Autora best-seller Cassandra Clare compara Bienal do Livro do Rio a Comic-Con dos EUA: Mesmo tamanho


Escritora que já vendeu 2,6 milhões de exemplares no País vem ao evento para divulgar seu primeiro livro de fantasia adulta. Ela fala sobre a decisão de mudar de público após 15 anos escrevendo para adolescentes

Por Julia Queiroz
Atualização:
Foto: Rafael Arbex/Estadão
Entrevista comCassandra Clareescritora

Poucos nomes se consolidaram na literatura jovem adulta da maneira como Cassandra Clare conseguiu. Ela já vendeu mais de 50 milhões de livros ao redor do mundo, incluindo 2,6 milhões de exemplares no Brasil, publicados entre 2010 e 2023 pela Galera Record, selo do Grupo Editorial Record.

Nascida no Irã e criada nos Estados Unidos, Cassandra é uma das convidadas da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que ocorre entre os dias 1º e 10 de setembro. Em conversa com o Estadão, ela chegou a comparar a ocasião com a Comic-Con dos Estados Unidos, o maior evento de cultura pop do mundo.

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A escritora Cassandra Clare, que já vendeu 50 milhões de exemplares ao redor do mundo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Cassandra é autora da série best-seller Os Instrumentos Mortais. O primeiro livro da saga, Cidade dos Ossos, deu origem ao filme homônimo estrelado por Lily Collins e, alguns anos depois, à série Shadowhunters, da Netflix.

A história se passa no mundo fantasioso dos Caçadores de Sombras, guerreiros colocados no mundo para proteger os humanos de demônios e outras criaturas místicas. A trama é protagonizada e direcionada para adolescentes, e conquistou milhões deles pelo globo.

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O universo criado pela escritora fez tanto sucesso que deu origem a outras quatro séries: As Peças Infernais, Os Artifícios das Trevas, As crônicas de Bane e As Últimas Horas, além de títulos que não fazem parte de coleções.

Ao todo, foram 19 livros publicados no chamado Mundo das Sombras. Agora, contudo, Cassandra vai se arriscar com outro público. Ela estará na Bienal no dias 2 e 3 de setembro para divulgar o seu primeiro livro de fantasia destinada ao público adulto, intitulado O Portador da Espada.

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A autora teve a inspiração para a trama após assistir a um episódio da série documental Férias na Prisão que contava a histórias de pessoas que foram dublês de figuras públicas. O protagonista do livro, Kel, é um órfão que se torna dublê corporal e defensor de um príncipe.

Segundo a Galera Record, o livro deve entrar em pré-venda na próxima semana, quando a escritora estiver no Brasil. Veja a capa da edição brasileira, enviada com exclusividade ao Estadão:

Capa de 'O Portador da Espada', novo livro de Cassandra Clara. Foto: Divulgação/Galera Record
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Às vésperas de sua vinda ao Brasil, Cassandra conversou por telefone com o Estadão e respondeu perguntas sobre seu novo lançamento, as mudanças no mercado dos livros de fantasia e como os leitores brasileiros se diferenciam dos demais. Confira:

Você tem muitos leitores aqui no Brasil. O que te deixa mais animada em voltar ao nosso País?

Estou muito animada para ver meus leitores brasileiros. Era para eu ter voltado em 2020 [para a Bienal do Livro de São Paulo], e todos sabemos o que aconteceu. Quando não consegui ir, fiquei muito triste. Eu me diverti muito na Bienal de 2014. As pessoas foram muito legais, super animadas. Elas sabiam muito sobre os Caçadores de Sombras e o Mundo das Sombras.

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Sinto que temos muito o que conversar agora. Tem uma personagem brasileira em The Wicked Powers [nova série do mundo dos Caçadores de Sombras que está em desenvolvimento]. Eu a escrevi porque o Brasil é um dos países em que tenho mais leitores. Os fãs brasileiros são super ativos, engajados, sempre os vemos online. É uma força enorme. E acho que é incrível ver isso e essa energia indo para os livros e a leitura.

Alguns dos fãs aqui compram seus livros em inglês, e depois de novo em português. Como a sua base de fãs do Brasil é diferente da do resto do mundo?

Em outros países onde meus livros vendem bem, como a Alemanha, por exemplo, não vejo tantos fãs na internet. Não os vejo falando comigo. Eles estão lendo sozinhos. Quando vejo o Brasil, vejo as pessoas conversando umas com as outras, amigos que leem juntos, às vezes em grupos. Eu não julgo ninguém pela forma como a pessoa lê: você pode ler socialmente ou não.

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Mas acho muito legal o que acontece no Brasil porque, quando eu era criança, gostaria de ter tido um grupo de pessoas com quem ler junto. Eu adoro ver que, no Brasil, é uma situação familiar também. Você tem mães, filhas e primas que podem estar lendo o mesmo livro. Para mim, o que há de diferente no Brasil é o quão social é a leitura.

A Bienal é um espaço em que muitos leitores e autores se reúnem. A Holly Black, que é sua amiga, também vem esse ano. Como você acha que esse tipo de evento é importante para o mercado editorial e também para conectar os leitores aos autores?

Eu acho que é muito importante. Poucos eventos em que estive foram tão grandes, intensos e focados quanto a Bienal. Ver tantas pessoas tão engajadas e entusiasmadas apenas com os livros. É do tamanho da Comic-Con aqui nos EUA. Mas a Comic-Con é feita de filmes, TV, quadrinhos e livros. A Bienal são apenas livros. É incrível.

Estamos viajando de longe para chegar até aí, mas realmente sentimos que é importante mostrar o quanto valorizamos nossos leitores brasileiros, porque às vezes é difícil se comunicar a distância e vocês são muito importantes. Vocês ajudam muito a espalhar a palavra sobre esses livros e o amor por eles. Eu aprecio tanto isso que quero ir dizer isso pessoalmente, e acho que é importante fazer esse esforço.

Cassandra Clare esteve no Brasil em 2014, quando participou da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

O seu primeiro livro foi publicado há mais de 15 anos e muitos dos seus leitores te acompanham desde então. Como você se sente sabendo que parte desse público cresceu com você e com seus personagens?

É maravilhoso. Eu adoro encontrar pessoas que leram meus livros quando tinham 12, 13, 14 anos e agora estão crescidos, têm carreiras e, às vezes, até filhos. É incrível ter uma relação com os leitores que dura tanto tempo, mas também é maravilhoso para mim ter novos leitores.

Conheci pessoas que estão lendo os livros agora que não eram nascidas quando Cidade dos Ossos foi lançado. E também tem pessoas que tinham 14 anos na época, e agora tem um emprego e uma família. É muito animador.

Quanto você diria que o mercado editorial mudou desde que você começou? Quais são as principais diferenças de lá para cá?

Acredito que o gênero de fantasia se tornou muito mais mainstream [popular ou dominante]. Quando eu comecei, era uma coisa muito nichada. Além disso, tinham muitas ideias de que a fantasia não era tão boa quanto a ficção realista ou que não seria tão popular. Agora, vemos essa grande explosão desse gênero a partir de livros que têm elementos fantásticos, como Crepúsculo, Jogos Vorazes, Divergente e O Príncipe Cruel.

Agora, para os adolescentes principalmente, não existe estigma em pegar um livro de fantasia. É completamente normal e isso é ótimo. Sempre quis que existissem mais leitores de fantasia. Eu cresci lendo o gênero, mas era difícil de encontrar. E é legal ver muito mais variedade agora.

Também acho que houve certo crescimento na literatura que chamamos de jovem adulta. Quando eu comecei, tínhamos que ser muito cuidadosos com o que podíamos dizer. Tinha muita resistência contra a ideia de, por exemplo, incluir personagens da comunidade LGBT+. Agora, isso é muito mais aceito e popular. Acredito que esse foi um desenvolvimento maravilhoso.

A indústria nem sempre foi gentil com mulheres que escrevem fantasia ou com mulheres que consomem o gênero. Você sente que isso mudou também?

Certamente, quando eu comecei, tinha uma atitude que dizia que mulheres escrevendo fantasia não eram artistas, porque estavam fazendo algo bobo. Eram os homens que estavam escrevendo as histórias épicas que eram famosas.

Penso sim que isso mudou e que existe muito mais respeito agora por mulheres escrevendo fantasia. Isso aconteceu por meio do esforço de muitas mulheres de diferentes passados e culturas que continuam escrevendo esses livros e os colocando no mundo para as pessoas que os amam.

Por muito tempo, a fantasia era uma coisa de homem. Você lia um livro do gênero e as mulheres só estavam lá pelo herói. No final do dia, ele matava o dragão e ganhava a garota. Agora, as mulheres são centrais nas histórias e isso é uma mudança enorme.

Vamos falar sobre ‘O Portador da Espada’. Temos visto muitas escritoras de livros jovens adultos ou adolescentes migrarem com sucesso para a fantasia adulta. O que te fez querer fazer parte dessa tendência?

Eu adoro escrever sobre o Mundo das Sombras e não vou parar de fazer isso. Mas, para mim, era sobre escrever personagens que estavam em uma época diferente da vida. Estive escrevendo sobre adolescentes pelos últimos 17 anos.

