a metafísica do confinamento e o desconfinamento que ainda estamos tendo que enfrentar.

Jamais Fomos Modernos

Ensaio publicado originalmente em 1991, ganhou nova edição em 2019, no Brasil. Para Bruno, o discurso não é um mundo em si, ou seja, a linguagem não é autônoma. Daí seu desabafo: “Não aguento mais ser acusado, eu e meus contemporâneos, de termos esquecido o Ser, de vivermos em um submundo esvaziado de toda substância, de todo sagrado, de toda arte”.

Quem são esses acusadores? Os filósofos e os cientistas modernos e pós-modernos, contra os quais ele anuncia a contrarrevolução não moderna. Pois, retrospectivamente, segundo o autor, percebemos agora que jamais fomos realmente modernos (o nosso pensamento não corresponde à nossa prática). É claro que Latour está se dirigindo aos europeus e não a nós, latino-americanos, embora seu ensaio pretenda revisar, entre outros conceitos, o de eurocentrismo -- por isso, aliás, ele deu ao livro um subtítulo que anuncia o fim de hierarquias consagradas: Ensaio de Antropologia Simétrica.

O autor faz a seguinte avaliação do complexo estado de espírito daqueles que se consideram modernos: “Não é apenas por arrogância que os ocidentais acreditam ser diferentes dos outros, mas também por desespero e autopunição. Gostam de sentir medo de seu próprio destino. Sua voz treme quando opõem os bárbaros aos gregos, o Centro à Periferia, ao celebrar a Morte de Deus ou a do Homem, (...). Por que sentimos tanto prazer em nos percebermos tão diferentes dos outros e também de nosso passado? Que psicólogo terá sutiliza suficiente para explicar este deleite moroso por estarmos em crise perpétua e pelo fim da história?”

Latour lança, a seguir, indagações cruciais: “Como trazer os modernos de volta à humanidade ordinária e à inumanidade ordinária sem, com isso, absolvê-los depressa demais dos crimes dos quais eles, com razão, querem se expiar (sic)? Como acreditar, de forma justa, que nossos crimes são hediondos mas que ainda assim são comuns; que nossas virtudes são grandes mas que também elas são muito comuns?”. Em suma, os modernos precisam se convencer definitivamente de que são apenas ordinários, mas sem a ironia ou o cinismo dos pós-modernos. Clique aqui para ler uma crítica completa sobre o livro.

Bruno Latour morreu aos 75 anos de idade neste domingo, 9. Considerado um dos principais nomes do pensamento ecológico contemporâneo e autor de livros relevantes em áreas como sociologia, antropologia e filosofia das ciências, se aprofundando em conceitos como o Antropoceno e a Teoria do Ator-Rede.

O sociólogo francês Bruno Latour Foto: Christopher Anderson/The New York Times

Com livros publicados desde a década de 1980, também foi professor universidade francesa Sciences Po, onde pesquisava sobre como o homem se relaciona com seu ambiente e como o pensamento científico é formulado - Por essa razão, foi referência para as novas gerações de ambientalistas, políticos, pesquisadores e artistas que buscam solucionar a crise ambiental contemporânea.

Entre suas obras traduzidas para o português estão: Onde estou: Lições do confinamento para uso dos terrestres (Bazar do Tempo); Jubilo ou os tormentos do discurso religioso (Unesp); Jamais Fomos Modernos (34); Onde aterrar?: Como se orientar politicamente no antropoceno (Bazar do Tempo); Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede (Edufba e Edusc); Diante de Gaia: Oito conferências sobre a natureza no Antropoceno (Ubu) e Políticas da natureza: Como associar a ciência à democracia (Unesp). Conheça mais sobre algumas delas abaixo:

Diante de Gaia: Oito Conferências sobre a Natureza no Antropoceno

Baseado em palestra do autor nas Gifford Lectures de Edimburgo, em 2013, ganhou tradução em português em 2020. Nele, Latour se dedica a analisar o cosmocolosso, misto de ciclone e de Leviatã, neologismo criado pelo autor para descrever os efeitos titânicos e devastadores com que o cosmos-Terra começa a presentear os humanos.

Onde Aterrar? Como se Orientar Politicamente no Antropoceno

O livro empreende uma crítica da globalização. Propõe que o conceito de globo não faz sentido no Antropoceno. E demonstra que os eixos tradicionais direita/esquerda, global/local e progressista/conservador são resíduos da modernidade. Entraram em colapso e não funcionam mais. Por isso, a humanidade está sem saber como se orientar. Sugere então um novo vetor de orientação: Terrestre/Moderno. O livro inclui alguns esquemas visuais para didatizar essas alterações dos vetores.

O que é o Antropoceno?

