Quem passava pela porta do número 58 da Praça Prof.ᵃ Emília Barbosa Lima, no Alto Pinheiros, há algumas semanas já percebia uma movimentação diferente. O que anos atrás era uma casa lotérica discreta virou um sobrado bonito, com um fachada de vidro e madeira, que agora se destaca na vizinhança.
Seria um restaurante? Uma loja de roupas? Um escola de inglês? A mesa que ocupa a sala de entrada não revelava muita coisa. E o balcão do lado esquerdo, ainda com poucos utensílios, também não. Foi só quando as estantes foram instaladas e os livros começaram a chegar a todo o vapor que deu para entender que aquela casa abrigaria a nova livraria independente de São Paulo: a Bibla. E abrigaria também um café.
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Foram 12 meses de reforma até que o estabelecimento se transformasse no ambiente sonhado pelas sócias Alessandra Effori, 48, Isadora Peruch, 33, e Luciana Gil, 44. Cada canto da livraria foi pensado por elas de forma minuciosa: da localização da escada que leva ao segundo andar até os pequenos detalhes da decoração, composta quase inteiramente por itens garimpados em leilões e lojas de móveis usados.
A Bibla vem numa onda de livrarias na capital que querem ser mais do que um espaço de venda de livros. Para Isadora, Luciana e Alessandra - que juntas têm nove filhos, todos alunos da Escola Vera Cruz, que tem uma unidade do outro lado da praça -, ela tem que ser uma combinação entre literatura, gastronomia e espaço cultural que pode unir e servir à comunidade do bairro.
“Nós temos certeza de que o entorno precisa disso que estamos criando”, diz Isadora, em uma conversa com o Estadão no andar de cima da Bibla, quando os livros ainda não preenchiam todas as prateleiras da livraria, mas os sofás, mesas e cadeiras já estavam organizados e prontos para um café e bolo da tarde.
Quando a loja abrir, na próxima sexta-feira, 10 de maio, serão cerca de 3 mil títulos e 5 mil exemplares de diferentes editoras, com curadoria pensada e organizada pelas três, com livros de ficção nacional e internacional, clássicos e contemporâneos e não ficção. A literatura infantojuvenil vai compor 50% do acervo. Completam o cardápio da livraria tortas, sanduíches e omeletes. Trata-se de um soft opening. No segundo ou terceiro mês após a inauguração, a Bibla também deve começar a servir opções de almoço mais “robustas”.
Novas livreiras com experiências diversas
As três sócias vêm de áreas bem diferentes. Alessandra, formada em Letras, trabalhou com produção cultural e na Fundação Bienal de São Paulo. Luciana é psicóloga, com foco em educação e psicologia social. Elas se conheceram por conta dos filhos e tinham uma dúvida em comum: “Será que meu trabalho vai caber em um horário comercial? Será que quero isso depois de descobrir como é ter tempo de qualidade com meus filhos?”.
Sempre foram grandes leitoras e, juntas, perceberam a vontade de abrir uma livraria. “Colocamos as coisas no papel e percebemos que não conseguiríamos. Aí que entrou a Isadora”, lembra Luciana. A única não paulista do grupo, de Criciúma, Santa Catarina, Isadora se formou em teatro e trabalhou com produção de cinema. Mas admite: o lugar em que mais foi feliz trabalhando foi justamente um café.
“Fui estudar vinho e trabalhei com isso durante um período. Quando conheci a Luciana e a Alessandra, estava fazendo um projeto de um café nessa região. E ainda por cima estava olhando o mesmo imóvel que elas”, conta. Foi uma amiga em comum entre as três que fez o encontro acontecer, propondo uma conversa sem compromisso, só uma troca de ideias. No mesmo dia, um grupo no WhatsApp estava formado: “As sócias”.
Alessandra Effori
A partir daí começou um longo trabalho de planejamento e pesquisa. Visitaram diversas livrarias de rua, cafés e estabelecimentos que ofereciam combinações do tipo em São Paulo. Foram até a Argentina, que dizem ter sido o lugar que mais as inspirou, e conversaram com muitas pessoas - de amigos e familiares a especialistas e escritores.