Sempre adorei esse período em que as pessoas estão decidindo quem elas querem ser, mas quando tive a ideia para O Portador da Espada, eles vieram à minha mente como adultos. Têm empregos, famílias, filhos, coisas que não são relacionáveis só para uma audiência adolescente. Pensei: “Bom, esse terá que ser escrito como uma romance adulto”.

Eu acho interessante como escritoras de livros adolescentes tem migrado para a fantasia adulta. Acredito que seja, em parte, porque tem muitos adultos agora que cresceram lendo essas obras para jovens adultos. Livros como os meus, ou, de novo, Jogos Vorazes e Crepúsculo. Ou de autoras como Leigh Bardugo [autora da série Sombra e Ossos] e Holly Black [autora de O Príncipe Cruel].

No campo dos livros jovens adultos, as fantasias lideradas por mulheres já são popular há algum tempo. Agora estamos trazendo isso para o mercado adulto e dizendo: “olha, somos mulheres escrevendo esses grandes livros de fantasia”. É ótimo ter essa oportunidade.

Você é amiga de escritoras como a Holly Black e Leigh Bardugo, que também seguiram o caminho de escrever fantasia adulta. Vocês conversaram muito sobre isso? Que tipo de conselho ou talvez experiência compartilhada você deu ou recebeu para elas?

Nós conversamos sobre isso sim. Eu trabalho muito de perto, em especial com a Holly. Vi muitos rascunhos de Livro da Noite, o livro adulto dela, e ela viu muitos rascunhos de O Portador da Espada. Holly é uma daquelas pessoas que é realmente maravilhosa com mistérios e estrutura. Então, ela está sempre olhando para o meu mistério e dizendo: “Como isso se conecta com aquilo?”. Ela é incrivelmente útil.

Acho que uma das coisas interessantes para mim com a Leigh Bardugo é que, quando conversamos sobre isso, ela passou da escrita de alta fantasia para a contemporânea e eu estou indo da contemporânea para a alta fantasia. Eu lembro dela me dizendo: “A geografia é o destino”, ou seja, onde o seu mundo imaginária está localizado?

Foi muito bom para mim ver que elas escreveram para adultos. Acho que os livros delas são maravilhosos. O fato de que as pessoas realmente gostaram deles me fez sentir mais confiante de que era algo eu poderia fazer também.

O protagonista de ‘O Portador da Espada’ é um órfão criado junto com um príncipe para ser seu dublê corporal e protegê-lo em todas as situações. Qual foi a inspiração para a história?

Eu estava vendo um programa de TV chamado Férias na Prisão e tinha um episódio sobre dublês e, especificamente dublês corporais de ditadores. Nesse caso, havia uma história específica sobre um homem que havia sido o dublê de Uday Hussein, que era filho de Saddam Hussein. Ele foi levado ao palácio real porque se parecia com Uday. Mudaram o rosto dele com a cirurgia plástica e o treinaram para andar, falar e sair como Uday em diversos eventos.

Foi tão interessante para mim que acabei lendo um monte de livros e histórias sobre dublês corporais ao longo da história e todas as pessoas famosas que tiveram dublês. Achei uma história tão interessante, como é essa pessoa, o guarda-costas, porque ele não tem identidade. Você não tem um nome, você não tem família, seu único propósito é proteger essa pessoa e ninguém sabe realmente quem você é.

E essa é a ideia de O Portador da Espada: ele não tem nenhum propósito além de salvar a vida de outra pessoa. Kel não sabe da onde ele vem, quem são seus pais. Ele não sabe nem sua etnia. Tudo que ele conhece é a vida no palácio, onde ele finge ser o príncipe. O livro é sobre ele meio que acordando e pensando: “Quem sou eu? O que eu quero na minha vida?”.

Como esse livro é diferente do Mundo das Sombras? Foi difícil criar um romance em um universo complemente novo do que você está acostumada?

Eu diria que é diferente porque os Caçadores de Sombras realmente dependem de existir no nosso mundo. É o que eu chamei de um universo de fantasia contemporâneo. Eles estão se escondendo em toda parte, em Nova York, Londres, São Paulo, no Rio, na Argentina. Estão no nosso mundo, então as referências culturais são as mesmas.

Em O Portador da Espada, eu precisei criar um mundo inteiro do zero. A cidade de Castellane [onde se passa a história], não tem nenhuma conexão ou relação com o nosso mundo. É um universo totalmente diferente e tudo dentro dele - a história, o idioma, a magia - foi criado do zero. Isso foi muito difícil. É algo que eu nunca tinha feito. Até Magisterium [série que escreveu em parceria com Holly Black] se passava no nosso mundo.

Demorei cinco anos para escrever o livro, porque teve muita pesquisa envolvida para construir um sistema que funcionasse. Em algumas momentos, eu pensava: “Por que decidi fazer isso mesmo?”. É tanto trabalho, mas enquanto escritora, você precisa continuar se desafiando ou vai parar de encontrar aquela alegria em escrever. Foi um grande desafio para mim, mas no fim, estou feliz que o fiz.

Você planeja tudo o que vai acontecer nos seus livros antes de escrevê-los, mas com 23 títulos publicados, muitos no mesmo universo, isso deve ser difícil. Como você mantém a organização de tudo que você coloca nos seus livros?

Bem, parei de tentar organizar tudo na minha cabeça. É muito difícil. Eu costumava fazer isso com os Caçadores de Sombras e então pensei: “O que estou fazendo? Isso é loucura”. Não consigo me lembrar de tudo. Então eu, com minha assistente, criamos uma coisa que chamamos de “Bíblia da História”. Ela contém todos os detalhes do mundo dos Caçadores de Sombras.

Há seções para magia, armas, personagens, árvore genealógica, história, planos futuros. É codificado por cores, tento tornar isso o mais fácil possível para mim. Sempre vou olhar para isso quando estou começando um novo projeto do Mundo das Sombras para garantir que não estou esquecendo de nada. Eu comecei um arquivo como esse para O Portador da Espada. Obviamente não é tão grande, mas decidi que era uma boa ideia.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Poucos nomes se consolidaram na literatura jovem adulta da maneira como Cassandra Clare conseguiu. Ela já vendeu mais de 50 milhões de livros ao redor do mundo, incluindo 2,6 milhões de exemplares no Brasil, publicados entre 2010 e 2023 pela Galera Record, selo do Grupo Editorial Record.

Nascida no Irã e criada nos Estados Unidos, Cassandra é uma das convidadas da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que ocorre entre os dias 1º e 10 de setembro. Em conversa com o Estadão, ela chegou a comparar a ocasião com a Comic-Con dos Estados Unidos, o maior evento de cultura pop do mundo.

A escritora Cassandra Clare, que já vendeu 50 milhões de exemplares ao redor do mundo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Cassandra é autora da série best-seller Os Instrumentos Mortais. O primeiro livro da saga, Cidade dos Ossos, deu origem ao filme homônimo estrelado por Lily Collins e, alguns anos depois, à série Shadowhunters, da Netflix.

A história se passa no mundo fantasioso dos Caçadores de Sombras, guerreiros colocados no mundo para proteger os humanos de demônios e outras criaturas místicas. A trama é protagonizada e direcionada para adolescentes, e conquistou milhões deles pelo globo.

O universo criado pela escritora fez tanto sucesso que deu origem a outras quatro séries: As Peças Infernais, Os Artifícios das Trevas, As crônicas de Bane e As Últimas Horas, além de títulos que não fazem parte de coleções.

Ao todo, foram 19 livros publicados no chamado Mundo das Sombras. Agora, contudo, Cassandra vai se arriscar com outro público. Ela estará na Bienal no dias 2 e 3 de setembro para divulgar o seu primeiro livro de fantasia destinada ao público adulto, intitulado O Portador da Espada.

A autora teve a inspiração para a trama após assistir a um episódio da série documental Férias na Prisão que contava a histórias de pessoas que foram dublês de figuras públicas. O protagonista do livro, Kel, é um órfão que se torna dublê corporal e defensor de um príncipe.

Segundo a Galera Record, o livro deve entrar em pré-venda na próxima semana, quando a escritora estiver no Brasil. Veja a capa da edição brasileira, enviada com exclusividade ao Estadão:

Capa de 'O Portador da Espada', novo livro de Cassandra Clara. Foto: Divulgação/Galera Record

Às vésperas de sua vinda ao Brasil, Cassandra conversou por telefone com o Estadão e respondeu perguntas sobre seu novo lançamento, as mudanças no mercado dos livros de fantasia e como os leitores brasileiros se diferenciam dos demais. Confira:

Você tem muitos leitores aqui no Brasil. O que te deixa mais animada em voltar ao nosso País?

Estou muito animada para ver meus leitores brasileiros. Era para eu ter voltado em 2020 [para a Bienal do Livro de São Paulo], e todos sabemos o que aconteceu. Quando não consegui ir, fiquei muito triste. Eu me diverti muito na Bienal de 2014. As pessoas foram muito legais, super animadas. Elas sabiam muito sobre os Caçadores de Sombras e o Mundo das Sombras.

Sinto que temos muito o que conversar agora. Tem uma personagem brasileira em The Wicked Powers [nova série do mundo dos Caçadores de Sombras que está em desenvolvimento]. Eu a escrevi porque o Brasil é um dos países em que tenho mais leitores. Os fãs brasileiros são super ativos, engajados, sempre os vemos online. É uma força enorme. E acho que é incrível ver isso e essa energia indo para os livros e a leitura.