Os dois livros citados acima abordam um mesmo conceito matricial: o Antropoceno. Este seria a nova (ceno) época da Terra sob a dominação do humano (anthropos). Há grandes reivindicações da comunidade científica internacional para essa redefinição do momento em que vivemos. Estaríamos saindo do Holoceno, época baseada na integração (holos) de todas as formas de vida e no equilíbrio climático, e cuja origem remonta há cerca de 12 mil anos. Esta nova época começaria agora por um motivo simples.

Uma tônica em ambos os livros é a crítica à chamada “crise ecológica” e ao “meio ambiente”. Imaginar que vivemos uma crise é pensar que ela é passageira. Pensar os impasses globais a partir da ecologia e do meio ambiente, é pensar os problemas como se dissessem respeito à natureza.

Além disso, para Latour, a humanidade está perplexa porque os discursos que nos orientaram até agora não funcionam mais. Essa alteração atual é fruto de três fatores que começaram nos anos 1990: 1. A globalização. 2. O aumento das desigualdades sociais. 3. As mutações climáticas. E o pensador é categórico: nada no mundo vai mudar se não tivermos uma visão unificada destes três fenômenos ou se continuarmos a isolá-los, como se estivessem desconectados. Clique aqui para ler mais sobre as duas obras.

Reagregando o Social. Uma Introdução à Teoria do Ator-Rede

Bruno Latour foi um dos idealizadores da teoria, nova na sociologia, do “ator-rede” que leva em conta, para além dos humanos, objetos (ou “não-humanos”) e discursos, sendo estes também considerados “atores”. No livro, ele busca mostrar a sociologia por um viés menos antropocêntrico, puxando os não-humanos não apenas como atores, mas também para o centro do debate sociológico, acreditando que para uma maior compreensão do ser humano, é necessário partir da ideia de que os objetos têm poder de ação.

Bruno Latour em foto de 10 de abril de 2010 (Foto: Miguel MEDINA / AFP) Foto: MIGUEL MEDINA

Onde estou?: Lições do confinamento para uso dos terrestres

Lançado em setembro de 2021, cerca de um ano antes de sua morte, a obra é uma sequência de Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime. Aborda o período da pandemia de covid-19, em que Estados e indivíduos buscaram formas de sair da crise em busca de um mundo que existia antes. O autor destaca que é possível tirar outras lições deste momento, já que passamos por uma crise maior e mais séria, com o Novo Regime Climático, e busca dar um norte à reorientação de nossas vidas, abordando a metafísica do confinamento e o desconfinamento que ainda estamos tendo que enfrentar.

Jamais Fomos Modernos

Ensaio publicado originalmente em 1991, ganhou nova edição em 2019, no Brasil. Para Bruno, o discurso não é um mundo em si, ou seja, a linguagem não é autônoma. Daí seu desabafo: “Não aguento mais ser acusado, eu e meus contemporâneos, de termos esquecido o Ser, de vivermos em um submundo esvaziado de toda substância, de todo sagrado, de toda arte”.

Quem são esses acusadores? Os filósofos e os cientistas modernos e pós-modernos, contra os quais ele anuncia a contrarrevolução não moderna. Pois, retrospectivamente, segundo o autor, percebemos agora que jamais fomos realmente modernos (o nosso pensamento não corresponde à nossa prática). É claro que Latour está se dirigindo aos europeus e não a nós, latino-americanos, embora seu ensaio pretenda revisar, entre outros conceitos, o de eurocentrismo -- por isso, aliás, ele deu ao livro um subtítulo que anuncia o fim de hierarquias consagradas: Ensaio de Antropologia Simétrica.

O autor faz a seguinte avaliação do complexo estado de espírito daqueles que se consideram modernos: “Não é apenas por arrogância que os ocidentais acreditam ser diferentes dos outros, mas também por desespero e autopunição. Gostam de sentir medo de seu próprio destino. Sua voz treme quando opõem os bárbaros aos gregos, o Centro à Periferia, ao celebrar a Morte de Deus ou a do Homem, (...). Por que sentimos tanto prazer em nos percebermos tão diferentes dos outros e também de nosso passado? Que psicólogo terá sutiliza suficiente para explicar este deleite moroso por estarmos em crise perpétua e pelo fim da história?”

Latour lança, a seguir, indagações cruciais: “Como trazer os modernos de volta à humanidade ordinária e à inumanidade ordinária sem, com isso, absolvê-los depressa demais dos crimes dos quais eles, com razão, querem se expiar (sic)? Como acreditar, de forma justa, que nossos crimes são hediondos mas que ainda assim são comuns; que nossas virtudes são grandes mas que também elas são muito comuns?”. Em suma, os modernos precisam se convencer definitivamente de que são apenas ordinários, mas sem a ironia ou o cinismo dos pós-modernos. Clique aqui para ler uma crítica completa sobre o livro.

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