“Usamos esses lugares como inspiração e referência, mas construindo algo diferente. Não era a ideia copiar um modelo de alguém, mas sim criar o lugar dos sonhos para nós. Identificamos tudo o que gostaríamos que tivesse nesse lugar e estamos no caminho de construção. Daqui a um ano, pode ser diferente. Temos essa consciência como empreendedoras também”, explica Isadora.
Por que abrir uma livraria (e um café) ?
Na era dos e-books e do comércio digital, abrir uma livraria pode ser uma escolha arriscada. Mas para Isadora, Luciana e Alessandra era uma oportunidade de negócio. Além do Vera Cruz, a Bibla fica perto de outras 13 escolas, como o Colégio Santa Clara e o Colégio Rainha da Paz, e em uma área bastante residencial. Mas, saindo dali, para visitar uma livraria de rua como a Livraria da Vila, na Vila Madalena, a pé, é preciso andar por pelo menos 35, 40 minutos. A Mandarina, que fica a uma distância semelhante, fechará as portas nesta semana.
“Nós três moramos relativamente perto daqui. Não tem muitas opções de café para você você ir à tarde. Tem uma demanda reprimida e pouquíssimas opções. Enxergamos isso como uma oportunidade de negócios”, diz Luciana. Ela acrescenta que o retorno, ainda que não financeiro, já tem chegado: “Uma senhora falou: ‘era tudo o que precisava nesse bairro’”.
Alessandra vai além: “Tem um ato de resistência, de ocupação dos espaços públicos. Tem um desejo nosso de dizer: vamos voltar um pouco para o analógico? Desapegar do digital? Fazer uma pausa? A livraria entra nesse lugar de convite”. O café, para elas, é um complemento nessa ação.
“O café te convida para um tempo. Você não vai entrar, comprar o livro e sair correndo. Vai sentar, tomar um café, pensar um pouco”, explica Isadora. “Queremos muito tirar esse lugar meio intocável do livro. Queremos que você possa pegar um livro da estante, sentar aqui e tomar um café. Mesmo que você não leve ele para casa. E se acontecer um acidente, se sujar o livro, tudo bem. Queremos ter essa confiança.”
Luciana Gil
Os livros, inclusive, serão divididos em seções com nomes criativos, com o objetivo de instigar os clientes. Os títulos premiados, por exemplo, estão na prateleira “E o Oscar vai para...”, as biografias estão em “A vida dos outros”, os clássicos, em “Senta que lá vem história”, os autores amigos, em “a Prata da Casa”, enquanto os lançamentos estão na seção “Pão quentinho”.
“A livraria hoje, para mim, é o lugar de descobrir e comprar aquele livro que você não ia descobrir na internet. É a possibilidade de você chegar e poder perguntar para o livreiro, pedir uma opinião e trocar uma ideia”, diz Isadora. “E não conversar só com o livreiro, mas, também, com outras pessoas que estão passando por aqui e olhando”, completa Luciana.
Um palco
Há um pequeno palco no fundo do segundo andar da Bibla. Vai ter um violão ali à espera - de um sarau, um lançamento, uma palestra. Segundo as sócias, já tem até evento marcado e escritores da região já demonstraram interesse em fazer algo no local. Elas também pensam em fazer futuras parcerias com as escolas do entorno, para proporcionar algo diferente para os pequenos leitores. “O livreiro é um mediador cultural. Ele faz a ponte entre o produto artístico e o leitor. A Bibla faz um pouco esse papel também. Somos um comércio, mas temos esse desejo de sermos um espaço cultural”, diz Alessandra.
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Bibla Livraria
- A partir de 10 de maio
- Praça Prof.ᵃ Emília Barbosa Lima, 58 — Alto de Pinheiros. Tel.: 11 99941-0682
- 2ª a 6ª, das 11h às 19h. Sábado, das 9h às 14h. Fecha no domingo.
- Site: www.bibla.com.br
- Instagram: @bibla.bibla