Alguns dos fãs aqui compram seus livros em inglês, e depois de novo em português. Como a sua base de fãs do Brasil é diferente da do resto do mundo?

Em outros países onde meus livros vendem bem, como a Alemanha, por exemplo, não vejo tantos fãs na internet. Não os vejo falando comigo. Eles estão lendo sozinhos. Quando vejo o Brasil, vejo as pessoas conversando umas com as outras, amigos que leem juntos, às vezes em grupos. Eu não julgo ninguém pela forma como a pessoa lê: você pode ler socialmente ou não.

Mas acho muito legal o que acontece no Brasil porque, quando eu era criança, gostaria de ter tido um grupo de pessoas com quem ler junto. Eu adoro ver que, no Brasil, é uma situação familiar também. Você tem mães, filhas e primas que podem estar lendo o mesmo livro. Para mim, o que há de diferente no Brasil é o quão social é a leitura.

A Bienal é um espaço em que muitos leitores e autores se reúnem. A Holly Black, que é sua amiga, também vem esse ano. Como você acha que esse tipo de evento é importante para o mercado editorial e também para conectar os leitores aos autores?

Eu acho que é muito importante. Poucos eventos em que estive foram tão grandes, intensos e focados quanto a Bienal. Ver tantas pessoas tão engajadas e entusiasmadas apenas com os livros. É do tamanho da Comic-Con aqui nos EUA. Mas a Comic-Con é feita de filmes, TV, quadrinhos e livros. A Bienal são apenas livros. É incrível.

Estamos viajando de longe para chegar até aí, mas realmente sentimos que é importante mostrar o quanto valorizamos nossos leitores brasileiros, porque às vezes é difícil se comunicar a distância e vocês são muito importantes. Vocês ajudam muito a espalhar a palavra sobre esses livros e o amor por eles. Eu aprecio tanto isso que quero ir dizer isso pessoalmente, e acho que é importante fazer esse esforço.

Cassandra Clare esteve no Brasil em 2014, quando participou da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

O seu primeiro livro foi publicado há mais de 15 anos e muitos dos seus leitores te acompanham desde então. Como você se sente sabendo que parte desse público cresceu com você e com seus personagens?

É maravilhoso. Eu adoro encontrar pessoas que leram meus livros quando tinham 12, 13, 14 anos e agora estão crescidos, têm carreiras e, às vezes, até filhos. É incrível ter uma relação com os leitores que dura tanto tempo, mas também é maravilhoso para mim ter novos leitores.

Conheci pessoas que estão lendo os livros agora que não eram nascidas quando Cidade dos Ossos foi lançado. E também tem pessoas que tinham 14 anos na época, e agora tem um emprego e uma família. É muito animador.

Quanto você diria que o mercado editorial mudou desde que você começou? Quais são as principais diferenças de lá para cá?

Acredito que o gênero de fantasia se tornou muito mais mainstream [popular ou dominante]. Quando eu comecei, era uma coisa muito nichada. Além disso, tinham muitas ideias de que a fantasia não era tão boa quanto a ficção realista ou que não seria tão popular. Agora, vemos essa grande explosão desse gênero a partir de livros que têm elementos fantásticos, como Crepúsculo, Jogos Vorazes, Divergente e O Príncipe Cruel.

Agora, para os adolescentes principalmente, não existe estigma em pegar um livro de fantasia. É completamente normal e isso é ótimo. Sempre quis que existissem mais leitores de fantasia. Eu cresci lendo o gênero, mas era difícil de encontrar. E é legal ver muito mais variedade agora.

Também acho que houve certo crescimento na literatura que chamamos de jovem adulta. Quando eu comecei, tínhamos que ser muito cuidadosos com o que podíamos dizer. Tinha muita resistência contra a ideia de, por exemplo, incluir personagens da comunidade LGBT+. Agora, isso é muito mais aceito e popular. Acredito que esse foi um desenvolvimento maravilhoso.

A indústria nem sempre foi gentil com mulheres que escrevem fantasia ou com mulheres que consomem o gênero. Você sente que isso mudou também?

Certamente, quando eu comecei, tinha uma atitude que dizia que mulheres escrevendo fantasia não eram artistas, porque estavam fazendo algo bobo. Eram os homens que estavam escrevendo as histórias épicas que eram famosas.

Penso sim que isso mudou e que existe muito mais respeito agora por mulheres escrevendo fantasia. Isso aconteceu por meio do esforço de muitas mulheres de diferentes passados e culturas que continuam escrevendo esses livros e os colocando no mundo para as pessoas que os amam.

Por muito tempo, a fantasia era uma coisa de homem. Você lia um livro do gênero e as mulheres só estavam lá pelo herói. No final do dia, ele matava o dragão e ganhava a garota. Agora, as mulheres são centrais nas histórias e isso é uma mudança enorme.

Vamos falar sobre ‘O Portador da Espada’. Temos visto muitas escritoras de livros jovens adultos ou adolescentes migrarem com sucesso para a fantasia adulta. O que te fez querer fazer parte dessa tendência?

Eu adoro escrever sobre o Mundo das Sombras e não vou parar de fazer isso. Mas, para mim, era sobre escrever personagens que estavam em uma época diferente da vida. Estive escrevendo sobre adolescentes pelos últimos 17 anos.

Sempre adorei esse período em que as pessoas estão decidindo quem elas querem ser, mas quando tive a ideia para O Portador da Espada, eles vieram à minha mente como adultos. Têm empregos, famílias, filhos, coisas que não são relacionáveis só para uma audiência adolescente. Pensei: “Bom, esse terá que ser escrito como uma romance adulto”.

Eu acho interessante como escritoras de livros adolescentes tem migrado para a fantasia adulta. Acredito que seja, em parte, porque tem muitos adultos agora que cresceram lendo essas obras para jovens adultos. Livros como os meus, ou, de novo, Jogos Vorazes e Crepúsculo. Ou de autoras como Leigh Bardugo [autora da série Sombra e Ossos] e Holly Black [autora de O Príncipe Cruel].

No campo dos livros jovens adultos, as fantasias lideradas por mulheres já são popular há algum tempo. Agora estamos trazendo isso para o mercado adulto e dizendo: “olha, somos mulheres escrevendo esses grandes livros de fantasia”. É ótimo ter essa oportunidade.

Você é amiga de escritoras como a Holly Black e Leigh Bardugo, que também seguiram o caminho de escrever fantasia adulta. Vocês conversaram muito sobre isso? Que tipo de conselho ou talvez experiência compartilhada você deu ou recebeu para elas?

Nós conversamos sobre isso sim. Eu trabalho muito de perto, em especial com a Holly. Vi muitos rascunhos de Livro da Noite, o livro adulto dela, e ela viu muitos rascunhos de O Portador da Espada. Holly é uma daquelas pessoas que é realmente maravilhosa com mistérios e estrutura. Então, ela está sempre olhando para o meu mistério e dizendo: “Como isso se conecta com aquilo?”. Ela é incrivelmente útil.

Acho que uma das coisas interessantes para mim com a Leigh Bardugo é que, quando conversamos sobre isso, ela passou da escrita de alta fantasia para a contemporânea e eu estou indo da contemporânea para a alta fantasia. Eu lembro dela me dizendo: “A geografia é o destino”, ou seja, onde o seu mundo imaginária está localizado?

Foi muito bom para mim ver que elas escreveram para adultos. Acho que os livros delas são maravilhosos. O fato de que as pessoas realmente gostaram deles me fez sentir mais confiante de que era algo eu poderia fazer também.

O protagonista de ‘O Portador da Espada’ é um órfão criado junto com um príncipe para ser seu dublê corporal e protegê-lo em todas as situações. Qual foi a inspiração para a história?

Eu estava vendo um programa de TV chamado Férias na Prisão e tinha um episódio sobre dublês e, especificamente dublês corporais de ditadores. Nesse caso, havia uma história específica sobre um homem que havia sido o dublê de Uday Hussein, que era filho de Saddam Hussein. Ele foi levado ao palácio real porque se parecia com Uday. Mudaram o rosto dele com a cirurgia plástica e o treinaram para andar, falar e sair como Uday em diversos eventos.

Foi tão interessante para mim que acabei lendo um monte de livros e histórias sobre dublês corporais ao longo da história e todas as pessoas famosas que tiveram dublês. Achei uma história tão interessante, como é essa pessoa, o guarda-costas, porque ele não tem identidade. Você não tem um nome, você não tem família, seu único propósito é proteger essa pessoa e ninguém sabe realmente quem você é.

E essa é a ideia de O Portador da Espada: ele não tem nenhum propósito além de salvar a vida de outra pessoa. Kel não sabe da onde ele vem, quem são seus pais. Ele não sabe nem sua etnia. Tudo que ele conhece é a vida no palácio, onde ele finge ser o príncipe. O livro é sobre ele meio que acordando e pensando: “Quem sou eu? O que eu quero na minha vida?”.

Como esse livro é diferente do Mundo das Sombras? Foi difícil criar um romance em um universo complemente novo do que você está acostumada?

Eu diria que é diferente porque os Caçadores de Sombras realmente dependem de existir no nosso mundo. É o que eu chamei de um universo de fantasia contemporâneo. Eles estão se escondendo em toda parte, em Nova York, Londres, São Paulo, no Rio, na Argentina. Estão no nosso mundo, então as referências culturais são as mesmas.

Em O Portador da Espada, eu precisei criar um mundo inteiro do zero. A cidade de Castellane [onde se passa a história], não tem nenhuma conexão ou relação com o nosso mundo. É um universo totalmente diferente e tudo dentro dele - a história, o idioma, a magia - foi criado do zero. Isso foi muito difícil. É algo que eu nunca tinha feito. Até Magisterium [série que escreveu em parceria com Holly Black] se passava no nosso mundo.

Demorei cinco anos para escrever o livro, porque teve muita pesquisa envolvida para construir um sistema que funcionasse. Em algumas momentos, eu pensava: “Por que decidi fazer isso mesmo?”. É tanto trabalho, mas enquanto escritora, você precisa continuar se desafiando ou vai parar de encontrar aquela alegria em escrever. Foi um grande desafio para mim, mas no fim, estou feliz que o fiz.

Você planeja tudo o que vai acontecer nos seus livros antes de escrevê-los, mas com 23 títulos publicados, muitos no mesmo universo, isso deve ser difícil. Como você mantém a organização de tudo que você coloca nos seus livros?

Bem, parei de tentar organizar tudo na minha cabeça. É muito difícil. Eu costumava fazer isso com os Caçadores de Sombras e então pensei: “O que estou fazendo? Isso é loucura”. Não consigo me lembrar de tudo. Então eu, com minha assistente, criamos uma coisa que chamamos de “Bíblia da História”. Ela contém todos os detalhes do mundo dos Caçadores de Sombras.

Há seções para magia, armas, personagens, árvore genealógica, história, planos futuros. É codificado por cores, tento tornar isso o mais fácil possível para mim. Sempre vou olhar para isso quando estou começando um novo projeto do Mundo das Sombras para garantir que não estou esquecendo de nada. Eu comecei um arquivo como esse para O Portador da Espada. Obviamente não é tão grande, mas decidi que era uma boa ideia.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Poucos nomes se consolidaram na literatura jovem adulta da maneira como Cassandra Clare conseguiu. Ela já vendeu mais de 50 milhões de livros ao redor do mundo, incluindo 2,6 milhões de exemplares no Brasil, publicados entre 2010 e 2023 pela Galera Record, selo do Grupo Editorial Record.

Nascida no Irã e criada nos Estados Unidos, Cassandra é uma das convidadas da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que ocorre entre os dias 1º e 10 de setembro. Em conversa com o Estadão, ela chegou a comparar a ocasião com a Comic-Con dos Estados Unidos, o maior evento de cultura pop do mundo.

A escritora Cassandra Clare, que já vendeu 50 milhões de exemplares ao redor do mundo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Cassandra é autora da série best-seller Os Instrumentos Mortais. O primeiro livro da saga, Cidade dos Ossos, deu origem ao filme homônimo estrelado por Lily Collins e, alguns anos depois, à série Shadowhunters, da Netflix.

A história se passa no mundo fantasioso dos Caçadores de Sombras, guerreiros colocados no mundo para proteger os humanos de demônios e outras criaturas místicas. A trama é protagonizada e direcionada para adolescentes, e conquistou milhões deles pelo globo.

O universo criado pela escritora fez tanto sucesso que deu origem a outras quatro séries: As Peças Infernais, Os Artifícios das Trevas, As crônicas de Bane e As Últimas Horas, além de títulos que não fazem parte de coleções.

Ao todo, foram 19 livros publicados no chamado Mundo das Sombras. Agora, contudo, Cassandra vai se arriscar com outro público. Ela estará na Bienal no dias 2 e 3 de setembro para divulgar o seu primeiro livro de fantasia destinada ao público adulto, intitulado O Portador da Espada.

A autora teve a inspiração para a trama após assistir a um episódio da série documental Férias na Prisão que contava a histórias de pessoas que foram dublês de figuras públicas. O protagonista do livro, Kel, é um órfão que se torna dublê corporal e defensor de um príncipe.

Segundo a Galera Record, o livro deve entrar em pré-venda na próxima semana, quando a escritora estiver no Brasil. Veja a capa da edição brasileira, enviada com exclusividade ao Estadão:

Capa de 'O Portador da Espada', novo livro de Cassandra Clara. Foto: Divulgação/Galera Record

Às vésperas de sua vinda ao Brasil, Cassandra conversou por telefone com o Estadão e respondeu perguntas sobre seu novo lançamento, as mudanças no mercado dos livros de fantasia e como os leitores brasileiros se diferenciam dos demais. Confira:

Você tem muitos leitores aqui no Brasil. O que te deixa mais animada em voltar ao nosso País?

Estou muito animada para ver meus leitores brasileiros. Era para eu ter voltado em 2020 [para a Bienal do Livro de São Paulo], e todos sabemos o que aconteceu. Quando não consegui ir, fiquei muito triste. Eu me diverti muito na Bienal de 2014. As pessoas foram muito legais, super animadas. Elas sabiam muito sobre os Caçadores de Sombras e o Mundo das Sombras.

Sinto que temos muito o que conversar agora. Tem uma personagem brasileira em The Wicked Powers [nova série do mundo dos Caçadores de Sombras que está em desenvolvimento]. Eu a escrevi porque o Brasil é um dos países em que tenho mais leitores. Os fãs brasileiros são super ativos, engajados, sempre os vemos online. É uma força enorme. E acho que é incrível ver isso e essa energia indo para os livros e a leitura.

Alguns dos fãs aqui compram seus livros em inglês, e depois de novo em português. Como a sua base de fãs do Brasil é diferente da do resto do mundo?

Em outros países onde meus livros vendem bem, como a Alemanha, por exemplo, não vejo tantos fãs na internet. Não os vejo falando comigo. Eles estão lendo sozinhos. Quando vejo o Brasil, vejo as pessoas conversando umas com as outras, amigos que leem juntos, às vezes em grupos. Eu não julgo ninguém pela forma como a pessoa lê: você pode ler socialmente ou não.

Mas acho muito legal o que acontece no Brasil porque, quando eu era criança, gostaria de ter tido um grupo de pessoas com quem ler junto. Eu adoro ver que, no Brasil, é uma situação familiar também. Você tem mães, filhas e primas que podem estar lendo o mesmo livro. Para mim, o que há de diferente no Brasil é o quão social é a leitura.

A Bienal é um espaço em que muitos leitores e autores se reúnem. A Holly Black, que é sua amiga, também vem esse ano. Como você acha que esse tipo de evento é importante para o mercado editorial e também para conectar os leitores aos autores?

Eu acho que é muito importante. Poucos eventos em que estive foram tão grandes, intensos e focados quanto a Bienal. Ver tantas pessoas tão engajadas e entusiasmadas apenas com os livros. É do tamanho da Comic-Con aqui nos EUA. Mas a Comic-Con é feita de filmes, TV, quadrinhos e livros. A Bienal são apenas livros. É incrível.

Estamos viajando de longe para chegar até aí, mas realmente sentimos que é importante mostrar o quanto valorizamos nossos leitores brasileiros, porque às vezes é difícil se comunicar a distância e vocês são muito importantes. Vocês ajudam muito a espalhar a palavra sobre esses livros e o amor por eles. Eu aprecio tanto isso que quero ir dizer isso pessoalmente, e acho que é importante fazer esse esforço.

Cassandra Clare esteve no Brasil em 2014, quando participou da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

O seu primeiro livro foi publicado há mais de 15 anos e muitos dos seus leitores te acompanham desde então. Como você se sente sabendo que parte desse público cresceu com você e com seus personagens?

É maravilhoso. Eu adoro encontrar pessoas que leram meus livros quando tinham 12, 13, 14 anos e agora estão crescidos, têm carreiras e, às vezes, até filhos. É incrível ter uma relação com os leitores que dura tanto tempo, mas também é maravilhoso para mim ter novos leitores.

Conheci pessoas que estão lendo os livros agora que não eram nascidas quando Cidade dos Ossos foi lançado. E também tem pessoas que tinham 14 anos na época, e agora tem um emprego e uma família. É muito animador.

Quanto você diria que o mercado editorial mudou desde que você começou? Quais são as principais diferenças de lá para cá?

Acredito que o gênero de fantasia se tornou muito mais mainstream [popular ou dominante]. Quando eu comecei, era uma coisa muito nichada. Além disso, tinham muitas ideias de que a fantasia não era tão boa quanto a ficção realista ou que não seria tão popular. Agora, vemos essa grande explosão desse gênero a partir de livros que têm elementos fantásticos, como Crepúsculo, Jogos Vorazes, Divergente e O Príncipe Cruel.

Agora, para os adolescentes principalmente, não existe estigma em pegar um livro de fantasia. É completamente normal e isso é ótimo. Sempre quis que existissem mais leitores de fantasia. Eu cresci lendo o gênero, mas era difícil de encontrar. E é legal ver muito mais variedade agora.

Também acho que houve certo crescimento na literatura que chamamos de jovem adulta. Quando eu comecei, tínhamos que ser muito cuidadosos com o que podíamos dizer. Tinha muita resistência contra a ideia de, por exemplo, incluir personagens da comunidade LGBT+. Agora, isso é muito mais aceito e popular. Acredito que esse foi um desenvolvimento maravilhoso.

A indústria nem sempre foi gentil com mulheres que escrevem fantasia ou com mulheres que consomem o gênero. Você sente que isso mudou também?

Certamente, quando eu comecei, tinha uma atitude que dizia que mulheres escrevendo fantasia não eram artistas, porque estavam fazendo algo bobo. Eram os homens que estavam escrevendo as histórias épicas que eram famosas.

Penso sim que isso mudou e que existe muito mais respeito agora por mulheres escrevendo fantasia. Isso aconteceu por meio do esforço de muitas mulheres de diferentes passados e culturas que continuam escrevendo esses livros e os colocando no mundo para as pessoas que os amam.

Por muito tempo, a fantasia era uma coisa de homem. Você lia um livro do gênero e as mulheres só estavam lá pelo herói. No final do dia, ele matava o dragão e ganhava a garota. Agora, as mulheres são centrais nas histórias e isso é uma mudança enorme.

Vamos falar sobre ‘O Portador da Espada’. Temos visto muitas escritoras de livros jovens adultos ou adolescentes migrarem com sucesso para a fantasia adulta. O que te fez querer fazer parte dessa tendência?

Eu adoro escrever sobre o Mundo das Sombras e não vou parar de fazer isso. Mas, para mim, era sobre escrever personagens que estavam em uma época diferente da vida. Estive escrevendo sobre adolescentes pelos últimos 17 anos.

Sempre adorei esse período em que as pessoas estão decidindo quem elas querem ser, mas quando tive a ideia para O Portador da Espada, eles vieram à minha mente como adultos. Têm empregos, famílias, filhos, coisas que não são relacionáveis só para uma audiência adolescente. Pensei: “Bom, esse terá que ser escrito como uma romance adulto”.

Eu acho interessante como escritoras de livros adolescentes tem migrado para a fantasia adulta. Acredito que seja, em parte, porque tem muitos adultos agora que cresceram lendo essas obras para jovens adultos. Livros como os meus, ou, de novo, Jogos Vorazes e Crepúsculo. Ou de autoras como Leigh Bardugo [autora da série Sombra e Ossos] e Holly Black [autora de O Príncipe Cruel].

No campo dos livros jovens adultos, as fantasias lideradas por mulheres já são popular há algum tempo. Agora estamos trazendo isso para o mercado adulto e dizendo: “olha, somos mulheres escrevendo esses grandes livros de fantasia”. É ótimo ter essa oportunidade.

Você é amiga de escritoras como a Holly Black e Leigh Bardugo, que também seguiram o caminho de escrever fantasia adulta. Vocês conversaram muito sobre isso? Que tipo de conselho ou talvez experiência compartilhada você deu ou recebeu para elas?

Nós conversamos sobre isso sim. Eu trabalho muito de perto, em especial com a Holly. Vi muitos rascunhos de Livro da Noite, o livro adulto dela, e ela viu muitos rascunhos de O Portador da Espada. Holly é uma daquelas pessoas que é realmente maravilhosa com mistérios e estrutura. Então, ela está sempre olhando para o meu mistério e dizendo: “Como isso se conecta com aquilo?”. Ela é incrivelmente útil.

Acho que uma das coisas interessantes para mim com a Leigh Bardugo é que, quando conversamos sobre isso, ela passou da escrita de alta fantasia para a contemporânea e eu estou indo da contemporânea para a alta fantasia. Eu lembro dela me dizendo: “A geografia é o destino”, ou seja, onde o seu mundo imaginária está localizado?

Foi muito bom para mim ver que elas escreveram para adultos. Acho que os livros delas são maravilhosos. O fato de que as pessoas realmente gostaram deles me fez sentir mais confiante de que era algo eu poderia fazer também.

O protagonista de ‘O Portador da Espada’ é um órfão criado junto com um príncipe para ser seu dublê corporal e protegê-lo em todas as situações. Qual foi a inspiração para a história?

Eu estava vendo um programa de TV chamado Férias na Prisão e tinha um episódio sobre dublês e, especificamente dublês corporais de ditadores. Nesse caso, havia uma história específica sobre um homem que havia sido o dublê de Uday Hussein, que era filho de Saddam Hussein. Ele foi levado ao palácio real porque se parecia com Uday. Mudaram o rosto dele com a cirurgia plástica e o treinaram para andar, falar e sair como Uday em diversos eventos.

Foi tão interessante para mim que acabei lendo um monte de livros e histórias sobre dublês corporais ao longo da história e todas as pessoas famosas que tiveram dublês. Achei uma história tão interessante, como é essa pessoa, o guarda-costas, porque ele não tem identidade. Você não tem um nome, você não tem família, seu único propósito é proteger essa pessoa e ninguém sabe realmente quem você é.

E essa é a ideia de O Portador da Espada: ele não tem nenhum propósito além de salvar a vida de outra pessoa. Kel não sabe da onde ele vem, quem são seus pais. Ele não sabe nem sua etnia. Tudo que ele conhece é a vida no palácio, onde ele finge ser o príncipe. O livro é sobre ele meio que acordando e pensando: “Quem sou eu? O que eu quero na minha vida?”.

Como esse livro é diferente do Mundo das Sombras? Foi difícil criar um romance em um universo complemente novo do que você está acostumada?

Eu diria que é diferente porque os Caçadores de Sombras realmente dependem de existir no nosso mundo. É o que eu chamei de um universo de fantasia contemporâneo. Eles estão se escondendo em toda parte, em Nova York, Londres, São Paulo, no Rio, na Argentina. Estão no nosso mundo, então as referências culturais são as mesmas.

Em O Portador da Espada, eu precisei criar um mundo inteiro do zero. A cidade de Castellane [onde se passa a história], não tem nenhuma conexão ou relação com o nosso mundo. É um universo totalmente diferente e tudo dentro dele - a história, o idioma, a magia - foi criado do zero. Isso foi muito difícil. É algo que eu nunca tinha feito. Até Magisterium [série que escreveu em parceria com Holly Black] se passava no nosso mundo.

Demorei cinco anos para escrever o livro, porque teve muita pesquisa envolvida para construir um sistema que funcionasse. Em algumas momentos, eu pensava: “Por que decidi fazer isso mesmo?”. É tanto trabalho, mas enquanto escritora, você precisa continuar se desafiando ou vai parar de encontrar aquela alegria em escrever. Foi um grande desafio para mim, mas no fim, estou feliz que o fiz.

Você planeja tudo o que vai acontecer nos seus livros antes de escrevê-los, mas com 23 títulos publicados, muitos no mesmo universo, isso deve ser difícil. Como você mantém a organização de tudo que você coloca nos seus livros?

Bem, parei de tentar organizar tudo na minha cabeça. É muito difícil. Eu costumava fazer isso com os Caçadores de Sombras e então pensei: “O que estou fazendo? Isso é loucura”. Não consigo me lembrar de tudo. Então eu, com minha assistente, criamos uma coisa que chamamos de “Bíblia da História”. Ela contém todos os detalhes do mundo dos Caçadores de Sombras.

Há seções para magia, armas, personagens, árvore genealógica, história, planos futuros. É codificado por cores, tento tornar isso o mais fácil possível para mim. Sempre vou olhar para isso quando estou começando um novo projeto do Mundo das Sombras para garantir que não estou esquecendo de nada. Eu comecei um arquivo como esse para O Portador da Espada. Obviamente não é tão grande, mas decidi que era uma boa ideia.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Poucos nomes se consolidaram na literatura jovem adulta da maneira como Cassandra Clare conseguiu. Ela já vendeu mais de 50 milhões de livros ao redor do mundo, incluindo 2,6 milhões de exemplares no Brasil, publicados entre 2010 e 2023 pela Galera Record, selo do Grupo Editorial Record.

Nascida no Irã e criada nos Estados Unidos, Cassandra é uma das convidadas da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que ocorre entre os dias 1º e 10 de setembro. Em conversa com o Estadão, ela chegou a comparar a ocasião com a Comic-Con dos Estados Unidos, o maior evento de cultura pop do mundo.

A escritora Cassandra Clare, que já vendeu 50 milhões de exemplares ao redor do mundo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Cassandra é autora da série best-seller Os Instrumentos Mortais. O primeiro livro da saga, Cidade dos Ossos, deu origem ao filme homônimo estrelado por Lily Collins e, alguns anos depois, à série Shadowhunters, da Netflix.

A história se passa no mundo fantasioso dos Caçadores de Sombras, guerreiros colocados no mundo para proteger os humanos de demônios e outras criaturas místicas. A trama é protagonizada e direcionada para adolescentes, e conquistou milhões deles pelo globo.

O universo criado pela escritora fez tanto sucesso que deu origem a outras quatro séries: As Peças Infernais, Os Artifícios das Trevas, As crônicas de Bane e As Últimas Horas, além de títulos que não fazem parte de coleções.

Ao todo, foram 19 livros publicados no chamado Mundo das Sombras. Agora, contudo, Cassandra vai se arriscar com outro público. Ela estará na Bienal no dias 2 e 3 de setembro para divulgar o seu primeiro livro de fantasia destinada ao público adulto, intitulado O Portador da Espada.

A autora teve a inspiração para a trama após assistir a um episódio da série documental Férias na Prisão que contava a histórias de pessoas que foram dublês de figuras públicas. O protagonista do livro, Kel, é um órfão que se torna dublê corporal e defensor de um príncipe.

Segundo a Galera Record, o livro deve entrar em pré-venda na próxima semana, quando a escritora estiver no Brasil. Veja a capa da edição brasileira, enviada com exclusividade ao Estadão:

Capa de 'O Portador da Espada', novo livro de Cassandra Clara. Foto: Divulgação/Galera Record

Às vésperas de sua vinda ao Brasil, Cassandra conversou por telefone com o Estadão e respondeu perguntas sobre seu novo lançamento, as mudanças no mercado dos livros de fantasia e como os leitores brasileiros se diferenciam dos demais. Confira:

Você tem muitos leitores aqui no Brasil. O que te deixa mais animada em voltar ao nosso País?

Estou muito animada para ver meus leitores brasileiros. Era para eu ter voltado em 2020 [para a Bienal do Livro de São Paulo], e todos sabemos o que aconteceu. Quando não consegui ir, fiquei muito triste. Eu me diverti muito na Bienal de 2014. As pessoas foram muito legais, super animadas. Elas sabiam muito sobre os Caçadores de Sombras e o Mundo das Sombras.

Sinto que temos muito o que conversar agora. Tem uma personagem brasileira em The Wicked Powers [nova série do mundo dos Caçadores de Sombras que está em desenvolvimento]. Eu a escrevi porque o Brasil é um dos países em que tenho mais leitores. Os fãs brasileiros são super ativos, engajados, sempre os vemos online. É uma força enorme. E acho que é incrível ver isso e essa energia indo para os livros e a leitura.

Alguns dos fãs aqui compram seus livros em inglês, e depois de novo em português. Como a sua base de fãs do Brasil é diferente da do resto do mundo?

Em outros países onde meus livros vendem bem, como a Alemanha, por exemplo, não vejo tantos fãs na internet. Não os vejo falando comigo. Eles estão lendo sozinhos. Quando vejo o Brasil, vejo as pessoas conversando umas com as outras, amigos que leem juntos, às vezes em grupos. Eu não julgo ninguém pela forma como a pessoa lê: você pode ler socialmente ou não.

Mas acho muito legal o que acontece no Brasil porque, quando eu era criança, gostaria de ter tido um grupo de pessoas com quem ler junto. Eu adoro ver que, no Brasil, é uma situação familiar também. Você tem mães, filhas e primas que podem estar lendo o mesmo livro. Para mim, o que há de diferente no Brasil é o quão social é a leitura.

A Bienal é um espaço em que muitos leitores e autores se reúnem. A Holly Black, que é sua amiga, também vem esse ano. Como você acha que esse tipo de evento é importante para o mercado editorial e também para conectar os leitores aos autores?

Eu acho que é muito importante. Poucos eventos em que estive foram tão grandes, intensos e focados quanto a Bienal. Ver tantas pessoas tão engajadas e entusiasmadas apenas com os livros. É do tamanho da Comic-Con aqui nos EUA. Mas a Comic-Con é feita de filmes, TV, quadrinhos e livros. A Bienal são apenas livros. É incrível.

Estamos viajando de longe para chegar até aí, mas realmente sentimos que é importante mostrar o quanto valorizamos nossos leitores brasileiros, porque às vezes é difícil se comunicar a distância e vocês são muito importantes. Vocês ajudam muito a espalhar a palavra sobre esses livros e o amor por eles. Eu aprecio tanto isso que quero ir dizer isso pessoalmente, e acho que é importante fazer esse esforço.

Cassandra Clare esteve no Brasil em 2014, quando participou da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

O seu primeiro livro foi publicado há mais de 15 anos e muitos dos seus leitores te acompanham desde então. Como você se sente sabendo que parte desse público cresceu com você e com seus personagens?

É maravilhoso. Eu adoro encontrar pessoas que leram meus livros quando tinham 12, 13, 14 anos e agora estão crescidos, têm carreiras e, às vezes, até filhos. É incrível ter uma relação com os leitores que dura tanto tempo, mas também é maravilhoso para mim ter novos leitores.

Conheci pessoas que estão lendo os livros agora que não eram nascidas quando Cidade dos Ossos foi lançado. E também tem pessoas que tinham 14 anos na época, e agora tem um emprego e uma família. É muito animador.

Quanto você diria que o mercado editorial mudou desde que você começou? Quais são as principais diferenças de lá para cá?

Acredito que o gênero de fantasia se tornou muito mais mainstream [popular ou dominante]. Quando eu comecei, era uma coisa muito nichada. Além disso, tinham muitas ideias de que a fantasia não era tão boa quanto a ficção realista ou que não seria tão popular. Agora, vemos essa grande explosão desse gênero a partir de livros que têm elementos fantásticos, como Crepúsculo, Jogos Vorazes, Divergente e O Príncipe Cruel.

Agora, para os adolescentes principalmente, não existe estigma em pegar um livro de fantasia. É completamente normal e isso é ótimo. Sempre quis que existissem mais leitores de fantasia. Eu cresci lendo o gênero, mas era difícil de encontrar. E é legal ver muito mais variedade agora.

Também acho que houve certo crescimento na literatura que chamamos de jovem adulta. Quando eu comecei, tínhamos que ser muito cuidadosos com o que podíamos dizer. Tinha muita resistência contra a ideia de, por exemplo, incluir personagens da comunidade LGBT+. Agora, isso é muito mais aceito e popular. Acredito que esse foi um desenvolvimento maravilhoso.

A indústria nem sempre foi gentil com mulheres que escrevem fantasia ou com mulheres que consomem o gênero. Você sente que isso mudou também?

Certamente, quando eu comecei, tinha uma atitude que dizia que mulheres escrevendo fantasia não eram artistas, porque estavam fazendo algo bobo. Eram os homens que estavam escrevendo as histórias épicas que eram famosas.

Penso sim que isso mudou e que existe muito mais respeito agora por mulheres escrevendo fantasia. Isso aconteceu por meio do esforço de muitas mulheres de diferentes passados e culturas que continuam escrevendo esses livros e os colocando no mundo para as pessoas que os amam.

Por muito tempo, a fantasia era uma coisa de homem. Você lia um livro do gênero e as mulheres só estavam lá pelo herói. No final do dia, ele matava o dragão e ganhava a garota. Agora, as mulheres são centrais nas histórias e isso é uma mudança enorme.

Vamos falar sobre ‘O Portador da Espada’. Temos visto muitas escritoras de livros jovens adultos ou adolescentes migrarem com sucesso para a fantasia adulta. O que te fez querer fazer parte dessa tendência?

Eu adoro escrever sobre o Mundo das Sombras e não vou parar de fazer isso. Mas, para mim, era sobre escrever personagens que estavam em uma época diferente da vida. Estive escrevendo sobre adolescentes pelos últimos 17 anos.

Sempre adorei esse período em que as pessoas estão decidindo quem elas querem ser, mas quando tive a ideia para O Portador da Espada, eles vieram à minha mente como adultos. Têm empregos, famílias, filhos, coisas que não são relacionáveis só para uma audiência adolescente. Pensei: “Bom, esse terá que ser escrito como uma romance adulto”.

Eu acho interessante como escritoras de livros adolescentes tem migrado para a fantasia adulta. Acredito que seja, em parte, porque tem muitos adultos agora que cresceram lendo essas obras para jovens adultos. Livros como os meus, ou, de novo, Jogos Vorazes e Crepúsculo. Ou de autoras como Leigh Bardugo [autora da série Sombra e Ossos] e Holly Black [autora de O Príncipe Cruel].

No campo dos livros jovens adultos, as fantasias lideradas por mulheres já são popular há algum tempo. Agora estamos trazendo isso para o mercado adulto e dizendo: “olha, somos mulheres escrevendo esses grandes livros de fantasia”. É ótimo ter essa oportunidade.

Você é amiga de escritoras como a Holly Black e Leigh Bardugo, que também seguiram o caminho de escrever fantasia adulta. Vocês conversaram muito sobre isso? Que tipo de conselho ou talvez experiência compartilhada você deu ou recebeu para elas?

Nós conversamos sobre isso sim. Eu trabalho muito de perto, em especial com a Holly. Vi muitos rascunhos de Livro da Noite, o livro adulto dela, e ela viu muitos rascunhos de O Portador da Espada. Holly é uma daquelas pessoas que é realmente maravilhosa com mistérios e estrutura. Então, ela está sempre olhando para o meu mistério e dizendo: “Como isso se conecta com aquilo?”. Ela é incrivelmente útil.

Acho que uma das coisas interessantes para mim com a Leigh Bardugo é que, quando conversamos sobre isso, ela passou da escrita de alta fantasia para a contemporânea e eu estou indo da contemporânea para a alta fantasia. Eu lembro dela me dizendo: “A geografia é o destino”, ou seja, onde o seu mundo imaginária está localizado?

Foi muito bom para mim ver que elas escreveram para adultos. Acho que os livros delas são maravilhosos. O fato de que as pessoas realmente gostaram deles me fez sentir mais confiante de que era algo eu poderia fazer também.

O protagonista de ‘O Portador da Espada’ é um órfão criado junto com um príncipe para ser seu dublê corporal e protegê-lo em todas as situações. Qual foi a inspiração para a história?

Eu estava vendo um programa de TV chamado Férias na Prisão e tinha um episódio sobre dublês e, especificamente dublês corporais de ditadores. Nesse caso, havia uma história específica sobre um homem que havia sido o dublê de Uday Hussein, que era filho de Saddam Hussein. Ele foi levado ao palácio real porque se parecia com Uday. Mudaram o rosto dele com a cirurgia plástica e o treinaram para andar, falar e sair como Uday em diversos eventos.

Foi tão interessante para mim que acabei lendo um monte de livros e histórias sobre dublês corporais ao longo da história e todas as pessoas famosas que tiveram dublês. Achei uma história tão interessante, como é essa pessoa, o guarda-costas, porque ele não tem identidade. Você não tem um nome, você não tem família, seu único propósito é proteger essa pessoa e ninguém sabe realmente quem você é.

E essa é a ideia de O Portador da Espada: ele não tem nenhum propósito além de salvar a vida de outra pessoa. Kel não sabe da onde ele vem, quem são seus pais. Ele não sabe nem sua etnia. Tudo que ele conhece é a vida no palácio, onde ele finge ser o príncipe. O livro é sobre ele meio que acordando e pensando: “Quem sou eu? O que eu quero na minha vida?”.

Como esse livro é diferente do Mundo das Sombras? Foi difícil criar um romance em um universo complemente novo do que você está acostumada?

Eu diria que é diferente porque os Caçadores de Sombras realmente dependem de existir no nosso mundo. É o que eu chamei de um universo de fantasia contemporâneo. Eles estão se escondendo em toda parte, em Nova York, Londres, São Paulo, no Rio, na Argentina. Estão no nosso mundo, então as referências culturais são as mesmas.

Em O Portador da Espada, eu precisei criar um mundo inteiro do zero. A cidade de Castellane [onde se passa a história], não tem nenhuma conexão ou relação com o nosso mundo. É um universo totalmente diferente e tudo dentro dele - a história, o idioma, a magia - foi criado do zero. Isso foi muito difícil. É algo que eu nunca tinha feito. Até Magisterium [série que escreveu em parceria com Holly Black] se passava no nosso mundo.

Demorei cinco anos para escrever o livro, porque teve muita pesquisa envolvida para construir um sistema que funcionasse. Em algumas momentos, eu pensava: “Por que decidi fazer isso mesmo?”. É tanto trabalho, mas enquanto escritora, você precisa continuar se desafiando ou vai parar de encontrar aquela alegria em escrever. Foi um grande desafio para mim, mas no fim, estou feliz que o fiz.

Você planeja tudo o que vai acontecer nos seus livros antes de escrevê-los, mas com 23 títulos publicados, muitos no mesmo universo, isso deve ser difícil. Como você mantém a organização de tudo que você coloca nos seus livros?

Bem, parei de tentar organizar tudo na minha cabeça. É muito difícil. Eu costumava fazer isso com os Caçadores de Sombras e então pensei: “O que estou fazendo? Isso é loucura”. Não consigo me lembrar de tudo. Então eu, com minha assistente, criamos uma coisa que chamamos de “Bíblia da História”. Ela contém todos os detalhes do mundo dos Caçadores de Sombras.

Há seções para magia, armas, personagens, árvore genealógica, história, planos futuros. É codificado por cores, tento tornar isso o mais fácil possível para mim. Sempre vou olhar para isso quando estou começando um novo projeto do Mundo das Sombras para garantir que não estou esquecendo de nada. Eu comecei um arquivo como esse para O Portador da Espada. Obviamente não é tão grande, mas decidi que era uma boa ideia.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Poucos nomes se consolidaram na literatura jovem adulta da maneira como Cassandra Clare conseguiu. Ela já vendeu mais de 50 milhões de livros ao redor do mundo, incluindo 2,6 milhões de exemplares no Brasil, publicados entre 2010 e 2023 pela Galera Record, selo do Grupo Editorial Record.

Nascida no Irã e criada nos Estados Unidos, Cassandra é uma das convidadas da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que ocorre entre os dias 1º e 10 de setembro. Em conversa com o Estadão, ela chegou a comparar a ocasião com a Comic-Con dos Estados Unidos, o maior evento de cultura pop do mundo.

A escritora Cassandra Clare, que já vendeu 50 milhões de exemplares ao redor do mundo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Cassandra é autora da série best-seller Os Instrumentos Mortais. O primeiro livro da saga, Cidade dos Ossos, deu origem ao filme homônimo estrelado por Lily Collins e, alguns anos depois, à série Shadowhunters, da Netflix.

A história se passa no mundo fantasioso dos Caçadores de Sombras, guerreiros colocados no mundo para proteger os humanos de demônios e outras criaturas místicas. A trama é protagonizada e direcionada para adolescentes, e conquistou milhões deles pelo globo.

O universo criado pela escritora fez tanto sucesso que deu origem a outras quatro séries: As Peças Infernais, Os Artifícios das Trevas, As crônicas de Bane e As Últimas Horas, além de títulos que não fazem parte de coleções.

Ao todo, foram 19 livros publicados no chamado Mundo das Sombras. Agora, contudo, Cassandra vai se arriscar com outro público. Ela estará na Bienal no dias 2 e 3 de setembro para divulgar o seu primeiro livro de fantasia destinada ao público adulto, intitulado O Portador da Espada.

A autora teve a inspiração para a trama após assistir a um episódio da série documental Férias na Prisão que contava a histórias de pessoas que foram dublês de figuras públicas. O protagonista do livro, Kel, é um órfão que se torna dublê corporal e defensor de um príncipe.

Segundo a Galera Record, o livro deve entrar em pré-venda na próxima semana, quando a escritora estiver no Brasil. Veja a capa da edição brasileira, enviada com exclusividade ao Estadão:

Capa de 'O Portador da Espada', novo livro de Cassandra Clara. Foto: Divulgação/Galera Record

Às vésperas de sua vinda ao Brasil, Cassandra conversou por telefone com o Estadão e respondeu perguntas sobre seu novo lançamento, as mudanças no mercado dos livros de fantasia e como os leitores brasileiros se diferenciam dos demais. Confira:

Você tem muitos leitores aqui no Brasil. O que te deixa mais animada em voltar ao nosso País?

Estou muito animada para ver meus leitores brasileiros. Era para eu ter voltado em 2020 [para a Bienal do Livro de São Paulo], e todos sabemos o que aconteceu. Quando não consegui ir, fiquei muito triste. Eu me diverti muito na Bienal de 2014. As pessoas foram muito legais, super animadas. Elas sabiam muito sobre os Caçadores de Sombras e o Mundo das Sombras.

Sinto que temos muito o que conversar agora. Tem uma personagem brasileira em The Wicked Powers [nova série do mundo dos Caçadores de Sombras que está em desenvolvimento]. Eu a escrevi porque o Brasil é um dos países em que tenho mais leitores. Os fãs brasileiros são super ativos, engajados, sempre os vemos online. É uma força enorme. E acho que é incrível ver isso e essa energia indo para os livros e a leitura.

Alguns dos fãs aqui compram seus livros em inglês, e depois de novo em português. Como a sua base de fãs do Brasil é diferente da do resto do mundo?

Em outros países onde meus livros vendem bem, como a Alemanha, por exemplo, não vejo tantos fãs na internet. Não os vejo falando comigo. Eles estão lendo sozinhos. Quando vejo o Brasil, vejo as pessoas conversando umas com as outras, amigos que leem juntos, às vezes em grupos. Eu não julgo ninguém pela forma como a pessoa lê: você pode ler socialmente ou não.

Mas acho muito legal o que acontece no Brasil porque, quando eu era criança, gostaria de ter tido um grupo de pessoas com quem ler junto. Eu adoro ver que, no Brasil, é uma situação familiar também. Você tem mães, filhas e primas que podem estar lendo o mesmo livro. Para mim, o que há de diferente no Brasil é o quão social é a leitura.

A Bienal é um espaço em que muitos leitores e autores se reúnem. A Holly Black, que é sua amiga, também vem esse ano. Como você acha que esse tipo de evento é importante para o mercado editorial e também para conectar os leitores aos autores?

Eu acho que é muito importante. Poucos eventos em que estive foram tão grandes, intensos e focados quanto a Bienal. Ver tantas pessoas tão engajadas e entusiasmadas apenas com os livros. É do tamanho da Comic-Con aqui nos EUA. Mas a Comic-Con é feita de filmes, TV, quadrinhos e livros. A Bienal são apenas livros. É incrível.

Estamos viajando de longe para chegar até aí, mas realmente sentimos que é importante mostrar o quanto valorizamos nossos leitores brasileiros, porque às vezes é difícil se comunicar a distância e vocês são muito importantes. Vocês ajudam muito a espalhar a palavra sobre esses livros e o amor por eles. Eu aprecio tanto isso que quero ir dizer isso pessoalmente, e acho que é importante fazer esse esforço.

Cassandra Clare esteve no Brasil em 2014, quando participou da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

O seu primeiro livro foi publicado há mais de 15 anos e muitos dos seus leitores te acompanham desde então. Como você se sente sabendo que parte desse público cresceu com você e com seus personagens?

É maravilhoso. Eu adoro encontrar pessoas que leram meus livros quando tinham 12, 13, 14 anos e agora estão crescidos, têm carreiras e, às vezes, até filhos. É incrível ter uma relação com os leitores que dura tanto tempo, mas também é maravilhoso para mim ter novos leitores.

Conheci pessoas que estão lendo os livros agora que não eram nascidas quando Cidade dos Ossos foi lançado. E também tem pessoas que tinham 14 anos na época, e agora tem um emprego e uma família. É muito animador.

Quanto você diria que o mercado editorial mudou desde que você começou? Quais são as principais diferenças de lá para cá?

Acredito que o gênero de fantasia se tornou muito mais mainstream [popular ou dominante]. Quando eu comecei, era uma coisa muito nichada. Além disso, tinham muitas ideias de que a fantasia não era tão boa quanto a ficção realista ou que não seria tão popular. Agora, vemos essa grande explosão desse gênero a partir de livros que têm elementos fantásticos, como Crepúsculo, Jogos Vorazes, Divergente e O Príncipe Cruel.

Agora, para os adolescentes principalmente, não existe estigma em pegar um livro de fantasia. É completamente normal e isso é ótimo. Sempre quis que existissem mais leitores de fantasia. Eu cresci lendo o gênero, mas era difícil de encontrar. E é legal ver muito mais variedade agora.

Também acho que houve certo crescimento na literatura que chamamos de jovem adulta. Quando eu comecei, tínhamos que ser muito cuidadosos com o que podíamos dizer. Tinha muita resistência contra a ideia de, por exemplo, incluir personagens da comunidade LGBT+. Agora, isso é muito mais aceito e popular. Acredito que esse foi um desenvolvimento maravilhoso.

A indústria nem sempre foi gentil com mulheres que escrevem fantasia ou com mulheres que consomem o gênero. Você sente que isso mudou também?

Certamente, quando eu comecei, tinha uma atitude que dizia que mulheres escrevendo fantasia não eram artistas, porque estavam fazendo algo bobo. Eram os homens que estavam escrevendo as histórias épicas que eram famosas.

Penso sim que isso mudou e que existe muito mais respeito agora por mulheres escrevendo fantasia. Isso aconteceu por meio do esforço de muitas mulheres de diferentes passados e culturas que continuam escrevendo esses livros e os colocando no mundo para as pessoas que os amam.

Por muito tempo, a fantasia era uma coisa de homem. Você lia um livro do gênero e as mulheres só estavam lá pelo herói. No final do dia, ele matava o dragão e ganhava a garota. Agora, as mulheres são centrais nas histórias e isso é uma mudança enorme.

Vamos falar sobre ‘O Portador da Espada’. Temos visto muitas escritoras de livros jovens adultos ou adolescentes migrarem com sucesso para a fantasia adulta. O que te fez querer fazer parte dessa tendência?

Eu adoro escrever sobre o Mundo das Sombras e não vou parar de fazer isso. Mas, para mim, era sobre escrever personagens que estavam em uma época diferente da vida. Estive escrevendo sobre adolescentes pelos últimos 17 anos.

Sempre adorei esse período em que as pessoas estão decidindo quem elas querem ser, mas quando tive a ideia para O Portador da Espada, eles vieram à minha mente como adultos. Têm empregos, famílias, filhos, coisas que não são relacionáveis só para uma audiência adolescente. Pensei: “Bom, esse terá que ser escrito como uma romance adulto”.

Eu acho interessante como escritoras de livros adolescentes tem migrado para a fantasia adulta. Acredito que seja, em parte, porque tem muitos adultos agora que cresceram lendo essas obras para jovens adultos. Livros como os meus, ou, de novo, Jogos Vorazes e Crepúsculo. Ou de autoras como Leigh Bardugo [autora da série Sombra e Ossos] e Holly Black [autora de O Príncipe Cruel].

No campo dos livros jovens adultos, as fantasias lideradas por mulheres já são popular há algum tempo. Agora estamos trazendo isso para o mercado adulto e dizendo: “olha, somos mulheres escrevendo esses grandes livros de fantasia”. É ótimo ter essa oportunidade.

Você é amiga de escritoras como a Holly Black e Leigh Bardugo, que também seguiram o caminho de escrever fantasia adulta. Vocês conversaram muito sobre isso? Que tipo de conselho ou talvez experiência compartilhada você deu ou recebeu para elas?

Nós conversamos sobre isso sim. Eu trabalho muito de perto, em especial com a Holly. Vi muitos rascunhos de Livro da Noite, o livro adulto dela, e ela viu muitos rascunhos de O Portador da Espada. Holly é uma daquelas pessoas que é realmente maravilhosa com mistérios e estrutura. Então, ela está sempre olhando para o meu mistério e dizendo: “Como isso se conecta com aquilo?”. Ela é incrivelmente útil.

Acho que uma das coisas interessantes para mim com a Leigh Bardugo é que, quando conversamos sobre isso, ela passou da escrita de alta fantasia para a contemporânea e eu estou indo da contemporânea para a alta fantasia. Eu lembro dela me dizendo: “A geografia é o destino”, ou seja, onde o seu mundo imaginária está localizado?

Foi muito bom para mim ver que elas escreveram para adultos. Acho que os livros delas são maravilhosos. O fato de que as pessoas realmente gostaram deles me fez sentir mais confiante de que era algo eu poderia fazer também.

O protagonista de ‘O Portador da Espada’ é um órfão criado junto com um príncipe para ser seu dublê corporal e protegê-lo em todas as situações. Qual foi a inspiração para a história?

Eu estava vendo um programa de TV chamado Férias na Prisão e tinha um episódio sobre dublês e, especificamente dublês corporais de ditadores. Nesse caso, havia uma história específica sobre um homem que havia sido o dublê de Uday Hussein, que era filho de Saddam Hussein. Ele foi levado ao palácio real porque se parecia com Uday. Mudaram o rosto dele com a cirurgia plástica e o treinaram para andar, falar e sair como Uday em diversos eventos.

Foi tão interessante para mim que acabei lendo um monte de livros e histórias sobre dublês corporais ao longo da história e todas as pessoas famosas que tiveram dublês. Achei uma história tão interessante, como é essa pessoa, o guarda-costas, porque ele não tem identidade. Você não tem um nome, você não tem família, seu único propósito é proteger essa pessoa e ninguém sabe realmente quem você é.

E essa é a ideia de O Portador da Espada: ele não tem nenhum propósito além de salvar a vida de outra pessoa. Kel não sabe da onde ele vem, quem são seus pais. Ele não sabe nem sua etnia. Tudo que ele conhece é a vida no palácio, onde ele finge ser o príncipe. O livro é sobre ele meio que acordando e pensando: “Quem sou eu? O que eu quero na minha vida?”.

Como esse livro é diferente do Mundo das Sombras? Foi difícil criar um romance em um universo complemente novo do que você está acostumada?

Eu diria que é diferente porque os Caçadores de Sombras realmente dependem de existir no nosso mundo. É o que eu chamei de um universo de fantasia contemporâneo. Eles estão se escondendo em toda parte, em Nova York, Londres, São Paulo, no Rio, na Argentina. Estão no nosso mundo, então as referências culturais são as mesmas.

Em O Portador da Espada, eu precisei criar um mundo inteiro do zero. A cidade de Castellane [onde se passa a história], não tem nenhuma conexão ou relação com o nosso mundo. É um universo totalmente diferente e tudo dentro dele - a história, o idioma, a magia - foi criado do zero. Isso foi muito difícil. É algo que eu nunca tinha feito. Até Magisterium [série que escreveu em parceria com Holly Black] se passava no nosso mundo.

Demorei cinco anos para escrever o livro, porque teve muita pesquisa envolvida para construir um sistema que funcionasse. Em algumas momentos, eu pensava: “Por que decidi fazer isso mesmo?”. É tanto trabalho, mas enquanto escritora, você precisa continuar se desafiando ou vai parar de encontrar aquela alegria em escrever. Foi um grande desafio para mim, mas no fim, estou feliz que o fiz.

Você planeja tudo o que vai acontecer nos seus livros antes de escrevê-los, mas com 23 títulos publicados, muitos no mesmo universo, isso deve ser difícil. Como você mantém a organização de tudo que você coloca nos seus livros?

Bem, parei de tentar organizar tudo na minha cabeça. É muito difícil. Eu costumava fazer isso com os Caçadores de Sombras e então pensei: “O que estou fazendo? Isso é loucura”. Não consigo me lembrar de tudo. Então eu, com minha assistente, criamos uma coisa que chamamos de “Bíblia da História”. Ela contém todos os detalhes do mundo dos Caçadores de Sombras.

Há seções para magia, armas, personagens, árvore genealógica, história, planos futuros. É codificado por cores, tento tornar isso o mais fácil possível para mim. Sempre vou olhar para isso quando estou começando um novo projeto do Mundo das Sombras para garantir que não estou esquecendo de nada. Eu comecei um arquivo como esse para O Portador da Espada. Obviamente não é tão grande, mas decidi que era uma boa ideia.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Entrevista por Julia Queiroz

Repórter de Cultura do Estadão

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